quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Opinião do dia – Aécio Neves

A presidente Dilma Rousseff, para se livrar de um crime de responsabilidade, terá de entregar, necessariamente, mais espaço de poder. E eles sabem disso. Só vão dar a ela a anistia que busca, se forem atendidos em seus pleitos . A presidente está refém de uma estrutura política que só lhe dá apoio em torno de espaço de poder.

Aécio Neves, senador (MG) e presidente nacional do PSDB, O Globo, 27 de novembro de 2014

Derrota do governo adia pacote e posse de ministros

• Sem conseguir alterar LDO, governo adia anúncio de ajustes; nomes serão apresentados hoje

Martha Beck, Simone Iglesias – O Globo

BRASÍLIA - Depois de uma série de idas e vindas, o Palácio do Planalto apresentará hoje os principais nomes da equipe econômica para o segundo mandato da presidente Dilma Rousseff, mas a posse foi adiada e ainda não tem data prevista. A expectativa é que os novos ministros da Fazenda, Joaquim Levy, do Planejamento, Nelson Barbosa, e o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, que será mantido no cargo, falem sobre as diretrizes da política econômica a partir de 2015, focada no ajuste das contas públicas. Eles não vão detalhar medidas específicas que já estão sendo preparadas, especialmente no campo fiscal, pois elas serão ainda amadurecidas em um processo de transição com os atuais titulares das pastas. Em nota, a Presidência da República informou que os integrantes da nova equipe vão despachar no Palácio do Planalto durante o período de transição. O horizonte para o anúncio das medidas é ainda em dezembro.

Tentativa de evitar desgastes
Segundo interlocutores do Planalto, a presidente já estava preparada para anunciar hoje e dar posse aos novos ministros na sexta-feira. No entanto, as dificuldades do governo para conseguir aprovar no Congresso a alteração da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2014 - que flexibiliza a meta de superávit primário (economia para o pagamento de juros da dívida pública) - adiou os planos. A ideia de Dilma é que Levy e Barbosa assumam sem ter que sofrer o desgaste de tratar dos graves problemas fiscais deste ano. Outro fator que acabou pesando para o adiamento da posse foi um pedido de Levy e de Barbosa para que tivessem mais tempo para analisar com calma as medidas que serão anunciadas.

Segundo técnicos do governo, o presidente do Congresso, senador Renan Calheiros (PMDB-AL), assegurou à presidente que o assunto será resolvido e a alteração da LDO será votada já na próxima semana. Assim que houver a transmissão de cargos, a nova equipe vai apresentar um conjunto de ações como o objetivo de estimular o crescimento da economia e resgatar a credibilidade da política fiscal. Elas incluem um plano para limitar o crescimento dos gastos correntes, reduzir o pagamento de seguro-desemprego e abono salarial e elevar as receitas. Uma possibilidade é rever algumas desonerações e até mesmo retomar a cobrança da Cide, tributo que incide sobre combustíveis.

As transferências sociais não sofrerão cortes nominais, mas programas como o Bolsa Família, por exemplo, ficarão congelados. Com a inflação a 6,5%, haverá perda real. Os salários dos servidores públicos também deverão ser congelados. Os técnicos preveem ainda a recomposição dos preços públicos, com um choque no câmbio.

Para reduzir as despesas com seguro-desemprego e abono salarial, um grupo de trabalho coordenado pela Fazenda já apontou as alternativas. No caso do seguro-desemprego, a equipe econômica defende a redução do número de parcelas, que vai de uma a cinco, dependendo do tempo de serviço.

Para reduzir os gastos com abono (que corresponde a um salário mínimo a quem trabalhou pelo menos um mês com carteira no ano anterior), a Fazenda tem três propostas: pagar o benefício de forma proporcional aos meses trabalhados; reduzir o teto de renda mensal, atualmente de dois salários mínimos para um salário ou um salário e meio, para que o trabalhador possa ter direito ao abono, e exigir mais tempo no emprego, que poderia passar de um mês para seis meses e até um ano.

No caso das pensões, é ideia é acabar com o benefício integral e vitalício e fixar prazo de carência. Praticamente, todos as propostas exigem mudanças na legislação. Ou seja, os efeitos não são imediatos.

Nesse período de transição será montado o segundo escalão da equipe econômica. Levy já começou a escolher um substituto para Arno Augustin à frente do Tesouro Nacional. A favorita do novo ministro seria Eduarda de la Rocque, atual presidente do Instituto Pereira Passos (IPP), da Prefeitura do Rioe que foi indicada por Levy para a secretaria da Fazenda da prefeitura do Rio. No entanto, o ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci estaria defendendo a escolha de Tarcísio Godoy, que foi secretário adjunto do Tesouro do próprio Levy e já comandou a secretaria interinamente quando este saiu do governo.

Miriam Belchior cotada para a Caixa
A presidente Dilma disse a interlocutores que deverá indicar a ministra Miriam Belchior para a presidência da Caixa Econômica Federal, no lugar de Jorge Hereda. Para o Banco do Brasil, há duas opções, o atual secretário-executivo da Fazenda, Paulo Caffarelli, e o vice-presidente de crédito do BB, Alexandre Abreu. No entanto, a disputa é intensa.

O que circula nos bastidores é que um deles pode ir para o BB e o outro para o BNDES. Depois da aproximação de Caffarelli com empresários durante sua passagem pela Fazenda, ele é tido como um habilidoso interlocutor com o setor produtivo. Se seu nome for confirmado para o BNDES, o caminho estará livre para que Alexandre Abreu assumir a presidência do BB.

No entanto, o ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, trabalha pela indicação de Alexandre Abreu para o BNDES. Ele tem defendido a indicação de Abreu, técnico do Banco do Brasil, dizendo que é preciso para o lugar de Coutinho "um banqueiro"".

A demora em anunciar os nomes da nova equipe econômica provocou um grande desgaste, especialmente para a atual. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, por exemplo, já teria arrumado suas caixas e esvaziado seu gabinete quando foi informado de que será preciso passar por um período de transição, em que Levy e Barbosa vão despachar no Planalto enquanto Miriam Belchior, ministra do Planejamento, e Mantega tocarão as pastas. Segundo interlocutores, até mesmo os novos ministros estão constrangidos, pois precisam conversar com a área técnica das pastas sem terem sidos anunciados.

Planalto recorre a regime de transição para definir intensidade do ajuste fiscal

• Dilma anuncia nesta quinta Joaquim Levy no Ministério da Fazenda e Nelson Barbosa no Planejamento, além da manutenção de Alexandre Tombini na presidência do Banco Central

Tânia Monteiro, Lu Aiko Otta e Rafael Moraes Moura - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Alojada no terceiro andar do Palácio do Planalto, a poucos metros do gabinete da presidente Dilma Rousseff, a nova equipe econômica conviverá em regime de “transição” com o ministro demissionário da Fazenda, Guido Mantega, para superar divergências e acertar a marcha a ser adotada para o “cavalo de pau” nas contas públicas. O anúncio oficial dos futuros ministros está marcado para esta quinta-feira, 27.

Formado por Joaquim Levy na Fazenda e Nelson Barbosa no Planejamento - que se juntarão ao presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, mantido no cargo -, o trio será incumbido de mudar o rumo na economia e fazer um ajuste profundo nas contas públicas.

A transição está sendo considerada fundamental por Levy, que quer uma radiografia mais completa das contas públicas. Esse período de afinamento servirá também para que os futuros ministros tenham mais tempo para montar suas equipes.

Levy e Barbosa vão checar cada um dos dados apresentados pela atual equipe, para poderem dar seu próprio diagnóstico. Uma das principais críticas à atual equipe econômica é a falta de transparência nos números e a consequente perda de credibilidade. Por isso, a avaliação dos dados na transição chegou a ser chamada nos bastidores do Planalto de “due dilligence”, termo usado para auditorias em negociações empresariais.

A localização da “sala de transição” no terceiro andar do Planalto, o mesmo de Dilma, e não no quarto, onde fica o ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, tem simbolismo. Levy e Barbosa terão canal direto com a presidente, sem precisar da intermediação do “primeiro-ministro”, apelido jocoso usado pelos desafetos de Mercadante, uma das pessoas mais próximas de Dilma atualmente.

Desde a noite de segunda-feira, o futuro ministro da Fazenda trabalha em Brasília e participa de reuniões com a própria Dilma ou com técnicos do governo. Levy também tem conversado com economistas de dentro e de fora do governo.

Na passagem pelo Tesouro, no primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, Levy colecionou rusgas com colegas de equipe pelo estilo incisivo - ou “trator”, dependendo do apreço do interlocutor pelo futuro ministro. Quando Dilma era titular de Minas e Energia, Levy trabalhou com ela nas novas regras do setor elétrico. Eles se desentenderam a ponto de Dilma expulsá-lo da sala.

Ajustes. A expectativa pelas medidas a serem anunciadas pela futura equipe econômica só se compara a dois momentos recentes desde a estabilização da moeda: o próprio período do Plano Real e o primeiro gabinete formado por Lula, quando o PT sucedeu ao PSDB. De lá para cá, não se via uma equipe assumir tendo de fazer de imediato um forte ajuste na política econômica.

Um dos desafios é evitar que o Brasil perca o carimbo de destino confiável para investimentos, o chamado investment grade dado pelas agências de risco. Um eventual rebaixamento teria como consequência a elevação da taxa de juros nos empréstimos captados no exterior, seja do governo, seja de empresas brasileiras. Seria um problema sério para a estratégia de crescer via investimentos.

A escolha da equipe econômica tem obtido boa receptividade do mercado desde que os nomes de Levy e Barbosa se tornaram públicos. “Abrem uma boa perspectiva para o País”, disse ontem, no Rio, o presidente do Itaú, Roberto Setúbal.

Ex-integrante da equipe do Real, o economista Edmar Bacha considera fundamental uma nova postura de Dilma. “Não é tanto a qualidade dos nomes, mas saber se o fato especificamente de ela nomear Joaquim Levy para a Fazenda indica que ela mudou, que ela está disposta a fazer uma política econômica mais parecida com Lula 1 do que com Dilma 1”, afirmou. “Ela sabe com quem está tratando. Se ele (Levy) não tiver espaço para fazer, vai embora para casa, e isso vai ser muito ruim para ela.” / Colaborou Idiana Tomazelli

Dilma adia anúncio de medidas fiscais

• Pacote elaborado por atual equipe foi considerado 'insuficiente' por novos ministros da Fazenda e Planejamento

• Presidente deve divulgar novos nomes hoje, mas posse será adiada até que reforma na LDO seja aprovada

Andréia Sadi, Natuza Nery, Flávia Foreque e Valdo Cruz – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - A presidente Dilma Rousseff decidiu adiar o anúncio do pacote fiscal e a posse de sua nova equipe econômica, que será apresentada oficialmente nesta quinta-feira (27) no Palácio do Planalto.

Os futuros ministros da Fazenda e do Planejamento, Joaquim Levy e Nelson Barbosa, respectivamente, avaliaram as medidas elaboradas pela equipe de Guido Mantega (Fazenda) como boas, mas "insuficientes".

A ideia é encorpar o pacote para equilibrar as contas do país. Levy, Barbosa e o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, vão ser anunciados oficialmente hoje como o novo trio de comando da equipe econômica do segundo mandato de Dilma.

As posses de Levy e Barbosa, previstas inicialmente para esta sexta-feira (28), foram adiadas, porém, porque o Palácio do Planalto quer aguardar a aprovação da manobra fiscal que permitirá descumprir a meta de superavit primário deste ano -o que deve ocorrer na próxima semana.

Em relação ao pacote fiscal, a nova equipe econômica deve anunciar hoje apenas as "linhas gerais" do seu plano para arrumar a economia do país, mas deixará para depois da posse o detalhamento das medidas.

Promete e não entrega
Assessores presidenciais disseram à Folha que os novos ministros vão sinalizar que acabou a era de "prometer meta e não entregar", uma marca da gestão de Mantega.

Por isso, Levy e Barbosa ainda avaliam uma meta de superavit primário mais factível para 2015.

Na proposta enviada ao Congresso Nacional pela atual equipe, a economia de gastos no próximo ano seria de 2% a 2,5% do PIB (Produto Interno Bruto).

Não está descartada uma redução para 1,5%, com metas crescentes nos anos seguintes. O importante, segundo interlocutores dos novos ministros, é que seja um número que será anunciado e cumprido no final do ano.

Dentro desse objetivo, a nova equipe já decidiu que vai "encorpar" o pacote elaborado por Mantega, com novas medidas, principalmente na área de corte de despesas. Está previsto um bloqueio "significativo" de gastos no Orçamento da União de 2015.

De acordo com assessores presidenciais, Levy e Barbosa reclamaram à presidente e ao ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, que "estavam na chuva", sem poder falar e agir como mi-nistros e que precisavam de mais informações dentro do Ministério da Fazenda para poder montar um pacote fiscal mais rigoroso.

Transição
A opção de Dilma foi anunciar seus três membros da equipe econômica, mas criar um período de transição, durante o qual Levy e Barbosa vão trabalhar no Planalto. Tombini continua no comando do BC.

A decisão da presidente não agradou ao ministro Mantega, que já preparava sua despedida do ministério para esta sexta-feira.

Ele preferia deixar o cargo imediatamente e deixou claro à presidente que essa era sua intenção. Dilma, porém, pediu que ele aguardasse mais um tempo à frente do posto.

Assessores de Mantega ficaram irritados ao serem informados de que os novos ministros classificaram suas medidas de "insuficientes".

Um deles afirmou à Folha que a avaliação só pode ter sido feita por quem não leu o conteúdo completo do pacote, que contempla o retorno da Cide (contribuição para regular preços de combustíveis).

Dilma vem mantendo há uma semana conversas quase diárias com o trio escolhido para conduzir a economia.

Montadoras concedem férias coletivas maiores

Eduardo Laguna – Valor Econômico

SÃO PAULO - Com excesso de estoque nos pátios de fábricas e concessionárias, a indústria automobilística está programando férias coletivas mais longas no fim deste ano. Maior montadora de caminhões do país, a Mercedes-Benz interromperá a produção na segunda-feira. Os trabalhadores, tanto da fábrica de São Bernardo do Campo, no ABC Paulista, como da de Juiz de Fora, em Minas Gerais, só retornarão ao trabalho em 5 de janeiro.

Na MAN, multinacional alemã que produz os veículos comerciais da marca Volkswagen, e no parque industrial da Volvo, em Curitiba, as férias começarão em 15 de dezembro. No caso da MAN, as férias coletivas vão durar três semanas. Na Volvo, a paralisação vai durar entre quatro e cinco semanas, conforme o setor da fábrica.

Em tempos normais, as montadoras liberam os funcionários apenas nas duas últimas semanas de dezembro. Neste ano, o setor enfrenta um mercado interno em retração, queda nas exportações e estoques elevados. Entre janeiro e outubro, as vendas de caminhões caíram 13,4%, devido à desaceleração da economia, retração do setor industrial e dificuldades de financiamento desses veículos no início do ano. No mesmo período, as exportações caíram 26% e a produção, 24,6%.

Embora o mercado, incluindo os carros de passeio, esteja confirmando o tradicional aquecimento das vendas no último bimestre do ano, o objetivo do setor neste momento é diminuir um encalhe nas concessionárias que superava 413 mil veículos no fim de outubro - suficiente para 40 dias de vendas. A meta é reduzir esse volume para algo entre 30 e 35 dias, o que criaria condições para a retomada da produção em 2015.

Na Ford, que produz tanto carros de passeio como caminhões na fábrica de São Bernardo, as férias coletivas vão durar um mês, a partir de 15 de dezembro. A maioria das montadoras desse tipo de veículo ainda vai definir o período de férias. Paralisações de um mês, entre férias e folgas de operários, serão feitas nas fábricas da General Motors em São Caetano do Sul (SP) e São José dos Campos (SP). Segundo o sindicato dos metalúrgicos do ABC, a Scania também programou férias de três semanas a partir de 29 de dezembro.

Dilma inicia ajuste antes de anunciar nova equipe

• Governo barra despesas extras, quer desmontar desonerações e planeja um superávit gradual. Veto à lei que dava mais flexibilidade para conceder novas desonerações tributárias, foi o primeiro passo

Sonia Filgueiras – Brasil Econômico

Antes mesmo de anunciar formalmente sua nova equipe econômica, o governo já iniciou o ajuste fiscal. Uma das medidas veio ontem, com o veto da presidenta Dilma Rousseff ao texto de uma lei complementar que dava mais flexibilidade ao governo para conceder novas desonerações tributárias. De acordo com uma fonte do Palácio, uma das tarefas do futuro ministro da Fazenda, Joaquim Levy, será desmontar o sistema de desonerações fiscais a produtos concedidos ao longo dos últimos anos, como forma de atenuar os efeitos da crise internacional sobre a economia brasileira. Além disso, o governo pretende alterar o projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2015, que prevê um superávit fiscal de 2% no próximo ano. "É impossível alcançá-lo em um ano. Terá que ser gradual, até 2016", disse a fonte.

"A partir de agora, nada que reduza receitas, afete despesas ou sinalize em direção contrária ao ajuste vai prevalecer", completou a mesma fonte. O reforço para o ajuste fiscal à frente vem junto com o anúncio de mais uma má notícia nas contas públicas. O Tesouro Nacional anunciou ontem que, no mês passado, o superávit do governo central (que reúne os resultados do Tesouro, da Previdência e do Banco Central) foi de R$ 4,1 bilhões, o mais baixo em 12 anos para os meses de outubro. O secretário do Tesouro, Arno Augustin, reafirmou que o governo está trabalhando com a meta de superávit de R$ 10,1 bilhões em 2014, que ainda depende da aprovação da mudança, pelo Congresso Nacional, da LDO deste ano, que prevê uma meta bem maior, superior a R$ 80 bilhões. Arno evitou considerar a possibilidade de a mudança não ser aprovada.

"Trabalhamos com a aprovação", disse. À pergunta sobre a existência de um "plano B", caso a aprovação não ocorra, o secretário respondeu: "Essa expressão, plano B... eu nunca ouvi alguém dizer que tem plano B". Augustin afirmou também que tem "total segurança" da legalidade de trabalhar com a nova meta sem sua aprovação formal — questão levantada pela oposição do Congresso. A aprovação da mudança tem mostrado ser uma tarefa dura para o governo no Congresso, com sucessivos adiamentos. A meta deste ano não será cumprida por causa da queda das receitas — decorrente do baixo crescimento e da política de desonerações — e da elevação de gastos com investimentos (em especial as obras do PAC), sociais, como saúde e educação, e, segundo analistas, também com custeio.

As despesas vêm subindo em velocidade maior que as receitas ao longo do ano. "A continuidade desse movimento levará certamente a um déficit fiscal", diz Marcel Caparoz, da RC Consultores, reiterando a necessidade de um ajuste. Para alcançar a meta, o governo terá que fazer uma economia de aproximadamente R$ 25 bilhões. "Esse resultado fica compatível com o que vamos ter nos próximos períodos" declarou Arno Augustin, referindo-se aos meses de novembro e dezembro. Caparoz acredita que o governo conseguirá chegar à economia para a meta reduzida, "um número bastante baixo". A intenção de alcançar a meta de 2%de superávit fiscal fixada para o próximo ano de forma mais gradual até 2016 é parte de uma tentativa do governo de restaurar sua credibilidade, fazendo promessas mais factíveis que seja capaz de entregar.

O pesquisador da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro Gabriel Leal de Barros, especialista em contas públicas , concorda. "Na minha visão, não é possível atingir um primário de 2% em 2015 e a LDO deve ser revista e trabalhar com um cenário realmente possível, crível, de gradual consolidação fiscal" afirma ele. Segundo o economista, hoje a economia está deprimida, longe de seu potencial máximo de crescimento. "A melhor decisão à frente é pelo gradualismo consistente e crível, onde o governo aponte como e em que intensidade fará a recomposição do equilíbrio fiscal e retorno do primário ao patamar de 2% a 2,5% do PIB", diz ele.

Este patamar é considerado o necessário para fazer com que a dívida do governo em relação ao PIB volte a cair. O veto de Dilma que restringiu o espaço de novas desonerações veio na lei complementar que permitiu a redução dos encargos da dívida de estados e municípios com a União. A flexibilização foi mantida, conforme acordo com o Congresso no mês passado. Na justificativa do veto, Dilma disse que o artigo foi elaborado "em momento de expansão da arrecadação", mas, segundo ela, houve "alteração da conjuntura econômica". Augustin defendeu o veto: "É para que não haja duvida que o processo de desoneração vai continuar com uma restrição importante" disse.

Base volta a negar quórum ao governo

• Com a ausência notada do líder dos "rebeldes" aliados, Eduardo Cunha, sesssão do Congresso que aprovaria a mudança na meta do superávit primário acabou suspensa

Edla Lula – Brasil Econômico

A base rebelde da Câmara deu um recado claro ao governo ontem, quando negou quórum à sessão do Congresso que votaria a alteração na meta de superávit primário, que acabou não acontecendo. Uma das principais ausências percebidas foi a do líder do PMDB, Eduardo Cunha (RJ), cuja função seria a de convocar seus liderados para a votação. O silêncio de Cunha e seus seguidores foi entendido como "chantagem", num momento em que o governo define colocações nos Ministérios e a Câmara se prepara para escolher um novo presidente, com PT e Cunha brigando pelo cargo. A mesma interpretação foi dada ao barulho do presidente do Congresso, Renan Calheiros (PMDB-AL), que queria impor a realização da sessão no grito, com direito a bate-boca com a oposição, que por várias vezes o acusou de agradar o governo em troca de cargos.

"O PMDB não tem nenhuma ansiedade com a composição do governo. Se for convidado a participar, o PMDB do Senado vai decidir na sua bancada de que forma participará. O PMDB não tem, não guarda, não quer, repele qualquer ansiedade com relação a isso", respondeu Calheiros, após a sessão. O líder do DEM na Câmara, Mendonça Filho (PE), um dos mais exaltados, comemorou a ausência de parte da base, que acabou contribuindo para a vitória da oposição, contrária às alterações pretendidas pelo governo na meta de superávit primário: "A oposição não tem maioria suficiente para fazer prevalecer a ausência de quórum.

Houve uma contribuição grande da base aliada do governo. Há aqui um jogo de chantagem e de força envolvendo a bancada governista e a vontade da presidente da republica". Dos 71 deputados peemedebistas, apenas 29 compareceram à sessão. No PP, outro aliado, com 40 deputados, apenas 21 marcaram presença. Dos 31 integrantes do PR na Câmara, apenas 17 compareceram. Isto para citar alguns dos maiores aliados. Sem explicação, o líder do governo no Congresso, senador José Pimentel (PTCE), atribuiu o vexame à inadequação do horário marcado para a sessão, ao meio-dia. "Na sessão de segunda-feira saímos mais de uma da manhã, aceitando todo e qualquer tipo de obstrução, e votamos com tranquilidade. Ontem (terça) tivemos quorum e votamos com tranquilidade.

O horário da reunião de hoje (ontem) é que levou alguns parlamentares a não comparecerem", disse Pimentel. A próxima sessão, na terça-feira, será também ao meio-dia. A presidenta Dilma Rousseff desejava ter o projeto aprovado antes de anunciar a nova equipe econômica, hoje. Por isso o presidente do Congresso e o relator da matéria, Romero Jucá (PMDB-RR), insistiram, ontem, em manter a discussão no Plenário, mesmo já tendo vencido o tempo regimental de meia hora de tolerância para iniciar a sessão. A oposição, indignada, esbravejou até conseguir que o presidente encerrasse os debates. O senador Aloysio Nunes (PSDB-SP), líder do seu partido, disse que a obstrução permanecerá na semana que vem.

Aécio diz que falta de quórum foi recado claro da base para a presidente

• Tucano afirmou que Dilma está refém de seus aliados, que ainda não tiveram pleitos atendidos

Maria Lima – O Globo

BRASÍLIA — O presidente do PSDB, senador Aécio Neves (MG), disse que a ausência da base na sessão do Congresso Nacional, inviabilizando a alteração da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para acomodar o rombo das contas públicas, foi um recado para a presidente Dilma Rousseff. O tucano disse que a presidente está refém de seus aliados, que não aprovaram a mudança, porque ainda não tiveram seus pleitos atendidos e estão a espera de uma resposta que ainda não veio. Ele reafirmou a disposição da oposição de brigar no Supremo Tribunal Federal se a mudança, inconstitucional, da Lei de Responsabilidade Fiscal for aprovada.

Segundo o tucano, as dificuldades do governo em aprovar o fim da exigência de cumprir o superávit primário foi um recado claro, “uma violência da base mostrando que não tem limites, que só atende o governo se for atendida”.

— A presidente Dilma Rousseff, para se livrar de um crime de responsabilidade, terá de entregar, necessariamente, mais espaço de poder. E eles sabem disso. Só vão dar a ela a anistia que busca, se forem atendidos em seus pleitos . A presidente está refém de uma estrutura politica que só lhe dá apoio em torno de espaço de poder — comentou Aécio.

Aécio disse ser “risível” o discurso do senador Lindbergh Faria (PT-RJ) , que da tribuna hoje disse que a Oposição será culpada pela paralisação do País, caso o governo seja obrigado a cumprir a meta de superávit primário se a mudança não for aprovada.


— Esse discurso de culpar a oposição é risível. Esse governo começa seu segundo mandato desmoralizado — disse.

Ao comentar a decisão do procurador geral da República, Rodrigo Janot, de enviar ao Supremo pedido de abertura de inquérito para apurar responsabilidades de ministros e parlamentares no esquema de desvios investigados pela Operação Lava-jato, Aécio disse que o cerco está se fechando e o que apareceu até agora é apenas a ponta do iceberg e ninguém tem noção do tamanho da pedra.

— O que vem aí pela frente é muito grave e é incontrolável, por mais que tentem controlar. Vamos ter um início de ano turbulento. Do ponto de vista econômico, as medidas anunciadas confirmam o estelionato eleitoral. E a Lava-jato é a constatação, cada vez maior, que esse governo foi sustentado por um esquema de corrupção — disse Aécio.

Dilma é 'refém dos aliados', critica Aécio

• Senador atribuiu falta de quórum para a votação do projeto de flexibilização do superávit primário à base aliada da presidente

Isadora Peron - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O senador Aécio Neves (PSDB-MG) afirmou nesta quarta-feira, 26, que a presidente Dilma Rousseff (PT) é "refém" da sua base aliada no Congresso. Ele colocou na conta dos governistas, mais do que sob responsabilidade da oposição, a derrota que o Palácio do Planalto sofreu na votação do projeto que flexibiliza a meta do superávit primário.

"A presidente, para se livrar do crime de responsabilidade, terá de entregar espaços cada vez maiores do seu governo. E a base sabe disso. Hoje ela é refém da sua base de apoio, especialmente do PMDB", disse Aécio, que foi derrotado pela petista nas eleições de outubro.

Mesmo tendo a maioria tanto na Câmara quanto no Senado, o governo não conseguiu colocar no plenário o número exigido de parlamentares para iniciar a sessão desta quarta-feira e a apreciação da matéria teve de ser adiada para a próxima semana.

Para o tucano, a base só irá aprovar o projeto, que é considerado "prioridade total" para o Palácio do Planalto, caso Dilma atenda aos pleitos dos partidos aliados. A moeda de troca, diz, seria a distribuição de cargos e de ministérios.

O governo trabalhava para ver a proposta - que permite que todos os gastos com o Programa de Aceleração de Crescimento (PAC) e as desonerações tributárias sejam descontadas do resultado fiscal que deve ser perseguido pelo governo central - aprovada ainda nesta quarta.

O gesto serviria para passar uma mensagem de tranquilidade ao mercado às vésperas do anúncio da nova equipe econômica, prometida pelo Planalto para esta quinta-feira, dia 27.

Procurador já vê indício na Lava Jato contra políticos

• Janot diz que indícios oferecidos por delatores bastam para abrir inquéritos

• Parlamentares citados como beneficiários de esquema só podem ser investigados com autorização do Supremo

Severino Motta – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, espera abrir ainda neste ano os primeiros inquéritos para investigar políticos apontados como beneficiários do esquema de corrupção na Petrobras desvendado pela Operação Lava Jato, da Polícia Federal.

Com o fim dos depoimentos do doleiro Alberto Youssef, que decidiu colaborar com a Justiça, Janot acha que já tem indícios suficientes para pedir a abertura de inquéritos contra parlamentares e autoridades que só podem ser investigados com aval do STF (Supremo Tribunal Federal).

Não há data certa para a apresentação dos pedidos, uma vez que os depoimentos de Youssef se encerraram na terça-feira (25) e ainda precisam ser homologados pelo relator do processo no STF, ministro Teori Zavascki. Autoridades que acompanham o caso acreditam que esse processo deve levar cerca de 15 dias.

Segundo a Folha apurou, com os depoimentos do doleiro e do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, que também colabora com a Justiça, Janot entende que já é possível ter uma visão global dos crimes, principalmente o de corrupção, não sendo necessário aguardar outras delações ainda em curso ou sendo negociadas para dar início aos processos no Supremo.

Costa e Youssef apontaram dezenas de políticos como beneficiários do esquema de corrupção na Petrobras, incluindo deputados, senadores, ministros e governadores, mas a maior parte dos nomes não veio a público ainda, porque os depoimentos são sigilosos.

Políticos ligados ao PT, ao PMDB, ao PP e até ao oposicionista PSDB foram mencionados nas delações, segundo a Folha apurou. Entre os parlamentares que teriam recebido propina, Costa citou o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), de acordo com a revista "Veja". Os dois negam a acusação.

A ideia de Janot é abrir vários inquéritos, e não um só. Alguns podem envolver mais de um político, se houver ligação entre sua atuação e a de outros políticos. Pessoas sem foro privilegiado no STF, mas associadas aos mesmos crimes, deverão responder no Supremo também, como ocorreu no caso do mensalão.

Mas o procedimento da Procuradoria será diferente do adotado pelo Ministério Público no mensalão, que juntou todos os acusados numa única denúncia e criou o maior processo da história do Supremo, paralisando a pauta do tribunal durante meses.

Com a dinâmica de Janot, será possível analisar inquéritos e eventuais ações penais isoladamente, o que deve agilizar o julgamento dos casos.

Boa-fé
Janot enviou nesta terça-feira ao STF pareceres sobre dois processos em que acusados de participar do esquema de corrupção tentam retirar o caso da Justiça Federal do Paraná, onde estão as investigações sobre doleiros, empreiteiros e outras empresas com negócios na Petrobras.

Como há políticos citados nas delações, a defesa de Murilo Barrios, sócio de um fornecedor da Petrobras, a Sanko Sider, pediu que atos do juiz federal Sergio Moro sejam considerados nulos e revogadas as prisões. Para os advogados, somente o STF poderia atuar no processo.

Pedido semelhante foi feito pela defesa de Waldomiro de Oliveira, um empregado de Youssef. Em seus pareceres, Janot afirma que os depoimentos que citam políticos não foram usados nos processos na Justiça Federal e diz que todos os acusados têm o direito a defesa assegurado.

Para Janot, "desborda da boa-fé objetiva" a intenção de retirar do juiz Moro os processos. Caberá ao ministro Teori Zavascki, relator do caso no STF, decidir se os processos seguirão ou não na primeira instância da Justiça Federal.

Janot também se opôs a um pedido da senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), que pediu ao STF acesso aos depoimentos de Costa e Youssef.

Janot pedirá inquérito sobre políticos acusados

Após delações, parlamentares e ministros devem ser investigados

• Procurador-Geral pretende pedir abertura de inquérito contra citados

Carolina Brígido e Jailton de Carvalho - O Globo

BRASÍLIA - O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, deverá pedir, em breve, a abertura de inquérito contra pessoas acusadas nos depoimentos do doleiro Alberto Youssef, assim que receber o conteúdo da delação premiada. Ele enviará ao Supremo Tribunal Federal (STF) as investigações contra pessoas com direito a foro especial, como parlamentares e ministros. As demais serão alvo da Justiça Federal no Paraná.

Para Janot, os conteúdos das delações de Yousseff e do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa são suficientes para embasar as investigações de corrupção na estatal. Mais delações premiadas devem ser acordadas entre o Ministério Público e outros suspeitos, especialmente dirigentes de empreiteiras envolvidos. Caso os próximos depoimentos apresentem novos indícios, outros inquéritos serão abertos.

Os primeiros indícios de fraude na Petrobras foram enviados ao STF com base nos depoimentos de Costa. Janot, porém, pediu que as investigações só fossem iniciadas após a conclusão de todas as delações premiadas. Agora, com os novos depoimentos de Youssef, Janot pedirá abertura de inquérito contra pessoas apontadas como participantes do esquema.

Os casos tramitam em segredo de justiça. Caso o Ministério Público apresente denúncia contra os suspeitos, e se a Justiça abrir ações penais contra os acusados, o conteúdo das delações poderá ser revelado. As fraudes na Petrobras vieram à tona na Operação Lava-Jato, da Polícia Federal. Foram presos dirigentes da estatal e de empreiteiras envolvidas no esquema.

Em seus depoimentos, Youssef denunciou 80 suspeitas de fraudes, corrupção, movimentação ilegal de dinheiro e outros crimes praticados por ele, grandes empreiteiras, políticos e funcionários da Petrobras. A íntegra dos interrogatórios deve ser enviada a Procuradoria-Geral da República na próxima semana e, a partir daí, ao STF.

Caberá o ministro Teori Zavascki, relator da Lava-Jato no STF, decidir se homologa a delação do doleiro. Com base nas revelações de Youssef e de Costa, Teori decidirá se abre inquérito contra parlamentares acusados. Investigadores calculam que Teori só deverá deliberar sobre o tema em janeiro ou fevereiro do próximo ano.

Youssef assinou acordo de delação com o Ministério Público Federal em setembro. Desde então, vinha prestando uma média de quatro a seis horas de depoimento, cinco dias por semana. O doleiro e as demais pessoas e empresas investigadas na operação movimentaram de forma suspeita R$ 23,7 bilhões entre 2011 e 2014, segundo o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). Youssef e Costa citaram políticos beneficiários dos desvios.

Economistas pedem que Lei de Responsabilidade Fiscal seja respeitada

• Abaixo-assinado a ser enviado ao Congresso diz que mudança na LDO levará a descontrole

- O Globo

BRASÍLIA - Uma petição criada no site Avaaz reuniu até a noite de ontem 1.858 assinaturas contra o projeto que altera a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). O abaixo assinado pede para o Congresso "não jogar no lixo" a Lei de Responsabilidade Fiscal com a aprovação da proposta que desobriga o governo de cumprir o superávit este ano.

A iniciativa foi de economistas da PUC-Rio. De acordo com os organizadores, teriam assinado a lista economistas renomados como Edmar Bacha, Elena Landau e José Roberto Afonso. A intenção é alcançar duas mil assinaturas para encaminhar o abaixo-assinado aos líderes do Congresso.

Além de criticar a medida do governo, a petição diz que a mudança irá aumentar a inflação e a recessão econômica. "A Lei de Responsabilidade Fiscal é uma conquista da sociedade brasileira. O descontrole das contas públicas terá como consequências a perda de credibilidade do Governo Federal, o aumento do endividamento, o aumento da inflação e a recessão econômica. Nós já assistimos a esse filme durante os anos 80, e não merecemos vê-lo de novo!", afirma o texto.

O abaixo-assinado sugere que os internautas congestionem as linhas telefônicas dos parlamentares para exigir que a alteração não seja aprovada.

Contas públicas têm o pior resultado para outubro em 12 anos

• Governo central arrecadou r$ 4,1 bilhões a mais do que gastou; em nove meses, há déficit primário de r$ 11,6 bi

Cristiane Bonfanti e Martha Beck – O Globo

BRASÍLIA - Depois de cinco meses de resultados negativos, o governo central registrou em outubro superávit primário de R$ 4,1 bilhões. Ainda assim, foi a pior economia realizada para o pagamento de juros da dívida pública em meses de outubro nos últimos 12 anos. No mesmo mês de 2002, o superávit foi de R$ 3,8 bilhões. Os números foram divulgados ontem e consideram o esforço fiscal realizado pelo Tesouro Nacional, Previdência Social e Banco Central. No acumulado de janeiro a outubro, o governo central gastou mais do que arrecadou e registrou déficit primário de R$ 11,6 bilhões. No mesmo período do ano passado, o saldo estava positivo em R$ 33,6 bilhões. A realização do superávit busca manter a trajetória de queda da dívida pública proporcionalmente ao Produto Interno Bruto (PIB), indicador acompanhado de perto por investidores.

O governo atribuiu o resultado a um crescimento das despesas em ritmo mais acelerado que o das receitas. Segundo o relatório do Tesouro, nos 10 primeiros meses do ano, enquanto os gastos cresceram 12,6% na comparação com o mesmo período do ano passado, as receitas subiram 7%. Diante das dificuldades para conseguir fechar as contas, a equipe econômica informou na semana passada que pretende realizar um superávit primário de R$ 10,1 bilhões este ano - projeção bem inferior à poupança mínima que havia sido prevista na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), de R$ 49,1 bilhões.

- A meta que foi fixada no relatório que nós mandamos dia 21 é de resultado no ano de R$ 10,1 bilhões. Portanto, penso que fica compatível com o que nós vamos ter no próximo período - disse.

Augustin fez um balanço positivo de sua gestão à frente da Secretaria do Tesouro Nacional. Desde 2007 no cargo, ele afirmou que o Brasil tem uma situação de "enorme credibilidade" e que, ao longo dos últimos anos, o governo reduziu a dívida pública em proporção ao PIB. Ele citou que a procura por títulos públicos brasileiros por parte de investidores estrangeiros tem aumentado.

- Temos uma situação de enorme credibilidade no Brasil. Ontem, divulgamos um aumento da participação estrangeira na dívida pública brasileira. Nós fizemos várias emissões este ano que foram muito bem-sucedidas - disse.

Perguntado sobre a decisão da presidente Dilma Rousseff de mudar os rumos da política econômica e adotar uma política fiscal mais restritiva a partir de 2015, o secretário do Tesouro afirmou que isso é normal no primeiro ano de qualquer governo:

- É normal que no primeiro ano de mandato haja uma contenção. Inclusive isso é importante porque a máquina pública, se você deixar, tende a se autoalimentar. De tempos em tempos tem que haver ajuste.

Augustin também comentou a troca da equipe econômica. Disse que a política fiscal é sempre uma decisão do presidente da República e, a respeito de sua possível saída do cargo, afirmou que não costuma fazer esse tipo de "especulação".

Serra critica falas de Dilma sobre reforma política

Beatriz Bulla – O Estado de S. Paulo

O senador eleito pelo PSDB em São Paulo, José Serra, afirmou na noite desta quarta-feira que a defesa feita pela presidente Dilma Rousseff para empreender uma reforma política é "estratégia para distrair a atenção de outras questões", como "quadro econômico, quadro da corrupção, quadro do clientelismo, do loteamento político". "Tudo isso que inferniza a vida brasileira", afirmou o ex-governador de São Paulo.

Questionado sobre o uso da reforma política como bandeira da presidente durante a campanha pela reeleição, Serra ironizou: "Quem falou? Não sabia. Não sei qual a reforma política que ela pretende, realmente é um segredo para mim. É um mistério".

O tucano participou na noite de hoje da abertura de congresso organizado pelo Instituto Brasiliense de Direito Público. Serra afirmou que o Brasil está "precisando muito" de reformas, a começar pelo sistema eleitoral.

No caso de cidades grandes, acima de 200 mil eleitores, Serra defende a implementação do voto distrital puro. "A curto prazo devemos concentrar nessa questão dos municípios grandes já para as próximas eleições", disse o senador eleito.

O voto distrital em vez de proporcional, de acordo com Serra, seria um elemento barateador das campanhas. "Acho curioso que só se fala de financiamento e não se fala de redução de custos", criticou o senador eleito.

Ele mencionou outro ponto que seria capaz de diminuir os custos de campanhas: uma mudança no programa eleitoral. "Não pode ser uma hora de produção. Tem que ter o candidato, a câmera e ponto final", afirmou.

Cegueira ideológica no manifesto de petistas – O Globo / Editorial

• Militantes não conseguem enxergar o fracasso da política econômica da presidente reeleita, algo que ela mesma dá a entender que já reconhece

O mundo visto pela ótica das ideologias pode ser o paraíso ou o inferno, a depender das convicções de quem o observa. Neste sentido, é esclarecedor o manifesto assinado por intelectuais e ativistas do PT contra a escolha do economista Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda e da senadora Kátia Abreu (PMDB-TO) para a Agricultura.

Levy — suprema heresia — é um diretor de banco, o Bradesco, aquele tipo de gente que, segundo a campanha eleitoral da reeleição da petista Dilma Rousseff, tiraria a comida da mesa das famílias brasileiras caso chegasse ao poder pelas mãos do oposicionista Aécio Neves. Já Kátia Abreu, algo não menos herético, surgiu na vida pública como ativa defensora do agronegócio, tão demonizado por petistas e aliados quanto o "capitalismo financeiro".

No caso da senadora, admita-se que o fato de o lulopetismo conviver há 12 anos, sem qualquer crise de consciência, com políticos que ilustram à perfeição teses acadêmicas sobre o coronelismo nordestino não deveria fazer com que o bom relacionamento que Dilma estabeleceu com a senadora, na fase final de seu primeiro mandato, melindrasse o partido. Signatários do manifesto parecem acometidos de um purismo tardio e fora de época.

Caso se confirmem as escolhas, esses militantes poderão se sentir traídos por Dilma. Mas terá de ser reconhecido que a presidente reeleita demonstrou admitir algo, de forma implícita, por sobre suas convicções ideológicas: que o Estado brasileiro ruma para a insolvência, devido ao fracasso da sua política do "novo marco macroeconômico".

E nesta caminhada para a ruína faz explodir a inflação, engessada acima da perigosa faixa do 6%, desequilibra as contas externas — este déficit se aproxima de ameaçadores 4% do PIB — e atola a economia na estagnação.

Daí a candidata, na campanha, ter evitado detalhar qualquer aspecto da política econômica do segundo mandato, sem avançar para além dos óbvios compromissos com a manutenção dos programas sociais — um mantra na política brasileira, da situação, óbvio, e também da oposição. Mas a candidata já devia saber que sem a economia crescer e com inflação alta e persistente não há avanço social que resista.

O manifesto falseia ao afirmar que possíveis nomeações de ministros "sinalizam uma regressão da agenda vitoriosa nas urnas".

Faltou atenção aos redatores do manifesto: se em nenhum momento a candidata Dilma disse dos palanques o que faria em termos de política econômica, também não foi enfática na defesa da manutenção dos rumos. Alardear que está a favor da manutenção de empregos e dos pobres é o mesmo que defender em praça pública a luz elétrica e a água encanada. Ninguém discorda. O problema é fazer com que não faltem nem luz nem água. E esta é responsabilidade direta da presidente, e não do PT e militantes.

Primeiro, o golpe fiscal - O Estado de S. Paulo / Editorial

Quando, ao cair da tarde de sexta-feira passada, a presidente Dilma Rousseff mandou desmanchar, literalmente, o cenário montado em palácio para o anúncio oficial do novo titular da Fazenda, Joaquim Levy - o executivo do Bradesco que foi secretário do Tesouro no primeiro mandato do presidente Lula -, as costumeiras "fontes do Planalto" apressaram-se a espalhar a versão de que Dilma resolvera suspender o evento por ter ficado zangada com o vazamento das nomeações, pouco antes, na mídia eletrônica. No primeiro momento, a explicação pareceu plausível porque combinava com o temperamento autoritário e controlador da presidente. Já no final da semana, porém, outra hipótese entrou em cena, também esta comprada, compreensivelmente, pelo seu valor de face.

A formalização do convite a Levy teria de esperar o tempo necessário para Dilma dobrar as críticas à iniciativa de alas influentes do PT, notadamente a encabeçada pelo ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e o ainda governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro. A esquerda petista jamais perdoará o "Joaquim mãos de tesoura", como o chama, injuriada pelo profundo ajuste fiscal que empreendeu, em sintonia com o então ministro Antonio Palocci e o aval implícito de Lula. (Ao que se noticiou, o primeiro a sugerir a Dilma o nome de Levy foi o presidente do Conselho do Bradesco, Lázaro Brandão, depois de vetar a ida ao governo do seu mais alto funcionário, Luiz Carlos Trabuco, o preferido original da presidente. Lula abonou a indicação.) De toda forma, líderes petistas no Congresso se viram no dever de apoiar a escolha da reeleita.

Em seguida, a incerteza quanto à data da apresentação oficial e da investidura de Levy - e ainda do novo ministro do Planejamento, Nelson Barbosa - foi justificada pelo fato de o sucessor de Guido Mantega não ter pronto, na tela do computador, o pacote de medidas para o chamado resgate da credibilidade fiscal do governo que Dilma lhe encomendara para ser aberto com a aceitação pública do convite.

Finalmente, começou a emergir a razão decisiva do adiamento. O futuro ministro há de ter dito à futura chefe que não poderia entrar em cena antes da remoção do entulho deste final de primeiro mandato. Para Dilma, nada a objetar. Primeiro, porque o material tóxico que ela produziu não será destruído. Segundo, porque lhe convém associar a nomeação de Levy à promessa de ser uma presidente "muito melhor do que fui até agora".

O entulho de que se trata é o projeto de lei que muda a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2014 e desfigura a Lei de Responsabilidade Fiscal. A enormidade dará ao Executivo o poder de abater do montante da poupança para o pagamento de parcela dos juros da dívida pública, o superávit primário, o valor de investimentos federais, como os do PAC, e das desonerações tributárias autorizadas pelo Planalto, sem limite de qualquer espécie. A meta fixada na LDO e destinada a se tornar letra morta era de R$ 116 bilhões, dos quais poderiam ser abatidos R$ 67 milhões. Como o governo acumulou até setembro um déficit primário da ordem de R$ 19,5 bilhões pelo critério de necessidades de investimento, em vez de apertar o cinto, Dilma resolveu refazer as regras da partida em vias de acabar.

O projeto de alteração da LDO extingue o limite dos abatimentos. O valor a ser deduzido poderá ser o que a presidente bem entender. É a superação da própria contabilidade criativa, o manejo das contas públicas para disfarçar a desestabilização a elas infligida pelo regime macroeconômico de um governo marcado pelo populismo e a incompetência. Aos trancos e barrancos, o Planalto conseguiu aprovar o monstrengo na Comissão Mista de Orçamento do Congresso. E acionou a plena marcha os seus recursos de poder para contar, em plenário, com a cumplicidade da maioria - preocupada, de mais a mais, com a eventualidade de o governo, se derrotado, suspender os repasses a Estados e municípios para fazer caixa. Alcançado o intento - sem o que a presidente da República poderia incorrer em crime de responsabilidade -, estará livre o campo para a posse de Joaquim Levy. E ele poderá dizer que não teve parte com o golpe fiscal que decerto o repugna. Faltou combinar com os políticos que preferiram se ausentar na votação de ontem, levando a decisão para terça-feira que vem.

Fernando Henrique relembra violências da ditadura militar

• Em depoimento à Comissão Nacional da Verdade, ex-presidente fala sobre as perseguições que sofreu e compara o exílio a um “caviar amargo”. O ex-presidente Lula também deve ser ouvido

Roldão Arruda - O Estado de S. Paulo

A Comissão Nacional da Verdade ouviu nesta quarta-feira, 26, Fernando Henrique Cardoso. Durante duas horas, o ex-presidente falou sobre o período da ditadura, a ordem de prisão que foi expedida contra ele logo após o golpe militar, seu afastamento da Universidade de São Paulo (USP) e a vida no exílio.

Fernando Henrique também recordou a volta ao Brasil, no período da distensão política e a prisão a que foi submetido, quando o levaram ao Departamento de Ordem Política e Social (Dops) para prestar depoimento. Ali, segundo suas declarações, chegou a ser encapuzado.

O ex-presidente falou ainda sobre sua atuação no Centro Brasileiro de Análise de Planejamento (Cebrap), que se tornou uma espécie de reduto de intelectuais que se opunham à ditadura. Lembrou as ações das quais participou para denunciar as torturas no Brasil e no exterior e sua atuação no movimento pela redemocratização do País.

Sobre o período no exílio, o ex-presidente disse: “O exílio é estranho. Estão ali te servindo caviar, mas é um caviar amargo. Isso é o exílio. Você vive o tempo todo na expectativa da volta.”

O depoimento foi gravado pela manhã na residência de Fernando Henrique, em São Paulo. Estavam presentes o advogado José Carlos Dias e o sociólogo Paulo Sérgio Pinheiro, integrantes da Comissão Nacional da Verdade. Também participou o advogado Luiz Francisco Carvalho Filho, que presidiu a Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos durante o governo do ex-presidente tucano.

A Comissão Nacional pretende ouvir ainda o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Perseguido na ditadura por suas atividades sindicais, ele chegou a ficar preso na sede do Dops, em São Paulo.

Até ontem ainda não havia sido confirmada uma data para o depoimento de Lula. A previsão é de que ocorra ainda nesta semana.

O objetivo da comissão é incluir os dois depoimentos no capítulo do relatório final que trata dos perseguidos políticos. Também fará parte do capítulo um depoimento da presidente Dilma Rousseff.

No caso da presidente a comissão pretende reproduzir o longo relato que fez, no início da década passada, à Comissão da Anistia de Minas Gerais. Trata-se do mais longo e detalhado testemunho da presidente sobre sua prisão e torturas que sofreu. É ali que explica como os socos dos torturadores acabaram deformando sua arcada dentária.

Merval Pereira - Choque de desigualdade

- O Globo

Um dos trabalhos mais instigantes apresentados aqui em Omã na reunião da Academia da Latinidade foi o do scholar uruguaio Enrique Larreta, que dirige o Instituto de Pluralismo Cultural da Universidade Cândido Mendes, sobre o que chamou de "choque global de desigualdade".

O tema, que para nós está na ordem do dia — depois de ter sido um dos principais assuntos da campanha presidencial e do estudo do Ipea e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) que mostra que a desigualdade está presente não apenas entre estados ou municípios, mas até mesmo dentro de uma mesma região metropolitana —, é uma questão global que define o nosso tempo , mostrou Larreta em sua apresentação. Para ele, assim como o livro de Samuel Huntington "O choque das civilizações" marcou a última década do século XX depois dos ataques às Torres Gêmeas nos Estados Unidos, o livro do economista francês Thomas Piketty "O capital no século XXI" é marcante por definir a desigualdade como o ponto central de nossa época.

Para Larreta, o tema da igualdade é central na moderna filosofia, tanto para os liberais quanto para os socialistas, pois vivemos em um mundo virtual igualitário, onde o acesso aos bens de consumo constitui o ponto central. Num mundo habitado por mais de 7 bilhões de pessoas, complexo e densamente interconectado, dedicado aos valores da criatividade e da inovação, a questão é saber como as sociedades podem alimentar essas grandes populações, não apenas garantindo suas necessidades básicas, mas criando novas necessidades com o surgimento de novos bens de consumo. A desigualdade social, o separatismo, a imigração e o racismo são tem as relacionados neste mundo exposto aos desafios da modernização em novos ambientes socioculturais.

A equação igualdade/liberdade continua sendo um dos impasses da modernidade, frisou Larreta. Agora mesmo, aqui em Omã, assistimos a uma situação exemplar sobre tratamentos desiguais em uma mesma sociedade. Como a economia local é baseada no petróleo, a queda de 30% dos preços internacionais está obrigando o governo a rever sua política de impostos. Cada cidadão omani recebe uma bolsa equivalente a mil dólares por mês, e um terreno para construir sua casa própria. Mas as centenas de milhares de imigrantes, principalmente filipinos e indianos, podem começar a ser taxados pelo dinheiro que enviam para seu país de origem.

Para Enrique Larreta, o ressentimento é o comportamento característico do homem moderno, pois as sociedades em que vivemos são formadas por aeroportos, shopping centers, áreas dedicadas ao consumismo, símbolos de nosso tempo cujo acesso é desigual. O que permanece como um problema existencial num mundo em transformação é sermos, em muitas regiões, um gigantesco quebra-cabeças formado por subjetividades coletivas, analisa Larreta. A tarefa de negociar politicamente as diferenças não é fácil em um mundo muito desigual, composto por realidades regionais e nacionais cheias de feridas que se reproduzem e se amplificam todos os dias.

Primavera Árabe
Outro dia escrevi que, segundo o ministro dos Assuntos Religiosos, Sheik Abdullah bin Mohammed Al-Salmi, o Sultanato de Omã conseguiu sair da Primavera Árabe sem grandes turbulências devido à prática do entendimento e da conciliação, que defende para o plano externo. O que ele não disse é que, para acalmar as tensões, o sultão Qaboos bin Said Al Said teve que aceitar a maioria das exigências dos estudantes revoltados, criando mais empregos e concedendo benefícios para desempregados, como dobrar o valor da ajuda da previdência social e dos benefícios das pensões.

Trabalhadores do setor privado protestaram para exigir aumento nos salários compatíveis com os aumentos recebidos pelos trabalhadores estatais. O sultão decidiu ceder alguns poderes legislativos para o Conselho de Omã e realizou as primeiras eleições municipais em 2012. Só não aceitou duas reivindicações: reduzir as notas mínimas para entrar na universidade e perdoar dívidas na Justiça.

Dora Kramer - Alta ansiedade

- O Estado de S. Paulo

Nem é preciso circular pelos bastidores para ver como os ânimos andam exaltados no Parlamento. Basta ligar a televisão. Ontem mesmo o líder do DEM na Câmara, Mendonça Filho, informou publicamente ao presidente do Senado, Renan Calheiros, que ele representava a "vergonha do Congresso Nacional".

Desnecessário discorrer sobre a razão da expressão nem lembrar quem são os responsáveis pela recondução de Calheiros ao cargo do qual fora obrigado a renunciar para não ter o mandato cassado. Por aí se vê como suas excelências costumavam ser mais condescendentes entre si.

Desde a volta das atividades legislativas após as eleições, a cada avanço na Operação Lava Jato os nervos ficam mais retesados, o ar quase em estado sólido de tão tenso o ambiente. Todos desconfiam de quase todos, enquanto garantem que não têm nada com isso. Fala-se em 70 pessoas citadas, cinco partidos referidos, sendo que três deles - PP, PT e PMDB - já com modus operandi e autorias rascunhadas nos acordos de delação premiada de Paulo Roberto Costa e Alberto Youssef.

A notícia mais recente, publicada ontem no Estado, relata que segundo Costa o modelo do PMDB atuava com vários operadores, cada um atendendo a uma corrente diferente do partido. Passou a funcionar depois que ele, indicado inicialmente pelo PP para a Diretoria de Abastecimento da Petrobrás, precisou robustecer seu apoio político para permanecer no cargo.

Aqui a história toma dois rumos. Um conhecido e que necessariamente nada tem de ilegal e outro pertencente ao conteúdo dos depoimentos envolvendo políticos que estão na posse do Supremo Tribunal Federal.

Paulo Roberto entrou em contato com o partido a conselho da então recentemente eleita presidente Dilma Rousseff. Ele deveria se entender com o PMDB. E assim fez em reunião com o também recentemente eleito vice-presidente Michel Temer, por intermédio de Moreira Franco, atual ministro da Secretaria de Aviação Civil. Se desse entendimento político decorreram outros tipos de desdobramentos, seria leviano e precipitado concluir.

Mas, como qualquer tipo de contato com Paulo Roberto levanta suspeitas, ficam todos na retranca. Até a oposição que, embora vá ter uma bancada de medalhões no Senado, aguarda a divulgação dos políticos envolvidos na Lava Jato para ver se Calheiros terá a ousadia de se candidatar de novo a presidente da Casa.

Melhor maneira. Em todo o período de campanha presidencial, o comitê financeiro do PT arrecadou R$ 565 mil em doações de pessoas físicas.

No início do ano, em menos de um mês o partido conseguiu amealhar R$ 2,7 milhões para pagar as multas impostas pela Justiça aos mensaleiros petistas. Ou seja, o PT tem uma extraordinária capacidade de mobilizar pessoas físicas e transformá-las em doadoras.

De onde decorre a dúvida sobre a insistência no financiamento público de campanhas, a aceitação de doações de empresas privadas (mais de R$ 340 milhões neste ano) e a resistência em utilizar em suas campanhas políticas a metodologia da "vaquinha" para o mensalão.

A não ser que os métodos usados para arrecadar dinheiro das multas não tenham sido os alegados.

Fio da meada. A julgar pela diferença dos valores entre os orçamentos iniciais e os custos finais das obras da Copa do Mundo - regidas por um regime de lei diferenciado aprovado com rapidez no Congresso - não será surpresa alguma se amanhã ou depois surgir outro escândalo de contratos superfaturados.

Afinal de contas, se, como diz o advogado do lobista Fernando Baiano, no Brasil "não se põe um paralelepípedo no chão" sem composição ilícita, imagine o que não deve ser feito para por tantos estádios fabulosos em pé.

Renato Andrade - Ministério de duas cabeças

- Folha de S. Paulo

A Presidência da República resolveu inovar outra vez.

Os futuros titulares da Fazenda e do Planejamento serão anunciados nesta quinta-feira (27), mas ninguém sabe quando eles vão tomar posse.

Até que se defina essa data de troca, o país contará com uma nova categoria de ministério: a pasta de duas cabeças. É uma situação ímpar.

Enquanto Guido Mantega e Miriam Belchior continuarem em suas cadeiras, Joaquim Levy e Nelson Barbosa --os indicados para substituir os dois ministros petistas-- vão despachar ao lado da presidente Dilma Rousseff, no Palácio do Planalto.

Teremos uma equipe de transição dentro de um governo reeleito. A situação é inusitada, para dizer o mínimo. Mas é preciso reconhecer que falta de imaginação não é um problema para a turma palaciana.

A primeira vítima dessa confusão criada pelo governo federal foi o pacote de medidas que está sendo costurado para colocar as contas públicas no lugar a partir do ano que vem.

O anúncio, que também seria feito na quinta, está em suspenso. Levy, Barbosa e Alexandre Tombini, que continuará à frente do Banco Central, vão passar os próximos dias reconstruindo tudo aquilo que foi montado pela equipe de Mantega.

A situação do atual comandante da Fazenda merece um capítulo à parte dentro de toda essa novela.

O ministro foi rifado por Dilma ainda durante a campanha eleitoral. Mesmo assim, Mantega engoliu o orgulho e continuou sentado na cadeira mais dura da Esplanada.

A indicação de Levy como seu substituto foi outro duro golpe dado pela presidente no fiel aliado petista.

Agora, Mantega vai assistir de uma posição privilegiada, mas extremamente desconfortável, o desmonte de seu último pacote econômico.

O que sobra em figuras como Marta Suplicy falta, e muito, ao ministro que mais tempo ficou à frente da Fazenda. Por tudo que passou, Mantega merecia um fim mais digno.

Jarbas de Holanda - O vale-tudo para evitar crime fiscal. E o ajuste – imperativo e custoso

Sob os riscos de maior desgaste político e de problemas institucionais nos desdobramentos do megaescândalo da Petrobras – com dados das “delações premiadas” que possam configurar negligência ou omissão dela (e do ex-presidente Lula) ante as muitas irregularidades praticadas na estatal –, a presidente reeleita empenhou-se a fundo em evitar outro risco, de caráter institucional, este bem palpável: o de um processo de impeachment por crime de responsabilidade (desrespeito à meta de superávit primário proposta pelo próprio Executivo e formalizada pelo Congresso).

Daí, o novo vale-tudo, pós-eleitoral, para a revogação de tal meta, com provável desfecho favorável nesta quarta-feira. Cujo resultado vai substituir o superávit programado de 1,9% por um déficit fiscal que poderá elevar-se a mais de 5% do PIB. O vale-tudo incluiu a barganha em torno da liberação, ou do bloqueio, de emendas de deputados e senadores e o pagamento, ou a retenção, de faturas de empresas construtoras e fornecedoras de órgãos federais, mobilizadas para pressionarem os parlamentares pela aprovação do projeto governamental com esse objetivo. No caso das construtoras, com a ameaça de suspensão de contratos, na hipótese de rejeição. Editorial do Estadão, de anteontem – “A consagração da farsa fiscal” – resumiu assim, em um dos seus trechos, a finalidade da iniciativa:

“Com a aprovação do projeto, o Executivo ficará dispensado de qualquer novo truque para maquiar o balanço das contas públicas e fingir o cumprimento da meta”.

 “Farsa” que constitui grave desrespeito à Lei de Responsabilidade Fiscal, um dos fundamentos da estabilidade macroeconômica do país. E desrespeito do qual dois filhotes importantes foram tornados públicos do meio de novembro para cá. O déficit público, divulgado no começo da semana passada, e o déficit das contas externas, anunciado anteontem pelo Banco Central. Que, juntos, representam R$ 8,6 bilhões do PIB. Numa combinação malsã que terá inevitáveis repercussões domésticas e de ampliação do custo de financiamento externo, esta a ser seriamente agravada se o Brasil vier a perder o “grau de investimento” na classificação das agências internacionais de risco.

Neste cenário de aguda deterioração fiscal (de par com a paralisia das atividades produtivas e dos investimentos em geral, desemprego na indústria, inflação e juros altos, e com os potencialmente explosivos desdobramentos do petrolão), a presidente Dilma teve, enfim, de se render à necessidade de caminhar para, ou ao menos sinalizar, uma mudança crível dos objetivos e da condução da política econômica. O que, sob forte pressão do padrinho Lula – do seu pragmatismo e do plano de disputar o Palácio do Planalto em 2018 – não apenas desmentiu, mais uma vez e agora em escala bem ampla, o discurso ultrapopulista da campanha reeleitoral, mas também a insistência dos ministros Guido Mantega e Aloizio Mercadante, depois do pleito, de que seria mantida a política econômica “vitoriosa nas urnas”.

A “virada” pró-mercado da presidente começou mal com a recusa do convite ao dirigente do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco, para o ministério da Fazenda, mas prosseguiu com a escolha para o cargo (por indicação do chefe de Trabuco, Lázaro Brandão) de Joaquim Levy. Ex secretário do Tesouro da equipe de Antonio Palocci, no primeiro mandato de Lula, e economista de formação ortodoxa, com reiteradas posturas e ações em defesa do equilíbrio das contas públicas, Levy foi bem recebido pelo mercado financeiro e pelos investidores internos e externos. Mesmo sem que tenham segurança sobre a autonomia e a estabilidade que ele terá no ministério da Fazenda. Quanto aos custos do ajuste fiscal a ser feito, foram bem avaliados na matéria de capa da última edição de Exame. Com o titulo “O erro é dela. A conta é nossa”, e a abertura: “O ajuste para consertar os erros da política econômica vai ser caro: pode chegar a 283 bilhões de reais em aumento de impostos, de juros e reajuste de preços. E, se não for feito, pode ser ainda pior para nós”.

Jarbas de Holanda é jornalista

Pacotão de maldades - ITV

• Dilma quer mudar de uma cartilha fracassada a outra diametralmente oposta, mas com alguma chance de êxito, sem dar uma palavra à sociedade sobre por que mudou de ideia

A nova equipe econômica está prontinha para tomar posse amanhã. Joaquim Levy e Nelson Barbosa não têm nenhuma vocação para Papai Noel, mas vão chegar a seus respectivos cargos carregando um saco nas costas. Recheado de maldades.

Tem de tudo um pouco no pacotão do novo time da economia: aumento de tributos, redução drástica de benefícios trabalhistas - como seguro-desemprego e abono salarial - e previdenciários, como pensões por morte. Até a famigerada redução de salários está no rol de medidas que o governo do PT pretende adotar, e com as bênçãos da CUT...

Mas não era isso que Dilma Rousseff, como boneco de ventríloquo, vivia repetindo durante a campanha eleitoral que eram "medidas impopulares" atribuíveis a seu adversário? Seu governo envereda agora por um arrocho que só tem precedentes no que Lula, seu tutor, fez quando assumiu o país, em 2003. Afinal, quem são os "mãos de tesoura"?

O fato incontestável é que a petista produziu um estado de coisas tão catastrófico que iniciativas austeras tornaram-se imperativas. Para o bem do país, Dilma 2 tem que ser tudo o que Dilma 1 não é. Do contrário, do buraco não sairemos.

Só o rombo fiscal é estimado em R$ 100 bilhões. A inflação mantém-se alta, apesar de uma enxurrada de preços represados, e que logo serão reajustados, como energia e transportes públicos. O PIB continua pibinho, como deve confirmar o IBGE depois de amanhã. E o desequilíbrio externo está em quase 4% do PIB. Precisa dizer mais?

Diante de um quadro como este, até há racionalidade econômica em muitas das iniciativas pré-anunciadas pela nova equipe - em especial, a imposição de algum limite para o crescimento dos gastos correntes.

O diabo é que elas sempre foram tratadas pela presidente, enquanto no figurino de candidata, como o crucifixo do qual deveria guardar distância. Agora se tornaram a salvação da lavoura.

Dilma quer passar de uma condição a outra sem qualquer ato de contrição. Quer mudar de uma cartilha fracassada a outra diametralmente oposta, mas com alguma chance de êxito, sem dar uma palavra à sociedade sobre por que mudou de receituário como quem troca de roupa.

"Governo novo, ideias novas" foi o máximo que a candidata à reeleição se dispôs a prenunciar durante a campanha. Levou a disputa dizendo que seus quatro anos de gestão exprimiam o que deveria ser seu programa de governo para os próximos quatro anos. Agora, trilha direção oposta, rasga o que disse.

Na campanha eleitoral, banqueiros como Joaquim Levy foram retratados como demônios. Agora se tornaram a tábua de salvação de uma gestão em naufrágio. Não é porque o barco está afundando que merecerão apoio irrestrito. Quem pariu a tragédia que a embale.

Cristian Klein - Gambiarras reais e bolivarianismo fantasioso

• Levy desqualifica o novo mantra retórico da oposição

- Valor Econômico

Num anticlímax para a esquerda do PT, o primeiro capítulo da reforma ministerial tem um desfecho marcado para hoje, com o anúncio da nova equipe econômica que inaugura, antes da hora, o segundo mandato de Dilma Rousseff. As marcas de uma eleição que não foi perdida por um triz estão na escolha pelo conservadorismo de Joaquim Levy. O governo Dilma terminará como começou o do ex-presidente Lula. Sem hegemonia nas urnas, rachadas ao meio, Dilma anda no fio da navalha. O mercado e a outra metade do eleitorado precisam ser contemplados.

Sobre Lula 1 e Dilma 2 pairavam e pairam a desconfiança. Para aplacá-la, o antecessor/criador estreou seu governo com um ministério de estrelas, encimado pela austeridade da política econômica, com Antonio Palocci, na Fazenda, e Henrique Meirelles, no Banco Central. A sucessora/criatura tenta reinstalar o sistema operacional, ao escalar Levy, conhecido pelo perfil fiscalista. Vem para pôr ordem na casa. A administração Dilma é regida pelas pressões das contas públicas, dos déficits, do baixo crescimento, da incômoda inflação - apesar da situação de quase pleno emprego e do aumento da renda média.

Com a economia manca, a Operação Lava-Jato no encalço e a correlação de força política desfavorável - o que inclui a possibilidade de ver, em fevereiro, a presidência da Câmara parar nas mãos do desafeto Eduardo Cunha (PMDB-RJ) - Dilma joga ainda mais na defesa.

A mudança de estratégia já estava nos planos pré-eleitorais. A extensão é que parece ter sido calibrada pelos resultados de outubro. A ponto de o sonho de consumo do governo para a Fazenda ter sido o presidente do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco, que declinou do convite.

A nomeação de Trabuco dificilmente deixaria de se encaixar na categoria de estelionato eleitoral, depois de uma campanha em que a propaganda de Dilma desconstruiu a adversária Marina Silva (PSB), a começar por sua ligação com Neca Setubal, herdeira do Banco Itaú.

A escolha por Levy - também recrutado das fileiras no Bradesco - apenas escancara menos o que era um esforço de carregar nas tintas para pintar o inimigo de vermelho. Afinal, como já disse Dilma, "podemos fazer o diabo quando é hora de eleição". Passada a disputa, o governo pinçou para o principal posto da economia um dedicado colaborador tucano, como sugeriu o candidato derrotado do PSDB, creditando a piada ao ex-presidente do BC, Arminio Fraga. A nomeação de Levy seria equivalente à ida de um grande quadro da CIA americana para a KGB soviética, ironizou Aécio Neves.

Nessa linha, a discussão entra em outra voltagem, menos beligerante, mais espirituosa, do que foi a tensa campanha. O mundo bipolar da política nacional está agora mais para Guerra Fria do que cabeças quentes e irracionais a pedir nas ruas a volta dos militares ou o impeachment como revanche.

Com a oposição revigorada, Dilma demonstra mais cautela. O diálogo proposto nos primeiros momentos após a reeleição encontra na figura do novo ministro da Fazenda um exemplo concreto, bem como a indicação da senadora ruralista Kátia Abreu para a Agricultura. A esquerda do PT estrila, intelectuais fazem manifesto, mas, no cálculo do núcleo duro do PT - Dilma, Lula, Aloizio Mercadante, Rui Falcão e Jaques Wagner - é preciso dar um passo atrás antes de dois à frente.

O antipetismo que aflorou durante o processo eleitoral foi suficientemente ferrenho para incentivar um andor sendo carregado rápido demais. O presidencialismo é de coalizão e estimula governos que busquem mais o consenso do que o confronto.

As bases políticas, econômicas e sociais dificultam qualquer movimento brusco. Uma complexa rede de grupos de interesses - mercado, movimentos sociais, empresários, sindicatos - disputam palmo a palmo sua influência sobre as instituições. Não à toa, Dilma parece retornar à fórmula-Lula de conciliação ou de contraposição de preferências. Para um Levy fiscalista, há um Nelson Barbosa desenvolvimentista, no Planejamento; para uma Kátia Abreu, há uma Democracia Socialista no Desenvolvimento Agrário.

Levy e companhia têm o efeito de desqualificar o novo mantra retórico da oposição - consagrado na campanha eleitoral - pelo qual o governo do PT busca implantar um regime bolivarianista ou a venezuelização do país.

Com a configuração da sociedade brasileira - refletida no aumento do conservadorismo do Congresso recém-eleito - nem mesmo um bolivarianismo de butique teria condições de florescer.

O novo ministério Dilma é fruto desse sistema de concessões e trocas intensas. Para cada José Eduardo Cardozo que seja indicado ao Supremo Tribunal Federal, há um Vital do Rêgo, do PMDB, a concorrer para vaga no Tribunal de Contas da União. No governo Lula, José Jorge, ex-DEM, ganhou indicação ao TCU pelo Senado.

A proposta, por exemplo, de aumentar a idade de aposentadoria dos ministros do STF - quando especialistas recomendam o inverso - soa como gambiarra institucional, defendida pela oposição. Se o objetivo é reduzir a influência do Executivo sobre o Judiciário, não custa lembrar que a Justiça terá sempre um componente político, seja de que governo de plantão for. Todo o esforço para uma maior separação entre os Poderes, porém, será sempre necessário. O sistema de contrapesos não é má arquitetura - no arranjo de instituições ou no governo.

Menos do que um bolivarianismo fantasioso, preocupam as outras gambiarras - administrativas, de contabilidades criativas à la Argentina - defendidas com veemência no núcleo estendido do governo. No momento em que um influente petista se mostra simpatizante das mais variadas mudanças de cálculo do superávit primário, da inflação, do PIB e de praticamente qualquer indicador que seja desfavorável à administração Dilma, é preciso soar o alarme. É hora de o PT recorrer um pouco menos a Maquiavel e mais a Montesquieu.

Míriam Leitão - Tempos misturados

- O Globo

O manifesto dos intelectuais simpatizantes do PT, e contrários a Joaquim Levy e Kátia Abreu, tem um erro básico: mistura passado e presente. Inflação baixa e gastos controlados pertencem ao Brasil moderno. Aprendemos que não existe progresso com descontrole fiscal. Defesa de anistia a desmatadores ou combate à divulgação da lista de quem foi flagrado com trabalho escravo pertencem ao atraso.

O governo Dilma está numa enrascada fiscal, que aumenta o risco da economia. Pode-se não gostar do economista Joaquim Levy, mas enfrentar esta crise não é opção ideológica. Basta olhar a cena brasileira: o superávit primário desapareceu, a dívida bruta cresceu, os gastos têm subido mais que a arrecadação. Não houve o crescimento que se esperava, e a inflação subiu. Um cenário assim é progressista?

A dívida pública é carregada pelos brasileiros com suas aplicações em títulos do Tesouro e é do interesse geral dos credores - ou seja, todos nós - que as contas estejam equilibradas. Se o governo precisar de mais dinheiro, terá que aumentar os impostos. Os gastos não são necessariamente bons, indutores do crescimento ou da justiça social. Tudo depende de que escolha se faz com o dinheiro público.

Durante a campanha, a presidente Dilma simplificou o debate, transformando os defensores de contenção nos gastos em inimigos do povo e das conquistas sociais. Acreditou quem quis. Agora, com as urnas fechadas, Dilma sabe que há despesas subindo de forma insustentável, como empréstimos aos empresários com dinheiro subsidiado do BNDES ou o incentivo ao consumo da gasolina importada. Por isso, o governo começa a preparar o ajuste. Quem não entendeu até hoje que inflação alta corrói primeiro o dinheiro dos mais pobres pode ir cuidar da vida que não vai aprender mais.

Da mesma forma, é cristalino que proteger o meio ambiente e garantir o respeito aos direitos dos trabalhadores pertencem ao avanço. Por isso, os intelectuais do PT que se insurgem contra a indicação da senadora Katia Abreu para o Ministério da Agricultura têm razão.

Hoje, há uma grande parte do agronegócio que já se distanciou das teses mais retrógradas sobre a melhor forma de conduzir a produção agropecuária. São muitos os empresários que entenderam que o equilíbrio do clima é parte indissociável do futuro do setor, e não uma imposição de ambientalistas. O mesmo avanço aconteceu na questão trabalhista.

A Confederação Nacional da Agricultura (CNA), presidida pela senadora, entrou na Justiça, anos atrás, contra a divulgação da lista suja do trabalho escravo. Essa lista, preparada pelo Ministério do Trabalho, incluía empresas apanhadas em flagrante de trabalho degradante e serve como informação à cadeia produtiva.

O empreendimento que usava o nome de "gameleira", e cujo dono era o irmão do senador Armando Monteiro, também indicado para o Ministério, conseguiu ser flagrado quatro vezes com trabalhadores em situação degradante.

A candidata a ministra da Agricultura do governo do Partido dos Trabalhadores, em entrevista à "Veja", em 2010, insurgiu-se contra uma instrução (NR-51) do Ministério do Trabalho, afirmando que era fruto do "preconceito contra a propriedade privada". A instrução tinha 252 normas. Parece excessiva, mas as exigências eram simples: servir água potável aos trabalhadores, não cobrar por equipamentos, permitir que trabalhadores lavem o agrotóxico das mãos antes de se alimentar, alojamentos de famílias não devem ser coletivos.

Achar impossível cumprir estas e outras regras básicas da civilização representa sim uma "regressão" ao mais velho defeito do Brasil. Mas não o combate à inflação e o controle dos gastos públicos, que iniciaram a agenda moderna do Brasil.