quinta-feira, 18 de junho de 2015

Ribamar Oliveira - As duas principais dificuldades de Dilma

- Valor Econômico

• Irregularidades apontadas pelo TCU respingam em 2015

A presidente Dilma Rousseff vai enfrentar duas dificuldades principais para responder ao questionamento do Tribunal de Contas da União (TCU), que apontou várias irregularidades nas contas de seu governo em 2014. O relator das contas, ministro Augusto Nardes, acusou a presidente de não ter baixado decreto cortando gastos para alcançar a meta fiscal definida na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), como exige a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), e de ter editado decretos aumentando dotações de vários órgãos públicos, em desacordo com a lei orçamentária.

Os dois casos são atos de competência privativa da presidente da República e, por isso, as responsabilidades não poderão ser transferidas a outros membros do governo, ao ministro da Fazenda ou ao ministro do Planejamento, por exemplo. Essas duas questões são as únicas, no entender de juristas consultados pelo Valor, que podem, teoricamente, fornecer elementos para enquadrar a presidente em crime de responsabilidade, nos termos da Lei 1.079.

A utilização de recursos dos bancos públicos para pagar benefícios sociais - como abono salarial, seguro-desemprego e Bolsa Família - não pode ser atribuída diretamente à presidente da República, mesmo que represente, como entende o TCU, operação de crédito. A LRF proíbe que um banco público empreste recursos ao seu controlador. Neste caso, os mesmos juristas entendem o ato seria de responsabilidade direta dos gestores que autorizaram as operações. Esse tipo de operação não está incluído nos crimes de responsabilidade.

Segundo o TCU, o uso de recursos de bancos públicos ocorreu porque o Tesouro não transferiu para a Caixa Econômica Federal dinheiro suficiente para pagar esses benefícios sociais, adiando, desta forma, o impacto dos pagamentos em seu caixa, o que melhorou artificialmente o resultado primário. Essa é a "pedalada fiscal" típica. Por mais irônico que seja, no entanto, será muito difícil relacionar a presidente Dilma com as "pedaladas", que deram origem à fiscalização do TCU. Ao investigar as "pedaladas", os auditores descobriram outras irregularidades que, se confirmadas, podem comprometer a presidente.

Para se entender a acusação de omissão feita pelo ministro Nardes à presidente é necessário fazer um pequeno histórico da execução do Orçamento em 2014. A LRF obriga o governo, em seu artigo 9º, a promover cortes nas dotações orçamentárias (contingenciamento) se verificar, ao fim de cada bimestre, frustração de receita que inviabilize o cumprimento da meta fiscal.

Nos primeiros meses do ano passado, o governo fez um contingenciamento de R$ 30,8 bilhões. Até o terceiro bimestre, não houve mudanças nos limites autorizados para os gastos discricionários. Na avaliação do quarto bimestre (divulgada em setembro), o governo informou que houve um decréscimo na sua estimativa da receita, líquida de transferências a Estados e municípios, de R$ 10,5 bilhões em relação à avaliação anterior.

Mesmo com o reconhecimento da queda das receitas, que já vinha sendo percebida desde maio, o governo decidiu manter os limites dos gastos discricionários. Informou que a menor receita seria compensada por um decréscimo de R$ 7 bilhões na estimativa das despesas obrigatórias e com o uso de R$ 3,5 bilhões dos recursos do Fundo Soberano. Naquele momento, o país estava às vésperas das eleições gerais.

Em novembro, com a presidente Dilma já reeleita, o governo divulgou o relatório do quinto bimestre de 2014, anunciando um decréscimo da receita líquida de R$ 38,4 bilhões, em relação ao previsto no relatório anterior, elaborado apenas dois meses antes. Anunciou também um acréscimo de R$ 22,2 bilhões nas despesas primárias de execução obrigatória, dois meses depois de ter informado que elas seriam reduzidas em R$ 7 bilhões.

Naquela altura, a meta de superávit primário do governo central (Tesouro, Previdência e Banco Central) ainda era de R$ 116,1 bilhões, podendo ser reduzida em R$ 67 bilhões por conta dos investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e das desonerações tributárias. Para cumprir essa meta, que em novembro ainda estava em vigor, o TCU estimou que o governo seria obrigado a fazer um contingenciamento adicional de R$ 28,5 bilhões. Isto não ocorreu. O relator quer que a presidente Dilma explique a omissão.

Em vez de fazer o contingenciamento adicional, a presidente Dilma enviou ao Congresso um projeto de lei que alterava a meta de resultado primário de 2014, acabando com o limite para o desconto dos investimentos do PAC e das desonerações. Antes da aprovação desse projeto e ainda na vigência da meta de R$ 116,1 bilhões com o desconto de R$ 67 bilhões, a presidente Dilma assinou decretos abrindo créditos suplementares para vários órgãos públicos.

Esses decretos foram considerados irregulares pelo relator do TCU e pelo procurador do Ministério Público junto àquele tribunal, Júlio Marcelo de Oliveira. A razão disso é que o artigo 4º da lei orçamentária do ano passado (Lei 12.952) autoriza a abertura de créditos suplementares, desde que as alterações sejam compatíveis com a obtenção da meta de resultado primário estabelecido para o exercício de 2014.

Em carta encaminhada aos ministros do TCU, Oliveira diz que a presidente somente poderia ter aberto créditos suplementares nas hipóteses de utilização das fontes consideradas neutras do ponto de vista fiscal, tais como o excesso de arrecadação e os remanejamentos. Ela usou o superávit financeiro e a emissão de títulos do Tesouro. Para isso, a presidente editou dois decretos. O procurador diz que os decretos não só violaram a lei orçamentária de 2014, como também infringiram as metas fiscais e disposições da LDO do ano passado. A Lei 1.079 qualifica como crime de responsabilidade infringir dispositivo da lei orçamentária.

Os créditos abertos antes da mudança da meta totalizaram R$ 15,5 bilhões e ampliaram alguns programas que estavam sendo executados. Das dotações desses programas, foram inscritos R$ 31,6 bilhões em restos a pagar e pagos, neste ano, R$ 29,7 bilhões. Ou seja, aquelas irregularidades apontadas pelo TCU em 2014 respingam nas contas de 2015.

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