domingo, 18 de janeiro de 2015

José Arthur Giannotti - O PT muda ou acaba?

- Aliás / O Estado de S. Paulo

Para que hoje se entenda o partido, é preciso lembrar que ele nasceu basicamente de três linhas: uma sindical, outra religiosa e outra intelectual.

No caminhar a linha intelectual implodiu, na medida em que aquela unidade de pensamento socialista também se esfarelou. Boa parte dos que seriam petistas na reunião do Sion em que eu estava hoje estariam no PSOL ou em algum outro tipo de agremiação... não diria mais de esquerda, diria mais lunática. A área religiosa se enfraqueceu na medida em que a própria Igreja Católica está sendo comida pelos pentecostais e tem d’autres chats à fouetter, outros afazeres. A ala sindical, que predominou, passou por um processo normal que afeta os sindicalistas quando chegam ao poder: eles vão se apropriando dos instrumentos do poder e enricando com eles. Foram se corrompendo ano a ano. Nem sempre é a corrupção individual de cada um de seus membros, mas aquela que os militantes praticam em nome do Partido que é ‘a voz da História’. O (ex-ministro) Gilberto Carvalho pode se inflamar dizendo que não é ladrão, que não tem bens pessoais - e acredito nisso pia e fraternalmente -, mas lhe cabe explicar o processo de filtragem do dinheiro público que já começa com Celso Daniel na gestão na prefeitura de Santo André.

À medida que o PT chega ao poder, e já através de alianças estranhas do ponto de vista ideológico, ele as amplia fechando com as velhas lideranças do coronelismo brasileiro. Veja bem: a mesma aliança foi feita por FHC, mas no final do processo os coronéis estavam bem mais fracos. No fim do mandato Lula, o poder dos coronéis estava recauchutado. Com o sucesso de seus programas sociais, o PT muda de base e finca pé nos antigos grotões que passaram a participar desta nossa pobre sociedade de consumo.

Dilma 2 tenta se afastar dessa ‘direita’ sem ideologia. Projeta voltar a uma política de crescimento arrumando a casa, cerca-se de petistas de sua confiança, mas até agora não se sabe se terá força política para tal. Arma o trio que vai gerir a nova economia, mas até agora não construiu as bases políticas que possam sustentá-lo.

A disputa está aberta entre aqueles que acreditam ser possível criar crescimento simplesmente aumentando a oferta e aqueles que, mais cientes dos traços do novo capitalismo contemporâneo, acreditam que não há crescimento sem a transformação de nossa base tecnológica. Como aquela que está acontecendo hoje nos EUA. Precisamos de um plano de longa duração, reformando a infraestrutura, ao menos bloqueando a decadência das grandes cidades e, sobretudo, reformulando o sistema de ensino e expandindo os sistemas de pesquisa. As universidades burocratizadas não dão conta desse recado. O lema ‘Brasil, Pátria educadora’ indica a estreiteza do diagnóstico. Reforçar a educação segundo os velhos padrões é educar para o atraso. Ainda estamos à espera da transformação técnico-científica que possa assegurar papel relevante do País no mundo futuro. Não é à toa que uma pessoa honrada, mas que não entende nada disso, Aldo Rebelo, foi posta no Ministério da Ciência e Tecnologia. O jogo distributivo das alianças prevaleceu sobre os critérios técnicos e o projeto de nação.

O partido, de um lado, se corrompeu infiltrando sua burocracia na burocracia estatal, com prejuízo das duas. E, de outro, não tem perspectivas de como deve atuar no capitalismo contemporâneo. Não só se ajustou ao presidencialismo de coalizão, mas se tornou uma das forças que o sustenta. Nessas condições tem pouca eficácia clamar pelo retorno às origens quando lhe falta uma visão mais ampla e adequada do que significa uma luta pela igualdade nas condições em que continua a operar um novíssimo capitalismo contemporâneo. Sem isso, não teremos riqueza para distribuir, nem capacidade de pensar os males que o capitalismo necessariamente provoca.

Sobre o diagnóstico da Marta, é difícil avaliar toda sua extensão. Vai depender de como se desenvolverá a crise larvar que é o próprio governo Dilma, de como o jogo político brasileiro vai se armar deixando espaço para que o PT tenha um comportamento político mais unificado. Está em curso uma operação saneadora, promovida sobretudo pelo MP, mas tendo grande apoio da população, muito semelhante àquela das Mãos Limpas que ocorreu na Itália e desmanchou seu sistema político. A bomba da Petrobrás ainda não se esgotou. Até que ponto as denúncias e as sentenças afetarão nosso sistema político como um todo? Outros membros do PT deverão ser sacrificados?

Este é um governo em crise política, que também se mantém em guerrilha com o Congresso. Sob Lula essa relação funcionava melhor porque ele tem uma notável inteligência política e operava numa situação econômica extremamente favorável. O problema é que não vejo hoje, nem mesmo entre os intelectuais brasileiros, uma visão mais clara sobre a crise política e econômica em que estamos mergulhados. Como se organizarão as oposições? Como a população reagirá a tudo isso? Diante do tamanho desse desafio, como vai se estabilizar a luta de poder dentro do próprio PT? Quem dará as cartas? Os lulistas? Dilmistas? Martistas? Mas o jogo já não está viciado?
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José Arthur Giannotti, professor de Filosofia da Universidade de São Paulo e pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP)

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