quinta-feira, 11 de junho de 2015

Carlos Alberto Sardenberg - Não basta uma nota fiscal

- O Globo

• Há uma questão ética com as palestras de Lula: ele não é só o ex-presidente, mas o líder de um partido que permanece no governo

Dia desses, perguntaram ao ex-presidente Lula quanto ele cobrava por palestra. Ao seu estilo, meio de brincadeira, meio bravo, ele disse que era fácil saber: bastava contratá-lo. Contato com a LILS Palestras Eventos e Publicidade.

Pois agora é oficial: por conferência no exterior, Lula cobra R$ 375 mil. Pelo menos foi o que recebeu da Camargo Corrêa.

A informação saiu primeiro em um relatório da Polícia Federal, no âmbito das investigações da Lava-Jato. E foi confirmada pela assessoria do ex-presidente: a empresa LILS recebeu R$ 1,5 milhão da Camargo Corrêa — em três parcelas, de 2011 a 2013 — a título de patrocínio de quatro conferências no exterior.

Considerando-se o mercado internacional de ex-chefes de Estado, pode-se dizer que está muito bem pago. É verdade que Bill Clinton já recebeu até US$ 700 mil por palestra, mas foram casos claramente excepcionais. No mais das vezes, o ex-presidente americano cobra US$ 100 mil — ou cerca de R$ 310 mil ao câmbio de hoje, até menos do que Lula faturou naqueles quatro eventos.

Isso, antes de mais nada, mostra que Lula de fato se tornou uma estrela internacional de primeira grandeza. Seu governo, especialmente no primeiro mandato e início do segundo, teve uma feliz combinação: política econômica ortodoxa, reduzindo inflação e dívida pública, amplos programas sociais e um boom da economia mundial puxado pelos altos preços das comodities. Boa macroeconomia e distribuição de renda — eis a marca que Lula construiu. E que se mostrou um capital valioso no circuito global de palestras. É uma das vantagens do capitalismo, transformar prestígio, experiência política, conhecimento em dinheiro vivo.

No mercado, ganhar dinheiro não é feio. Além disso, ressalte-se, Lula não é investigado na Lava-Jato. Os pagamentos apareceram na investigação sobre a empreiteira, esta sim envolvida na operação.

Portanto, tudo certo com o ex-presidente?

Mais ou menos. Sendo rigoroso, como se deve ser com um líder político dessa envergadura, há perguntas a fazer.

De certo modo, as mesmas que a imprensa americana tem feito a Bill Clinton. Ocorre que ele não é apenas ex-presidente, mas marido de Hillary, que ocupou o cargo de secretária de Estado no governo Obama, e é candidatíssima a presidente dos EUA.

Assim, quem contrata Bill podia e pode estar querendo mais do que ouvir uma boa conversa. Especialmente se o contratante for um governo ou uma empresa com interesses dependentes de ações da Casa Branca. Qual a resposta para isso? Clinton, o marido, respondeu com transparência. Ampla demonstração sobre as palestras — como, quando, onde, para quem — e prometeu não mais trabalhar para quem pudesse ter interesse na campanha de Hillary.

A mesma questão ética e política se aplica a Lula. Não é apenas o ex-presidente, mas o líder de um partido que permanece no governo, sobre o qual ele exerce notória influência. Além disso, o contratante conhecido neste caso, a Camargo Corrêa, tem notórios interesses neste governo e na sua política. E fez doações ao PT e ao Instituto Lula.

É por isso que não bastam os contratos e as notas fiscais dadas pela empresa LILS contra os pagamentos da empreiteira. Ok, foram pagamentos formais e legais, mas: para quem foram as palestras? Onde? Quem mais patrocinou? Governos? Empresas? Quais? Em quais circunstâncias?

E ainda: teria havido também serviços de representação — que muitos chamam de lobby — para a Camargo Corrêa em outros países?

A empresa de José Dirceu, por exemplo, afirma ter feito esse tipo de trabalho para a mesma Camargo Corrêa e outras empreiteiras.

Já houve tempo em que a Justiça brasileira entendia que um documento formal explicava e justificava tudo. Tanto era assim que boa parte das propinas pagas na Lava-Jato foi nessa forma, mediante notas fiscais e contratos de prestação de serviços. O pessoal tomava cuidados legais.

Mas, depois do mensalão e, entre outras coisas, da teoria do domínio do fato, é preciso mais do que uma nota fiscal, mesmo eletrônica.

Pagando dois pecados
Não há dúvida: o ajuste fiscal é o aspecto mais doloroso de uma política econômica ortodoxa, ou de direita, se quiserem.

Também não há dúvida: o forte aumento de impostos é o aspecto mais doloroso de uma política de esquerda baseada no gasto público, conhecida como “taxar e gastar”.

Pois acontece que estamos sofrendo as duas dores. O enorme desastre feito nos últimos anos exige um ajuste fiscal conservador. Para “compensar” esse passo à direita, o PT quer compensar com um giro à esquerda, na forma de um monte de novos impostos, a começar pela CPMF.

É o que dá não termos partidos com programas. O eleito quer acertar com todos os lados e acaba atrapalhando todo o país.

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Carlos Alberto Sardenberg é jornalista

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