sábado, 20 de junho de 2015

Míriam Leitão - A lei sobre todos

- O Globo

A prisão do empresário Marcelo Odebrecht é a travessia de uma linha difícil de cruzar em qualquer país: ele é sem dúvida um dos maiores e mais influentes empresários do Brasil. O juiz Sérgio Moro optou não pela condução coercitiva ou prisão temporária. Ele está em prisão preventiva, que é de um mês e pode se prolongar. Um dos indícios é uma troca de e-mails sobre superfaturamento.

Entre outros documentos, as autoridades têm em mãos e-mail trocado entre Marcelo Odebrecht e o ex-presidente da Odebrecht Óleo e Gás Roberto Prisco Ramos, em que um informa ao outro que estão pondo sobrepreço em sondas de petróleo.

Já se esperava que a maior empreiteira do país fosse, em algum momento, atingida. Como Márcio Farias, diretor de engenharia industrial da empresa, fora citado algumas vezes, a expectativa era que ele fosse preso. E foi. Mas, além dele, foi também o presidente do grupo Odebrecht. O grupo controla a Construtora Norberto Odebrecht e é dono, ou detém blocos de capital, de várias empresas.

O juiz Sérgio Moro, no despacho, disse que existem provas orais e documentais de "fixação prévia das licitações entre empreiteiras." Além disso, há a tese do domínio do fato, que o procurador Carlos Fernando Lima explicou assim: "Os presidentes das empresas sabiam de tudo. Apareceram indícios concretos comprovando que eles tiveram contato ou participação diretas em atos que levaram à formação de cartel" Ontem, também foi preso Otávio Azevedo, da Andrade Gutierrez, que já presidiu o conselho de administração da Oi, igualmente um dos executivos mais influentes do país.

Erga Omnes é o nome, com justiça, da 14a fase da Operação Lava-Jato. Uma expressão latina, cujo significado é que o efeito de algum ato, ou lei, atinge todos os indivíduos de uma população. É exatamente o oposto da fidalguia, a ideia fundadora do Brasil que separa os seres humanos por sua origem ou laços. Para alguns, os rigores da lei não seriam aplicados por serem eles grandes demais.

Na economia, paira sempre a ameaça do tamanho.

Aqui e em qualquer país do mundo. A expressão too big to fail foi usada como uma chantagem dos grupos muito grandes para serem socorridos. Quando o Lehman Brothers quebrou, parecia que isso seria revisto.

Não foi. A crise que se seguiu fez o governo americano socorrer várias instituições financeiras e até a General Motors. No caso agora, não se trata de problemas financeiros, o grupo permanece forte, mas pode-se dizer que ontem caiu a ideia de que algum empresário é grande demais para ser preso.

Outros executivos presos apontaram o dedo para a Odebrecht e a Andrade Gutierrez, tendo ou não assinado a delação premiada. E esse conjunto de indícios é que teria levado à prisão dos dois líderes empresariais.

Ao contrário de alguns dos grupos que estão envolvidos na Lava-Jato, tanto a Andrade Gutierrez quanto a Odebrecht são velhas empresas. A Odebrecht tem 70 anos, foi fundada pelo avô de Marcelo. Sempre esteve perto do poder e todos da linha sucessória sempre foram influentes: o fundador Norberto, o filho Emílio e agora o neto, Marcelo. Preparado para comandar, de perfil discreto, ele nos últimos tempos fez críticas à Operação Lava-Jato e esta semana reclamou que o grupo cria empregos e está sob bombardeio. Falava não da Lava-Jato, nem imaginando que se aproximava o dia de sua prisão, mas se referindo às críticas feitas às operações de financiamento externo através do BNDES. 

De fato, o grupo cria muitos empregos — 150 mil — mas não o faz por benemerência e sim porque tem tido lucro em suas operações. Quanto ao financiamento do BNDES, o contribuinte tem o direito de saber das condições dos empréstimos, como a informação de que o FAT recebe apenas 1% ao ano quando concede os recursos que serão emprestados pelo BNDES nas operações externas. Procurar essas informações não é bombardear grupo algum.

A Odebrecht tem um impressionante currículo internacional, com obras em 21 países e quatro continentes. Ela venceu concorrência nos Estados Unidos e Europa. Tem grande conhecimento, reputação técnica consolidada, carteira de negócios farta. Por que mesmo um grupo assim se envolve em negócios duvidosos? Na visão do Ministério Público, é preciso aumentar o custo da corrupção. Ontem, o MP e a Justiça mostraram que o custo pode ser altíssimo.

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