domingo, 3 de maio de 2015

Gestores públicos escapam de lei fiscal

Punição rara

• Medida foi um marco criado para tentar garantir equilíbrio das contas de União, estados e municípios

Alessandra Duarte e Carolina Benevides - O Globo

RIO - O caixa da prefeitura de Mangueirinha ficou negativo em R$ 5,3 milhões. Mas Albari Guimorvam (PSDB), prefeito da cidade de 17 mil habitantes no sudoeste do Paraná, foi multado em R$ 1.450 por ter encerrado seu mandato em 2012 com a dívida milionária e se reelegeu. Uma das poucas leis de controle fiscal no mundo que preveem punição não só a governos, mas também a governantes, a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) faz 15 anos na segunda-feira como um marco criado para tentar garantir equilíbrio das contas de União, estados e municípios. Mas, na hora da punição, são mais frequentes os casos de controle de prefeituras e estados do que os de sanções individuais, segundo representantes de Ministérios Públicos, Tribunais de Contas e especialistas ouvidos pelo GLOBO em sete

Um dos motivos para o quadro de punição mais frequente a governos do que a indivíduos — ou seja, para haver menos políticos punidos por seu descumprimento, como no caso de Guimorvam no fim do seu primeiro mandato — é o tempo que leva a análise das contas dos governantes. Em ano eleitoral, o Tribunal de Contas da União (TCU) e os Tribunais de Contas estaduais (TCEs) enviam à Justiça Eleitoral listas com os gestores que tiveram contas rejeitadas nos últimos anos — e que, por isso, podem ficar inelegíveis por oito anos, segundo a Lei da Ficha Limpa. No entanto, o gestor entra nessa lista apenas depois que não há mais nenhum direito de recurso contra a rejeição das suas contas. Guimorvam teve as contas de 2012 rejeitadas pelo TCE-PR e entrou com recurso. Continua governando. Questionada, a Procuradoria do município disse que a prefeitura não se manifestaria; Guimorvam não foi localizado até o fechamento da edição.

— As sanções institucionais da lei são bastante usadas. Já sobre sanções contra a pessoa, não tenho conhecimento de condenações e prisões — afirma Jose Mauricio Conti, professor de Direito Financeiro da USP.

— É muito difícil um prefeito que infringiu a lei ser preso. E atribuo isso às normas do processo, que permitem muitas protelações. Falta efetivamente diminuir as possibilidades de recursos — diz Jackson Veras, conselheiro do TCE do Piauí.

Entre as sanções a governos está, por exemplo, a inclusão das prefeituras na lista de governos “devedores” que passam a não receber transferências voluntárias da União.

Pedaladas fiscais
Mesmo a Lei de Responsabilidade Fiscal tendo se tornado um marco legal para as contas públicas, em abril um parecer do TCU mostrou que a equipe do ex-ministro Guido Mantega (Fazenda) adiou repasses do Tesouro a bancos públicos, para melhorar artificialmente o resultado das contas do governo em 2014. Batizados de “pedaladas fiscais”, os atrasos, diz o parecer, levaram ao descumprimento da lei.

— A legislação trouxe transparência e impôs um freio aos gastos. Mas sempre há margem de interpretação que pode servir para burlar a lei; por exemplo, se uma despesa é gasto com pessoal ou não. É uma zona cinzenta, e por isso temos o que foi chamado de pedaladas fiscais — completa Conti.

Presidente que sancionou a lei em 2000, Fernando Henrique Cardoso avalia que parte do crescimento do Brasil nos últimos anos foi efeito da lei.

— A crença na estabilidade da economia foi elemento básico para atrair investimentos. E a estabilidade é simbolizada pelo cumprimento da lei — diz FH. — Aperfeiçoar a legislação é sempre possível. O problema é que frequentemente quando se começa a mexer, com a melhor das intenções, (...) os interesses são tantos que é difícil contê-los.

Outro ponto que dificulta a punição de políticos é a demora no julgamento, ou mesmo na abertura, de ações de improbidade por parte dos MPs. Em Tocantins, para cada R$ 1 de dívida, o prefeito de Santa Rita do Tocantins tinha R$ 0,11 para pagamento — déficit de 2007 que só em 2014 foi resultar em ação do MP contra o agora ex-prefeito do município de menos de três mil moradores.

No Piauí, apenas no ano passado o TCE começou a notificar os prefeitos que estavam prestes a descumprir ou já tinham descumprido a lei. Das 224 cidades do estado, 134 se enquadravam numa dessas categorias. Destas últimas, 85 já tinham extrapolado os limites impostos para gastos com pessoal. Agora, o TCE prepara um levantamento para, também pela 1ª vez, notificar o MP para investigar os prefeitos que não se enquadraram.

— Antes o tribunal julgava com o mandato já encerrado, agora alertamos durante a gestão, o que possibilita que erros sejam corrigidos. No Piauí, muitos prefeitos e suas equipes são pouco qualificados. E, quando há gastos não planejados e irresponsáveis, a falha aparece na Saúde, na Segurança, na Educação — afirma o conselheiro Jackson Veras.

Interesses eleitorais
No Rio, em 2012, dos 91 municípios fiscalizados, o TCE viu que 22 não atenderam às normas. Presidente do tribunal, Jonas Lopes diz, por e-mail, que, em alguns casos, “estavam ameaçados até o pagamento dos salários dos servidores e a prestação de serviços como Saúde e coleta de lixo”. Ele destaca que no último ano de mandato alguns prefeitos comprometem as finanças públicas com interesses eleitorais.

No último quadrimestre de 2014, 11 prefeituras extrapolaram os gastos com pessoal; e todas as 91 tiveram altos “índices de servidores comissionados e contratados temporários”, diz Lopes.

Em São Paulo, o TCE aponta que o número de prefeituras com contas rejeitadas subiu de 56 para 335 de 2009 para 2012 — aumento de 498,2%. Já o total com contas aprovadas caiu de 588 para 298.

Entre as razões para a desaprovação está também o descumprimento do limite de gasto com pessoal. Mas em 2012, recorde de rejeição de contas pelo TCE-SP, outro motivo foi que, como era ano eleitoral, houve gastos — no caso, com publicidade — nos últimos dois quadrimestres do mandato, o que é proibido pela lei.

No TCE do Rio Grande do Norte, o relator das contas de 2013 da ex-governadora Rosalba Ciarlini (sem partido) aponta que ela abriu créditos adicionais de R$ 1,097 bilhão sem autorização em lei e desrespeitou o limite de gastos com pessoal. O relator desaprovou as contas, mas foi voto vencido, e elas acabaram aprovadas, com ressalvas. O relator cita, ainda, que o investimento na divulgação dos programas de governo foi de R$ 18 milhões; em Segurança, de R$ 12 milhões; e em Assistência Social, de R$ 549,6 mil. Hoje, o MP tem quatro investigações sobre a gestão de Rosalba relativas ao descumprimento da lei.

Ex-chefe da Casa Civil e marido da ex-governadora, Carlos Augusto Rosado disse que o RN é o segundo estado menos endividado em relação a financiamentos. Sobre o voto do relator, disse que Rosalba já fez sua defesa ao TCE.

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