domingo, 18 de janeiro de 2015

MST quer transformar terra invadida de aliado de Dilma em símbolo

• Sem-terra tentam tornar propriedade de senador Eunício Oliveira no maior assentamento em 7 anos

- O Globo

CORUMBÁ DE GOIÁS (GO) — O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) quer transformar a invasão na fazenda do senador Eunício Oliveira (PMDB-CE), líder no Senado do principal partido aliado da presidente Dilma Rousseff, no maior assentamento criado no governo da petista. Planejado para ter duas mil famílias, seria o mais populoso instalado nos últimos sete anos. Desde agosto de 2014, as famílias ocupam parte do complexo agropecuário Santa Mônica, no interior de Goiás. Batizada de Acampamento Dom Tomás Balduíno (um dos fundadores da Pastoral da Terra), a área foi cercada pelos sem-terra com trincheiras, barreiras e guaritas. É preciso se identificar para entrar na invasão, onde eles vivem em barracos. Segundo o MST, são cerca de três mil famílias; para o Incra, porém, não há nem metade disso atualmente.

O MST ocupa área de cerca de cem hectares (equivalente a cem campos de futebol), pequena fração dos quase 14 mil hectares de terra do complexo do senador. A coordenação do MST garante que a parte ocupada era improdutiva, que o imóvel não cumpre sua função social e deve ser desapropriado e destinado à reforma agrária. Eunício nega que a terra seja improdutiva e diz que, na área invadida, existia plantio de soja na fase da colheita quando o MST chegou. Ele informou que sua propriedade é pioneira na plantação do produto na região.

O superintendente do Incra em Goiás, Jorge Tadeu Jatobá Correia, afirmou que, pelas informações prestadas pelo senador em 2010, metade das propriedades era improdutiva. Mas que hoje o quadro pode ter mudado e a terra pode ter se tornado produtiva. O órgão é o responsável por destinar terras para a reforma agrária.

— Ele declarou determinadas condições que se classificam como improdutivo. Pode ter feito isso em 2010, mas depois ter feito melhorias e não ter atualizado o cadastro. Por isso, é necessária uma vistoria — afirmou.

Esta é a maior invasão do MST em Goiás. O movimento quer transformar o acampamento numa referência. Na área, os sem-terra já estão plantando e colhendo mais de 20 produtos, como alface, jiló, melancia, feijão, milho. Asseguram que todo plantio é orgânico, ou seja, sem agrotóxicos. Para o MST, essa terra seria uma das melhores do país. Parte da produção, inclusive, já está sendo comercializada nas feirinhas de Corumbá de Goiás (GO), município próximo do acampamento.

O acampamento funciona com regras próprias: para entrar ali precisa-se de autorização da coordenação do MST, além de passar por uma barreira com guarita e se identificar, com a placa do carro devidamente anotada. Na entrada do acampamento há uma cancela, uma trincheira e um amontoado de pneus com cerca de arame. A estrutura de vigilância inclui ainda torres improvisadas de observação que funcionam 24 horas por dia, em turno de seis horas. São guaritas de 9 a 15 metros de altura. Em cada torre ficam dois sem-terra, munidos com foguetes, a serem disparados caso se perceba a presença de policiais.

Eunício tenta na Justiça a reintegração de posse para o despejo dos sem-terra. Já obteve vitória, e, no final do ano passado, foi cogitada uma ação da Polícia Militar para retirá-los da terra. O MST, no entanto, conseguiu uma liminar que os mantém na terra até o julgamento da decisão pelo Tribunal de Justiça de Goiás. Mas, ainda que sejam derrotados, eles prometem resistir. Valdir Misnerovicz, da coordenação nacional do movimento e responsável por arregimentar pessoas para as ocupações, diz que o grupo resistirá a uma tentativa de retirá-los da área.

— O pessoal está pronto para resistir. Já está aqui plantando, produzindo. Essa terra não produz, não cumpre sua função social. Aqui não tem outra solução. É um caminho sem volta. Ou vira assentamento, ou vira assentamento. A decisão do MST é de lutar por esse latifúndio. Não abriremos mão dele. Além de ilegal, é imoral e injusto — disse Valdir.

No interior do acampamento há mercearia, serviço de mototáxi e até uma igreja da Assembleia de Deus improvisada num barracão. A maioria dos sem-terra no local é evangélica. Numa dessas mercearias, há um aviso: “Fiado, só quando a terra sair”. No acampamento há também uma bandeira da campanha de Dilma Rousseff.

— Aqui tem eleitor de todo gosto — desconversou o dirigente do MST.

O Incra informou que na sua base aparecem 38 imóveis em nome da Santa Mônica e de Eunício Oliveira, todos em GO: eles somam 13.409 hectares. Na lista de bens declarados por Eunício à Justiça Eleitoral ano passado, o valor de suas propriedades em GO somava R$ 7,1 milhões. Ele disse que cumpriu o que determina a Receita, e que o valor declarado é o original da época da aquisição, a partir de 1988.

As estimativas sobre o valor atual das terras são elásticas. A Federação de Agricultura de Goiás (Feag) estima que o hectare na região valha de R$ 8 mil a R$ 10 mil — o que levaria só as terras do complexo agropecuário do senador a valer R$ 14 milhões. O Incra em Goiás, no entanto, avalia que possa chegar até a R$ 170 milhões.

Para o Incra, uma saída para esse imbróglio não será fácil. Segundo Jorge Correia, o ideal seria que o proprietário negociasse com o governo ao menos uma parte da área, para acomodar os sem-terra. Ele reconhece que será difícil desapropriar a terra, já que ocorreu a invasão e a lei impede que terra invadida seja vistoriada nos dois anos subsequentes.

— Se não há possibilidade legal de desapropriar, temos de trabalhar com compra e venda negociada. O ideal é que houvesse, pelo proprietário da Santa Mônica, uma disposição para negociar, mesmo que não seja toda a terra — disse Correia.

O senador respondeu que não tem intenção de se desfazer da fazenda. “Conforme a lei, terras produtivas e/ou invadidas não podem ser desapropriadas. E não há interesse em vender a propriedade”, respondeu Eunício ao GLOBO, por e-mail.

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