segunda-feira, 4 de maio de 2015

José Álvaro Moisés

• Cientista político e diretor do Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas (NUPPs) da USP

Estado - Quais são as vantagens e desvantagens do voto distrital puro?

José: A primeira questão é para que reformar o sistema de representação. Precisamos de uma reforma que dê mais poder ao eleitor, maior controle sobre o eleito. O diagnóstico que as manifestações de rua desde 2013 e pesquisas de opinião mostram é uma crise de representatividade. Uma pesquisa nossa sobre democracia e representação mostra que, de 2006 para 2014, cresceu a parcela da população que acredita que a democracia pode funcionar sem partidos ou sem Congresso. Eram cerca de 30% em 2006 e agora são 45%. Se quase metade das pessoas acha que pode haver democracia sem partidos ou sem Congresso, isso mostra que as instituições de representação da população não estão funcionando a contento. Dito isso, quais são os requisitos para resolver o problema. O primeiro é diminuir a circunscrição eleitoral. O Estado de São Paulo tem 35 milhões de eleitores, o que torna qualquer campanha de deputado federal muito cara e complexa. Segundo requisito é aproximar o representante do representado. Nesses pontos, o voto distrital cumpre essa função. A iniciativa da CCJ do Senado em adotar o voto distrital nos municípios é um ponto de partida para quebrar resistências, descongelar o processo de reforma do sistema. É um primeiro passo.

Estado - Se é um primeiro passo, quais seriam os próximos?

José: A experiência do voto distrital majoritário em países como EUA e UK, que é o modelo aprovado no Senado, mostra dificuldades de incluir movimentos minoritários no sistema, eles tendem a ficar de fora, sub-representados. Vejo como melhor experiência uma combinação das vantagens do modelo distrital com as do proporcional, como o sistema alemão. Nesse modelo, o eleitor vota duas vezes - no partido e em um candidato - em distritos pequenos. Isso aumenta o poder de escolha e de controle do eleitor sobre os eleitos. Outro efeito benéfico é forçar os partidos e os candidatos a procurarem o eleitor de forma mais orgânica, e não da forma distanciada que vemos hoje, pela propaganda na TV, além de reduzir o custo das campanhas. Não faz sentido um candidato a deputado federal gastar em campanha R$ 1 milhão ou mais. O Brasil tem uma das campanhas eleitorais mais caras do mundo. E também importante: ao se aproximar eleitores e eleitos e se reduzir o custo das campanhas, um terceiro efeito positivo é reduzir o campo de corrupção que temos visto hoje.

Estado - O sr. considera então positivo começar a mudança, ainda que tenha ressalvas ao modelo aprovado?

José: Ela dá início a um processo que tem duas partes. Primeiro, mostra que é possível fazer mudanças institucionais, fazer reformas adequadas e obter resultados positivos com isso. Segundo, começar a reforma altera a cultura política que tanta gente vê com ressalvas hoje. Cultura política não é imutável. Se houver liderança para uma mudança institucional, você muda o comportamento das pessoas. Foi assim com o uso do cinto de segurança pelos motoristas, tem sido assim com o combate aos motoristas alcoolizados. As pessoas percebem progressivamente as vantagens das mudanças a partir de um processo racional. Pesquisas sobre participação política mostram relação direta entre o envolvimento das pessoas e a existência de uma estrutura que lhes dê oportunidade. Se os partidos não têm primárias, por exemplo, as pessoas não participam e se distanciam.

Estado - Aproveitando essa citação, os partidos brasileiros resistem a prévias por receio de perder o controle sobre a escolha de seus candidatos. Da mesma forma, os parlamentares eleitos pelas regras atuais também resistem a mudá-las. Hoje parece haver críticas ao sistema mesmo por parte de quem se beneficia dele. Isso cria uma janela de oportunidade para, enfim, aprimorar o sistema?

José: Sem dúvida é uma janela de oportunidade. O sistema se exauriu. Vemos isso nas manifestações até exageradamente hostis às instituições democráticas. Quase metade da população quer jogar os partidos políticos na lata de lixo da história. Isso é muito grave. Iniciar a mudança é importante, pois se trata de um processo longo, complexo e demorado, mas fundamental. Hoje temos um sistema com muito mais custo que benefício ao eleitor.

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