quarta-feira, 24 de junho de 2015

Merval Pereira - A Revolução Cultural de Lula

- O Globo

Não é sem razão que o líder do PT José Guimarães teve coragem para se levantar contra as críticas de Lula ao PT. Ele faz parte de uma elite política que galgou degraus na hierarquia partidária a partir da abertura de vagas provocada pela prisão dos principais líderes do partido.

Quando um assessor seu foi preso num aeroporto com dólar escondido na cueca, José Guimarães não era ninguém a nível nacional, onde reinava seu irmão Genoíno, condenado no mensalão e posteriormente anistiado pela presidente Dilma.

Alguns anos depois do mensalão, lá está Guimarães no primeiro plano. E logo agora vem Lula querer uma revolução interna? Lembro-me bem de uma cena icônica do alpinismo social que tomou conta das figuras proeminentes do PT assim que chegou a poder.

Numa mesa do restaurante Antiquarius no Rio, o recém-eleito presidente da Câmara João Paulo Cunha, hoje em prisão domiciliar, o professor Luizinho e outras figuras menos conhecidas na época (talvez até mesmo o próprio José Guimarães) tomavam um porre de licor francês, embriagados de poder.

Guimarães pode nem saber direito, mas está estrebuchando contra o que pressente ser uma manobra de Lula contra seus interesses. “[...] O PT precisa urgentemente voltar a falar pra juventude tomar conta do PT. O PT está velho. (...) Fico pensando se não está na hora de fazer uma revolução neste partido, uma revolução interna, colocar gente nova, mais ousada, com mais coragem. Temos que decidir se nós queremos salvar a nossa pele e os nossos cargos, ou queremos salvar nosso projeto. E acho que nós precisamos criar um novo projeto de organização partidária nesse país”.

Fora o ato falho de falar em “livrar a nossa pele”, quase uma confissão, Lula está tentando fazer sua pequena Revolução Cultural dentro do PT, e pode sobrar para gente como José Guimarães. A Revolução Cultural foi comandada pelo então líder do Partido Comunista Chinês, Mao Tsé-tung, para neutralizar o fracasso do plano econômico Grande Salto Adiante, que gerou a morte de milhões de pessoas devido à fome generalizada.

A oposição crescente a Mao no interior do Partido Comunista foi atacada pelos “comitês revolucionários”, formados por jovens radicais que seguiam cegamente o pensamento de Mao e desmoralizavam os intelectuais e membros mais antigos do Partido que o criticavam.

Não chegamos a esse ponto no PT, mas, à sua maneira, Lula, como faziam os jovens chineses com os críticos de Mao, está colocando metafóricos chapéus de burro na presidente Dilma e em todos os petistas que, como José Guimarães, acham que ele no momento mais atrapalha do que ajuda com essas sessões de terapia pública que vem fazendo.

E não é à toa que o senador Lindbergh Farias voltou a ser o cara-pintada de outrora para defender Lula das críticas de Guimarães. Uma disputa de gerações petistas, boa para Lula, que está tentando salvar a sua pele, fingindo que quer salvar o PT.

Todo esse desvario de Lula nos últimos dias tem a ver com a Operação Lava-Jato, que o pega num momento de fragilidade política do governo, do PT e de sua própria figura, antes inatacável, hoje exposta às críticas da opinião pública.

Por isso mesmo, o truque que deu certo diversas vezes, hoje tende a não dar. Toda essa crise petista tem a ver com Lula, foi ele quem levou o partido para acordos políticos deletérios, em nome de um pragmatismo político que cobra seus custos.

O aparelhamento do estado, uma das características do governo petista desde o primeiro momento foi uma estratégia montada por Lula e José Dirceu para tomar conta do poder central. A ampla coalizão partidária sem nexo programático e sem cobranças morais, que acabou em mensalões e petrolões, saiu da cabeça de Lula e José Dirceu, que muito antes de o PT chegar ao poder central já praticavam essa promiscuidade entre o público e o privado nas prefeituras controladas pelo partido.

A morte do prefeito Celso Daniel, exemplar da conseqüência extrema desse tipo de política fisiológica, precedeu a eleição de Lula para a presidência em 2002, e o mensalão de 2005.

A presidente Dilma, que na visão de Lula estaria com ele no “volume morto” da política, foi criação única e exclusiva do ex-presidente, a “nova matriz econômica” começou a ser colocada em prática na metade de seu segundo governo, e deu no que deu.

Lula agora tenta dissociar-se dela e do PT, que está “velho” e só pensa em “empregos, em vencer eleições”. No último momento, com um salto triplo carpado, o grande canastrão tenta dar uma reviravolta política no destino decadente que se avizinha.

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