quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Vinicius Torres Freire - Na boleia da crise do caminhão

• Vida dura e queda do preço do frete devido a mudanças econômicas explicam revolta caminhoneira

- Folha de S. Paulo

O aumento recente do preço do diesel parece ter detonado a onda de protestos dos caminhoneiros, mas foi a gota d'água em um mar de problemas que, parece incrível, em parte resultou da soluções de ineficiências. Mas até a crise econômica mundial e o superinvestimento em capital influenciaram a piora das condições de trabalho dos caminhoneiros, sujeitos de resto a abusos medievais. Não é improvável que a política e o clima de protestos antigoverno tenha cutucado a revolta ali e aqui, como insinuam associações da categoria, como o fez ontem a União Nacional dos Caminhoneiros.

O preço do frete caiu, em algumas regiões em até 25%, pelo menos desde o final do ano passado, embora as estatísticas sejam precárias e os números variem de acordo com situações muito específicas e regiões.

Mas o preço do frete vem caindo de modo mais regular devido, ao que parece, a três fatores:

1) Aumento da oferta de caminhões, provocada pela melhora das condições de financiamento, pelo BNDES em especial. Juros menores e a redução de impostos (IPI) teriam até provocado uma bolhazinha, com gente que não é do ramo entrando no negócio;

2) Organização melhor do acesso aos portos, com a redução brutal das filas de caminhões;

3) Aumento da capacidade de estocar grãos, resultado do aumento da renda dos agricultores e, outra vez, da melhora das condições de financiamento de capital agrícola.

Até 2013, mesmo a gente das cidades grandes tinha notícia das filas imensas que, em período de despacho das safras, se formavam na reta final das estradas que vão dar nos portos, em especial em Santos (SP) e Paranaguá (PR).

O governo contribuiu para criar um sistema de agendamento eletrônico de descargas que, enfim, reduziu o tempo de espera em até 40%, no pico da safra. O aumento da eficiência reduziu a demanda de caminhões de carga, antes desperdiçados nas filas imensas. O preço do frete começou a cair, no início de 2014; cai agora ainda mais.

Trata-se de "evidências anedóticas", como dizem economistas, resultado de relatos de empresários e líderes de caminhoneiros, baseadas em algumas estatísticas esparsas e recentes. Nalgumas conversas também se diz que a queda do preço das commodities, tendência global desde o final de 2013, teria levado os produtores a regatear o frete. Essa hipótese parece mais controversa.

Os caminhoneiros reconhecem que o governo baixou medidas que melhoram as condições de vida da categoria (redução de pedágio, redução de Imposto de Renda, juros menores para a compra de caminhões etc.). Mas várias delas ficaram no papel, entre elas o fim da "carta frete", um modo de pagamento primitivo dos caminhoneiros.

Trata-se de uma ordem de pagamento por meio do qual o transportador autônomo recebe pelo serviço, no entanto um papel que só pode ser trocado em alguns postos, o que submete esses trabalhadores a um regime revoltante de barracão (consumir seu rendimento em locais determinados pelo empregador).

Pelos dados mais recentes, há mais de 1 milhão de transportadores rodoviários de cargas, mais de 860 mil deles autônomos. Carregam literalmente o país nas costas. Se quiserem, podem causar congestão e infarto da economia.

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