terça-feira, 31 de março de 2015

Luiz Carlos Azedo - A lógica do dissenso

• Lula, no segundo mandato, e a presidente Dilma Rousseff, no primeiro, operaram uma espécie de aggiornamento às avessas, no qual desprezaram os grandes consensos nacionais da transição à democracia

- Correio Braziliense

Um regime democrático tem vários pressupostos, dois deles estão imbricados: o direito ao dissenso e à alternância de poder. O direito de se opor ao pensamento majoritário na sociedade é uma prerrogativa das minorias. Já a alternância de poder é a garantia de que a oposição, se for capaz de convencer a maioria de que um determinado projeto, programa ou conjunto de ideias será melhor para a sociedade, pode chegar ao poder — pelo voto.

Nos 12 anos e três meses que exerceram o poder, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a presidente Dilma Rousseff revelaram certa dificuldade para conviver com a oposição e para admitir a alternância de poder. A soberba com que trataram as minorias — talvez o melhor exemplo seja a situação dos índios, que nunca protestaram tanto na Esplanada — e a forma como conduziram os processos eleitorais — para ganhar as disputas a qualquer preço — ainda serão matéria-prima para muitas teses acadêmicas.

Curiosamente, dispondo do apoio de amplo leque de forças política no Congresso e da grande massa da população pobre, Luiz Inácio Lula da Silva, no segundo mandato, e a presidente Dilma Rousseff, no primeiro, operaram uma espécie de aggiornamento às avessas, no qual desprezaram os grandes consensos nacionais construídos ao longo da transição à democracia. No poder, apostaram no dissenso.

Essa aposta vale para a política externa, que deixou o Brasil refém da Venezuela, da Bolívia e da Argentina; para a política econômica, que investiu no capitalismo de Estado, acreditou no declínio dos Estados Unidos e na liderança dos países emergentes para sair da crise; e nas políticas sociais de um modo geral, que focaram o gasto social nos mais pobres e sucatearam a saúde, a educação, os transportes públicos. Grandes momentos dessa política foram o acordo com Irã e a Turquia sobre a questão nuclear ; a suspensão do Paraguai do Mercosul; a mudança do regime de exploração de petróleo para o modelo de partilha, que está por trás da crise da Petrobras; e a intervenção populista no setor elétrico, só para citar alguns casos.

Onde está a saída?
Agora, com o fracasso do modelo petista e a crise do “presidencialismo de coalizão”, a situação é dramática: o PT está cada vez mais isolado, a maioria da sociedade divorciou-se da presidente recém reeleita, e o ex-presidente Lula mergulhou, para preservar a candidatura dele em 2018. A hegemonia petista, imposta de cima para baixo aos aliados políticos e por meio da cooptação dos movimentos sociais tradicionais, parece se desmanchar no ar. A opção pelo dissenso, que é uma prerrogativa das minorias, é um contrassenso para quem exerce o poder num regime democrático.

Na história do Brasil, houve momentos parecidos, como os que levaram à renúncia dos presidentes Jânio Quadros, numa crise até hoje mal explicada, e Fernando Collor de Mello, depois de uma campanha a favor do impeachment. Ambos, porém, eram outsiders políticos (na tradução para o português, a palavra significa intruso, forasteiro e terceiro), o que não é o caso de Lula e de Dilma, embora a presidente da República muitas vezes se comporte como tal.

É um erro supor, porém, que não existe vida inteligente no governo e no PT. Já surgem em seu interior aqueles que começam a identificar esse estado de coisas e buscam um reencontro com a maioria da sociedade e os grande consensos nacionais, mas essa não será uma tarefa fácil. O senso comum petista é apostar numa volta às origens, como Frei Beto, em recente entrevista.

Seu diagnóstico representa o pensamento da maioria dos militantes: “O grave do governo do PT — tendo sido construído e consolidado pelos movimentos sociais — foi, ao chegar ao Planalto, ter preferido assegurar sua governabilidade com o mercado e com o Congresso e escantear os movimentos sociais. Hoje, eles são tolerados ou, como no caso da UNE e da CUT, manipulados, invertendo o seu papel. Com isso, o PT ficou refém desse Congresso, dependendo de alianças espúrias. Agora, o seu grande aliado, o PMDB, se rebela, cria — com o perdão da expressão — uma cunha renana para asfixiar o Executivo”.

Para Frei Beto, a saída é o PT ser fiel às suas origens. “Buscar a governabilidade pelo estreitamento de seus vínculos com os movimentos sociais. Ou seja, o segmento organizado, consciente e politizado da nação brasileira. Fora disso, tenho a impressão de que estamos começando a assistir ao começo do fim. Pode até perdurar, mas o PT tende a virar um arremedo do PMDB.” Só há, porém, duas maneiras de fazer isso: a guinada para o bolivarianismo, o que não é a opção de Dilma, ou futuro desembarque do governo, o que deve passar pela cabeça de Lula, ao propor a criação de uma frente de esquerda, inspirada na Frente Ampla do Uruguai, para abrigar sua candidatura e camuflar o apoio do PT.
Postado por Luiz Carlos Azedo às 06:34 Nenhum comentário: Links para esta postagem

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