domingo, 25 de janeiro de 2015

Celso Ming - Raízes do patrimonialismo 2

- O Estado de S. Paulo

A Coluna anterior tratou das bases do Estado patrimonialista no Brasil, que a presidente Dilma denunciou em pronunciamento no dia 18 de dezembro, na cerimônia de sua diplomação pela Justiça Eleitoral.

As relações patrimonialistas de poder e de administração pública produzem deformações que impedem o desenvolvimento econômico e aprofundam as contradições entre os interesses públicos e privados.

A presidente Dilma pareceu preocupada com as enormes proporções da corrupção, problema com que a administração do seu segundo mandato precisa lidar agora.

Algumas vezes, ela sugeriu que bastaria aprovar a reforma política – que ela quer arrancar por meio de um plebiscito – para modernizar as relações de poder e a administração pública. Mas, aparentemente, a presidente Dilma não pretende ser consequente com o que acaba de denunciar. 

Nessas condições, a qualidade da administração em seu segundo mandato também corre riscos.

Ela não se mostrou capaz de reconhecer, por exemplo, que o modelo de política econômica adotado entre 2011 e 2014 (inclusive) favoreceu, em vez de tentar erradicar, o jogo patrimonialista. E é um pouco disso que este texto está avaliando hoje.

Seu governo fez enormes transferências de recursos do Tesouro para grupos privados. Só o BNDES recebeu a bagatela de R$ 400 bilhões que, em seguida, foram repassados a juros negativos para os tais futuros campeões nacionais que o próprio governo elegeu, com critérios de qualidade não muito diferentes do que aqueles com que, lá atrás, o rei de Portugal distribuía os benefícios da Coroa. Entre os favorecidos estão o grupo de Eike Batista, encrencadíssimas companhias telefônicas e o frigorífico JBS. Esses empréstimos foram feitos na suposição de que, no momento apropriado, gerassem trocas eleitorais de todos os tipos.

A maioria das reduções de impostos, justificadas por supostos critérios keynesianos (políticas anticíclicas), foi discricionária e pouco eficiente. A redução de IPI para a indústria de veículos, por exemplo, não aumentou o mercado do setor, como se propôs a fazer. Apenas antecipou compras. Os subsídios e as ajeitações proporcionadas ao setor elétrico para complementar políticas de cunho populista também fizeram parte do jogo.

Protecionismos exacerbados e reservas de mercado são a forma atual de funcionamento dos monopólios que antigamente eram da Coroa e comandavam o jogo do poder.

O resultado macroeconômico da política adotada nos últimos quatro anos já é suficientemente conhecido. É uma mistura de baixo nível de investimento, crescimento econômico nanico, inflação à beira do estouro do teto da meta, aumento da dívida e por aí vai. Os rombos nas contas públicas cresceram. Suas proporções até agora não foram devidamente avaliadas, porque ainda há os esqueletos fiscais que ficaram para serem descobertos e tratados pela atual administração. Algumas autoridades chegaram a reconhecer que a “quebra de arrecadação” teve a ver com essas distribuições de bondades.

Os resultados microeconômicos são igualmente ruins, porque reconhecidamente a indústria está envelhecida, incapacitada de competir, voltada para o umbigo do mercado interno, alijada das cadeias globais de produção e de distribuição.

Os próprios líderes da Indústria começam a se perguntar, como já começaram a se perguntar os dirigentes do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial, Iedi, por que a política industrial no Brasil continua tão dirigista e tão discricionária, sempre voltada para os mesmos setores, como se os demais não passassem de atividade econômica de segunda classe.

A saída, como o próprio ministro da Fazenda, Joaquim Levy, mencionou em seu pronunciamento de posse, está em desatrelar interesses públicos dos interesses privados e imprimir na administração do Estado os princípios da impessoalidade e da eficiência nos processos.

O problema é que esse jogo patrimonialista é um vício difícil de erradicar e contraria enormes interesses estabelecidos, os mesmos que estão tirando proveito da máquina do Estado.

A presidente Dilma não parece convencida das implicações práticas das denúncias que ela mesma fez.

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