sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Opinião do dia – Rodrigo Janot

Essas pessoas roubaram o orgulho dos brasileiros.

Rodrigo Janot, procurador-geral da República, na entrevista em Curitiba, 11 de dezembro de 2014

Ministério Público denuncia 36 investigados na Operação Lava Jato

• Entre os denunciados estão o ex-diretor da Petrobrás Paulo Roberto Costa, o doleiro Alberto Youssef, além de 22 funcionários e executivos ligados a empreiteiras; desvios chegam a R$ 1 bi

Ricardo Brandt, Fausto Macedo e José Roberto Castro - O Estado de S. Paulo

SÃO PAULO - O Ministério Público Federal anunciou nesta quinta-feira, 11, a denúncia contra 36 pessoas por ligação em um esquema de desvios envolvendo contratos da Petrobrás, investigadas na Operação Lava Jato. Estão entre eles o ex-diretor da estatal Paulo Roberto Costa, o doleiro Alberto Youssef, além de 22 pessoas ligadas a empreiteiras. O MPF estima que os desvios cheguem a R$ 1 bilhão.

São citadas na denúncia a OAS, Camargo Corrêa, UTC, Mendes Jr., Engevix e Galvão Engenharia, todas alvo da sétima etapa da Lava Jato. De acordo com o procurador, foram identificados 154 atos de corrupção e 105 atos de lavagem de dinheiro.

"A Petrobrás é vítima deste esquema", disse procurador da República Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa do Ministério Público Federal (MPF) encarregada da Operação Lava Jato. O MPF está oferecendo denúncia por corrupção, formação de organização criminosa e lavagem de dinheiro. Dallagnol dividiu o esquema em três núcleos: empreiteiras, funcionários públicos e operadores financeiros, a quem chamou de "profissionais em lavagem de dinheiro".

Os operadores eram os responsáveis por fazer a intermediação entre os corruptores, as empreiteiras, e os funcionários da Petrobrás alvos de suborno, de acordo com o procurador. "Para que o cartel pudesse funcionar e maximizar o lucro de forma abusiva, era preciso cooptar os agentes públicos", disse.

Dallagnol citou as empreiteiras OAS, Camargo Corrêa, UTC, Engevix e Galvão Engenharia e disse que está numa "guerra contra a impunidade e a corrupção". O procurador fez menção ainda à falta de recursos para a população que "clama por saúde, educação e saneamento básico".

Ele disse que os funcionários recebiam dinheiro das empreiteiras por intermédio dos operadores financeiros, responsáveis por garantir que os acordos entre as partes fossem cumpridos. Dallagnol disse que funcionários de alto escalão na Petrobrás eram responsáveis por vazamento de informações sigilosas da licitação e por acelerar o processo de contratação de obras.

Sem "acordão". O procurador disse que as investigações não serão interrompidas e que "rejeita e rechaça" qualquer tentativa de blindagem das empresas. "Não existe a possibilidade de 'acordão' para o MPF", afirmou Dallagnol.

Segundo ele, há indícios de que empreiteiras denunciadas estão envolvidas em outros casos de corrupção e que elas apresentaram à Justiça diversos documentos falsos. "Empresas corruptoras precisam ser punidas de forma firme para que não o façam novamente", reforçou o procurador, que defende a prisão dos envolvidos.

Procurador-geral chama esquema de corrupção na Petrobrás de 'aula do crime'

• Ao participar da apresentação de denúncias a executivos e empreiteiras, Janot manda recado 'a investigação chegará até o final'

Ricardo Brandt e Fausto Macedo - O Estado de S. Paulo

CURITIBA e SÃO PAULO - O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, fez questão de participar nesta quinta-feira, 10, da apresentação pública das cinco denúncias criminais oferecidas contra os primeiros executivos de empreiteiras, alvos da Operação Lava Jato, e mandou um recado para as demais envolvidas.

”A complexidade dos fatos nos leva a intuir a dimensão dessa investigação. Seguiremos, como sempre fizemos, de forma serena equilibrada, mas de forma firme e contundente”, afirmou Janot, depois da apresentação de como funcionava o esquema de corrupção na Petrobrás, classificada por ele como “aula de crime”.

“Começamos hoje essa nova fase dessas investigações. Outras se seguirão. Esse não será um trabalho de tempo rápido. Demandará ainda um tempo para a sua completa elucidação”, explicou Janot. “Meu papel é de dar apoio a essa nova fase que se inicia”, completou.

As declarações vêm depois de notícias apontaram um suposto “acordão” que estaria sendo costurado pelas empreiteiras alvos, para tentar livrar os alvos da responsabilização. “Cada pessoa, pela disposição legal, tem responsabilidade pelo ato que praticou. Isso não é vontade do Ministério Público, é vontade do legislador”, afirmou Janot.

"Diante do que se esboça aqui, vocês podem entender o recado que eu pude externar alguns dias atrás de que essas pessoas na verdade roubaram o orgulho dos brasileiros”

“Diante do que se esboça aqui, vocês podem entender o recado que eu pude externar alguns dias atrás de que essas pessoas na verdade roubaram o orgulho dos brasileiros”, explicou Janot, que na última semana elevou o tom apontando inclusive a saída da presidente da Petrobrás, Graça Foster, como uma medida adequada diante dos fatos.

“Queria reafirmar o compromisso que, de forma equilibrada e responsável, mas de forma muito firme, essa investigação chegará até o final dela”, afirmou o procurador-geral, que disse que as novas etapas de investigações serão longas.

“Começa hoje mais uma fase desse trabalho, que será longo, não vai ser resolver em um tempo breve, mas que será levado a cabo com temperança, com tranquilidade e de forma objetivo, incisiva e transparente”, garantiu Janot, reforçando a atuação em parceria com a Receita Federal e a Polícia Federal.

Gerente da Petrobras diz ter alertado Graça sobre abusos

• Gerente apresentará ao MPF emails e documentos que comprovam alertas ignorados pela estatal

Juliano Basile - Valor Econômico

BRASÍLIA - Defendida pela presidente Dilma Rousseff, a atual diretoria da Petrobras recebeu diversos alertas de irregularidades em contratos da estatal muito antes do início da Operação Lava-Jato, em março deste ano, e não apenas deixou de agir para conter desvios que ultrapassaram bilhões de reais como destituiu os cargos daqueles que trabalharam para investigar as ilicitudes e chegou a mandar uma denunciante para fora do país.

As irregularidades foram comprovadas através de centenas de documentos internos da estatal obtidos pelo Valor PRO, serviço de informação em tempo real do Valor. Elas envolvem o pagamento de R$ 58 milhões para serviços que não foram realizados na área de comunicação, em 2008, passam por uma escalada de preços que elevou de US$ 4 bilhões para mais de US$ 18 bilhões os custos da Refinaria Abreu e Lima e atingem contratações atuais de fornecedores de óleo combustível das unidades da Petrobras no exterior que subiram em até 15% os custos.

As constatações de problemas nessas áreas foram comunicadas para a presidente da estatal, Graça Foster, e para José Carlos Cosenza, que substituiu o delator Paulo Roberto Costa na Diretoria de Abastecimento e é responsável pela Comissão Interna de Apuração de desvios na estatal.

Para Graça foram enviados e-mails e documentos comunicando irregularidades ocorridas tanto antes de ela assumir a presidência, em 2012, quanto depois. A presidente foi informada a respeito de contratações irregulares na área de comunicação da Diretoria de Abastecimento, sob o comando de Paulo Roberto Costa, e de aditivos na Abreu e Lima, envolvendo o "pool" de empreiteiras da Operação Lava-Jato. Em 2014, foram remetidas a Graça denúncias envolvendo os escritórios da estatal no exterior. Nenhuma providência foi tomada com relação a esse último caso, ocorrido sob a sua presidência.

Cosenza, que em depoimento à CPI mista da Petrobras, em 29 de outubro passado, declarou nunca ter ouvido falar em desvios de recursos na estatal em seus 34 anos na empresa, também recebeu, nos últimos cinco anos, diversos e-mails e documentos com alertas a respeito dos mesmos problemas.

As advertências de que os cofres da Petrobras estavam sendo assaltados partiram de uma gerente que foi transferida para a Ásia. Venina Velosa da Fonseca está na estatal desde 1990, onde ocupou diversos cargos. Ela começou a apresentar denúncias quando era subordinada a Paulo Roberto como gerente executiva da Diretoria de Abastecimento, entre novembro de 2005 e outubro de 20009. Afastada da estatal, em 19 de novembro, Venina vai depor ao Ministério Público, em Curitiba, onde tramita o processo da Lava-Jato.

As suspeitas da geóloga tiveram início em 2008, quando ela verificou que os contratos de pequenos serviços - chamados de ZPQES no jargão da estatal - atingiram R$ 133 milhões entre janeiro e 17 de novembro daquele ano. O valor ultrapassou em muito os R$ 39 milhões previstos para 2008 e a gerente procurou Costa para reclamar dos contratos que eram lançados em diferentes centros de custos, o que dificultava o rastreamento. Segundo ela, o então diretor de Abastecimento apontou o dedo para o retrato do presidente Lula e perguntou se ela queria "derrubar todo mundo". Em seguida, Costa disse que a gerente deveria procurar o diretor de comunicação, Geovanne de Morais, que cuidava desses contratos.

Venina encaminhou a denúncia ao então presidente da estatal, José Sérgio Gabrielli. Ele instalou comissão sob a presidência de Rosemberg Pinto para apurar o caso. Assim como Geovanne, Gabrielli e Rosemberg são do PT da Bahia. Esse último foi eleito deputado estadual pelo partido. O relatório da comissão apurou que foram pagos R$ 58 milhões em contratos de comunicação para serviços não realizados. Além disso, foram identificadas notas fiscais com o mesmo número para diversos serviços, totalizando R$ 44 milhões. Dois fornecedores de serviços tinham o mesmo endereço. São as empresas R. A. Brandão Produções Artísticas e Guanumbi Promoções e Eventos. Ambas na rua Guanumbi, 628, em Jacarepaguá, no Rio. O caso foi remetido para a Auditoria. Geovanne foi demitido, mas entrou em licença médica, o que evitou que fosse desligado imediatamente da Petrobras, onde permaneceu por mais cinco anos.

Em 3 de abril de 2009, Venina enviou um e-mail para Graça Foster pedindo ajuda para concluir um texto sobre problemas identificados na estatal. Na época, Graça era Diretora de Gás e Energia.
 
Paralelamente aos problemas na área de comunicação com contratos milionários sem execução de serviços, Venina verificou uma escalada nos preços para as obras em Abreu e Lima que elevou os custos para US$ 18 bilhões e fomentou dezenas de aditivos para empreiteiras. Os contratos para as obras na refinaria continham cláusulas pelas quais a Petrobras assumia os riscos por eventuais problemas nas obras e arcava com custos extras. Para executá-las, eram feitos aditivos e as empreiteiras suspeitas de cartel no setor venceram boa parte das concorrências.

Apenas na fase 2 das obras da refinaria havia a previsão de contratações de US$ 4 bilhões junto a empreiteiras. Num ofício de 4 de maio de 2009, Venina criticou a forma de contratação que, em pelo menos quatro vezes naquela etapa, dispensou as licitações e, em várias ocasiões, beneficiou as empresas da Associação Brasileira de Engenharia Industrial (Abemi), entidade que tem firmas acusadas na Lava-Jato como associadas, como a UTC Engenharia e a Toyo Setal. "Entendemos que não devemos mitigar o problema, mas resolvê-lo pela adoção de medidas corretas, ou seja, com o início das licitações em Abreu e Lima", disse a gerente.

Documento interno da Petrobras de 2009 mostra que Venina fez 107 Solicitações de Modificação de Projetos (SMPs), o que resultaria numa economia de R$ 947,7 milhões nas obras da refinaria. Mas as sugestões da gerente não foram aceitas.

Outra sugestão não atendida foi a de acrescentar uma cláusula chamada "single point responsibility" nos contratos pela qual a construtora se tornaria responsável por eventuais problemas nas obras da refinaria, devendo arcar com os gastos. Mas a área de Serviços, comandada, na época, por Renato Duque, manteve os contratos no formato antigo, sem essa cláusula, transferindo os ônus para a estatal. Duque foi preso pela Polícia Federal na Lava-Jato e Pedro Barusco, seu ex-subordinado na estatal, que também é citado em vários documentos, fez um acordo de delação premiada para devolver US$ 97 milhões obtidos no esquema.

As obras de terraplanagem da refinaria levaram a gastos exponenciais. Elas foram contratadas, em junho de 2007, por R$ 429 milhões junto a um consórcio formado por Camargo Corrêa, Galvão Engenharia, Construtora Queiroz Galvão e Construtora Norberto Odebrecht. Em seguida, vários aditivos foram autorizados pela Diretoria de Engenharia da Petrobras e assinados por Cosenza, presidente do Conselho da Refinaria. Um e-mail obtido pelo Valor PRO mostra que ele foi alertado sobre o aumento nos custos das obras de terraplanagem em Abreu e Lima.

O desgaste de fazer as denúncias e não obter respostas fez com que Venina deixasse o cargo de gerente de Paulo Roberto, em outubro de 2009. No mês seguinte, a fase 3 de Abreu e Lima foi autorizada. Em fevereiro de 2010, a geóloga foi enviada para trabalhar na unidade da Petrobras em Cingapura. Chegando lá, lhe pediram que não trabalhasse e foi orientada a fazer um curso de especialização.

Em 7 de outubro de 2011, Venina escreveu para Graça Foster, na época, diretora de Gás e Energia: "Do imenso orgulho que eu tinha pela minha empresa passei a sentir vergonha". "Diretores passam a se intitular e a agir como deuses e a tratar pessoas como animais. O que aconteceu dentro da Abast (Diretoria de Abastecimento) na área de comunicação e obras foi um verdadeiro absurdo. Técnicos brigavam por formas novas de contratação, processos novos de monitoramento das obras, melhorias nos contratos e o que acontecia era o esquartejamento do projeto e licitações sem aparente eficiência".

Na mensagem, Venina diz que, após não ver mais alternativas para mudar a situação, iria buscar outros meios e sugere apresentar a documentação que possui a Graça. "Parte dela eu sei que você já conhece. Gostaria de te ouvir antes de dar o próximo passo", completa, dirigindo-se à então diretora de Energia e Gás.

Em 2012, a geóloga voltou ao Rio, onde ficou por cinco meses sem nenhuma atribuição. A alternativa foi retornar a Cingapura, agora, como chefe do escritório.

Em 25 de março de 2014, Venina encaminhou um e-mail a Cosenza sobre perdas financeiras em operações internacionais da estatal que ela identificou a partir do trabalho em Cingapura. A Petrobras comercializa combustível para navios, denominados bunkers. As unidades da estatal no exterior recebem óleo combustível feito no Brasil e fazem a mistura com outros componentes para atender à exigências de qualidade para vendê-los a outros países. As perdas ocorrem quando previsões no ponto de carga não refletem o que foi descarregado. Além desse problema de medição das quantidades de combustível, Venina verificou outro fato ainda mais grave. Negociadores de bunkers estavam utilizando padrões anormais para a venda à estatal. Eles compravam bunkers a um preço e revendiam a valores muito maiores para a Petrobras. A geóloga contratou um escritório em Cingapura que obteve cópias das mensagens das tratativas entre os bunkers com "fortes evidências" de desvios. Mesmo após a denúncia dessas práticas, esses negociadores não foram descredenciados. Pelo contrário, eles mantiveram privilégios junto à estatal, como garantia de vendas para a Petrobras mesmo quando estavam ausentes ou em férias.

Esses problemas da Petrobras no exterior foram comunicados em outro e-mail a Cosenza, em 10 de abril de 2014. Nele, está escrito que as perdas podem chegar a 15% do valor da carga de petróleo e óleo combustível. Esse percentual equivale a milhões de dólares, considerando que apenas o escritório de Cingapura pagou dividendos de US$ 200 milhões, em 2013. O lucro líquido da unidade atingiu US$ 122 milhões até outubro deste ano. Novamente, não houve resposta por parte do diretor sobre o que fazer com relação a perdas de milhões de dólares.

Na tentativa de obter uma orientação da direção da estatal, Venina fez, em 27 de maio, uma apresentação na sede da Petrobras, no Rio, sobre as perdas envolvendo a comercialização de combustível no exterior. Nela, foi alertado que a prática se disseminou pelas unidades da estatal, atingindo vários países. Em junho, Venina propôs a criação de uma área de controle de perdas nos escritórios da empresa no exterior. Nada foi feito.

Uma última mensagem sobre o assunto foi enviada em 17 de novembro. Dois dias depois, a direção da Petrobras afastou Venina do cargo. Após fazer centenas de alertas e recomendações sobre desvios na empresa, ela foi destituída pela atual diretoria, sem saber qual a razão, ao lado de vários funcionários suspeitos na Operação Lava-Jato. A notícia lhe chegou pela imprensa, em 19 de novembro.

Um dia depois, a geóloga escreveu um e-mail para Graça Foster. "Desde 2008, minha vida se tornou um inferno, me deparei com um esquema inicial de desvio de dinheiro, no âmbito da Comunicação do Abastecimento. Ao lutar contra isso, fui ameaçada e assediada. Até arma na minha cabeça e ameaça às minhas filhas eu tive." A geóloga não detalhou no e-mail para Graça o que aconteceu, mas teve a arma apontada para si, no bairro do Catete. Não lhe levaram um tostão, mas houve a recomendação de que ficasse quieta.

"Tenho comigo toda a documentação do caso, que nunca ofereci à imprensa em respeito à Petrobras, apesar de todas as tentativas de contato de jornalistas. Levei o assunto às autoridades competentes da empresa, inclusive o Jurídico e a Auditoria, o que foi em vão", continuou.

Em seguida, ela reitera que se opôs ao esquema de aditivos na Abreu e Lima. "Novamente, fui exposta a todo tipo de assédio. Ao deixar a função, eu fui expatriada, e o diretor, hoje preso, levantou um brinde, apesar de dizer ser pena não poder me exilar por toda a vida", disse, referindo-se a Costa.

"Agora, em Cingapura, me deparei com outros problemas, tais como processos envolvendo a área de bunker e perdas, e mais uma vez agi em favor da empresa (...). Não chegaram ao meu conhecimento ações tomadas no segundo exemplo citado, dando a entender que houve omissão daqueles que foram informados e poderiam agir." A geóloga termina a mensagem fornecendo seu telefone a Graça.

O Valor PRO perguntou à Petrobras quais providências foram tomadas com relação às denúncias, mas a estatal não respondeu até o fechamento dessa edição.

Procuradoria denuncia 36 e cobrará R$ 1 bi de acusados

'Aula de crime' na Petrobras

• Procuradoria denuncia 36 por corrupção na estatal, sendo 25 de grandes empreiteiras

Cleide carvalho e Jones Rossi – O Globo

CURITIBA - Diante de um esquema classificado pelo procurador-geral da República Rodrigo Janot como uma "aula de crime", o Ministério Público Federal ofereceu ontem denúncia contra 36 envolvidos no esquema de corrupção na Petrobras, sendo 25 altos executivos ou funcionários de menor escalão de seis grandes empreiteiras: OAS, Camargo Corrêa, UTC, Mendes Junior, Engevix e Galvão Engenharia. Entre eles, estão presidentes, vice-presidentes e integrantes dos conselhos de administração das empresas.

Os procuradores pedem o ressarcimento de R$ 1,186 bilhão desviados por essas empresas de obras vinculadas à Petrobras. Desse valor, segundo a denúncia, R$ 286 milhões foram apropriados unicamente pelo esquema de Paulo Roberto Costa e do doleiro Alberto Youssef, ligados ao PP e também denunciados. A diferença de valores corresponde à parcela que teria sido repassada à Diretoria de Serviços, comandada por Renato Duque, indicado pelo PT, ainda sob investigação.

A organização criminosa instalou-se na Petrobras em 2004 e perdurou até este ano, diz o MPF. A denúncia afirma que, pelas quatro empresas usadas pelo doleiro (GFD, Empreiteira Rigidez, MO Consultoria e RCI Software) foram lavados R$ 74,1 milhões. Segundo Janot, a denúncia apresentada ontem é a abertura de mais uma fase da Lava-Jato, "que não se resolverá em tempo breve":

- Essas pessoas roubaram o orgulho dos brasileiros - disse Janot. - A complexidade dos fatos nos leva a intuir a dimensão desta investigação, vamos conduzir de forma equilibrada e serena, mas de forma firme e contundente.

"O trabalho não para aqui"
Segundo o procurador Deltan Dellagnol, que coordena a força-tarefa de investigação, as empreiteiras se organizavam em cartel para combinar os preços nas licitações fraudulentas.

- Funcionava como se fosse um campeonato de futebol ou um bingo, mas, neste caso, o jogo era de cartas marcadas, onde se sabia quem ganhava cada licitação.

De acordo com a investigação, os contratos eram engordados por meio de aditivos e pelo pagamento de serviços nunca prestados. O dinheiro desviado era então lavado com a ajuda de empresas de fachada e, em seguida, a propina era distribuída -1% a 5% do valor total do contrato, segundo as investigações da Lava-Jato.

Para Dellagnol, as empresas estão envolvidas em outras obras públicas.

- O trabalho feito pelo MPF está sendo feito de forma conjunta com energia dividida entre a Receita Federal e a Polícia Federal - explicou Janot.

Se a denúncia for aceita pela Justiça, os acusados se tornarão réus pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa. A decisão está nas mãos do juiz Sérgio Moro. Dellagnol afirmou que o Ministério Público Federal seguiu jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) ao sugerir acréscimo da pena pelo número de vezes que o crime foi praticado. Os denunciados respondem, juntos, por 105 crimes de lavagem de dinheiro e 154 de corrupção.

Contas até em Hong Kong
Vários denunciados são parte do primeiro escalão de comando das seis empreiteiras. Da OAS, foram denunciados o presidente Aldemário Pinheiro Filho, conhecido como Leo Pinheiro; o presidente da área internacional, Agenor Franklin Magalhães Medeiros, diretor-presidente da área internacional, e o diretor financeiro, Mateus Coutinho de Sá Oliveira. Os dirigentes da OAS foram flagrados, desde o início da Lava-jato, em contato direto com Youssef.

Da Camargo Corrêa foram incluídos João Ricardo Auler, presidente do Conselho de Administração; Dalton dos Santos Avancini, presidente; e Eduardo Hermelino Leite, vice-presidente. Da Engevix, foi denunciado o vice-presidente, Gerson de Mello Almada.

No caso da Mendes Junior, foram denunciados Sergio Cunha Mendes, vice-presidente executivo, e Ângelo Alves Mendes, vice-presidente. Da UTC, o presidente Ricardo Ribeiro Pessoa, presidente, e o vice-presidente, João de Teive e Argollo.

Na Galvão Engenharia a denúncia lista Dario de Queiroz Galvão Filho, presidente do Conselho de Administração, Eduardo Galvão; vice-presidente de gestão de Gestão Corporativa; e Erton Medeiros Fonseca, diretor da Divisão de Engenharia Industrial.

Da Petrobras, apenas Costa foi incluído nessa denúncia. A movimentação de dinheiro, dentro e fora do país, foi feita pelo doleiro Alberto Youssef, operador financeiro utilizado pelo PP desde a época em que o deputado federal José Janene (PP) integravam o esquema do mensalão.

O dinheiro fruto de propina passou por empresas de fachada ou foi depositado em contas na Suíça, no Uruguai, em Hong Kong e na China, controladas por João Procópio de Almeida Prado, braço-direito do doleiro. Parte do dinheiro saiu do país pela Labogen, empresa do esquema de Youssef.

Segundo o Ministério Público Federal, o esquema vigorou de 2004 a 2012, mas pagamentos foram feitos até este ano. Costa e Youssef contaram que esquemas similares existiam nas demais diretorias da Petrobras.

As denúncias apresentadas ontem correspondem à segunda fase da Operação Lava-Jato. Na primeira, a Polícia Federal monitorou quatro grandes doleiros do país por meio de escutas e interceptações telemáticas. Com base nas informações coletadas foi possível identificar os desvios de recursos da estatal e o trânsito do dinheiro por meio de empresas de fachadas controladas por Youssef. O doleiro e Costa aparecem em todas as denúncias. Eles assinaram acordo de delação premiada com o MPF, o que deve garantir redução de suas penas.

Procuradoria denuncia 36 pessoas no caso Petrobras

• Executivos de seis empreiteiras são acusados de corrupção e outros crimes

• Para o Ministério Público Federal, empresas formaram cartel para fraudar licitações da Petrobras

Estelita Hass Carazzai, Flávio Ferreira – Folha de S. Paulo

CURITIBA - A sétima fase da Operação Lava Jato, considerada por procuradores "a vez dos corruptores", resultou na apresentação de denúncia criminal contra 36 pessoas, a maioria executivos de empreiteiras acusadas de formar cartel para fraudar licitações e corromper funcionários da Petrobras nos últimos dez anos.

São as primeiras acusações formais contra executivos investigados pela Operação Lava Jato. Elas apontam a prática dos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e formação de organização criminosa envolvendo seis empreiteiras.

Segundo cálculos da Procuradoria, se os acusados forem condenados pela prática dos três delitos, as penas irão de 11 a 51 anos de prisão.

Mas como eles podem ser punidos pela realização dos delitos de corrupção e lavagem mais de uma vez, as penas podem ser ainda maiores.

O Ministério Público entendeu que os crimes geraram propinas e danos à Petrobras no montante de quase R$ 1,5 bilhão, e pediu que os acusados sejam condenados a ressarcir essa quantia à estatal.

As cinco denúncias apresentadas nesta quinta (11) à Justiça dizem respeito apenas aos contratos da área de Abastecimento da Petrobras, que foi comandada por Paulo Roberto Costa, um dos acusados, entre 2004 e 2012. Novas denúncias devem ser protocoladas nos próximos dias.

"Começamos a romper com a impunidade de poderosos grupos que têm se articulado contra o interesse do país há muitos anos", disse o procurador Deltan Dallagnol. Segundo ele, há indicativos de que o esquema alcançou outros setores da administração.

Foram denunciados seis executivos da empreiteira OAS, quatro da Galvão Engenharia, quatro da Engevix, três da Camargo Corrêa, dois da UTC e quatro da Mendes Júnior, além de um representante da empresa. Também foi acusado o doleiro Alberto Youssef e outros operadores que ajudaram a distribuir o dinheiro da propina.

No total, os procuradores identificaram 154 atos de corrupção e 105 atos de lavagem de dinheiro. Alguns dos denunciados estão presos preventivamente na sede da Polícia Federal em Curitiba.

As denúncias foram protocoladas na 13ª Vara da Justiça Federal do Paraná e serão apreciadas pelo juiz Sergio Moro. Caberá a ele decidir se será aberta ação penal contra os acusados. Se o processo penal for iniciado, os denunciados passarão à condição de réus.

Renato Duque será acusado por corrupção passiva

• Procuradores da Lava Jato vão denunciar ex-diretor de Serviços da Petrobrás que ministro do Supremo soltou

Fausto Macedo, Julia Affosno e Ricardo Brandt – O Estado de S. Paulo

CURITIBA - O engenheiro Renato Duque, ex-diretor de Serviços da Petrobrás, que foi nome do PT nos quadros da estatal petrolífera, não está entre os 36 denunciados ontem da Operação Lava Jato, mas o Ministério Público Federal já se convenceu de seu envolvimento direto no amplo esquema de cartel e propinas. Duque será formalmente acusado por corrupção passiva, organização criminosa e outros crimes, dentro do núcleo de agentes públicos da estatal responsáveis pela manutenção do esquema que abasteceu o caixa-2 de partidos da base aliada e da oposição.

Os procuradores da força-tarefa fizeram menção expressa a Duque nas cinco acusações entregues à Justiça Federal nesta quinta feira, 11. Quando descrevem os crimes de corrupção praticados pelos executivos, eles afirma que “ofereceram e prometeram vantagens indevidas a empregados públicos da Petrobrás, notadamente aos seus então Diretores de Abastecimento e de Serviços, Paulo Roberto Costa e Renato Duque”.

“Para determiná-los a praticar e omitir atos de ofício, sendo que tais empregados incorreram na prática do delito de corrupção passiva”, sustenta a força-tarefa. Duque e Costa são acusados de “não só aceitaram tais promessas de vantagens indevidas, em razão da função” como interferiram ou se omitiram contrariando seus deveres funcionais “tendo recebido vantagens indevidas para tanto”.

O Ministério Público Federal prepara acusação formal contra o ex-diretor que ocupou cargo estratégico na Petrobrás, em uma diretoria controlada políticamente pelo PT. Ele ainda não foi formalmente acusado porque não está entre os investigados presos em caráter preventivo – ¬ condição que exige maior celeridade na apresentação de denúncia à Justiça porque o prazo legal é reduzido.

“As condutas de Renato Duque e de outros empregados corrompidos da Petrobrás serão denunciadas em ações próprias”, registram as denúncias. “Isso é feito com o objetivo de facilitar o trâmite desta ação inicial, que envolve réus presos, sem prejuízo do futuro oferecimento de nova acusação, específica para tais crimes”, anunciam os procuradores.

As primeiras cinco denúncias são relativas ao envolvimento de executivos de seis empreiteiras – OAS, Galvão Engenharia, UTC, Camargo Corrêa, Engevix e Mendes Jr. Um elenco de 11 executivos graduados dessas empreiteiras está na Custódia da Polícia Federal em Curitiba, desde 14 de novembro.

Em todas essas cinco denúncias, os procuradores da República atribuem reiteradamente ao ex-diretor de Abastecimento da Petrobrás, Paulo Roberto Costa, e ao ex-diretor de Serviços, Renato Duque, o papel de agentes públicos corrompidos pelo cartel das empreiteiras.

Por exemplo, no capítulo da Engevix Engenharia, os procuradores que subscrevem a denúncia contra os quadros da empreiteira sustentam que estes “na condição de administradores e agentes de empresas integrantes do Grupo Engevix, juntamente com administradores das demais empreiteiras cartelizadas, praticaram o delito de corrupção ativa pois ofereceram e prometeram vantagens indevidas a empregados públicos da Petrobrás, notadamente aos seus então diretores de Abastecimento e de Serviços, Paulo Roberto Costa e Renato Duque.”

Os procuradores são taxativos ao imputarem o crime de corrupção passiva a Duque. “Para o perfeito funcionamento deste cartel de grandes empreiteiras, foi praticada a corrupção de diversos empregados públicos do alto escalão da Petrobrás, notadamente dos então diretores de Abastecimento e de Serviços”.

Duque foi preso pela Operação Juízo Final, sétima fase da Lava Jato, no dia 14 de novembro. No dia 2 de dezembro, porém, o ex-diretor de Serviços foi solto por ordem do ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal (STF), que acolheu pedido de habeas corpus.

Desde que seu nome foi citado no escândalo da Petrobrás, Renato Duque, por meio de sua assessoria, tem negado categoricamente qualquer envolvimento com as empreiteiras. Ele anunciou ter ingressado com ação judicial contra o ex-diretor de Abastecimento, que o citou em delação premiada.

Oposição vai pedir indiciamentos em relatório paralelo da CPI mista da Petrobrás

• Deputado Carlos Sampaio (PSDB-SP) afirma que pedido contra envolvidos vai envolver empresários, ex-diretores da estatal e políticos citados no caso

Daiene Cardoso - Agência Estado

BRASÍLIA - O deputado Carlos Sampaio (PSDB-SP) anunciou na tarde desta quinta-feira, 11, que o relatório paralelo a ser apresentado pelos partidos de oposição na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) da Petrobrás na próxima semana trará pedidos de indiciamento de envolvidos na suspeita de esquema de desvios na estatal. O parlamentar, membro da comissão, afirmou que os pedidos vão envolver empresários, ex-diretores e políticos mencionados no caso.

Para o deputado, é preciso incluir o indiciamento de quem está envolvido de forma comprovada no esquema, como Costa, o doleiro Alberto Youssef, o ex-deputado André Vargas (que teve o mandato cassado nessa quarta-feira), o deputado Luiz Argôlo (SD-BA), além de empresários que participaram da delação premiada. "O relator pegou leve demais numa investigação seriíssima e com consequências graves", concluiu. Ele descartou o inclusão do pedido de indiciamento do ex-diretor da Petrobrás Nestor Cerveró neste momento.

Sampaio disse acreditar que o Palácio do Planalto tivesse conhecimento do esquema, mas que ainda não há elementos que levem ao pedido de indiciamento da presidente Dilma Rousseff e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. "Não há elementos, neste momento, para o indiciamento da presidente Dilma e do ex-presidente Lula, mas há uma clara evidência de que nós temos de avançar na investigação porque ambos foram referidos pelo mais importante delator do esquema como pessoas que tinham total ciência dos fatos", declarou. Sampaio foi indicado pelo PSDB, DEM, PSB, PPS e Solidariedade para produzir um parecer alternativo.

O tucano classificou como "estarrecedor" o relatório do deputado Marco Maia (PT-RS) não propor o indiciamento dos envolvidos no escândalo, como políticos e empresários, e concluir que o trâmite da compra da refinaria de Pasadena transcorreu dentro da normalidade. "Ele tratou como sendo uma compra normal aquilo que foi sinônimo de roubalheira no País", afirmou o deputado, criticando a fragilidade e a falta de abordagem de "questões essenciais" levantadas pela investigação até agora.

Segundo Sampaio, o depoimento do ex-diretor da Petrobrás Paulo Roberto Costa apontou que parte do governo sabia do esquema. "Ele não abordou a questão do envolvimento do Palácio do Planalto. A Casa Civil recebeu um e-mail do Paulo Roberto Costa dizendo que havia esse esquema de corrupção, confessando esse esquema de corrupção", adicionou.

Sampaio também atacou a falta de menção no relatório de Maia dos indícios envolvendo o tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, e das doações das empresas com dinheiro do esquema às campanhas eleitorais. O tucano defendeu o aprofundamento das investigações em uma nova CPI. Em sua avaliação, como há informações de que mais agentes políticos estão envolvidos, é preciso instaurar uma nova comissão já no início do ano.

Papéis registram doações a políticos

Papéis apreendidos indicam doações a políticos

• Listas encontradas pela PF em empreiteiras relacionam candidatos a valores, nem todos registrados no TSE

Vinicius Sassine, Eduardo Bresciani e Francisco Leali – O Globo

BRASÍLIA - Documentos apreendidos nas sedes das construtoras Queiroz Galvão e Engevix, investigadas por suspeita de envolvimento no cartel para fatiar obras da Petrobras e cujos diretores foram presos pela Polícia Federal (PF), revelam registros de repasses que teriam sido feitos a políticos e partidos nas eleições deste ano. Nos documentos não há confirmação de que os pagamentos foram realizados e, em caso afirmativo, se foram legais ou não. Nos registros, constam nomes de candidatos governistas e da oposição. Em pelo menos um dos papéis, apreendido na Engevix, há registros de valores que não aparecem no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Um manuscrito apreendido na Queiroz Galvão, em São Paulo, lista diferentes candidatos com valores anotados ao lado. São os casos de "Padilha", suposta referência ao candidato derrotado ao governo de São Paulo Alexandre Padilha (PT); "Lindinho", em possível alusão ao senador Lindberg Farias (PT), derrotado na disputa pelo governo do Rio; e "Pé Grande", que pode ter relação com o governador reeleito Luiz Fernando Pezão (PMDB-RJ). Também há o registro de "Picciani", possível referência a Jorge Picciani, presidente do PMDB do Rio, ou a seu filho, Leonardo Picciani (PMDB), deputado federal.

Menções a PMDB e PR
Padilha não informou ao TSE recebimento de doações da empreiteira. Lindberg recebeu R$ 1,42 milhão da Queiroz Galvão via direção nacional do PT. Pezão foi financiado com R$ 255 mil por meio do comitê financeiro do PMDB. Jorge Picciani, reeleito deputado estadual, não aparece nos registros do TSE como beneficiário de doação. Mas seu filho recebeu R$ 199 mil via direção estadual.

Há menção ao "PMDB nacional". O partido foi financiado com R$ 15,8 milhões da Queiroz Galvão. O "PR nacional", também no manuscrito, recebeu R$ 2 milhões. Aparece ainda "R. Jucá". O senador Romero Jucá (PMDB-RR) não disputou cargo eletivo. O diretório do PMDB de Roraima, presidido pelo senador, recebeu R$ 2,2 milhões via diretório nacional.

"Rodrigo Garcia", "Milton Leite", "Police Neto", "Bitar", "João Paulo" e "Jilmar Tato" são os outros nomes anotados. Para o deputado federal reeleito Rodrigo Garcia (DEM-SP) só aparece no TSE um repasse de R$ 285,00 da Queiroz Galvão Alimentos. Milton Leite (DEM-SP) é vereador e não disputou cargo neste ano. Candidato a deputado estadual, Police Neto (PSD-SP) não recebeu doação. Jorge Bittar (PT-RJ) registrou o recebimento de R$ 190 mil via diretório nacional do PT. O deputado federal João Paulo (PT-PE), derrotado na disputa ao Senado, recebeu contribuições de R$ 485 mil da empreiteira. Jilmar Tatto não foi candidato.

Repasses ao PSDB
Uma outra planilha, digitada, registra um cronograma de supostos repasses ao PSDB nacional neste ano. A planilha registra R$ 8,6 milhões como "valor total". O TSE registra repasses de R$ 4,4 milhões ao partido e de R$ 2,1 milhões ao comitê da candidatura à Presidência de Aécio Neves. A PF apreendeu ainda recibos de doações eleitorais ao PSDB em 2010, além de uma carta de agradecimento de Eduardo Jorge Caldas Pereira, vice-presidente tucano na ocasião.

Na sede da Engevix, em Barueri (SP), foi apreendida uma lista manuscrita com os nomes de políticos do PT e respectivos valores. A lista não tem data, mas consta um político que foi candidato a deputado federal pela primeira vez neste ano. Dos citados, apenas a deputada federal Maria do Rosário (PT-RS) declarou ter recebido recursos da empreiteira em suas prestações de contas ao TSE - R$ 145 mil. Aparecem ainda na lista o deputado federal Vicente Cândido (SP) e candidatos a deputado estadual.

Na sede da Galvão Engenharia, em São Paulo, foi apreendido um cartão de Manoel Araújo, integrante do comitê financeiro da campanha da presidente Dilma Rousseff à reeleição. A Galvão, segundo registro do TSE, doou R$ 2 milhões para a campanha da petista.

Uma carta de agradecimento da senadora Ana Amélia (PP), que disputou o governo gaúcho, foi encontrada no avião de José Aldemário Pinheiro Filho, presidente da OAS, preso na última etapa da Operação Lava-Jato. Na prestação de contas do TSE, não consta o recebimento de recursos da empreiteira.

Fiador de nova meta fiscal, Renan cobra 2 ministérios

• Presidente do Senado tenta tirar partido de disputa do PMDB da Câmara com o governo e quer pastas de peso para sua bancada

Ricardo Della Coletta, Ricardo Brito  - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Principal fiador da aprovação da mudança da meta fiscal, o presidente do Congresso, senador Renan Calheiros (PMDB-AL), apresentou ontem à presidente Dilma Rousseff a "fatura" do PMDB do Senado na reforma ministerial para o próximo mandato da petista. Em conversa privada no início da noite, ele defendeu que a bancada seja contemplada com dois ministérios de peso político, sem apresentar nomes.

Em um momento em que o PMDB da Câmara enfrenta o governo com o lançamento da candidatura do líder da bancada, Eduardo Cunha (RJ), para presidente da Casa, Renan buscou também na conversa garantir fidelidade sua e dos senadores do partido a Dilma durante o segundo mandato. Ele pretende ser reconduzido à presidência do Senado, apesar de ter sido citado na delação premiada do ex-diretor da Petrobrás Paulo Roberto Costa como beneficiário do esquema de corrupção na estatal. Renan nega qualquer envolvimento com o caso.

O senador, na conversa com Dilma, entrou na disputa interna do partido por postos-chave na Esplanada. Além do pleito do PMDB do Senado, há demandas do vice-presidente Michel Temer, presidente nacional da sigla, e da bancada na Câmara - o que tem feito com que o Palácio do Planalto adie o anúncio dos ministros da legenda. A expectativa era de que a presidente divulgasse a fatia do PMDB nesta semana, depois da aprovação do projeto que alterou a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2014 e permitiu, na prática, o abandono do cumprimento da meta de superávit primário (a economia que o governo faz para o pagamento dos serviços da dívida pública). O PMDB, dono da maior bancada no Senado e da segunda mais numerosa na Câmara, foi quem garantiu a votação da proposta em tempo exíguo. A conversa que Dilma teria ontem com Temer sobre reforma ministerial acabou não ocorrendo, sem previsão de nova data.

São cobiçadas pelo PMDB do Senado pastas como Minas e Energia, Cidades, Integração Nacional, Transportes e Turismo - os principais candidatos são Eduardo Braga (AM), no caso de Minas e Energia, e Eunício Oliveira (CE), se Dilma decidir entregar a Integração à legenda.

Fórmula. O governo ainda busca uma fórmula para acatar os pedidos de cada um desses três grupos - Temer, Câmara e Senado. No entanto, há dificuldades em fechar o espaço da Câmara. A bancada entrou em choque com o Planalto desde que Cunha comandou uma rebelião que imprimiu derrotas para o governo e culminou com sua candidatura a presidente da Casa.

Reservadamente, os deputados afirmam que não querem ter participação menor do que a do Senado. Eles pretendem emplacar na reforma ministerial o atual presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), derrotado na disputa ao governo do Rio Grande do Norte e cotado para a Previdência, e um segundo nome com mandato no ano que vem - a maior aposta é o deputado Pedro Paulo (RJ), ex-secretário da Casa Civil da prefeitura do Rio.

O principal nó para a bancada é acatar as indicações de Temer, que quer manter na Esplanada o atual secretário de Aviação Civil, Moreira Franco, e tornar ministro o deputado Eliseu Padilha (RS), que atuou na coordenação do PMDB na campanha de Dilma mas não disputou a reeleição.

Eduardo Cunha não aceita incluir Moreira Franco, seu desafeto, na cota da Câmara.
Além do mais, a bancada na Casa considera que apadrinhar dois nomes de Temer seria dar poder excessivo ao vice-presidente.

Marina lança sugestões para gestão sustentável

• Grupo de ex-senadora cria plataforma com políticas que estavam em plano de governo

Marina Dias - Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Ao lado dos principais nomes de seu grupo político, Marina Silva (PSB), terceira colocada na disputa pelo Palácio do Planalto, participa nesta sexta-feira (12) do lançamento de uma plataforma com sugestões de políticas públicas para o desenvolvimento sustentável do país.

Sem nenhum cargo público desde 2011, Marina vê nesse tipo de atuação uma das maneiras de se manter como liderança da oposição, em contraponto ao senador Aécio Neves (PSDB), segundo lugar na eleição presidencial.

Entre as medidas que a plataforma elenca como "prioridade máxima" para os próximos anos estão uma nova forma de governança, a diversificação da matriz energética, a reforma política e a educação em tempo integral, propostas apresentadas em setembro pela ex-senadora em seu programa de governo.

O documento foi organizada pelo IDS (Instituto Democracia e Sustentabilidade), ONG fundada em 2009 e que, entre seus 37 associados, tem ao menos dez nomes que atuaram na campanha de Marina, como o economista Eduardo Giannetti e a educadora e herdeira do Banco Itaú Maria Alice Setubal, a Neca.

"A novidade foi selecionar as propostas prioritárias que devem ser implementadas", diz João Paulo Capobianco, presidente do conselho diretor do IDS e aliado de Marina.

Segundo ele, as discussões para a elaboração do texto eram públicas e estavam disponíveis na internet e, por isso, não foram incorporadas somente pelo programa de governo da ex-senadora. "No projeto do PSDB, por exemplo, havia ideias que coincidiam com as da plataforma."

Propostas como educação em tempo integral, prioridade do investimento público na saúde e a reforma política foram bandeiras de Aécio.

A "Plataforma Brasil democrático e sustentável" é elaborada desde 2010, com debates e colaboração via internet e a participação de 28 mil pessoas, e terá a versão atualizada apresentada nesta sexta.

As propostas englobam sete eixos: cidadania, educação, economia, saúde, cultura, segurança e política externa.

O objetivo, explica Capobianco, não é encaminhar o documento para o governo federal, mas "discutir políticas públicas prioritárias para a sustentabilidade."

Durante o evento, Marina falará sobre gestão pública e reforma política com redução de cargos comissionados.

Marina tem se dedicado à nova tentativa de fundar a Rede Sustentabilidade, partido que teve o registro negado pela Justiça Eleitoral em 2013.

No sábado (6), 13.800 assinaturas foram entregues à ex-senadora para compor a lista das 32 mil que ainda faltam ser enviadas e validadas pelo Tribunal Superior Eleitoral.

Parlamentares do PT pedem que Lula assuma articulação política de Dilma

Cristiane Agostine – Valor Econômico

BRASÍLIA - Descontentes com a falta de diálogo com o governo Dilma Rousseff, deputados e senadores do PT pediram ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para que assuma a articulação política do segundo mandato da presidente.

Em reunião de quase cinco horas na quarta-feira, em Brasília, Lula ouviu queixas de parlamentares petistas sobre a atuação do ministro da Casa Civil Aloizio Mercadante (PT), que "monopoliza" a presidente e torna o Planalto "autista", segundo relato de um dos presentes no encontro. "As bancadas na Câmara e no Senado estão desarticuladas, sem orientação e falta um gabinete de crise para responder aos problemas envolvendo a Petrobras ", comentou esse parlamentar.

Deputados e senadores criticaram a demora da presidente Dilma para definir o núcleo político do governo e pediram encontros com mais frequência com o ex-presidente Lula. "O governo precisa definir logo a coordenação política", disse o líder do PT no Senado, Humberto Costa (PE).

"Em qualquer reunião do PT o assunto é o mesmo: é preciso melhorar a relação do governo com o Congresso", disse o senador Jorge Viana (AC). "É preciso ter mais gente ajudando na articulação política", disse.

Os parlamentares veem com bons olhos uma possível indicação do ministro Ricardo Berzoini (Relações Institucionais) e do governador da Bahia, Jaques Wagner, para o núcleo duro político do governo. Wagner, no entanto, tem se queixado a petistas da demora da presidente para definir qual será seu papel na gestão.

Diante das reclamações, Dilma e Lula chamaram Wagner para participar de um almoço na quarta-feira, para tratar da articulação política e governabilidade no segundo mandato. Participaram também Mercadante e o presidente do PT, Rui Falcão. Berzoini foi chamado, mas teve de cuidar pessoalmente das últimas articulações para garantir o desfecho da votação da Lei de Diretrizes Orçamentárias no Congresso e não pode ir.

Depois da reeleição apertada de Dilma, Lula passou a ter uma atuação mais intensa na articulação política do governo federal. O encontro do ex-presidente com a presidente foi o terceiro em Brasília, depois da eleição, para definir a montagem da nova equipe ministerial e governabilidade. Um dia antes, na terça-feira, o ex-presidente reuniu-se com 34 embaixadores de países africanos, para discutir as relações entre Brasil e África.

Em São Paulo, o petista tem se reunido com frequência com petistas e lideranças de partidos aliados e no mês passado chegou a convocar uma reunião da bancada petista do Senado para afinar o discurso contra a oposição.

"A relação que Dilma tem com Lula é única. Eles se reúnem a cada 20 dias e o papel dele é muito importante. Estamos enfrentando um embate com uma temperatura muito alta e Lula é um craque na política", disse Viana.

Na conversa, Lula falou a parlamentares sobre a possibilidade de cristalização da candidatura de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) à presidência da Câmara se o PT demorar para definir quem apoiará na disputa. Segundo relatos, Lula teria falado dos riscos de o governo se desgastar como foi em 2005, quando a bancada petista estava dividida e perdeu a disputa para Severino Cavalcanti (PP-PE).

Alguns parlamentares defenderam um eventual acordo com Cunha e a aplicação do rodízio entre PT e PMDB na presidência da Casa. O PT ficaria agora com a primeira vice-presidência e daqui a dois anos lançaria candidato.

No encontro com parlamentares, houve muitos elogios à equipe econômica, mas críticas à possível indicação da senadora Katia Abreu (PMDB-TO) ao Ministério da Agricultura. Parlamentares apontaram que a senadora não é consenso nem dentro da bancada ruralista.

Merval Pereira - Orgulho roubado

- O Globo

Para aumentar ainda mais o vexame da CPI mista do Congresso , que um dia antes divulgara o escabroso relatório do deputado petista Marco Maia tratando com ligeireza cúmplice o escândalo da Petrobras, o Ministério Público Federal apresentou ontem as primeiras denúncias contra 36 investigados pela Operação Lava-J ato, sendo que, desses, 25 são executivos de seis empreiteiras que faziam parte de um cartel formado para lesar as licitações com o conluio de diretores da estatal.

Todos dessa primeira leva fazem parte do núcleo do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, também denunciado juntamente com o doleiro Alberto Youssef. As acusações são de lavagem de dinheiro, formação de quadrilha e corrupção, abrangendo o período de 2004 a 2012 da Diretoria de Abastecimento da Petrobras. As denúncias do MPF foram protocoladas na sede da Justiça Federal do Paraná, em Curitiba, e serão apreciadas pelo juiz Sérgio Moro, responsável pelo caso, que decidirá se será aberto processo criminal contra os acusados. Pelas palavras duras do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, há elementos suficientes para a abertura de processo criminal: "uma aula de crime", foi como se referiu aos fatos narrados na denúncia, e a complexidade do esquema descrito leva a que se tenha uma ideia clara da dimensão dessa investigação.

Janot não se furtou nem mesmo a dar tons épicos aos acontecimentos, antecipando qual será sua linha de ação na denúncia: "Essas pessoas roubaram o orgulho dos brasileiros", afirmou, referindo- se à Petrobras, retirando dos que participaram das transações ilegais a possibilidade de usarem como escudo protetor a própria estatal que assaltaram. Como fizeram questão de ressaltar os procuradores, esse é o primeiro pacote de acusações, e outros se seguirão. Obedecendo a um esquema previamente traçado, os procuradores estão deixando para o final as denúncias contra os políticos acusados, que têm for o privilegiado e têm que ser investigados pelo Supremo.

O problema político que a denúncia dos muitos parlamentares ocasionará já teve uma demonstração no relatório da CPMI, que fez questão de não citar nenhum parlamentar, mesmo que o deputado André Vargas, petista de corpo e alma que teve que abandonar a legenda, mas não foi abandonado por ela, tivesse sido cassado pelo plenário da Câmara no mesmo dia. Várias manobras foram tentadas por companheiros petistas para inviabilizar a sessão de julgamento, mas como o voto deixou de ser secreto, quando foi impossível não votar sem se comprometer , o deputado associado ao doleiro Youssef perdeu seus direitos políticos.

Os demais envolvidos, como os da leva de ontem, serão julgados pela Justiça Federal. O Ministério Público Federal deixou claro que está trabalhando para interromper a impunidade "de poderosos grupos que têm se articulado contra o in ter esse do país há muitos anos", como definiu o procurador Deltan Dallagnol, que frisou que há indicações de que o esquema atinge outras obras públicas. Para se ter a ideia do tamanho do esquema de corrupção desbaratado, que a CPI dominada pela base aliada e relatada pelo petista Marco Maia não identificou, num ato vergonhoso que achincalha o Congresso, os procuradores exigem nas ações penais a devolução de R$ 971,5 milhões apenas nesse núcleo.

Outros núcleos, como o da Diretoria de Serviços, comandada por Renato Duque, preposto do PT na Petrobras, serão objeto de novas denúncias. Pela disposição dos procuradores, e pelos fatos já levantados nas investigações baseadas em diversas delações premiadas, será difícil que essas denúncias não produzam condenações exemplares. Apesar da pressão que, a exemplo do mensalão, o PT e o ex-presidente Lula já começam a fazer

Pedro Go
Ontem, foi a missa de sétimo dia do jornalista Pedro Gomes, com quem trabalhei no GLOBO. Homem culto, grande redator, Pedro era um pessimista por natureza. Tudo para ele teria que dar errado. Certo dia, lendo no jornal a notícia da morte de um antigo jornalista, queixou-se com Otto Lara Resende do tamanho da notícia de falecimento, pequena na sua avaliação. Otto, um gozador nato e conhecendo bem o pessimismo de Pedro, disse: "Quando você morrer, não vai ter espaço nem para escrever seu nome. Vai sair assim : morreu Pedro Go. Não foi o que aconteceu. Pedro Gomes mereceu generoso obituário, justificado pelo jornalista que foi.

Dora Kramer - Desordem unida

- O Estado de S. Paulo

Quis o acaso que as coisas acontecessem no mesmo dia: a apresentação do inócuo relatório da CPI Mista da Petrobrás, de autoria do deputado petista Marco Maia, e o discurso do ex-presidente Lula em encontro do partido conclamando a militância a reagir contra a "pecha de corrupto que querem incutir (sic) na nossa testa".

Uma injustiça, pois, segundo disse aos companheiros, deve-se aos governos do PT a criação de "todos" os instrumentos existentes no País de combate à corrupção. Inclusive, falou com todas as letras, o instituto da delação premiada. Faltou acrescentar o Poder Judiciário, a Polícia Federal, o Ministério Público, o Tribunal de Contas e o Código Penal.

Sim, porque foi graças a esses "instrumentos" que ontem foram denunciados os primeiros 35 suspeitos de participação do esquema de corrupção na Petrobrás. Se dependesse das investigações no âmbito do Congresso, da influência do governo sobre os aliados e da orientação do ex-presidente Lula aos parlamentares do partido para que se lembrassem do mensalão e não deixassem a CPI prosperar, os crimes continuariam impunes.

Então não será por essa inverossímil linha de defesa que o PT conseguirá sair da sinuca em que se encontra. Em seu discurso de 45 minutos, o ex-presidente ensaiou autocrítica ao reconhecer que o partido cresceu e enveredou por caminhos erráticos; ao mesmo tempo, porém, continuou na mesma linha de não falar a respeito de quais erros foram esses e seguiu atribuindo os problemas do PT às elites, aos tucanos e à imprensa.

Convidou o partido a repensar seu papel na sociedade, lembrando como "era gostoso" o tempo em que o PT não "tinha tanto voto, mas andava de cabeça erguida". Reclamou da ausência dos jovens, dos intelectuais, das campanhas eleitorais criativas sem gastos milionários. "Nós não nascemos para isso", constatou.

Ressaltou, no entanto, que não propunha uma "volta às origens". Aliás, não propôs nada: nem rever as práticas e as alianças que afastaram tanta gente do PT, deram muitos votos e deixaram o partido de cabeça baixa, tampouco pronunciou uma palavra sobre a hipótese da opção por um marketing menos opulento. Disse e se contradisse o tempo todo.

A certa altura deu um aviso: "Quem não quiser cumprir o ritual ético nesse partido é melhor deixar o PT". Não explicou qual é o ritual e quando entrou em vigor, antes ou depois da prisão da antiga cúpula, ainda filiada ao partido.

Lula falou em "construir sonhos e utopias", fez mais uma de suas animações de auditório numa hora em que a necessidade é de soluções para problemas concretos e de uma resposta à pergunta que antigamente a militância fazia ao "comando" na esquerda: Qual é o rumo?

Autocombustão. Para quem anda rodeada de adversidades, a presidente Dilma Rousseff está comprando brigas demais e atraindo aliados de menos.

Não bastasse, ainda queima o filme do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, um auxiliar que na área política poderia lhe ser muito útil por ser mais jeitoso, ter mais crédito e trânsito no Congresso que Aloizio Mercadante, seu conselheiro predileto.

Por três vezes em menos de uma semana a presidente determinou que seu ministro se desviasse de suas funções e fosse para o front fazer a guerra: primeiro, rebatendo a afirmação de um executivo de empreiteira de que parte de propina de contratos da Petrobrás havia sido "esquentada" em forma de doação legal para o PT; depois, defendendo a legalidade das contas de campanha junto ao TSE; por último, confrontando o procurador-geral da República, Rodrigo Janot.

Feliz ano-novo. Retiro-me por uns dias das atribulações da República. De volta em 2 de janeiro, comentando a nova posse da presidente no dia 1º.

Bernardo Mello Franco - Perdas e ganhos

- Folha de S. Paulo

O Congresso viveu um dia de despedidas na quarta-feira. O Senado homenageou Pedro Simon, que se aposentou ao completar seis décadas de vida pública. A Câmara se livrou de André Vargas, cassado por quebra de decoro. Um fará falta, o outro já vai tarde.

Eleito pelo PT do Paraná, Vargas era um deputado do tipo que compromete a imagem da política e dos políticos. Afrontou o Judiciário e, segundo investigações da Operação Lava Jato, usou o cargo para fazer negócios com o doleiro que movimentava os recursos desviados da Petrobras.

Sua crença na impunidade ficou clara em fevereiro, quando debochou do Supremo Tribunal Federal. Ao lado do ministro Joaquim Barbosa, Vargas ergueu o punho, imitando gesto de petistas condenados pelo mensalão. A provocação apequenou a Câmara e ofendeu a noção de respeito entre os Poderes da República.

Passaram-se menos de dois meses até que uma reportagem da Folha revelasse que o deputado pode ser o próximo réu em um processo de corrupção. Os policiais encontraram provas de que ele viajou em jatinho emprestado por Alberto Youssef. Como o doleiro não é um filantropo, recorreu ao amigo para fechar negócios com o Ministério da Saúde.

Enquanto a Câmara cassava seu mandato, Vargas disse ser "um cisco" no conjunto da operação Lava Jato. Se estiver certo, é de se temer o que virá contra outros congressistas.

Do outro lado da moeda, a saída de Pedro Simon desfalca Brasília de um dos parlamentares mais respeitados. Conhecido pelos discursos inflamados contra a corrupção, o gaúcho parecia cada vez mais fora do lugar em seu partido, o PMDB.

Aos 84 anos, Simon hesitou em concorrer à reeleição. Acabou derrotado por um repórter de TV sem experiência parlamentar. Quando seu discurso de despedida já passava de três horas, um colega perguntou se ele não gostaria de se sentar para prosseguir. "Agradeço, mas prefiro continuar de pé", respondeu o senador.

Maria Cristina Fernandes- Ordem do dia

• Sociedade pagou com o esquecimento o preço do progresso

- Valor Econômico

Delegacias de polícia, em muitas cidades do Brasil, só funcionam porque moradores, associações de bairros, lojistas e empresários doam - de viaturas e computadores a piso, pintura, geladeira ou televisão. Em muitas delas, placas alusivas às doações são afixadas nas paredes. Policiais penhorados agraciam seus doadores com a segurança da comunidade e a defesa de seu patrimônio.

A manutenção de delegacias, e a defesa do patrimônio é obrigação do Estado, mas as doações acabam sendo aceitas como parte do envolvimento da sociedade na segurança das comunidades. Alguns Estados já adotaram até protocolo para essas doações, que devem ser comunicadas ao comando policial e publicadas no Diário Oficial do Estado.

Ao fazer doações, as comunidades não se responsabilizam por eventuais torturas a presos que venham a ocorrer em suas dependências. A integridade física de deliquentes presos também são responsabilidade do Estado.

A tortura policial não começou com a ditadura de 1964, mas a impunidade vigente nos últimos 26 anos de Estado de direito parece naturalizá-la.

O relatório produzido pela Comissão da Verdade responsabiliza 377 militares e agentes da repressão pela tortura de 1.843 pessoas, e pela morte e desaparecimento de outros 434.

Não há responsabilização civil dos episódios relatados pelo relatório, mas quase tão importante quanto saber se o Judiciário e o Congresso levarão à frente as recomendações da comissão pela punição dos responsáveis diretos pelos crimes da ditadura é conhecer a participação da sociedade brasileira na sustentação do regime de exceção.

Estão lá com nome e sobrenome banqueiros, empreiteiros, industriais, fazendeiros, empresários da comunicação, parlamentares, funcionários públicos, advogados, médicos, jornalistas, padres e donas de casa católicas que além de marcharem e orarem contra o comunismo subsidiaram ações da ditadura e foram por elas beneficiados.

Muitos dos que lá estão citados sempre poderão argumentar que desconheciam a prática da tortura nos porões do regime que apoiavam. Mais difícil é aceitar que a sobrevivência da tortura, frequentemente denunciada na ordem democrática, continue a ser ignorada como um mal tão banal quanto necessário.

Há apenas quatro anos, quando o Supremo Tribunal Federal foi provocado sobre a Lei de Anistia, o ministro Marco Aurélio de Mello, em entrevista, justificou seu voto contrário à revisão argumentando que a ditadura havia sido um 'mal-necessário' diante do 'mal que se avizinhava'.

Ao ser indagado esta semana sobre a possibilidade de o relatório provocar novas ações no Supremo, Mello manteve sua posição: "Precisamos colocar na cabeça que anistia é esquecimento".

Na narrativa, agora oficial, dos crimes da ditadura, o passado é escovado a contrapelo para não ser repetido no presente. Além da comissão, estão na contramão de Mello o presidente do Supremo, Ricardo Lewandovski, que foi voto vencido em 2010, e, aparentemente, o ministro que já desponta como a principal liderança do tribunal, Luis Roberto Barroso. Sem entrar no mérito, Barroso já disse que a questão precisa ser reexaminada à luz da decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos que sentenciou o Brasil a investigar e punir os crimes da ditadura.

No site das Nações Unidas que congrega comissões da verdade em 36 países (www.usip.org/publications/truth-comission-digital-collection) vê-se como as decisões de cortes internacionais e a pressão popular reabriram processos dados como encerrados no mundo inteiro. No Chile, foram necessárias duas comissões para encarcerar Augusto Pinochet. Na Argentina, o que pretendia ser o 'punto final' acabou ganhando uma vírgula e levando militares à prisão. No Peru, a comissão apontou violações aos direitos humanos, o presidente se desculpou mas a pressão popular acabou derrubando a lei de anistia e prendendo Alberto Fujimori.

No Brasil, a fracassada articulação por um pedido de desculpas das Forças Armadas visava a esfriar ânimos e evitar que a corda esticasse no governo de uma torturada.

Ainda não há pressão popular pela revisão da Lei de Anistia. Entre os brasileiros que têm saído de casa para protestar contra a corrupção há eleitores tucanos e adeptos dos ideais da família Bolsonaro na política. O patriarca ocupa a tribuna da Câmara para dizer que uma parlamentar não deve ser estuprada porque não merece e o primogênito sobe armado em palanque para pedir o impeachment da presidente Dilma Rousseff. Os dois permanecem com seus mandatos de deputado federal e, entre os partidos que se movimentam para cassar o deputado do Bolsonaro pai não há nenhum de oposição.

Na Constituinte de 1988, PSDB e PT subscreveram juntos uma emenda que tentava emplacar a tortura como crime imprescritível. Perderam. Se abraçar causas populares pelo fim da anistia o PSDB tem uma oportunidade para se livrar da companhia dos Bolsonaros em seus palanques.

Sem a companhia da oposição só restará a pai (PP) e filho (PSC) a base de apoio à presidente Dilma Rousseff.

A mobilização pelo fim da Lei da Anistia depende de uma sociedade que resolveu pagar com o esquecimento o preço do progresso.

Tome-se os dois principais articuladores do projeto de lei que criou a Comissão da Verdade em 2011, o ex-ministro da Defesa, Nelson Jobim, e seu então assessor, José Genoino. Para viabilizar a aprovação da Comissão, ambos defenderam a permanência da Lei da Anistia.

Torturado pela ditadura, Genoino hoje cumpre prisão domiciliar por ter assinado a papelada do mensalão. Nelson Jobim tornou-se um dos mais influentes negociadores da linha de corte que governo e empreiteiras pretendem colocar na Lava-Jato para evitar que o prosseguimento das investigações parem o país.

Quatro das empreiteiras envolvidas na operação estão descritas no relatório da Comissão da Verdade como apoiadoras e beneficiárias do regime de exceção, algumas das quais à sombra de investimentos capitaneados pela Petrobras desde sempre.

O relatório da Comissão da Verdade e a denúncia oferecida ontem da Lava-Jato são capítulos de uma mesma história. O progresso voou nas asas da impunidade e agora ameaça estacionar no governo de uma jovem torturada aos 20 anos. Motivo de sobra para ela chorar.

Marco Aurélio Nogueira - Comissão da Verdade fixa novo parâmetro para compreensão da ditadura de 64

– O Estado de S. Paulo

No turbilhão de factoides e jogos de cena de que é feita a política atual, não pode passar despercebida a emoção que tomou conta da presidente Dilma Rousseff na cerimônia de entrega do relatório final da Comissão Nacional da Verdade.
Foi densa e sincera, comovendo os que a presenciaram. Mostrou uma presidente ciente do peso simbólico do ato e ao mesmo tempo enraizada em sua própria biografia e nos fatos históricos que protagonizou.

Ainda que embargada pela emoção, Dilma soube reconhecer o terreno minado que pisava. Reiterou a defesa da Lei da Anistia (1979) e dos “pactos políticos que colaboraram para a conquista da democracia”. Pôs-se longe do ressentimento ou do desejo de vingança.

Muita coisa foi dita e continuará a ser dita a respeito do trabalho da CNV. Aplausos, ressalvas e críticas permanecerão a acompanhar a conversão em História de uma atividade que jamais foi unanimidade nacional ao longo de seus quase 3 anos de vida. Resistências e recusas persistirão, tanto da parte de militares — que não aceitam o papel de algozes e julgam com isso defender a integridade das Forças Armadas –, quanto de militantes de esquerda, que continuarão a defender a punição exemplar dos agentes da ditadura e mudanças na Lei da Anistia.

O produto mais importante da CNV, porém, creio, não foi seu relatório final, minucioso, contundente, estarrecedor. Trata-se sem dúvida de uma peça de impacto e relevo, que lista e responsabiliza centenas de pessoas, de baixo e altíssimo escalão, como “autores de graves violações dos direitos humanos” e de crimes contra a humanidade. Precisamente por isso, mais que uma denúncia reveladora, a Comissão fixou um novo parâmetro para se compreender um período particularmente doloroso da história nacional. Oficializou este parâmetro, inserindo-o nas narrativas do poder estatal e fazendo, assim, com que a tortura e a violência da ditadura possam agora ser tratados não como atos insanos de alguns fanáticos desequilibrados, sádicos ou especialmente cruéis, mas como parte de uma política de Estado e como um conjunto de procedimentos que integraram a dinâmica da tomada de decisões de instituições estatais estratégicas, como são as Forças Armadas, comprometendo de alguma maneira suas hierarquias.

A Comissão teve, portanto, uma função pedagógica que não pode ser desprezada. Ela ajudou a opinião pública a lidar com o passado, com erros e crimes acumulados, com nódoas que precisam ser compreendidas e processadas. Contribuiu para que as novas gerações de brasileiros adquiram uma visão mais abrangente da história de que fazem parte. Tornou oficial uma visão alternativa às versões até então prevalecentes nos círculos militares e em muitos outros setores da sociedade.

A partir de agora, estaremos todos obrigados a dar outros passos à frente. Sem virar páginas e sem esquecer, mas também sem partir para revanchismos e intransigências. A verdade dura dos fatos está aí, ao alcance dos olhos, com toda a implicação que disso deriva.

Boa parte dos militantes de esquerda que travaram a luta armada nos anos de chumbo já reconheceu o erro daquela opção. Não foram poucos os que fizeram publicamente a difícil autocrítica. Muitos dos assassinados e desaparecidos, porém, não foram guerrilheiros, a começar, por exemplo, dos militantes do PCB, uma das forças políticas dizimadas na época. Seja como for, é justo que as famílias de todos esses militantes esperem no mínimo o reconhecimento de que as mortes ocorreram em circunstâncias estranhas e queiram ouvir pedidos de desculpas. Pode-se pensar numa contrapartida, a de um recíproco pedido de desculpas por parte dos que fizeram vítimas com as ações armadas. Mas não há como varrer para baixo do tapete fatos e verdades que têm sido negados há tempo e que precisam ser assumidos.

As Forças Armadas, por sua vez, são grandes e importantes demais para continuarem a carregar pela história o fardo da tortura, para permanecerem em silêncio ou agarradas a versões protocolares dos crimes daqueles anos, versões estas que invariavelmente as inocentam e as dignificam como “salvadoras da Pátria”. Tal atitude não bate com o bom senso e não ajuda. Uma boa dose de coragem e humildade reorganizaria o quadro e emprestaria à história militar brasileira uma dimensão democrática de cuja falta as Forças Armadas se ressentem.

É este o sentido maior da recomendação feita pela CNV de que as Forças Armadas reconheçam “sua responsabilidade pela ocorrência de graves violações de direitos humanos”. A ditadura militar acabou já faz tempo. É hora de ela passar definitivamente para a história, deixando de assustar os vivos. É o melhor modo de isso acontecer é mediante um amplo e generoso mea culpa dos que foram projetados na cena dos acontecimentos.

O esforço terá de ser feito por todos. Quanto mais a luz forte do dia iluminar as armas e os porões da história, mais energia teremos para modelar o futuro, cicatrizar feridas e pacificar a sociedade.

Marco Aurélio Nogueira, professor titular de Teoria Política da Unesp

Página virada – Folha de S. Paulo / Editorial

• Comissão da Verdade conclui trabalho; tempo de violência política precisa ser conhecido e debatido, mas foi a anistia que possibilitou superá-lo

O relatório da Comissão Nacional da Verdade não traz novidade de monta em relação a um período já esmiuçado na história recente, o da ditadura militar (1964-1985).

Numa decisão controvertida, tomada logo após sua instalação pelo governo federal, em maio de 2012, a CNV excluiu do exame as violações de direitos humanos por motivação política que não tenham sido causadas pelo Estado. O relatório silencia, assim, sobre os crimes das organizações armadas que combateram para substituir a ditadura militar por outra, de cunho comunista.

Argumentou-se, com razão, que tais delitos já haviam sido punidos pelo próprio regime militar. Prevaleceu, entre os comissários, o entendimento de que o alcance da tarefa limitava-se a inventariar as denúncias de abusos cometidos pelas autoridades à época.

Após uma fase de letargia errática, a CNV conseguiu encaminhar seu trabalho nesses termos, sobretudo depois que o advogado Pedro Dallari passou a coordená-la.

Sabe-se que as décadas de 60 e 70 foram um tempo de extrema polarização na América do Sul (e em outras partes do mundo). Facções de direita e de esquerda recorreram à violência, levando ao colapso do regime democrático em vários países, entre eles o Brasil.

Maior porção de culpa cabe aos militares, seja porque desencadearam uma repressão desproporcional e abusiva, seja porque o ônus moral, nas sociedades modernas, recai sobre os vitoriosos. A prática rotineira da tortura e do assassinato configura mancha abjeta na história desses regimes.

A anistia irrestrita, concedida pela ditadura brasileira nos seus estertores, em 1979, foi o passo decisivo para a superação pacífica dessa crônica nefanda. Foi incorporada pela emenda constitucional que convocou, em 1985 --já após o restabelecimento democrático--, o Congresso constituinte que produziu a Carta em vigor desde 1988. E foi reiterada pelo Supremo Tribunal Federal em 2010.

Por mais que seus efeitos possam ser repugnantes do ângulo humanitário, sobretudo para os atingidos pela violência ditatorial, a anistia irrestrita é um dos pilares sobre os quais se apoia a democracia brasileira. Foi sua aceitação pelo conjunto das forças políticas que rompeu o ciclo de retaliações iniciado em 64.

Não é sensato nem desejável que compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, determinando que a tortura é crime imprescritível, possam sobrepor-se à soberania jurídica nacional quando se trata das próprias fundações do Estado de Direito entre nós.

A anistia deve ser preservada. O passado precisa ser conhecido e debatido. Para superá-lo de vez, falta às Forças Armadas divulgar os documentos retidos e reconhecer os abusos praticados.

As vozes da boçalidade - O Estado de S. Paulo / Editorial

O debate público no Brasil está em adiantado processo de decomposição. Faz lembrar o rancor político que se adensou no País entre a renúncia do presidente Jânio Quadros, em 1961, o que levou ao governo o seu vice getulista João Goulart - mediante um acordo insustentável que condicionou a sua posse à adoção do parlamentarismo - e desembocou menos de três anos depois no golpe que abriu as portas à mais longeva ditadura da história nacional. Esse desfecho não está obviamente nas cartas, apesar das fantasias das vivandeiras do autoritarismo.

O País é uma democracia que deixa a desejar em muitos aspectos, mas não há forças sociais ou políticas dignas do nome se articulando para a sua abolição. A adesão à ordem democrática, conforme atestaram recentes pesquisas já comentadas neste espaço, supera folgadamente a indiferença a seu destino e, mais ainda, a crença de que, em determinadas circunstâncias, um regime de força possa ser preferível. Nem por isso são toleráveis, que dirá aceitáveis como fatos corriqueiros no embate político, manifestações de autoridades ou detentores de mandatos eletivos em que a boçalidade faz as vezes de contundência legítima.

Fazendo jus à história de seu partido - que carrega a duvidosa distinção de ter sido o primeiro, no Brasil redemocratizado, a tratar os adversários como inimigos a serem abatidos a golpes de soco inglês -, ninguém menos do que o petista Gilberto Carvalho, ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, se permitiu imitar publicamente, em palácio, as baixezas que circulam nas redes sociais, de ambos os lados da divisa ideológica. O pretexto foi um evento com associações e cooperativas de agricultura orgânica, cujos representantes decerto não imaginavam o que iriam ouvir do membro de primeiro escalão de um governo, segundo ele, vítima de "perseguição e discriminação".

Isso porque o PT estaria fazendo o Estado funcionar "em função da maioria" e teria sido isso que "esteve em disputa nessa eleição". Em represália, o governo seria alvo de "um monte de merda que os caras falam". A expressão não combina exatamente com o perfil de católico praticante de que o ministro faz praça, mas o pior estava por vir. O termo chulo serviu de preâmbulo para o insulto que dirigiu ao derrotado candidato tucano ao Planalto, senador Aécio Neves. "Eu morria de medo do playboyzinho ganhar a eleição", admitiu, "porque eu tinha clareza de que ia acabar essa energia que está aqui nesta sala." Energia produzida a partir de esterco, naturalmente.

Como quem diz o que quer ouve o que não quer, Carvalho se expôs ao esperado revide de Aécio, que lembrou o envolvimento do petista com as denúncias de corrupção em Santo André, que culminaram com o assassínio, em 2003, do então prefeito Celso Daniel, de quem o atual secretário da presidente Dilma Rousseff era o assessor mais próximo. O PT fez tudo o que sabia e mais alguma coisa para descarrilar as investigações do caso. Embora Aécio tenha visado o ponto mais sombrio da carreira do carola, guardou-se de contribuir para a galopante degradação do discurso político no País. Quem o fez, na mesma terça-feira, do lado do que a oposição tem de mais hidrófobo foi um deputado conhecido pelo primitivismo e a truculência.

No próprio plenário da Câmara, depois de a também deputada e ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosário, defender em discurso a Comissão Nacional da Verdade, o pepista Jair Bolsonaro - raivoso partidário do regime de 1964 e defensor da volta dos militares ao poder - repetiu o que teria dito em outra ocasião, anos atrás, quando ela o teria chamado de estuprador. "Eu falei que eu não estuprava você porque você não merece", atacou. A bancada do PT deve entrar com representação contra o agressor na Comissão de Ética da Casa. Congressistas não podem ser processados por suas opiniões, palavras e votos. Mas podem perder o mandato por quebra do decoro parlamentar.

Não se trata de escolher, entre Carvalho e Bolsonaro, quem mais acaba de contribuir, cada qual no cerne de dois dos Poderes da República, para o aviltamento do confronto político inerente à democracia. Um e outro nos envergonham a todos.