quinta-feira, 30 de abril de 2015

Juro volta a subir e atinge a maior taxa desde 2008

Um remédio amargo

• BC eleva juros a 13,75%, maior nível desde a crise global, em cenário de inflação e desemprego

Gabriela Valente – O Globo

Crise sem fim

BRASÍLIA, SÃO PAULO e RIO - Com as expectativas de inflação crescente neste ano, o Banco Central (BC) decidiu ontem, por unanimidade, aumentar os juros básicos em 0,5 ponto percentual, elevando a Taxa Selic a 13,25% ao ano. A alta, esperada pelo mercado financeiro, foi a quinta consecutiva. E o BC não deu sinais de que vai parar por aí. Divulgou exatamente o mesmo comunicado da reunião anterior, deixando a porta aberta para mais aperto monetário. Com isso, a Selic atingiu seu maior nível desde dezembro de 2008, quando estava em 13,75%. Naquela época, o mundo estava mergulhado na crise financeira global: era o colapso do Subprime (as hipotecas de alto risco nos EUA) e os preços das Commodities dispararam. O Brasil crescia a uma taxa de 5,2% ao ano, com inflação de 5,9%. A alta era para conter esse nível de aumento de preços. Já o cenário de hoje é bem diferente.

Hoje, a previsão é de retração de 1,1% neste ano, e a alta dos juros pode acentuar a recessão. O desemprego atingiu 6,2% em março. E o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), no acumulado em 12 meses, está em 8,13%, com o mercado projetando que encerre o ano em 8,25%. A meta do governo é de 4,5%, com margem de tolerância de dois pontos percentuais, para cima ou para baixo.

Segundo o economista-chefe da corretora Gradual, André Perfeito, ao manter o ritmo de alta de 0,5 ponto percentual, o BC mostra que pretende ancorar as expectativas de inflação para 2016.

- O BC quis dizer que já que 2015 está perdido, tem de concentrar seus esforços no controle da inflação do ano que vem - explica o analista, lembrando que pode haver surpresas, como um aumento no preço das Commodities .

Além disso, a valorização do dólar, que foi forte no primeiro trimestre, ainda terá impacto nos preços. E o poder de fogo do BC está reduzido, já que a maior parte da inflação vem dos preços administrados (tarifas de serviços públicos, como energia elétrica), que não respondem à alta de juros. Assim, a autoridade monetária tem de frear apenas a inflação dos preços livres.

- Dado que hoje o governo passa por uma austeridade fiscal, uma austeridade monetária também se faz necessária. Então a elevação dos juros para 13,25% é acertada, embora eu achasse que a taxa precisaria subir ainda mais. Isso porque é preciso impactar os preços livres de forma a contrabalançar a inflação causada pelos preços administrados - afirma Alex Agostini, da consultoria Austin Rating. - Mas apostamos em uma parada técnica do BC no mínimo até o fim do ano para acompanhar o impacto dessas altas na economia.

Em primeiro no ranking de juro real
No comunicado, o BC repete o texto da reunião de março: "avaliando o cenário macroeconômico e as perspectivas para a inflação, o Copom decidiu, por unanimidade, elevar a taxa Selic em 0,5 ponto percentual para 13,25% ao ano sem viés". O mercado viu nisso um sinal de que pode haver novas altas.

Com a Selic a 13,25%, o Brasil continua tendo os maiores juros reais (descontada a inflação) do mundo. Segundo levantamento de Jason Vieira, da consultoria Moneyou, o país está em primeiro no ranking, com taxa anual real de 4,74%, seguido por China (3,90%), Polônia (3,05%), Taiwan (2,51%) e Hungria (2,41%).

André Muller, economista da Quest Investimentos, acha que a elevação nos juros é marginal e, por isso, não terá forte impacto no crescimento. Além disso, ele acredita que a comunicação do BC com o mercado tem sido focada em inflação, não em crescimento. Apesar dos esforços da autoridade monetária, Muller acredita que o IPCA fique em 5,6% em 2016, não no centro da meta.

Representantes da indústria e dos trabalhadores criticaram a nova alta da Selic, que subiu a 13,25% ao ano. Para a Confederação Nacional da Indústria (CNI), isso vai desestimular ainda mais os investimentos e o consumo das famílias, aumentando as dificuldades para a retomada da produção industrial e do crescimento econômico.

Em nota, a CNI defendeu que as políticas monetária e fiscal sejam complementadas por uma agenda que aumente a competitividade do país, dando prioridade a medidas que deem maior segurança jurídica às empresas.

A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) não se pronunciou. Já a Firjan afirmou que, mesmo após cinco altas consecutivas dos juros, as expectativas de inflação continuam elevadas. sobre a alta dos juros. E o presidente da Associação Brasileira de Atacadistas e Distribuidores (Abad), José do Egito Frota, afirmou que o BC errou ao reduziu demais os juros e, agora, erra agora novamente ao subi-los a "patamares estratosféricos, com a economia completamente estagnada".

O presidente da Associação Comercial de São Paulo (ACSP) e da Federação das Associações Comerciais do Estado de São Paulo (Facesp), Alencar Burti, afirmou em nota que a decisão do Copom foi equivocada, porque o impacto das altas de juros anteriores ainda não foi sentido na economia.

Em nota, o presidente da Força Sindical, Miguel Torres, afirmou que, ao elevar a Selic mais uma vez, o BC "se curva de forma vergonhosa aos especuladores". "Estas políticas mal orientadas deprimem ainda mais a economia."

No mercado, o fraco desempenho do PIB dos Estados Unidos - cresceu apenas 0,2% no primeiro trimestre, contra projeções de 1% - e a manutenção de juros entre zero e 0,25% pelo Federal Reserve (Fed, o BC americano) fez com que o dólar recuasse frente às principais moedas globais. No Brasil, porém, o dólar comercial no Brasil fechou em alta de 0,50%, a R$ 2,959. No mês, a moeda americana ainda acumula recuo de 7,3%.

- É uma alta pontual depois de uma queda forte do dólar em abril. É mais um movimento de ajuste - disse Raphael Figueredo, analista da Clear Corretora.

A Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) recuou 0,87%, aos 55.325 pontos.

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