sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Merval Pereira - Tudo a ver

- O Globo

O fato de "empresas (leia-se empreiteiras) brasileiras" com negócios na Guiné Equatorial terem financiado a escola de samba Beija-Flor, campeã do carnaval carioca, é apenas um dos pontos de contato entre esse escândalo e aquele outro, o petrolão. Segundo delações premiadas de dirigentes de empreiteiras presos, parte do dinheiro desviado da Petrobras voltava para o PT em forma de doações legais.

Essa maneira de lavar o dinheiro foi utilizada pelas empreiteiras que atuam na Guiné Equatorial para financiar a Beija-Flor em R$ 10 milhões, na tentativa de tornar o apoio da ditadura daquele país mais palatável à opinião pública.

A Odebrecht negou que tenha participado dessa vaquinha, e informou que não tem obras na Guiné Equatorial, de onde saiu em 2014. No entanto, após a visita de Lula em 2011, como representante de Dilma, a empreiteira entrou no mercado de obras públicas na Guiné Equatorial e chegou a ser considerada favorita para a construção de uma capital administrativa.

Na ocasião, Lula levou na comitiva oficial o diretor de novos negócios da Odebrecht, Alexandrino Alencar, que, (não) por acaso, também está envolvido no petrolão. O ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa contou ter recebido US$ 23 milhões da Odebrecht numa conta aberta na Suíça. Alexandrino Alencar tinha contato constante com o doleiro Rafael Angulo Lopez, que trabalhava com Youssef, e a polícia suspeita que o intermediário do suborno a Costa tenha sido Alencar.

A Operação Lava Jato está investigando as diversas empresas da Odebrecht pelo mundo e os procuradores acreditam que elas foram utilizadas para o pagamento de subornos, sem que o dinheiro possa ser traçado nos bancos brasileiros.

As estripulias da família Obiang no Brasil não são poucas. Além das festas que o filho do ditador Teodorin promove em seus apartamentos no Rio e em São Paulo, ele parece receber tratamento especial no Brasil. Conseguiu escapar da polícia francesa em 2013 quando estava em Salvador e o bloco Ilê Aiyê homenageou a Guiné Equatorial, antecipando-se à Beija-Flor.

O vice-presidente Teodorin Nguema Obiang Mangue teve mandado de prisão expedido pelo governo da França por lavagem de dinheiro e desvio de recursos públicos estrangeiros, mas fugiu no avião oficial de seu país antes que a polícia baiana cumprisse o mandado de prisão.

O pai, Teodoro Obiang Nguema Mbasogo, é o ditador africano mais antigo. A riqueza em petróleo contrasta com a miséria de seu povo: sete de cada dez habitantes (600 mil) sobrevivem com renda inferior a US$ 2 por dia, segundo o Banco Mundial. A desnutrição domina 39% das crianças com menos de 5 anos, mas ele é dos 10 governantes mais ricos do mundo segundo a revista "Forbes".

Mas o Brasil não ajudou Guiné Equatorial a montar uma espécie de Fome Zero por lá. Foi a esse país que o Brasil de Dilma concedeu anistia de 80% da dívida de R$ 27 milhões. A explicação é que o fluxo comercial entre o Brasil e o país saltou de US$ 3 milhões em 2003 para cerca de US$ 700 milhões atualmente. A anistia foi um gesto político, porque a dívida não representa grande coisa para os 2 países.

Especialmente para os Obiang, cujo herdeiro Teodorin gastou o dobro dessa soma em uma única noite na Christie"s, em Paris, em 2009, durante o leilão da coleção de Yves Saint Laurent e Pierre Bergé. A relação da Guiné Equatorial com o Brasil vem se estreitando tanto desde o governo Lula que o ditador Obiang deseja tornar o português língua oficial no país, que foi colonizado pela Espanha. E o Brasil apoia essa palhaçada querendo que a Guiné Equatorial faça parte da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa.

Segundo definição do jornal espanhol "El País", baseado em notícias oficiais da chancelaria espanhola, fazer negócios com o clã familiar de Teodoro Obiang é arriscado. "O pagamento de comissões é obrigatório e as disputas comerciais, muitas vezes fictícias, derivam, às vezes, em extorsão, ameaças e em perda do investimento para salvar a vida. (...) Este sistema corrupto impregna até o último rincão da administração guineana".

Com todo esse histórico de truculência com corrupção, não é de espantar que o escândalo da Guiné Equatorial tenha correlação com o do petrolão em algum momento, e que "empreiteiras brasileiras" tenham decidido homenagear ditadores tão reconhecidos internacionalmente. Sob a benção dos governos petistas.

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