sexta-feira, 8 de maio de 2015

Rogério Furquim Werneck - A duração da travessia

• Governo e PT continuam alimentando falsa esperança de que superação da crise poderá ser rápida como em 2003

- O Globo

Quanto tempo mais será necessário para que o país supere a grave crise em que está mergulhado e volte a ter perspectivas promissoras? É o que, hoje, se perguntam todos: o governo, os partidos que lhe dão apoio, a oposição, o empresariado, os investidores e, claro, cada cidadão que tenta vislumbrar o que o futuro lhe reserva.

Não é indagação para a qual se possa dar resposta clara e inequívoca. Tal é a complexidade com que interagem as múltiplas dimensões da crise, que respostas mais cuidadosas — e, ainda assim, decepcionantemente evasivas — vêm exigindo intrincada conjugação de considerações de ordem econômica, política e jurídica.

No entanto, os que indagam sobre a duração da crise insistem numa resposta simples e direta. Têm decisões a tomar. Pouco ou nada lhes ajuda uma profusão de cenários alternativos, calcados em análises multidisciplinares complexas. Preferem agarrar-se a uma história simplista da qual possam extrair uma resposta inequívoca que lhes pareça plausível.

É o que explica a coexistência no país de vasto leque de narrativas distintas acerca da duração da crise, que não só espelham simplificações diferentes dos seus possíveis desdobramentos, como conveniências e restrições específicas de quem desenvolve cada narrativa. No próprio governo, há narrativas divergentes.

O Planalto ainda não tem ideia clara de quanto tempo mais durarão suas dificuldades. Mas continua tentado a crer que, na economia, pelo menos, a luz no fundo do túnel vai aparecer bem mais cedo do que se espera. Embora haja, na nova equipe econômica, quem tenha visão mais realista de quão lentos deverão ser os resultados da reorientação da política econômica, tal realismo ainda não pôde ser externado com a devida franqueza ao Planalto. Afinal, a própria reorientação parece só ter sido possível porque a cúpula do governo se permitiu nutrir uma visão fantasiosa sobre a rapidez com que os resultados poderiam vir a ser colhidos.

Mais variadas ainda são as narrativas sobre a duração da crise que prosperam na base aliada do governo. Há grande apreensão no PT com a aposta no ajuste que vem sendo comandado pelo ministro Joaquim Levy. No amplo espectro de posições sobre a questão no âmbito do partido, há quem creia que a aposta não faz sentido. Mas, também, quem veja mérito no esforço de ajuste e esteja pronto a defendê-lo, desde que a colheita de resultados possa ser rápida.

Não obstante as circunstâncias completamente distintas, tanto o governo como o PT continuam alimentando a falsa esperança de que a superação da crise atual poderá ser tão rápida como em 2003. Tudo indica que não será. Em 2003, o ambiente externo era muito mais favorável. O país estava estava sendo beneficiado pelo boom de preços de commodities. E o problema interno primordial resumia-se à restauração da confiança no governo. Agora, tendo em vista as proporções da devastação fiscal, dos equívocos de política econômica, da demolição institucional e da corrupção, o esforço de reconstrução terá de ser muito maior.

Manter o PT alinhado ao programa de ajuste do governo não tem sido fácil. Se a equipe econômica não tem podido ser tão franca como gostaria com o Planalto, menos franca ainda vem tendo de ser com o PT. O quadro é delicado. E todo cuidado é pouco. Se o partido for exposto a uma narrativa realista da provável duração da crise, é bem possível que seu já tépido apoio à política econômica de Levy desapareça por completo.

O problema é que esse jogo não pode ser jogado por muito tempo mais. Nos próximos meses, tanto o Planalto como o PT estarão fadados a se desiludir com a fantasia de que os resultados do ajuste macroeconômico poderão ser colhidos em breve. Aos poucos, vão constatar, afinal, que a superação da crise deverá ser bem mais longa e mais penosa do que imaginavam.

Quando essa dura realidade se impuser, com o PT já mobilizado para a campanha das eleições municipais de 2016, terá o Planalto convicção e respaldo político para persistir no esforço de ajuste que ainda se fará necessário?
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Rogério Furquim Werneck é economista e professor da PUC-Rio

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