quinta-feira, 7 de maio de 2015

Merval Pereira - Luta política

- O Globo

Foi uma segunda noite seguida de horrores para o Partido dos Trabalhadores. Não bastando que até Lula tivesse sido vítima de um panelaço nacional na véspera, ontem à noite os deputados petistas sofreram calados e sem condições de reação na votação do ajuste fiscal.

Já haviam sido constrangidos pelo PMDB, que exigiu uma posição formal do PT em apoio às medidas propostas, ameaçando não votar com o governo depois que a propaganda oficial do partido, coordenada por Lula e sem a presença da presidente Dilma, criticou as medidas como se elas fossem do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, e não do governo. A própria CUT, o braço sindical petista, está convocando uma greve geral contra o "ajuste do Levy".

O líder do PT na Câmara, José Guimarães — o que teve um assessor preso na época do mensalão com dólares escondidos na cueca — , resumiu bem a questão ao dar seu voto: "O PT, com muita coragem, vota "sim " ". É preciso coragem mesmo para apoiar as medidas propostas, todas corretas do ponto de vista do equilíbrio financeiro do Estado, mas que só precisam ser adotadas para ajudar a tapar os buracos orçamentários criados pelo desacerto da "nova matriz econômica" da equipe do governo Dilma, sob sua vigilância permanente.

O problema do discurso governista é que ele não resiste à sua própria contradição. Ajustar para crescer é o slogan que tenta juntar duas palavras que se contrapõem: se é preciso reequilibrar as contas públicas para que a economia volte a crescer, é sinal de que está desequilibrada no momento. E a oposição passou a noite se divertindo, servindo ao PT doses homeopáticas de seu próprio veneno.

Quando o PT chegou ao governo federal em 2003, uma das primeiras medidas foi enviar ao Congresso uma proposta de reforma previdenciária em tudo semelhante à que o governo tucano tentara aprovar, contra a resistência petista. Perguntei ao petista João Paulo Cunha por que o PT agira assim no governo de Fernando Henrique, e ele me respondeu sem tergiversar: "luta política". Pois ontem foi um dia exemplar de como a "luta política" está sendo usada pela oposição para sangrar o PT.

Foi um desfile de discursos oposicionistas de todos os matizes ressaltando o ponto central: que o PT está traindo os trabalhadores, que o governo Dilma mentiu durante a campanha eleitoral. As táticas mais rasteiras do sindicalismo foram usadas, desta vez contra os governistas. Até dólares falsos com as caras da presidente Dilma e do ex-tesoureiro João Vaccari foram jogados das galerias sobre os deputados, e a CUT uniu-se à Força Sindical nos protestos contra o ajuste. A oposição obstruiu permanentemente as sessões, e a maioria governista não conseguia impor o ritmo, era uma maioria na defensiva, sem aquele vigor que o PT demonstrava "na defesa do trabalhador".

O máximo que conseguiram foi tentar criar uma falsa crise política, acusando o líder do PPS, deputado Roberto Freire, de ter agredido a deputada Jandira Feghali, provavelmente com o intuito de reverter o clima, que era claramente contrário aos governistas que se preparavam para aprovar o reajuste fiscal. Aprovável vitória governista, a ser confirmada ainda hoje em novas votações, não vai acontecer sem custos adicionais.

A oposição conseguiu fechar um acordo de votação nominal do texto principal e de destaques, como maneira de pressionar os governistas, que certamente temem ver seus nomes em cartazes espalhados pelo país como os "inimigos do povo". Igualzinho o PT passou a vida na oposição fazendo com os governistas de outrora.

Não se avançará no debate político com essa disputa radicalizada, mas não há a mínima indicação de que a oposição estenderá a mão para ajudar o governo, como pretendia Levy, técnico que veio das hostes tucanas para implantar medidas que provavelmente seriam aplicadas pela equipe econômica de um hipotético governo tucano, caso Aécio Neves tivesse vencido a eleição. Mas o PSDB alega que essas seriam medidas menores dentro de um amplo projeto de mudança na economia que o PT não apresentou.

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