sexta-feira, 3 de abril de 2015

Impostos são dois terços do ajuste

Ajuste movido a impostos

• Com volta de taxação a empresas anunciada ontem, dois terços do esforço vêm de receitas

Marcello Corrêa, Cristiane Bonfanti – O Globo

RIO e BRASÍLIA - A mais recente medida do governo para melhorar as contas públicas do país foi um sinal de que o ajuste fiscal deste ano deve ser mais concentrado em aumento de impostos do que em cortes de gastos. É o que avaliaram especialistas, após o anúncio, ontem, do aumento do PIS/Cofins sobre aplicações financeiras de algumas empresas. O tributo, que estava com alíquota zerada desde 2004, passa a ser cobrado, em julho, com percentual de 4,65%. A Receita estima que a medida vá engordar a arrecadação em R$ 2,7 bilhões este ano. O economista Mansueto Almeida, especialista em contas públicas, calcula que as principais medidas para aumentar tributos somam até agora R$ 31,5 bilhões, quase dois terços das ações anunciadas. Já os ajustes baseados em corte de gastos devem gerar economia de R$ 19 bilhões neste ano.

- Isso (aumento de impostos) é o governo pagando a conta do passado. A via correta era discutir, no Congresso, o tamanho do gasto. Mas isso não foi feito em quatro anos - diz o economista.

Os cálculos de Mansueto ainda são preliminares e podem sofrer ajustes de valores, sujeitos às negociações entre governo e Congresso. No lado do aumento da arrecadação, ainda é incerto o destino do texto que revê a desoneração da folha de pagamento para alguns setores empresariais, concedida em 2011, que enfrenta forte resistência dos parlamentares. O fim dessa renúncia fiscal, calcula Mansueto, elevaria os ganhos do governo em R$ 2,4 bilhões. O mesmo ocorre com as medidas provisórias que alteram benefícios trabalhistas, também motivo de polêmica no Legislativo, como as restrições ao acesso ao seguro-desemprego e à pensão por morte. O economista desconsiderou o ganho de R$ 7 bilhões previsto com a mudança do abono salarial, porque a medida só deve gerar efeito em 2016. Os pagamentos deste ano estão sujeitos à regra antiga.

A necessidade de cortar mais despesas é defendida por outros analistas. O economista Felipe Salto, também especialista em contas públicas, avalia que o aumento de imposto anunciado ontem reforça a expectativa de um ajuste por meio de alta de impostos:

- Isso mostra que, ao contrário do que o ministro da Fazenda, Joaquim Levy,, disse na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado (CAE), o ajuste vai ser pelo lado do aumento de imposto. É uma tentativa desesperada, estão buscando todas as brechas possíveis.

Nesta semana, a presidente Dilma Rousseff afirmou que o governo vai fazer um "grande corte" no orçamento deste ano. Na entrevista, Dilma disse ainda que vai "fazer tudo para cumprir" a meta fiscal.

Margarida Gutierrez, professora da Coppead/UFRJ, acredita que os sinais apresentados até agora mostram que o ajuste está no caminho correto. Ela destaca, no entanto, que o raio de ação de Levy é limitado. Cerca de 90% do Orçamento correspondem a despesas obrigatórias e, portanto, demoram mais para serem feitos.

- Não tem muita alternativa. Os ajustes para corte de despesas precisam ser realizados no médio longo prazo - explica.

Segundo comunicado da Receita Federal, a elevação do PIS/Cofins anunciada ontem atingirá cerca de 80 mil empresas sujeitas ao regime de apuração não cumulativa - basicamente grandes companhias do comércio e da indústria. É válida apenas para os rendimentos com aplicações financeiras As empresas do setor financeiro, como bancos e seguradoras, não são afetadas. No caso dos juros sobre capital próprio das empresas, a alíquota não chegou a ser alterada em 2004 e permanece em 9,25%.

- Empresas maiores suportam mais uma crise. Certamente, o governo está tentando minimizar o efeito nas menores - analisa Margarida.

A estimativa de R$ 2,7 bilhões em receitas é referente ao efeito da nova alíquota entre agosto e dezembro. Em 2016, quando valerá durante todo o ano, a arrecadação deve saltar para R$ 6,5 bilhões, estima o Fisco.

José Roberto Afonso, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), pondera que calcular o efeito de medidas como essa é um risco no cenário, considerando que os números de arrecadação variam de acordo com a atividade econômica. O economista avalia ainda que elevar o PIS/Cofins dos ganhos das empresas com aplicação financeira é punir aquelas que têm liquidez (dinheiro em caixa) suficiente para investir.

- Na prática, estão tributando mais a liquidez das empresas. É como se reduzissem a taxa do CDI, um dos investimentos mais populares, em 4,65 pontos percentuais - compara.

Afonso também destaca que as projeções do governo se baseiam na arrecadação, uma variável difícil de prever:

- O governo está tomando medidas na direção certa. Mas a arrecadação é uma variável que não se controla. A conta que é preciso fazer é a de quem ganha e quem perde. Mas isso é difícil. É como trocar o pneu com a bicicleta andando.

A Receita Federal restabeleceu a cobrança de PIS/Pasep e Cofins sobre os ganhos financeiros dessas empresas por meio de decreto publicado ontem do Diário Oficial da União. As duas alíquotas estavam zeradas desde 2004. Do total fixado, 0,65 ponto percentual é da contribuição para o PIS/Pasep e os outros quatro pontos se referem à Cofins. No texto, a Receita destacou que o aumento foi parcial, uma vez que, há uma década, as alíquotas totalizavam 9,25%.

Setor público teve déficit
As alíquotas foram zeradas em 2004 em contrapartida à extinção de um benefício que as empresas tinham. Na época, ao ter despesas de juros decorrentes de empréstimos e financiamentos, os empresários tinham direito a um crédito junto ao Fisco que poderia ser descontado, por exemplo, do recolhimento de contribuições. A Receita destacou que restabeleceu a cobrança "para evitar abrir mão de importantes recursos para a seguridade social, sem que se vislumbre, hoje, motivação plausível para tal renúncia".

Com a medida, o governo pretende reforçar os cofres públicos e garantir o cumprimento da meta de superávit primário - a economia para o pagamento de juros da dívida pública - de R$ 66,3 bilhões ou 1,2% do Produto Interno Bruto (PIB) este ano.

Nesta semana, o Banco Central (Tesouro, Banco Central e Previdência Social) informou que o setor público registrou um déficit de R$ 2,3 bilhões em fevereiro - o pior desempenho para o mês desde 2013. O resultado no acumulado do primeiro bimestre ficou em R$ 18,8 bilhões. O valor representa uma queda de 14,9% na comparação com o apurado no primeiro bimestre de 2014 e equivale a 28,3% da economia estimada para todo o ano de 2015. Para 2016, a meta de superávit primário está fixada em 2% do PIB.

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