quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Míriam Leitão - Combater os fatos

- O Globo

No mesmo dia em que, na avenida Chile, no Rio, a Petrobras se reunia para reconhecer uma perda de bilhões de dólares causada pela corrupção, a presidente Dilma Rousseff, na Granja do Torto, em Brasília, proclamava que seu governo foi o que mais combateu o problema. Ela reuniu 39 ministros para dizer que vai promover o "reequilíbrio fiscal" e para convocá-los para uma batalha da comunicação.

Uma semana depois de o Brasil ter vivido um apagão que acendeu a luz vermelha sobre a crise de energia - negada pelo governo desde o ano passado -, a presidente Dilma reservou uma única frase do seu discurso ao problema. Disse que o governo está tomando "todas as ações cabíveis para assegurar o fornecimento de energia".

Há um ano, quando os reservatórios das hidrelétricas estavam em 40%, muitos especialistas, e até empresas do setor, pediam algumas medidas "cabíveis". Por exemplo, a racionalização do uso de energia, que permitisse poupar água nos reservatórios, e o desligamento das térmicas mais caras. Hoje, todas as térmicas permanecem ligadas, e os reservatórios do Sudeste e Centro-Oeste estão com apenas 17% de água armazenada.

Sobre a crise hídrica, ela falou mais de uma vez e fez a separação das águas. Disse que o suprimento é atribuição dos estados, e que o Governo Federal está ajudando todos os governadores, principalmente os do Sudeste, onde o problema é mais grave.

O país vive dois anos de uma terrível seca, e alguns governos estaduais, como o de São Paulo, postergaram medidas necessárias para mitigar seus efeitos e evitar o pior. Em parte,a falta de chuvas é que está reduzindo a água nos reservatórios das hidrelétricas. Mas existe também uma parte da crise da energia que não tem a ver com a chuva, mas com os erros de gestão do governo que várias vezes expliquei neste espaço.

Há muito o que fazer em Brasília nas várias frentes em que o país tem baixo desempenho. Mesmo assim, os ministros foram convocados pela presidente para combater o que se diz do governo. "Reajam aos boatos, travem a batalha da comunicação", conclamou a presidente. "Não permitam que a falsa versão se crie e se alastre". Os ministros devem, segundo a presidente, "enfrentar o desconhecimento, a desinformação sempre e permanentemente", e devem "levar a posição do governo". Pelo visto, a opinião governamental é a verdade; o resto é desconhecimento, boato, desinformação.

A presidente afirmou: "estamos diante da necessidade de promover um reequilíbrio fiscal" e tomar "medidas de caráter corretivo". Sim, o país precisa. Só falta entender por que ela dizia que não era necessário ajuste fiscal, que as contas estavam perfeitamente em ordem. Falta à presidente admitir que suas escolhas no primeiro mandato são parte integrante do desequilíbrio fiscal em que o país está agora. E isso não é boato, nem versão; são os fatos.

Parte do discurso foi um inútil desfile de números do sucesso do atual governo aos ministros, como se estivesse no palanque, tentando angariar votos. É hora de trabalhar, já estamos em fevereiro. Até agora, o que o país viu foi uma sucessão de números ruins: déficit comercial, déficit em transações correntes, economia estagnada, aumentos de preços, aumento de impostos e de juros, contas públicas que não fecham, e a maior empresa do país sem ter ainda o direito de divulgar um balanço auditado.

Melhor seria que os ministros fossem convocados a trabalhar, em vez de participar de uma suposta batalha da comunicação. O país precisa de resultados e não de 39 ministros repetindo números fabricados para escamotear as várias crises do país. A propaganda eleitoral acabou. É hora dos fatos.

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