segunda-feira, 23 de março de 2015

Em crise, indústria naval demite quase 5 mil no Rio

Principal polo naval do país, Rio revive temor dos anos 80

• Com demissões nos principais estaleiros no Estado, projeto de navipeças do governo é cancelado

Bruno Rosa, Ramona Ordoñez e Henrique Gomes Batista – O Globo

Fora de prumo

Um dos setores mais estratégicos do Rio desde o Barão de Mauá no século XIX, a indústria naval vive um novo momento de crise e incertezas. No estado, que concentra metade dos estaleiros no país, o número de demissões já chega a 4.900 nos últimos meses e outras 4.200 vagas correm o risco de desaparecer. A crise, reflexo da paralisia dos investimentos da Petrobras por causa dos casos de corrupção, freou também um dos principais projetos do governo estadual, o polo de navipeças, que seria em Duque de Caxias. Especialistas veem a indústria em encruzilhada semelhante à vivida nos anos 1980, quando houve a derrocada dos estaleiros: ou o setor se moderniza e sobrevive com competitividade, sem subsídios públicos, ou está fadado a encolher.

O professor Floriano Carlos Martins Pires Junior, da Coppe/UFRJ, um dos maiores especialistas do país no setor, afirma que essa indústria vive uma encruzilhada igual à dos anos 1980:

- A crise da Petrobras antecipou um problema que ocorreria: o setor estava precisando de um ajuste estrutural, estava superdimensionado, projetos que não se sustentam sem o subsídio do governo. O momento agora é da busca da eficiência e da competitividade. A indústria naval brasileira poderia até exportar: 85% do mercado mundial é dominado por China e Coreia do Sul. O Brasil poderia brigar por parte desses 15%, sobretudo em equipamentos de maior tecnologia embarcada.

Mauro Osório, professor de economia da UFRJ, afirma que os estaleiros respondem por 5% dos empregos industriais do Rio, cerca de 30 mil postos, e têm salários acima da média das demais indústrias:

- O Rio pode até ganhar neste momento se conseguir alcançar um novo patamar de competitividade, por ser um Cluster mais consolidado.

Alexandre dos Reis, diretor de Relacionamento de Mercado da Firjan, lembra que metade da indústria do setor está no Rio: são 22 estaleiros e 260 empresas de navipeças. Ele afirma que, para o setor sobreviver, serão necessários aperfeiçoamentos em gestão, qualificação e cadeia de suprimentos organizada:

- Apesar dos problemas momentâneos, ainda existe demanda. Estimamos em 150 navios de apoio necessários até 2020.

Com os estaleiros do Rio em situação crítica, o polo de navipeças - anunciado em 2012 e com previsão de geração de cinco mil empregos com a atração de investimentos privados de R$ 1,5 bilhão - foi cancelado. Segundo a Secretaria de Desenvolvimento do Rio, o polo, que seria instalado em Duque de Caxias, "teve sua localização tornada virtual". Por isso, o polo será compreendido em um conceito que não se restringe a um só local.

- As empresas estão em diversos pontos do estado. Há muitos distritos industriais no Rio - disse o subsecretário de Energia, Logística e Desenvolvimento Industrial do Rio, Marcelo Vertis.

Estaleiros preveem mais demissões
Rogério Lima da Silva, niteroiense de 43 anos, trabalha há 15 em estaleiros. Após mudar de emprego em 2013, acabou demitido do estaleiro Camorim em abril de 2014 e não consegue emprego:

- Fiz cursos no Pronatec para virar soldador e, enquanto não acho um emprego no setor, vou usando o conhecimento que ganhei na construção civil e na parte de eletricidade fazendo bicos - disse ele, que sonha com um novo emprego em estaleiro.

Mas isso parece cada dia mais distante:

- Todos os estaleiros estão desmobilizando. A Petrobras falou que as obras em andamento não iriam parar, mas não é isso que está acontecendo - afirmou Edson Rocha, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Niterói.

Entre os estaleiros, as demissões assustam executivos do setor. Após desligar cerca de mil operários, o estaleiro Brasa - cujo sócio é a holandesa SBM, proibida de ser contratada pela Petrobras em função do escândalo de corrupção - pode ter que cortar mais dois mil operários, dizem os sindicatos, com o fim da construção de módulos para duas plataformas (Maricá e Saquarema). Do outro lado, o estaleiro admite que "o adiamento de licitações e a suspensão de projetos pode, sim, acarretar mais demissões no setor naval".

- Encomendas estão sendo adiadas e canceladas. O setor sofre com essa falta de planejamento. O estaleiro EBE (do Grupo MPE, que também está proibido de ser contratado pela estatal por suposta formação de cartel) está demitindo todos os mil funcionários de sua unidade em Itaguaí, por causa do fim das encomendas da Modec - diz Alex Santos, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do Rio.

Procurada, a EBE, que aluga espaço da Nuclep, em Itaguaí, diz que a falta de projetos é o grande motivador das demissões. Mas a empresa diz manter a expectativa do surgimento de novas obras e o aproveitamento dos quase mil profissionais que estão sendo dispensados. O mesmo grau de incerteza atinge o estaleiro UTC, em Niterói. Segundo Edson Rocha, a empresa teve que demitir 600 operários que trabalhavam na construção de módulos para quatro plataformas, já que o estaleiro não obteve resposta de novas encomendas da Petrobras. Rocha diz que outros 150 funcionários podem ser demitidos. A Petrobras disse desconhecer novas encomendas para a UTC no Rio. A UTC não quis comentar.

No estaleiro Inhaúma, já foram demitidos 849 trabalhadores, mas o sindicato vê o risco de mais três mil demissões, já que a estatal teria decidido fazer parte da conversão de duas plataformas na China. A informação, porém, é negada pela Petrobras. Mas se muitos estaleiros promovem demissões em massa, alguns, como o Brasfels, em Angra dos Reis, estão mantendo os trabalhadores, na expectativa de que a situação seja resolvida.

- Os empresários estão tentando manter o quadro de pessoal, esperando que a situação seja resolvida o mais rapidamente possível. O governo tem que dar um direcionamento de como poderemos sobreviver - disse Ariovaldo Rocha, presidente do Sinaval, o sindicato dos estaleiros.

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