terça-feira, 16 de junho de 2015

Vinicius Torres Freire - Menos salário, menos demissões

- Folha de S. Paulo

• Esta recessão pode ser diferente, diz grupo do Ipea, com mais perda de renda do que de empregos

Desta vez, pode ser diferente: talvez a recessão venha a talhar mais o salário do que o emprego. A hipótese até otimista é dos economistas do Grupo de Estudos de Conjuntura do Ipea, que ontem publicou análise do mercado de trabalho. O Ipea é o instituto federal de pesquisas em economia.

Se possível, seria um ajuste menos dolorido: menos demissões e menos pressão inflacionária.

O que indica a "possibilidade de que, ao contrário de crises anteriores, os ajustes do mercado de trabalho comecem a impactar mais fortemente os salários e menos intensamente o nível de ocupação"?

Primeiro, na década passada aumentou a formalização do emprego, e demitir celetistas custa caro: multa do FGTS, férias, aviso prévio.

Segundo, mais gente trabalha no setor de serviços, que tem sido menos afetado pela recessão.

Terceiro, os salários cresceram até 2014, o que pode dar agora margem a reajustes menores, inferiores à inflação, o que reduziria o valor real do rendimento (por haver gordura para queimar? O pessoal do Ipea não explica bem a hipótese).

A primeira hipótese é que os salários não seriam tão rígidos. Em vez de demitir a fim de ajustar custos às vendas em queda, a empresa poderia contar com alguma forma de redução de salários. No caso de categorias organizadas e correlatas, o instrumento menos improvável dessa redução seria um dissídio igual ou inferior à inflação (zero ou redução de salário real).

A segunda hipótese é que o setor de serviços resistirá, encolhendo menos que a média da economia.

A terceira, que muitos dos salários estariam acima o bastante de um limitar crítico qualquer a ponto de a perda do poder de compra não suscitar reações trabalhistas.

No caso do primeiro argumento, por que as empresas conseguiriam trocar demissões por reajustes menores? Elas teriam o incentivo de não demitir (custo alto), mas por que os trabalhadores não iriam à luta por reajustes ao menos iguais à inflação? Perderam poder de barganha, mesmo em ambiente em que o desemprego ainda não explodiu? Mudaram de estratégia, como os sindicatos alemães dos 1990/2000 (que aceitaram fórmula de menos demissão com menos reajuste)? "Pacto social"? Porque ganham mais, embora pouco?

De resto, os salários da base da pirâmide formal são praticamente indexados ao salário mínimo, que em 2016 será reajustado pelo menos pela inflação ruim de 2015, a não ser que o governo mude a política.

O mínimo reajusta salários de governos pobres, de serviços pouco qualificados e comércio. Difícil imaginar que a pressão dupla da alta de custos salariais e da queda de demanda não vá afetar serviços e comércio. De resto, o inflacionado setor de serviços em tese é chave no ajuste: foi lá que houve aumento maior de emprego e mais inflação. Se empregos e investimentos não migrarem de serviços para, digamos, indústria ou serviços de ponta, terá havido ajuste?

O tamanho da desgraça no mercado de trabalho dependerá de outros fatores, claro: câmbio, ajustes micro (em setores, como petróleo e construção) etc. Mas seria uma surpresa ver a economia se reaprumar sem que ocorra uma piora em serviços simples antes que setores mais produtivos e/ou exportadores comecem a empregar mais.

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