sexta-feira, 17 de julho de 2015

Cunha acusado de receber propina e intimidar doleiro

Delator: Cunha ganhou propina

• Júlio Camargo diz ter pago us$ 5 milhões ao presidente da Câmara; Youssef afirma estar sendo intimidado

Renato Onofre e Thais Skodowski – O Globo

SÃO PAULO e CURITIBA - O consultor Júlio Camargo, delator da Operação Lava-Jato, colocou ontem o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, no centro do escândalo da Petrobras. Em depoimento ao juiz Sérgio Moro, da Justiça Federal do Paraná, ele disse que foi pressionado por Cunha a pagar US$ 10 milhões em propinas referentes à contratação de navios-sonda pela Petrobras. Segundo o delator, US$ 5 milhões foram pedidos por Cunha pessoalmente e pagos através de Fernando Baiano, operador do PMDB na estatal. O delator contou que o dinheiro foi efetivamente entregue ao presidente da Câmara. O conteúdo do depoimento foi revelado ontem pelo site do GLOBO.

Eduardo Cunha negou a acusação e afirmou que o delator é um "mentiroso". Desafiou Camargo a provar as acusações e disse, ainda, que o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, obrigou o delator a mentir.

Na audiência de ontem, Camargo afirmou que já havia dado declarações sobre o envolvimento de Cunha no esquema à Procuradoria-Geral da República, em Brasília, em duas oportunidades nos últimos meses. Assim como outros políticos citados na Operação Lava-Jato, Cunha tem foro privilegiado, o que faz com que o processo corra no Supremo Tribunal Federal (STF).

Camargo foi consultor das empreiteiras Toyo e Camargo Corrêa. Ontem, contou à Justiça como foi o processo de contratação dos navios-sonda Vitória 10.000 e Petrobras 10.000, produzidos pela Samsung Heavy Industries na Coreia, entre 2006 e 2007. Os contratos valiam US$ 1,2 bilhão. Para intermediar o negócio, Camargo receberia US$ 53 milhões, dos quais US$ 40 milhões seriam repassados a agentes políticos.

Em função de atrasos na propina, o delator relatou que, em 2011, foi surpreendido por dois requerimentos na Comissão de Fiscalização da Câmara para investigar a atuação da Samsung nos contratos. Camargo conta que, por intermédio do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, teve um encontro com o então ministro de Minas e Energia Edison Lobão no aeroporto Santos Dumont:

- Lobão viu o documento e falou: "Isso é coisa do Eduardo (Cunha)". Ele pegou seu celular e ligou para o deputado Eduardo Cunha na minha frente. Ele disse: "Eduardo, estou aqui com o Júlio Camargo. Você está louco?" - disse.

"Deputado pau-mandado"
Camargo afirmou que seu débito com Fernando Baiano era de US$ 10 milhões. Em depoimento anterior, Camargo havia mencionado "aproximadamente US$ 8 milhões". No novo relato, o consultor disse que parte desse dinheiro iria para Cunha.

- (Fernando) disse: "Estou sendo pressionado violentamente, inclusive pelo deputado Eduardo Cunha". Eu falei: "Estou à disposição para falar com o deputado, explicar a ele o que está acontecendo". Mas o Fernando me disse. "Júlio, ele não quer falar com você. Ele quer receber".

Camargo afirmou que, algum tempo depois, conseguiu finalmente marcar um encontro com Cunha em um edifício comercial no Leblon:

- (Cunha disse) que havia um débito meu com o Fernando no qual ele (Cunha) era merecedor de U$ 5 milhões e que isso estava atrapalhando, porque estava em véspera de campanha, (...) e eu vinha alongando esse pagamento há bastante tempo, e ele não tinha condições de aguardar.

Para quitar a dívida, Camargo recorreu também aos serviços do doleiro Alberto Youssef. Ele afirma ter feito operações financeiras com a GDF e a RFY (empresas ligadas a Youssef), além de transferências a empresas de Fernando Baiano.

- Ele (Cunha) me disse: "Você pode até pagar o Fernando mais dilatado, o meu eu preciso mais rapidamente. Mas eu faço questão de você incluir no acordo o que ainda falta você pagar ao Fernando - afirma Camargo.

O GLOBO localizou nos autos da Lava-Jato comprovantes dos pagamentos do delator às empresas de Soares e Youssef, mencionadas por Camargo. Um dos advogados presentes no depoimento perguntou a Camargo quem foram os beneficiários dessa propina:

- Eu não sabia que ele (Fernando Soares) tinha um sócio oculto, que era o deputado Eduardo Cunha, que também ganhou.

Ontem mesmo, Moro ouviu Youssef sobre a negociação dos navios-sonda. Ao final, o advogado Antônio Figueiredo Basto perguntou ao doleiro se ele está sendo intimidado:

- Sim, venho sofrendo intimidação pelas minhas filhas, minha ex-esposa, pela CPI. E eu acho um absurdo. Eu, como réu colaborador, quero deixar claro que estou sendo intimidado pela CPI da Petrobras, por um deputado pau-mandado do deputado Eduardo Cunha.

Camargo alegou que não fez as acusações anteriormente por temer retaliações de Cunha.

- O maior receio é com a família. Quem age dessa maneira perfeitamente pode agir contra terceiros. (Colaboraram Germano Oliveira, Julianna Granjeia, Mariana Sanches, Sérgio Roxo, Silvia Amorim, Thiago Herdy e Tiago Dantas) .

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