sexta-feira, 24 de julho de 2015

Cristian Klein - Dilma e Cunha, ação e reação

- Valor Econômico

• Ao estilo Dilma seguiu-se a onda Eduardo Cunha

Foi no Carnaval do ano passado que o clima entre o PT e o governo federal, de um lado, e o então líder da bancada federal do PMDB, Eduardo Cunha, começou a azedar de vez.

Como se sabe, Cunha, hoje presidente da Câmara, esticou a corda ao máximo até rompê-la, há uma semana, quando declarou sua saída da base aliada da presidente Dilma Rousseff.

A rigor, Cunha nunca foi um parceiro do PT, mas mantinha a aparência dentro do figurino que cabe ao PMDB em mais de duas décadas.

O de partido central, que extrai seu poder essencialmente da barganha, da ocupação de postos da máquina administrativa, da intermediação de interesses que nem sempre ousam dizer seu nome - e muito menos pela formulação de grandes políticas públicas bem-sucedidas.
O radicalismo de Cunha não combina com a moderação que remonta à máxima do velho Ulysses Guimarães, o "senhor Constituinte" e líder do MDB, que parece ser a doutrina da legenda: "Em política, você não pode estar tão próximo que amanhã não possa estar distante, nem tão distante que amanhã não possa se aproximar".

Cunha, agora, está longe demais. Riscou o chão e, do seu lado, não se vê, pelo menos por enquanto, muitos seguidores entre os correligionários. Na oposição, a solidariedade é envergonhada. Seu envolvimento na Lava-Jato atrapalha associações explícitas. O 'timing' do rompimento exacerbou a motivação pessoal em detrimento das divergências políticas ou programáticas. Foi logo depois de vir à tona a acusação de ter recebido US$ 5 milhões de propina em contrato da Petrobras.

Criou um enorme fato político. Mas na cortina de fumaça esqueceu-se até de afirmar inocência. Acusou o governo de persegui-lo e foi para a oposição. Mas, no cenário nacional, o PMDB é governista por vocação.

A tarefa de Cunha é escapar do isolamento. Tornou-se, em suas próprias palavras, um "pregador", um "militante", para convencer o partido a acompanhá-lo para longe dos petistas.

Atribui-se a declarações do presidente nacional do PT, Rui Falcão, na Marquês de Sapucaí, no ano passado, o ponto de inflexão na relação conturbada entre o parlamentar e os petistas. Falcão reclamava que o PMDB do Rio realizava uma chantagem ao ameaçar que apoiaria o tucano Aécio Neves à Presidência, caso o governo federal não lhe cedesse um ministério e se o PT não desistisse de lançar candidato próprio à sucessão do então governador Sérgio Cabral.

"A cada dia que passo me convenço mais que temos de repensar esta aliança, porque não somos respeitados pelo PT", rebateu Cunha, de pronto, pelo Twitter, no tardio Carnaval de março.

Antes, porém, em fevereiro, no início dos trabalhos legislativos, o deputado já havia articulado quase uma dezena de partidos no que ficou conhecido como "blocão". Era uma frente que chegou a ter mais de 250 parlamentares, com siglas aliadas e da oposição - uma base paralela à do governo Dilma, sob o comando de Cunha.

O blocão e o bate-boca momesco entre Cunha e Falcão eram ação e reação do comportamento de ambos partidos e de seus líderes, nacionais e regionais.

Antes, em fins de janeiro, o PT fluminense anunciara o rompimento e entregara os cargos no governo de Sérgio Cabral. Preparava-se para lançar o senador Lindbergh Farias, numa tentativa de quebrar a hegemonia do PMDB no Rio.

Cabral estava no chão, com a maior impopularidade entre os 27 governadores, depois de se tornar alvo permanente dos protestos iniciados em junho de 2013. O ex-presidente Lula, sempre próximo de Cabral, em vez de ajudar, acreditou que o aliado estava morto e patrocinou a candidatura Lindbergh, até hoje considerada alta traição, difícil de ser engolida pelo PMDB do Rio - ou pelo menos de um de seus grupos, liderado pelo ex-governador.

Com a anuência de Cabral, Eduardo Cunha partiu para cima do governo federal, como uma espécie de rottweiler parlamentar. Os demais partidos, para demonstrar força diante da presidente Dilma, juntaram-se ao movimento do blocão, encabeçado pelo deputado que exercia influência cada vez maior sobre os pares a ponto de chegar, neste ano, à presidência da Câmara.

Em 2013, Cunha já havia estado no epicentro de grandes votações e discussões de projetos, como um obstáculo aos interesses do Executivo. Foi o caso do marco civil da internet e da MP dos Portos - aprovada na sessão mais longa da Câmara em 22 anos, com quase 22 horas e meia de duração.

Em 2007, o deputado emplacou a indicação do ex-prefeito do Rio, Luiz Paulo Conde, à presidência de Furnas, subsidiária da Eletrobras. Antes, apoiara a reeleição de Lula e travara uma queda-de-braço com o Executivo em torno do projeto que prorrogaria a CPMF e da qual era relator.

Cunha é um especialista na política do toma-lá-dá-cá, talvez a mais respeitada pelos colegas de Congresso que o elegeram seu porta-voz. Política é barganha.

Ocorre que o pemedebista sempre atuou nos bastidores. E possivelmente permanecesse lá um bom tempo, sem se expor exageradamente aos holofotes da mídia e à mira da Justiça.

Não é exatamente uma coincidência que sua ascensão, com todo o estardalhaço, tenha acontecido ao longo do governo Dilma, uma presidente dogmática, avessa à negociação, à barganha - ou seja, à prática política como ela é. A chegada de Dilma ao poder, em 2011, reduziu os graus de liberdade de Cunha e sua influência no setor de energia, como em Furnas.

Em resposta, o deputado ergueu-se como seu antípodas. Talvez preferisse se manter à sombra. Os degraus que subiu - liderança do PMDB, presidência da Câmara - podem ser interpretados mais como estratégia de sobrevivência dos seus e de outros interesses, como os do PMDB do Rio - do que um plano pensado.

Mais uma vez, ação e reação. À onda Dilma, que se quer progressista, seguiu-se a onda Cunha, declaradamente conservadora, na economia e nos costumes.

Para azar do presidente da Câmara, no entanto, pode ser que o PMDB queira ficar no seu lugar preferido: o centro.

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