segunda-feira, 2 de março de 2015

O STF e a omissão de Dilma – Editorial / O Estado de S. Paulo

A omissão da presidente Dilma Rousseff, que até hoje não indicou o substituto do ministro Joaquim Barbosa, está deixando irritados os membros do Supremo Tribunal Federal (STF). "Essa omissão tornou-se irrazoável e abusiva, pois interfere no resultado dos julgamentos", diz Celso de Mello, o decano da Corte. "O atraso na indicação é nefasto porque prejudica as atividades do STF", afirma o segundo ministro mais antigo, Marco Aurélio Mello.

Barbosa deixou o STF em julho de 2014, quando se aposentou por tempo de serviço. Desde então, a mais alta Corte do País vem trabalhando com dez ministros. O aumento da carga de trabalho os levou a atrasar a entrega de pareceres e os obrigou a pedir vista dos processos mais relevantes, atrasando os julgamentos. "Não é possível que não tenhamos pessoas abalizadas para assumir uma cadeira no Supremo", protesta Marco Aurélio, classificando a demora na indicação do substituto de Joaquim Barbosa como "menosprezo institucional".

Além da sobrecarga de trabalho dos ministros, a omissão de Dilma está obrigando o STF a suspender algumas sessões plenárias por falta de quórum, uma vez que o artigo 143 do Regimento Interno determina que a análise de temas constitucionais tenha a presença de pelo menos oito ministros. A Corte não consegue julgar ações diretas de inconstitucionalidade, ações declaratórias de constitucionalidade e ações de descumprimento de preceito fundamental quando ministros são obrigados a se ausentar, declaram-se impedidos de votar ou haja empate na votação.

É esse o caso, por exemplo, do julgamento das ações de constitucionalidade dos pacotes econômicos das décadas de 1980 e 1990, que discutem o ressarcimento de perdas sofridas por poupadores, estimadas em R$ 150 bilhões. O ministro Luís Roberto Barroso está impedido de tratar da questão por ter dado pareceres sobre o assunto antes de ser nomeado para o cargo.

O mesmo ocorre com os ministros Luís Fux, cuja filha integra um escritório que advoga para instituições financeiras, e Carmen Lúcia, cujo pai impetrou um processo contra os bancos. Por isso, o caso somente poderá ser retomado quando a presidente da República indicar o substituto de Joaquim Barbosa. Entre os casos pendentes de julgamento, por problemas de quórum, estão as ações que discutem a cobrança da Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins) de empresas seguradoras e de instituições financeiras e a cobrança de IPI sobre insumos oriundos da Zona Franca de Manaus.

A demora no preenchimento da cadeira deixada por Joaquim Barbosa também está criando problemas políticos. Numa ação conjunta, a Associação dos Magistrados Brasileiros, a Associação dos Juízes Federais e a Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho entraram no Supremo com uma ação pedindo o estabelecimento do prazo de 20 dias para que o Executivo indique ministros para qualquer dos tribunais superiores. Caso o prazo seja descumprido, caberia aos tribunais promover a escolha de seus novos integrantes. Escolhido por sorteio para apreciar a ação, o ministro Teori Zavascki a rejeitou. Mas as entidades da magistratura entraram com agravo, pedindo que ela seja submetida ao plenário. Informalmente, alguns ministros já manifestaram a disposição de votar favoravelmente.

Além do descontentamento que causou no STF e nas entidades da magistratura, a demora de Dilma na indicação do sucessor de Joaquim Barbosa a deixou vulnerável a ataques políticos. Sem esconder o objetivo de retirar da presidente o poder de indicar mais ministros para o Supremo durante seu segundo mandato, o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, anunciou que colocará em votação a chamada PEC da Bengala - uma Proposta de Emenda Constitucional que aumenta de 70 para 75 anos a idade máxima de permanência no serviço público. Se for aprovada, ela beneficiará os ministros Celso de Mello, Marco Aurélio, Ricardo Lewandowski, Teori Zavascki e Rosa Weber, que completarão 70 anos até 2018. Eles poderiam continuar no cargo e seus substitutos só seriam escolhidos pelo próximo presidente da República.

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