quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Rosângela Bittar - Aos santos clamai

• Apenas um pretexto no ato final de dramalhão político

- Valor Econômico

Quem conhece avisa aos que estranham o tipo de reações, iniciativas e interesses que movem alguns homens e mulheres do governo, neste início de segundo mandato: nada identifica melhor a afinidade da presidente Dilma Rousseff com o ministro Aloizio Mercadante - cacifado para ser o candidato do PT a presidente em 2018 na eventualidade de Lula não ser ou ter que disputar com Lula -, do que os acontecimentos recentes presididos pelo sentimento de vingança. O que ocorre não é produto da camaradagem, da cumplicidade, da aliança, mas tão somente do jeito que têm em comum de tratar as questões da política e da vida.

Na base do revide, da punição, da atitude de exemplar o faltoso para que todos vejam a humilhação em praça pública e não se animem a repetir o desafio, é o estilo. Condicionado no temperamento, nos meios e modos.

No momento, essa força se volta contra a senadora Marta Suplicy, mas já foi acionada contra o ministro Nelson Barbosa, foi mais que determinante na escolha do ministro Juca Ferreira, e pode ser aplicada a qualquer um, a qualquer momento, como já o foi na definição dos cargos de primeiro escalão, ao premiar uns, para se vingar de seus desafetos, ou penalizar outros por rebeldia e recusa à vassalagem.

Escolher Juca Ferreira, um substituto que representa sua antítese, de quem ela própria denunciou desmandos, para o Ministério da Cultura, foi uma das lambadas na senadora Marta Suplicy. Dar a ordem de comparecimento em massa à posse desse ministro e elogiar-lhe o denunciado desempenho quando ministro da pasta, outra chibatada. Aplicar a Marta o mesmo veneno que ela deu ao antecessor, com críticas à sua administração da mesma área, a mesma moeda.

Dilma até ouviu, sem corar, o ministro da Cultura do Brasil tratar o ministro da Previdência, único certo no lugar certo, como o motoqueiro que a conduziu em passeios, de carona, sem a menor cerimônia. Um susto.

Num gesto espetacular, puxar o PMDB para a vice do PT na prefeitura de São Paulo, retirando de Marta a chance de seguir com candidatura ao cargo por um partido forte, uma jogada antecipada de mestre. Nessa, até Lula, por quem Marta entregou o pescoço na disputa entre ele e Dilma na chapa de 2014, aproveitou para pisar: em reunião com Michel Temer no final do ano, aprovou a armação que levou Gabriel Chalita para o governo Haddad, daí para a vice na recandidatura futura do prefeito, anulando acerto para ela assumir a legenda do PMDB. Nesse, teria chances reais, quando em qualquer partido de aluguel teria que disputar só com seu prestígio.

No movimento mais recente para apequenar-se coube ao governo a iniciativa da provocação. Dilma, ou Mercadante, não se sabe, atribuíram a Juca Ferreira, em cuja administração Marta identificara irregularidades, a mobilização da claque cultural na campanha da reeleição, alijando a senadora ministra da Cultura das iniciativas político-eleitorais no seu Estado. Ferreira é conhecido pela capacidade de aparelhar, sua posse como ministro, esta semana, demonstrou como age, e deu show de mobilização dos movimentos que o apoiam, deixando a ex-ministra a comer poeira.

Em outro evento cultural, também em São Paulo, mais humilhação: o PT impediu que Marta subisse ao palanque da reeleição exatamente na área onde conta com ampla e, parece, verdadeira admiração do eleitorado. Pior para Dilma em termos de voto, mas se deliciaram todos como picuinha.

A ainda ministra foi fritada pela presidente quando já estava com a demissão escrita e assinada, não deixaram que ela entregasse a quem de direito.

Depois, foi a vez de Marta revidar: escreveu uma carta de demissão realista, por isso ácida, em que praticamente decreta a incompetência do governo na área econômica, e protocolou-a no Palácio enquanto a presidente estava no exterior. O chefe da Casa Civil, que comandava o governo, fez papel de bobo com a lição de Marta, e a presidente colocou os panos quentes para reagir à altura bem depois. O governo armou o movimento seguinte e partiu para a orquestração da posse do desafeto das duas ex-ministras da Cultura - Marta e Ana de Holanda -e alguns artistas de renome.

A entrevista de domingo a Eliane Cantanhede, com que Marta tenta encerrar sua história com o PT pode não ter sido o capítulo final, não por causa de Marta, exatamente pelo amor ao método. A conferir.

Um dos únicos remanescentes do grupo de Lula no governo Dilma, o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, já sentiu o peso da futrica palaciana. A presidente em viagem, foi desautorizado em uma declaração sobre intenção de fazer estudo sobre a lei do salário mínimo, já que a atual está vencendo. Sem um gesto de apreço, ou telefonema de pedido de explicações diretamente, a presidente mandou a Casa Civil advertir o ministro e mandar desmentir.

Todos os petistas de cúpula em todos os tempos entenderam como verdadeiras as questões levantadas por Marta Suplicy até agora. Todos os mencionados teriam merecido a avaliação crítica da senadora, questões que serão discutidas no PT ao longo do próximo século, certamente. Com uma única exceção: a atribuição ao presidente do partido, Rui Falcão, da qualidade de traidor. Sempre foram muito ligados, acredita-se mesmo que tenha sido derrotada na candidatura à reeleição de prefeita por insistir em tê-lo na chapa, quando havia negociação com o PMDB, e só o incidente do comício, em que foi impedida de subir ao palanque do PT pelo presidente do partido, não justifica a transformação do açúcar em sal. É um mistério a alimentar a discussão.

O governo começou mal. Reduz o impacto das boas iniciativas - escolhas e medidas - com a demora a assumi-las. Relaciona-se com a política e o ministério no modelo descrito. Está decidido a se meter até a medula na eleição para a presidência da Câmara e do Senado, criando oportunidade de sofrer uma derrota logo no primeiro mês de mandato. A potência do arsenal escolhido para uma guerra particular de dois políticos de um mesmo partido do mesmo Estado - Mercadante e Marta -, permitindo entrada de elementos provocadores, mostra as baixas intenções.

A presidente Dilma aparece metida nisso tudo, em vez de dar um pulo a Paris, num bate e volta sem sacrifício pessoal, para dar uma de estadista e protestar contra a chacina terrorista, de braços dados com os líderes do mundo civilizado.

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