sábado, 2 de maio de 2015

Ruptura anunciada – Editorial / Folha de S. Paulo

• Marta Suplicy desliga-se do PT em momento de agudo descrédito de todo o sistema partidário; caso pode gerar nova interferência da Justiça

Construída com mais combatividade do que sutileza, a carreira política da senadora Marta Suplicy passou por inflexão significativa nesta semana.

Numa estratégia que se pretendia gradual, mas cujas diversas etapas não fizeram senão multiplicar o impacto da ruptura, a ex-prefeita de São Paulo preparou por vários meses sua saída do PT. Concretizou-a oficialmente na terça-feira (28), abrindo caminho para participar, possivelmente pelo PSB, da eleição municipal de 2016.

Ao motivo pragmático de sua decisão --o prefeito Fernando Haddad ocupa, no PT, o posto de candidato natural-- a senadora acrescentou, sem dificuldades, críticas fortes, e a bem dizer longamente adiadas, aos desvios programáticos e éticos do partido em que militou durante 33 anos.

Sua desfiliação ocorre numa ocasião em que, como nunca, faltam ao PT argumentos para rebater os ataques que lhe são dirigidos.

Com o escândalo da Petrobras e a crise econômica, o descrédito da agremiação governista e da presidente Dilma Rousseff se revelou tão profundo que, entre parcelas importantes da opinião pública, há mais comemorações pelo acerto das análises de Marta do que desconfianças quanto ao momento de sua enunciação.

Aparentemente incólume nos julgamentos da classe média, resta à senadora passar pelo crivo da Justiça. Em 2007, o Supremo Tribunal Federal decidiu que, nos cargos proporcionais, como os de deputado e vereador, o mandato não pertence ao eleito, mas sim ao partido pelo qual se candidatou.

O raciocínio é bastante duvidoso: que se pense, por exemplo, nos casos em que um nome extremamente popular atrai votos próprios para uma legenda insignificante.
Num posto majoritário, como o de senador, o princípio se sustenta ainda menos. O político que abandona sua sigla não se beneficiou, a não ser de forma marginal, de eventuais votos de legenda para ser guindado ao cargo. Não parece justificável, portanto, que o PT possa reter para si próprio o lugar no Senado ocupado por Marta.

A discussão, caso prossiga, terá um componente irônico, para não dizer incômodo. Sem que o tema pertença às suas atribuições, o Judiciário avaliará a fidelidade não mais de um político a seu partido, mas a de um partido a seus ideais, programas e promessas.

No afã, que vem de longa data, de purificar o sistema partidário brasileiro através de decisões jurídicas, talvez os tribunais superiores tivessem de capitular diante da constatação inevitável: tais e tantas são as traições de legendas e políticos que um magistrado mais rigoroso não hesitaria em cassar mandatos, registros e prerrogativas de quase todos.

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