quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

Míriam Leitão - O mínimo de Barbosa

- O Globo

O desdito do ministro Nelson Barbosa, logo após a posse, foi entendido como o primeiro desencontro, no novo governo, entre um ministro e o temperamento da presidente. Mas o que o ministro avisou é sensato e ajudaria a preparar o futuro. O salário mínimo não terá ganho real no ano que vem, e talvez nem no próximo. Mas quem planeja tem sempre que pensar além do curto prazo.

Barbosa já vinha falando e escrevendo o que muitos economistas pensam. A fórmula de dupla indexação do salário mínimo pode apressar o colapso das contas da Previdência. O salário em si não é o problema, principalmente quando pago pelo setor privado. O problema é que o Brasil terá uma conta de pensões e aposentadorias cada vez mais alta pelo processo demográfico natural de aumento da idade média da população. E essa fórmula cria impasse.

Anos de crescimento forte acabam contratando um aumento real grande do salário mínimo, que pode chegar exatamente em ano em que há alguma dificuldade. Por exemplo, em 2010, o crescimento do PIB foi de 7,5%. Em 2011, a inflação ficou no limite máximo permitido, 6,5%. Isso fez com que no ano de 2012 o salário mínimo e, portanto, as despesas previdenciárias crescessem muito fortemente, porque a fórmula é: o PIB de dois anos antes com o INPC do ano anterior.

Muitos economistas vinham alertando que essa fórmula enrijece a economia e produz crescimento das despesas em época imprópria. Mantida como está, essa dupla indexação pode levar a uma trajetória insustentável no futuro.

Nada mais fez o ministro Nelson Barbosa do que dizer que seria feita uma proposta para alterar isso. Pensar as políticas públicas no longo prazo é a função primeira de quem ocupa o Ministério do Planejamento. O tema é delicado, e sempre será. Não haverá um momento em que mudar fórmulas de cálculo de salário mínimo não provoque controvérsia, mas se não puder ser no começo de um mandato quando será? A fala de Barbosa provocou revolta no governo. O eco chegou à Base de Aratu, e a presidente mandou o ministro recuar do que havia dito. Pode ser que a presidente prefira nem mexer nisto, levando-se em conta que, num primeiro momento, uma nova fórmula pode até elevar mais o salário mínimo do que a atual. Em 2016, os trabalhadores pagarão a conta da estagnação de 2014. O PIB deve ter ficado abaixo de 0,2%. A correção do mínimo será apenas pela inflação deste ano, praticamente sem aumento real.

Mais cômodo é deixar tudo como está e não tocar em temas delicados. Mais correto é ter a coragem de tocar em temos controversos, fazer mudanças necessárias e preparar o terreno para o crescimento sustentado que virá após os ajustes e correções de rumo.

Milhões de benefícios são corrigidos pelo salário mínimo, que tem tido forte valorização desde o Plano Real. Já publiquei aqui na coluna um gráfico que mostrava exatamente como o mínimo subiu em todos os governos desde então. A valorização foi benéfica, mas a rigidez imposta pela fórmula que indexa o salário a dois indicadores terá que ser mudada em algum momento.

O ministro nada disse de errado, e certamente isso foi tratado nos seus encontros com a presidente, até porque ele nunca fez segredo que pensava assim. A bronca de Aratu provocou o adiamento de uma correção que terá que ser feita. Talvez se perca o melhor momento para a mudança. Nos próximos dois anos, o salário mínimo não terá aumento real. Bom momento para se plantar para o futuro uma fórmula sustentável. Isso é o mínimo que se pede a quem assume acreditando no nome do Ministério do Planejamento.

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