quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Empresas paralelas foram usadas para pagar propina

Propina em contratos de SPEs

• Executivos revelam ter pago R$ 11 milhões em contratos com empresas criadas pela estatal

Vinicius Sassine e Eduardo Bresciani – O Globo

BRASÍLIA - O Ministério Público Federal (MPF) abriu novas frentes de investigação sobre desvios de recursos em outros contratos da Petrobras, diferentes dos já denunciados até agora. Essa apuração inclui pelo menos três projetos envolvendo sociedades de propósito específico (SPEs) montadas pela estatal em que também há indícios de pagamento de propina. Parte do suborno foi paga a diretores da Petrobras a partir de contratos de obras tocadas por meio dessas empresas paralelas. Um investigador que atua na força-tarefa da Operação Lava-Jato afirma que a devassa nos contratos da estatal já detectou um "esquema alastrado e sistemático de pagamento de propina".

Os detalhes desses pagamentos aparecem nos depoimentos de Julio Gerin Camargo, consultor da empreiteira Toyo, e de Augusto Ribeiro de Mendonça Neto, executivo da Setal - as duas empresas se associaram em 2012, fundando a Toyo Setal. As construtoras integravam o chamado "clube de empreiteiras", que cartelizava e fatiava os contratos da Petrobras, conforme as investigações da Lava-Jato. O acordo de delação premiada feito por Camargo e Mendonça com o MPF foi decisivo para as revelações sobre a atuação do clube, o que resultou na prisão de executivos das principais empreiteiras do país.

Camargo e Mendonça listaram o pagamento de propina em três projetos executados por meio de SPEs: a ampliação da Refinaria Henrique Lage (Revap), em São José dos Campos (SP), a cargo da SPE Companhia de Desenvolvimento e Modernização de Plantas Industriais (CDMPI); o Projeto Cabiúnas, em que a empresa Cayman Cabiúnas, sediada nas Ilhas Cayman, foi constituída para aumentar a capacidade de escoamento do gás da Bacia de Campos; e construção do gasoduto Urucu-Manaus, no Amazonas, por meio da SPE Transportadora Urucu-Manaus.

Dispensa de licitação
Nos dois primeiros casos, a contratação das empreiteiras para as obras foi feita com dispensa de licitação, uma característica do modelo de SPEs que tem provocado questionamentos do Tribunal de Contas da União (TCU).

As propinas pagas ao ex-diretor de Serviços da Petrobras Renato Duque, indicado pelo PT ao cargo, e ao ex-gerente de Engenharia Pedro Barusco, braço-direito de Duque, somaram R$ 11 milhões a partir de desvios desses projetos de SPEs, conforme os termos da delação premiada. O ex-diretor de Abastecimento da estatal Paulo Roberto Costa, outro delator do esquema, é citado como beneficiário de propina de contratos relativos à Revap, mas o valor não foi especificado.

O GLOBO revelou que a Petrobras vem usando as SPEs para evitar a fiscalização de órgãos de controle, como o TCU. A estatal sustenta não ter qualquer associação com as empresas montadas, e que os recursos empregados nas obras são privados. Uma série de reportagens mostrou o controle que a Petrobras exerce sobre essas estruturas financeiras, criadas na forma de empreendimentos privados para a captação de recursos no mercado, como permite a lei. As reportagens revelaram também o emprego de recursos públicos nas obras. Uma auditoria do TCU aponta o risco de "expansão descontrolada" de SPEs. Desde o fim da década de 1990, já foram criadas pelo menos 24 SPEs, com investimentos de R$ 59 bilhões.

Negociações direto com a estatal
A dispensa de licitação é um dos pontos de conflito entre Petrobras e TCU. Uma auditoria sigilosa do tribunal em outra obra tocada por SPE, a rede de gasodutos Gasene, apontou, além da dispensa de licitação, falta de projetos básicos, pagamentos sem execução de serviços e um superfaturamento superior a 1.800% em determinados trechos.

Nos depoimentos que deram ao MPF, os delatores da Toyo e da Setal ressaltam que, nos casos da Revap e de Cabiúnas, houve tratativas diretamente com a Petrobras, sem licitação. As obras tiveram financiamento de um banco de fomento japonês. "A modalidade de contratação pela Petrobras que resultou nos dois contratos foi diferente das outras, pois teve financiamento japonês, e foi a Toyo quem viabilizou isso dentro da Petrobras", disse Mendonça.

Camargo também falou sobre essa característica nos dois empreendimentos. Em relação à contratação do consórcio Ecovap, do qual faziam parte Toyo, OAS e Setal Óleo e Gás (SOG), ele diz que houve "negociação direta com a Petrobras". Em relação a Cabiúnas, o consultor afirma que a propina paga é relativa à segunda fase, denominada Cabiúnas 2, na qual a Toyo e a SOG foram contratadas sem licitação devido à "emergência na produção de gás".

O ex-consultor da Toyo é quem menciona o valor das propinas pagas. No caso da Revap, segundo ele, "a exigência do pagamento" partiu de Paulo Roberto Costa e Renato Duque. Camargo relatou ter pago R$ 6 milhões em propina a Duque e a Barusco, "sendo pago a maioria no exterior e parte em reais no Brasil". O consultor disse ainda que a propina a Costa foi paga por Eduardo Leite, executivo da Camargo Corrêa, porque havia um contrato de R$ 1 bilhão com essa empreiteira para obras no mesmo projeto. Em relação ao projeto Cabiúnas, o delator afirmou ter pago R$ 3 milhões a Duque e Barusco.

Camargo fala ainda de um terceiro projeto tocado por meio de SPE, o gasoduto Urucu-Manaus. A propina decorreu de um contrato de R$ 427 milhões da Camargo Corrêa com a Transportadora Urucu-Manaus, a empresa criada pela Petrobras. O consultou pagou R$ 2 milhões no exterior a Duque e Barusco, após ter recebido comissão da Camargo Corrêa por "consultoria" no negócio. Nesse caso, Camargo disse não saber "se houve direcionamento do certame ou escolha previamente ajustada entre as empresas cartelizadas".

As investigações sobre pagamentos de propina em outras áreas e contratos ainda estão em fase inicial. O MPF se concentra, agora, nas ações de improbidade administrativa paralelas às denúncias criminais já oferecidas à Justiça Federal. O GLOBO procurou a Petrobras e não obteve resposta até o fechamento desta edição. A advogada Beatriz Catta Preta, que representa os executivos da Toyo Setal, disse que "reitera as declarações que constam nos depoimentos".

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