sábado, 15 de novembro de 2014

Opinião do dia – Fernando Henrique Cardoso

"Tenho vergonha como brasileiro de dizer o que está acontecendo na Petrobrás. E olhem, eu fui dos defensores da criação da Petrobrás. Meu pai era general do Petróleo. Eu fui tesoureiro da Associação pró-Petrobrás. Não me venham dizer que a quebra do monopólio era para privatizar a Petrobrás. Não. Era para evitar que a Petrobrás caísse como caiu nas garras dos partidos desonestos e se transformasse no uso do dinheiro do povo para fins político-partidários, Temos de resgatar nossa posição patriótica, nacionalista, mas não de cegos."

Fernando Henrique Cardoso, sociólogo e ex-presidente da República, de discurso em S. Paulo. O Globo, 15 de novembro de 2914.

Planalto avalia como preservar Dilma

• Governo deve reforçar discurso de que foi a presidente quem demitiu corruptos da Petrobrás e defende investigações ‘doa a quem doer’

Vera Rosa - O Estado de S. Paulo

O governo está atônito com a velocidade da Operação Lava Jato, que levou à prisão presidentes de grandes empreiteiras e o ex-diretor de Serviços da Petrobrás Renato Duque, indicado para o cargo pelo ex-chefe da Casa Civil José Dirceu, condenado no processo do mensalão. A maior preocupação, agora, é com a blindagem da presidente Dilma Rousseff e com a extensão do escândalo, já considerado no Palácio do Planalto como a pior crise política do governo petista desde a administração de Luiz Inácio Lula da Silva.

Dilma está em Brisbane, na Austrália, para participar neste fim de semana da Cúpula do G-20, o grupo que reúne as 20 maiores economias do mundo. Ela se encontrava com integrantes da equipe econômica para acertar detalhes que serão apresentados durante o encontro quando soube da nova fase da Lava Jato e da prisão de Duque. As informações sobre a ação da Polícia Federal e as prisões chegaram às mãos de Dilma antes das 21h desta sexta no horário de Brisbane (perto de 9h em Brasília).

Na capital federal, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, foi avisado da megaoperação pelo diretor-geral da PF, Leandro Daiello, às 6h30 desta sexta. Daiello acordou Cardozo. O chefe da PF disse ao ministro que a sétima fase da Lava Jato seria avassaladora, atingindo doadores de campanha eleitoral e escancarando o esquema de corrupção que assolou a Petrobrás.

O escândalo tem potencial explosivo porque ainda faltam aparecer os nomes dos políticos envolvidos, justamente no momento em que Dilma prepara a montagem do Ministério do segundo mandato. Até agora, porém, sabe-se que o esquema de desvio de dinheiro na Petrobrás atinge expoentes dos principais partidos da base de sustentação do governo no Congresso, alvejando o PT, o PMDB e o PP, partidos já citados nas delações premiadas do ex-diretor de Abastecimento da estatal Paulo Roberto Costa e do doleiro Alberto Youssef.

Auxiliares de Dilma tentavam construir o discurso da blindagem e da contenção de danos, segundo o qual foi a presidente quem iniciou as mudanças na Petrobrás, mandando demitir diretores corruptos. Na campanha e logo após ser reeleita, Dilma afirmou que nunca engavetou investigações, que não compactua com a corrupção e que apurações desse porte são fundamentais para o País acabar com a impunidade, "doa a quem doer".

Na prática, porém, um clima de perplexidade tomou conta do Planalto e do Congresso. O cuidado no governo é para que a blindagem de Dilma não acabe jogando luzes sobre a gestão de Lula, uma vez que tanto Duque como Costa foram nomeados na época em que ele era presidente.

A menção na Lava Jato a Marice Corrêa Lima, cunhada de João Vaccari Neto, desgasta ainda mais o tesoureiro do PT, já citado na investigação como intermediador dos recursos desviados da estatal para o partido. Marice teve mensagem eletrônica interceptada indicando, segundo o Ministério Público Federal, que um representante da OAS mandou entregar a ela R$ 110 mil. Vaccari e Marice negam as acusações. / Colaboraram Andreza Matais e Fernando Nakagawa

Ex-diretor de Serviços da Petrobras preso recebia propinas na Suíça

• Delator diz ter feito pagamento em conta de offshore de Duque

- O Globo

BRASÍLIA - Preso na sexta-feira no Rio de Janeiro, o ex-diretor de Serviços e Engenharia da Petrobras Renato de Souza Duque é acusado de receber propina por contratos celebrados na companhia e ter até contas na Suíça para guardar o dinheiro desviado. Pelas investigações, um subordinado dele, o ex-gerente Pedro Barusco,recebeu aproximadamente US$ 100 milhões (R$ 260 milhões). Barusco não foi preso porque está colaborando com a Polícia Federal e o Ministério Público Federal. O valor das contas de Duque ainda não é conhecido.

No relatório enviado pelo MPF à Justiça do Paraná, as acusações contra Duque estão balizadas em depoimentos de dois executivos da Toyo Setal que fizeram acordo de delação premiada. Julio Camargo e Augusto Ribeiro contaram como funcionava o cartel dos fornecedores da Petrobras. O relatório do MPF cita nove obras da Petrobras nas quais houve desvios de recursos. Em sete delas os delatores contaram ter pago propina a Duque e Barusco. Registram ainda que no caso de Barusco já há um bloqueio feito na Suíça de mais de US$ 20 milhões (R$ 52 milhões) por autoridades daquele país. Ribeiro contou ter negociado com o próprio Duque o pagamento de mais de R$ 50 milhões em propina.

“Que o declarante negociou o pagamento da propina diretamente com Renato Duque e acertou pagar a quantia de R$ 50 a R$ 60 milhões, o que foi feito entre 2008 a 2011”, registra trecho do depoimento anexado pelo MPF. Ribeiro disse que havia um cartel de fornecedores, chamado de “Clube”, que acertava previamente quem venceria cada licitação e as propinas a serem pagas. No caso do ex-diretor de Abastecimento Paulo Roberto Costa o padrão era 1% do contrato. Na diretoria de Duque, o valor fixado era de 2%. Ribeiro disse ter barganhado e conseguido em alguns casos pagar 0,6% a Costa e entre 1,2% e 1,3% a Duque. Citou obras da refinaria de Paulínia (SP), como uma das quais pagou propina ao ex-diretor de Serviços.

O outro delator foi ainda mais específico. Julio Camargo informou em seu depoimento uma conta na Suíça controlada por Duque. Disse ter repassado a esta conta parte de uma propina de R$ 12 milhões pela conquista de uma obra na refinaria Repar, em Araucária (PR), por um consórcio formado pela Camargo Correa e a Promon Engenharia. “Que o pagamento da propina se deu a maior parte no exterior em contas indicadas por Duque e Barusco, sendo que uma delas era em nome da Offshore Drenos, mantida no Banco Cramer, na Suíça controlada pelo próprio Renato Duque”, disse Camargo no depoimento.

Mais R$ 12 milhões foram repassados por outra obra na Repar feita por um consórcio formado por Mendes Júnior, MPE Engenharia e SOG, subsidiária da Toyo Setal. Disse ter feito pagamentos de R$ 2 milhões por um contrato do gasoduto Urucu-Manaus. Julio Camargo contou que Duque e Costa exigiram propina de R$ 6 milhões para obras da refinaria Henrique Lage em São José dos Campos (SP), a Repav, apesar de o empreendimento ser financiado pelo governo japonês. O executivo contou ter pago outros R$ 3 milhões a Duque pelo gasoduto Cabiúnas 2. O Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj) está na lista. Camargo diz que atuou em favor do consórcio TUC, formado por UTC Engenharia, Construtora Norberto Odebrecht e uma subsidiária da Toyo, a Kojima. Ele afirmou que Duque, Barusco e Costa exigiram propina pelo contrato e que teria ficado a cargo de Ricardo Pessoa, da UTC, e Márcio Farias, da Odebrecht, o pagamento. Não foi informado o valor.

A defesa de Duque afirmou que a prisão é “injustificada e desproporcional”. Ressalta não haver ação penal contra Duque nem a imputação de nenhum crime específico.

Justiça recorre a Dilma e Aécio para colocar na rua nova etapa da Lava Jato

• Despacho judicial cita que presidente reeleita e senador, em campanha, defenderam o fim da impunidade no País

Fausto Macedo e Ricardo Brandt – O Estado de S. Paulo

Ao decretar a execução da mais explosiva etapa da Operação Lava Jato, a Justiça Federal recorreu às declarações da presidente reeleita Dilma Rousseff (PT) e do senador Aécio Neves (PSDB) ainda no calor da campanha eleitoral. Apesar de adversários políticos na recente eleição presidencial, ambos, em consenso, afirmaram a necessidade do prosseguimento do processo (da Lava Jato) e a importância dele para o quadro institucional.

Para a Justiça Federal, a “Operação Lava Jato, fruto de um competente trabalho de investigação e de persecução da Polícia Federal e do Ministério Público Federal, tem recebido grande atenção da sociedade civil, inclusive com intensa exposição na mídia”.

A magnitude dos fatos tem motivado inclusive manifestações das mais altas autoridades do País a seu respeito, destaca o despacho judicial que ordenou prisões temporárias e preventivas e bloqueio de bens dos investigados, entre eles os principais executivos das maiores empreiteiras do País. 

Chamaram a atenção deste Juízo recentes declarações sobre a Lava Jato da Exma. sra Presidente da República, Dilma Rousseff, e do Exmo. Sr. Senador da República Aécio Neves. Reclamou o Exmo. Sr. Senador, em pronunciamento na Câmara Alta, pelo aprofundamento das investigações e exemplares punições àqueles que protagonizaram o maior escândalo de corrupção da história deste país. Quanto à Exma. Sra. Presidente, declarou, em entrevista a jornal, que as investigações da Operação Lava Jato criaram uma oportunidade para coibir a impunidade no país.

Evidentemente, cabe ao Judiciário aplicar as leis de forma imparcial e independentemente de apelos políticos em qualquer sentido, ressalva o despacho judicial. Entretanto, os apelos provenientes de duas das mais altas autoridades políticas do país e que se encontram em campos políticos opostos confirmam a necessidade de uma resposta institucional imediata para coibir a continuidade do ciclo delitivo descoberto pelas investigações, tornando inevitável o remédio amargo, ou seja, a prisão cautelar.

Líder do PPS diz que Lava Jato levará governo 'à ruína'

• Para o deputado Rubens Bueno (PR), integrante da CPI mista da Petrobrás, operação da PF atinge o Planalto e 'desmoraliza' o comando da comissão que investiga a estatal

Ricardo Brito – O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O líder do PPS na Câmara, Rubens Bueno (PR), afirmou nesta sexta-feira, 14, que os desdobramentos da Operação Lava Jato vão levar o "governo Dilma Rousseff à ruína". "Confirma-se uma previsão que ela não queria ver realizada: não vai sobrar pedra sobre pedra. Desta vez, ao contrário do que fizeram após o mensalão, será impossível reconstruir o castelo da corrupção", afirmou Bueno, em nota.

A sétima fase da operação, deflagrada nesta sexta-feira, 14, pela Polícia Federal, prendeu o ex-diretor de Serviços da Petrobrás Renato Duque e outras 17 pessoas suspeitas de envolvimento em um esquema de corrupção e lavagem de dinheiro que teria movimentado R$ 10 bilhões. A ação atingiu grandes empreiteiras do País, como a Mendes Junior, Camargo Corrêa, Odebrecht, OAS, Queiroz Galvão e UTC Constran.

Para Bueno, integrante da CPI mista da Petrobrás, a ação também desmantela a manobra do Palácio do Planalto para impedir o avanço dos trabalhos da comissão parlamentar. "Operação desmoraliza a comando da CPMI da Petrobrás, que se negou a votar convocação de ex-diretor preso nesta sexta-feira pela Polícia Federal. Quero ver o que o presidente e o relator vão falar na próxima semana", cobrou o líder do PPS, que é autor de requerimentos de convocação e quebra de sigilos de Duque e das empreiteiras investigadas no escândalo.

Na terça-feira, a CPI mista da Petrobrás não apreciou os requerimentos contra Duque. Para o líder do PPS, a instalação de uma nova comissão parlamentar será "fundamental" para punir os políticos envolvidos no esquema. "A parte criminal está sendo realizada com eficiência pelo comando da operação Lava Jato. Cabe a nós, no Congresso, investigar em uma CPI os políticos e, após a conclusão das investigações, encaminhar os devidos pedidos de cassação de mandato para o Conselho de Ética", defendeu o deputado.

Governo Dilma enfrenta pior crise

Igor Gielow – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Com a nova fase da Operação Lava Jato e a implosão da maior empresa brasileira, o governo Dilma Rousseff enfrenta sua maior crise –e ela está apenas no começo.

O alcance das consequências deste 14 de novembro ainda será conhecido, mas o fato é que a presidente reeleita terá muita dificuldade de dissociar-se do mar de óleo viscoso da corrupção que a Polícia Federal descobriu sob os porões da Petrobras.

O que a PF fez hoje entra para a história. Pela primeira vez, há clareza de todas as pontas e intermediários de uma teia criminosa desta dimensão. Altos executivos das maiores financiadoras de campanha do país foram presos. Foram pegos corruptos, corruptores e os agentes que operavam para eles.

Claro que ainda falta a cereja do bolo: os políticos que se beneficiaram do esquema. Até aqui, os nomes que circulam por Brasília e o tamanho de seu envolvimento ensejam a construção de uma ala nova na Papuda.

Claro que há gradações distintas entre citações, acusações e a prova real, mas o clima é de pânico.

A famosa lista com dezenas de parlamentares e membros do Executivo que pende como uma espada de Dâmocles sobre o Congresso e o governo. O momento de sua revelação está próximo.

Sétima fase da Operação Lava Jato
Aqui se coloca um desafio para o governo: provar que de fato não irá atrapalhar as investigações, como Dilma repete a todo momento. A intimidação promovida pelo ministro da Justiça contra delegados que expressaram opiniões políticas em redes sociais fechadas não pareceu um começo promissor.

Além disso, o Planalto parece perdido com o escopo da desintegração da credibilidade da Petrobras no mercado. A trapalhada sobre o adiamento de seu balanço, que simplesmente não passou pelo crivo das auditorias, fez as ações da empresa derreterem.

Sob investigação em um ambiente ainda mais rígido, o mercado norte-americano, há um risco de dano permanente à petroleira.

Para completar o quadro, Dilma não teve um dia de paz desde que foi reeleita em 26 de outubro. Enfrenta uma rebelião de sua base no Congresso liderada pelo PMDB. Escancarou o que ela nega ser estelionato eleitoral: a adoção de uma agenda econômica não muito diferente daquela que Aécio Neves (PSDB) aplicaria caso tivesse a derrotado nas urnas.

Muito mais grave, o governo assumiu que estava a maquiar o buraco nas contas públicas e propôs ao Congresso uma gambiarra na Lei de Diretrizes Orçamentárias que lembra o proverbial "devo, não nego, pago quando puder".

É sob esta tormenta que a presidente terá de convencer a opinião pública de que seu governo não sabia das coisas escandalosas que ocorriam na Petrobras. Mal pode voltar à alegação de que demitiu alguns dos envolvidos, porque isso seria assumir que conhecia a roubalheira e tentou resolver as coisas discretamente, sem apuração verdadeira do Ministério Público Federal e da PF.

Antigamente, dizia-se que quando o presidente viaja, a crise viaja. Desta vez, ela explodiu em sua máxima intensidade sem a presença física da mandatária, que está na Austrália. O fuso adiantado dará algum tempo para Dilma traçar sua estratégia, mas o tempo corre contra o governo.

Petrobrás está 'maculada', afirma Aécio

• Ao comentar nova etapa da Operação Lava Jato, senador ataca gestão petista e diz que estatal é prejudicada pela 'irresponsabilidade de alguns de seus diretores'

Elizabeth Lopes – O Estado de S. Paulo

SÃO PAULO - O senador Aécio Neves (PSDB-MG) afirmou nesta sexta-feira, 14, que a Petrobrás está "maculada". Ao comentar os desdobramentos da sétima fase da Operação Lava Jato, que nesta manhã prendeu um ex-diretor da estatal e executivos de empreiteiras, o tucano disse que a prisão reforça ligação do PT nas suspeitas de corrupção envolvendo a petroleira. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso afirmou sentir "vergonha"de falar sobre as denúncias.

Em encontro realizado em São Paulo com correligionários para agradecer a votação recebida no Estado nas eleições presidenciais, Aécio usou parte do seu discurso para atacar a gestão do governo federal. Segundo ele, a estatal incorporou "a marca perversa da corrupção".

Durante a sua fala, Aécio disse ainda que enquanto o PT celebra as eleições, um "importante diretor da Petrobrás indicado pelo PT" era preso. "A Petrobrás está maculada pela irresponsabilidade de alguns de seus diretores", disse. Na sétima etapa da Lava Jato, foi preso temporariamente Renato Duque, ex-diretor de Serviços da Petrobrás, área comandada por ele entre 2003 e 2012.

Para o senador, a prisão de Duque "vai deixar muita gente sem dormir" porque, segundo ele, representa o elo mais forte com o partido.

O tucano criticou também o fato de o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, ter aberto investigação contra delegados da Polícia Federal pelo fato de eles terem manifestado nas redes sociais simpatia pela sua candidatura do neste pleito. Para Aécio, a ação é inadmissível e Cardozo deveria estar atento ao que acontece na Petrobrás. Ao falar sobre o escândalo na estatal, o senador Aloysio Nunes ironizou: "A casa caiu."

Meta fiscal. Em rápida entrevista coletiva concedida antes do evento, que reuniu no mesmo palco Aécio, o ex-presidente Fernando Henrique, o senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP) e o governador reeleito de São Paulo, Geraldo Alckmin, o senador mineiro disse que a oposição fará tudo que estiver ao seu alcance para impedir que o governo altere a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a meta fiscal. "Vamos até as últimas consequências para evitar alteração na LDO e vamos impedir qualquer manobra no Congresso. A oposição vai reagir porque o Brasil não pode virar a casa da mãe Joana, onde cada um faz o que quer", disse.

Segundo Aécio, a oposição poderá, inclusive, impetrar uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) no Supremo Tribunal Federal para impedir que o governo altere a LDO.

'Tenho vergonha do que está acontecendo na Petrobrás', diz FHC

• Ex-presidente aproveita sétima etapa da Operação Lava Jato deflagrada nesta sexta para atacar governo durante evento do PSDB

Elizabeth Lopes - O Estado de S. Paulo

SÃO PAULO - Os desdobramentos das investigações na Petrobrás foi um dos assuntos principais do encontro que reuniu nesta sexta-feira, 14, em São Paulo a cúpula do PSDB. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso foi um dos que fizeram o discurso mais contundente, dizendo que, como brasileiro, sente vergonha de dizer o que está acontecendo na estatal do petróleo.

"Tenho vergonha como brasileiro de dizer o que está acontecendo na Petrobrás. E olhem, eu fui dos defensores da criação da Petrobrás. Meu pai era general do Petróleo. Eu fui tesoureiro da Associação pró-Petrobrás. Não me venham dizer que a quebra do monopólio era para privatizar a Petrobrás. Não. Era para evitar que a Petrobrás caísse como caiu nas garras dos partidos desonestos e se transformasse no uso do dinheiro do povo para fins político-partidários", disse, emendando: "Temos de resgatar nossa posição patriótica, nacionalista, mas não de cegos."

Para FHC, o povo vai pagar o preço de todos esses rombos nos cofres públicos, porque isso vai acabar virando imposto e pressionar a inflação. "Nós (PSDB) sabemos governar, não vamos jogar contra o Brasil, mas quero ver essa gente (governar) porque até o ministro da Casa Civil (Aloizio Mercadante) diz que a situação é séria e delicada. Não vamos deixar que eles façam gol contra no Congresso. Vamos para as ruas e não vamos sair delas."

As investigações da Lava Jato e os depoimentos do ex-diretor da estatal Paulo Roberto Costa, apontam para a existência de um esquema de desvios de recursos nos contratos da estatal que teria abastecido PP, PMDB, PT e também PSDB e PSB. Nesta sexta foi deflagrada a sétima etapa da operação, com foco, sobretudo, nos executivos das grandes empreiteiras. Ao todo, foram cumpridos 6 mandados de prisão preventiva e 19 de prisão temporária. Dentre os presos está outro ex-diretor da Petrobrás, Renato Duque, suposto operador do esquema para o PT.

'Caras atormentadas'. Nas críticas ao governo da presidente reeleita Dilma Rousseff (PT), Fernando Henrique disse que basta olhar as fotografias do que são supostamente vitoriosos (deste pleito nacional) para ver "as caras atormentadas porque não sabem o que vão fazer ou como irão construir um ministério."

E continuou nos ataques: "Eles (governo Dilma) fazem truques, querem agora derrubar a LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal), derrubaram os dados sobre miséria, não sabem o que fazer, estão atônitos. E a nossa responsabilidade é combater (este governo) com firmeza, mas sempre com responsabilidade constitucional, pois somos depositários da democracia."

No discurso, o ex-presidente tucano defendeu o seu legado, destacando que foi o PSDB quem começou a resgatar a miséria dos pobres brasileiros, com o Plano Real que trouxe a estabilidade. "Fizemos mais do que fez a Dilma e vem essa gente dizer que o PSDB não olha para o povo.

Chega de mentiras." E disse que no palanque que reuniu lideranças da oposição nesta sexta na Capital, o futuro do Brasil já está sendo construído. "Não somos contra o Brasil, mas contra os desmandos dos que estão governando o País."

O mote do encontro foi o agradecimento do senador mineiro Aécio Neves, candidato derrotado neste pleito presidencial, à população de São Paulo, pela votação histórica que teve nas urnas no Estado. Além de Aécio e FHC, estavam no evento o governador reeleito de São Paulo, Geraldo Alckmin, o senador Aloysio Nunes Ferreira, que foi vice na chapa de Aécio, o ex-governador Alberto Goldman, o presidente do Solidariedade, Paulo Pereira da Silva, o Paulinho, além de parlamentares eleitos neste pleito.

O senador eleito por São Paulo, José Serra, não compareceu porque está em viagem ao exterior, mas enviou uma carta, que foi lida antes do início dos discursos, destacando que o PSDB termina 2014 ainda mais forte. "Mostramos que um novo País é possível e o resultado as eleições mostra claramente que em São Paulo o PT não tem vez."

As palavras de ordem contra o PT e contra Dilma também foram o mote do evento. Na plateia, alguns correligionários defendiam o impeachment da presidente da República, num contraponto aos dirigentes da sigla que pregavam respeito às regras democráticas. Aécio, quando indagado por uma correligionária se iria defender o impeachment de Dilma, destacou:

"Vamos às ruas, mas dentro das regras democráticas, o nosso limite é o respeito à democracia."

Aécio diz que oposição tinha razão na campanha quando alertou para casos de corrupção na Petrobras

• Tucano acusou Cardozo de 'cercear' a ação de delegados da PF e disse que governo quer fazer do país 'a casa da mãe Joana' ao tentar alterar LDO

Silvia Amorim – O Globo

SÃO PAULO – Em um ato político nesta sexta-feira em São Paulo para agradecer a votação que teve na eleição presidencial, o senador Aécio Neves (PSDB) usou os novos fatos envolvendo a Petrobras – a prisão de mais um dirigente da empresa e o adiamento da divulgação do balancete financeiro - para dizer que a oposição tinha a razão na campanha eleitoral quando alertou para os casos de corrupção na estatal. Aécio acusou o ministro da Justiça, José Eduardo Martins Cardoso, de "cercear" a ação de delegados da Polícia Federal e disse que o governo quer fazer do país “a casa da mãe Joana” ao tentar alterar a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para fechar as contas de 2014.

- Hoje, enquanto estamos aqui celebrando uma caminhada honrada, está sendo preso o maior diretor da Petrobras indicado pelo PT. E eles diziam que as acusações que fazíamos ou pedido de investigações que buscávamos era peça eleitoreira – disse o tucano em discurso para lideranças do PSDB paulista num teatro na região central.

Antes do pronunciamento, Aécio concedeu uma entrevista e começou as críticas pela medida do ministro da Justiça de investigar delegados da PF por manifestações durante a campanha.

- Quero manifestar minha incompreensão em razão da atitude tomada pelo ministro da Justiça que abre inquérito para investigar a posição individual e política de delegados. É inaceitável. Ele quer retirar de uma categoria o direito constitucional da livre manifestação. Eles só podem se manifestar se for a favor do governo. Ele deveria estar atento ao que fizeram os dirigentes dos Correios e aos que cometeram crime na Petrobras. Fica a impressão de uma tentativa de cercear a ação de delegados na operação (Lava-Jato).

Sobre a decisão da estatal de adiar a divulgação do balanço financeiro, conforme noticiado pelo jornal O Estado de S.Paulo, Aécio disse que essa é mais uma “marca perversa” na história da empresa.

- Infelizmente, o que estamos assistindo hoje é aquilo que nós denunciamos na campanha se transformando numa realidade cada vez mais palpável. A nossa maior empresa pública , que adia a publicação de seu balancete em razão das denúncias de corrupção, vai trazendo para si uma marca perversa.

O tucano voltou a criticar a ação do governo para alterar a LDO e, assim, fechar as contas de 2014.

- O Brasil não pode virar a casa da mãe Joana onde o governo acha que com sua maioria (no Congresso) faz o que bem quer. Eu quero apelar aqui à responsabilidade da base governista. Se houver essa violência, vamos entrar com uma Adin (ação direta de inconstitucionalidade).

O ato político, convocado para Aécio agradecer militantes e eleitores paulistas, transformou-se em palanque da oposição para reforçar a mobilização contra o governo nos próximos anos. Da plateia, os discursos eram acompanhados por gritos de “Fora PT” e “impeachment”.

Aécio foi recebido pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o governador Geraldo Alckmin e o senador Aloysio Nunes. O senador eleito José Serra não esteve presente e mandou uma mensagem, lida no ato, explicando que está em viagem ao exterior.

O presidenciável derrotado começará, a partir de São Paulo, uma série de viagens por estados para agradecer os votos, mas também dar visibilidade à sua imagem como líder da oposição de olho nas eleições de 2018.

Para FH, vitoriosos na eleição estão com ‘caras atormentadas’
FH fez um dos discursos mais duros. Ele disse que os vitoriosos na eleição estão com “caras atormentadas” nas fotos dos últimos dias em razão das dificuldades do governo.

- Veja as fotos dos vitoriosos. Eles estão com caras atormentadas. Eles não sabem o que fazer. Eu tenho vergonha como brasileiro de dizer o que está acontecendo com a Petrobras. A empresa caiu nas garras de partidos desonestos.

FH ironizou a declaração do ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, de que a situação fiscal é difícil do país.

- Quero ver essa gente agora. A situação é bastante séria. Até o ministro da Casa Civil disse que é difícil.

O ex-presidente orientou o discurso da oposição ao falar sobre a postura a ser adotada a partir de agora.

- Não vamos jogar contra o Brasil. Mas não vamos permitir que façam gol contra.

FH também sinalizou um apoio a Aécio para a disputa de 2018, ao dizer que espera ter saúde para ambos estarem juntos nas ruas em 2018.

PT minimiza prisão de ex-diretor da Petrobras e se cala sobre efeitos da operação

• Planalto tenta se manter à margem dos estragos; ministros não comentam

Fernanda Krakovics – O Globo

BRASÍLIA - Apesar da preocupação reinante com os desdobramentos da operação Lava-Jato, da Polícia Federal, e do desgaste da imagem do partido, dirigentes do PT tentaram passar ontem um clima de normalidade, mesmo diante da prisão do ex-diretor de Serviços da Petrobras, Renato Duque, e do pedido de prisão de Marice Corrêa de Lima, cunhada do tesoureiro da legenda, João Vaccari Neto. O silêncio sobre o assunto imperou ontem no PT.

O governo também se manteve à margem da nova etapa da explosiva Operação Lava-Jato. Os ministros Aloizio Mercadante, da Casa Civil; e Ricardo Berzoini, de Relações Institucionais, que se movimentaram bastante no Congresso e no Planalto, nos últimos dias, não apareceram para comentar o assunto.

Diante do estrago, integrantes do partido afirmavam ontem que, pelo menos a prisão de Duque, indicado para a diretoria da empresa pelo PT, ocorreu após as eleições, o que já foi considerado um alívio. Os petistas estão agora em compasso de espera, na expectativa do que vem pela frente.

O discurso no partido é que não há motivo para o afastamento de Vaccari, apontado como sendo operador do PT no esquema de desvio de dinheiro de obras da Petrobras. Ele seria o responsável por recolher para o partido a propina paga à diretoria de Serviços, de 3% do valor dos negócios. Ele e o partido negam.

O deputado Paulo Teixeira (PT-SP) disse que é preciso ter “cautela” neste momento. O petista ressaltou que as prisões são temporárias, para a fase de instrução, e que, por isso, é preciso aguardar as investigações e se elas confirmarão ou não as suspeitas iniciais:

— Esse momento requer muita cautela para que não haja prejulgamento. Claro que quem tiver real e efetivo envolvimento terá que pagar por isso. Mas não podemos nos precipitar.

O líder do PT na Câmara, deputado Vicentinho (SP), afirmou que o partido não vai “acobertar” nenhum investigado na Operação Lava Jato. Segundo o petista, a prisão de Renato Duque e de funcionários de grandes empreiteiras mostra que a PF tem “independência”:

— Mesmo que ele tenha sido indicado pelo PT para a diretoria, ele não foi indicado para cometer crime. Nós não vamos acobertar erros de ninguém.

Integrantes do PT afirmam ainda que Marice, cunhada de Vaccari, não trabalha mais para o partido. Durante o escândalo do mensalão, ela era coordenadora administrativa do PT, e foi citada pelo então tesoureiro do partido Delúbio Soares, em depoimento à Polícia Federal, como portadora de R$ 1 milhão, proveniente de caixa dois, a ser pago à Coteminas para quitar parte da dívida por camisetas feitas para a campanha de 2004.

Mesmo integrantes da Mensagem, segunda maior corrente interna do PT, que chegou a pregar a “refundação” do partido durante o mensalão, tentaram minimizar ontem a prisão de Renato Duque e o suposto envolvimento da cunhada de Vaccari.

Os petistas se preocupam com a imagem de corrupção que assola o partido, apontada por integrantes da legenda como um dos fatores que prejudicaram o desempenho eleitoral deste ano.

A presidente Dilma cobra provas das acusações feitas pelo ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa e pelo doleiro Alberto Yousseff, e afirmado que, se houver comprovação, haverá punição para todos.

Vaccari Neto, nomeado há dez anos para o Conselho de Administração de Itaipu Binacional, somente há duas semanas pediu o afastamento do cargo.

Já a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) pediu, na quinta-feira, ao ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal, acesso ao teor das delações premiadas de Costa e Youssef. O doleiro teria afirmado que destinou R$ 1 milhão à campanha dela ao Senado em 2010.

O movediço apoio a Dilma - O Estado de S. Paulo / Editorial

Desta vez o PT não pode acusar a mídia de distorcer os fatos para deixá-lo mal. Ninguém menos do que um de seus vice-presidentes, o deputado cearense José Guimarães, acaba de reconhecer indiretamente um dos deploráveis resultados do modelo petista de fazer política - no caso, os efeitos disfuncionais da forma pela qual, desde os anos Lula, a legenda tenta manter no Congresso o que deveria ser um confiável esquema de sustentação do governo. "O PT não pode ficar nesse mata-mata aqui", desabafou, em declarações ao Estado, dias atrás. Ele aludia ao espetáculo proporcionado pelas siglas que, tendo feito parte das coligações eleitorais petistas ou tendo aderido ao bloco afinal vitorioso, se entregam à rotina de se engalfinhar entre si ou, de preferência, com o partido do Planalto - do qual exigem invariavelmente mais do que sabem que receberão. O nome do jogo é chantagem.

A imprensa afirma serem 365 deputados (em 513) os membros da base, observa Guimarães, para contestar, desacorçoado: "Você chacoalha o saco, não ficam 200". A rigor, ficam ou saem conforme as circunstâncias. Estas são ditadas pelo interesse do Executivo em ver aprovados os seus projetos, o que não raro envolve negociações de tirar as crianças da sala. Pior ainda, talvez, quando se trata de propostas de parlamentares que o Planalto refuga, pela gastança que acarretariam. Deixá-las à margem da pauta de votações não sai de graça. Para manter o preço nas alturas e o governo na defensiva, formam-se "blocões" de bancadas presumivelmente insatisfeitas, como o que gravita em torno do deputado Eduardo Cunha, do PMDB do Rio de Janeiro, candidato ao comando da Casa. Perguntada sobre o personagem, em recente entrevista, a presidente Dilma Rousseff foi sumária: "Estamos convivendo há muito tempo com ele".

Guimarães diz preferir "uma base menor, mais consistente, capaz de estabelecer os termos da governabilidade e da relação com o governo". Esse aglomerado disforme de interesses de toda ordem que está aí nem merece o nome que se lhe dá, porque a palavra base remete a uma estrutura cuja firmeza permite que sobre ela se ergam edificações feitas para durar - e, nesse caso, compromissos e programas que assegurem a governabilidade. Mas a marca da assim chamada aliança governista - a fluidez - torna imponderável o que dela o Executivo possa obter.

Se há lógica nesse desarranjo, escapa até a políticos experientes como o dirigente petista.
Só que as coisas não são o que são por geração espontânea ou por uma fatalidade do presidencialismo de coalizão, como é classificado o regime brasileiro. O movediço apoio parlamentar de hoje em dia ao Executivo tem história e autoria. Recai sobre a presidente Dilma Rousseff, com a sua contribuição, a consequência perversa de uma concepção hegemônica de relacionamento com o Congresso que o PT começou a pôr em prática quando chegou ao poder com Lula.

De início funcionou a meio mastro, com o presidente tendo de recorrer às suas reservas de carisma, liderança e interlocução fácil para os políticos se sentirem tratados como gostam e receberem o que julgam que lhes é devido no butim do bem público. Quando isso não bastou, supriram-se as necessidades com o vil metal do mensalão. Só no segundo mandato, Lula fez o que lhe aconselhara desde a primeira hora o à época ministro da Casa Civil José Dirceu - e trouxe o espaçoso PMDB para dentro de casa. A partir daí, o PT e os seus aliados compartilharam uma era de ouro. Eleita, Dilma herdou o arranjo, do mesmo modo que havia recebido de Lula o candidato a vice, o peemedebista Michel Temer. Mas, como diria o irmão de José Guimarães, o ex-deputado José Genoino, "uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa".

Cheia de si, inflexível e sem interesse ou vocação para o entendimento político, a sucessora e antítese do seu patrono se abandonou a queimar patrimônio. Com o desandar da carruagem - os sinais cada vez mais nítidos de fracasso do seu governo - a situação levantou na Câmara um muro de lamentações para fazer par com a muralha da presidente. O passivo do primeiro mandato e a sua reeleição a fórceps só aumentaram o "mata-mata". E autorizam a expectativa de que Dilma terá quatro anos ainda mais difíceis no trato com a tigrada.

Lava-Jato amplia escândalo na Petrobras – O Globo / Editorial

• Nunca houve um arrastão policial como este, atingindo empreiteiras. Já a prisão de outro ex-diretor da estatal aproxima ainda mais o lulopetismo do caso

Não há mais dúvida que o escândalo na Petrobras, o Petrolão, deixou para trás o mensalão como o mais grave caso de corrupção dos últimos tempos, com o envolvimento de políticos numa conspiração para desviar dinheiro público, a fim de financiar caixa dois partidário e, como nunca deixa de acontecer, patrocinar, de quebra, patrimônios particulares. Se o desfecho judicial será o mesmo, a ver. Mas os contornos do escândalo impressionam mesmo quem acompanhou de perto a saga dos mensaleiros petistas e comparsas.

Os mais de R$ 100 milhões que passaram pela lavanderia de Marcos Valério, parte drenada do Banco do Brasil, para os mensaleiros são irrisórios diante dos R$ 10 bilhões lavados pelo doleiro Alberto Youssef, parceiro do ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa. A cifra não é incabível, se considerarmos o volume dos investimentos da Petrobras usados pela quadrilha montada na estatal por lulopetistas e aliados do PMDB e PP, até onde se sabe, com a finalidade de drenar propinas de empreiteiras.

A sétima fase da Operação Lava-Jato, conduzida ontem pela Justiça Federal do Paraná, com apoio da PF, ampliou a investigação do caso de corrupção na Petrobras de forma inédita no Brasil. No processo do mensalão, a banqueira Kátia Rabello (Rural) foi condenada à prisão. Ontem, mandados de prisão preventiva, temporárias e de condução coercitiva para prestar depoimento atingiram representantes de empreiteiras envolvidas no escândalo como fonte pagadora de propinas. Muita gente do primeiro escalão das companhias.

Mendes Júnior, OAS, Queiroz Galvão, Odebrecht — escritórios da empresa foram alvo de busca e apreensão de documentos —, Camargo Correa, nomes frequentes no noticiário econômico, entraram de vez na crônica policial do caso. Nunca houve um arrastão como este junto a “colarinhos brancos”.

Outro destaque foi a prisão do segundo ex-diretor da Petrobras nesta operação, Renato Duque. O primeiro, Paulo Roberto, responsável pela área de Abastecimento, testemunhou que Duque, do setor de Serviços, era outro diretor mancomunado com o esquema.

O envolvimento deste segundo ex-diretor aproxima ainda mais o lulopetismo do escândalo, porque Duque, indicado para o cargo pelo ex-ministro e mensaleiro condenado José Dirceu, destinava parte das propinas, segundo Costa, para o PT.

Youssef, ainda preso, e Paulo Roberto Costa, em prisão domiciliar, fizeram acordo de delação premiada, para contribuir nas investigações em troca de redução de pena. Já há representantes de empreiteiros seguindo o exemplo. As prisões de ontem devem ampliar esta lista, uma garantia de que muito dessa história ainda será conhecido.

Parece que ninguém quer repetir Marcos Valério, operador do mensalão, condenado a 37 anos de prisão, enquanto os mensaleiros políticos começam a ter o regime da pena atenuado. Tanto melhor para a Justiça.

Marco Aurélio Nogueira - O marxismo de Leandro Konder (1936-2014), ode ao pensamento crítico e à democracia

- O Estado de S. Paulo

Poderia um marxista, nesses tempos de crise de seu próprio campo teórico, analisar com isenção e eficácia a relação dos intelectuais com o marxismo? Se este marxista praticar um marxismo aberto ao novo, distante de dogmas e cristalizações doutrinárias, sem dúvida que sim. Se se chamasse Leandro Konder, a certeza seria ainda maior.

Konder, que morreu quarta-feira, 12/11/2014, aos 78 anos, foi uma ave rara no panorama intelectual brasileiro. Dono de vasta bagagem cultural e de amplo conhecimento de ciência e filosofia, foi um de nossos mais refinados marxistas, um pesquisador disciplinado e meticuloso, capaz de se debruçar tanto sobre grandes processos e questões abstratas quanto sobre detalhes aparentemente menores, com os quais compôs painéis históricos e perfis biográficos repletos de graça e rigor. Generoso, cordial e afetuoso por temperamento e convicção, foi um ativo escritor de livros. Ao longo da vida, publicou mais de duas dezenas deles, além de inúmeros artigos, ensaios e traduções.

Reconhecido por sua fineza intelectual e por seu texto envolvente, Konder nunca fez concessões ao doutrinarismo e ao dogmatismo tão comuns no universo marxista e no campo comunista, no qual militou a vida inteira. Também não se dobrou ao academicismo. Como professor, não se cansou de descer do pedestal e de construir pontes entre o saber acumulado e a jovem intelectualidade, os homens de cultura, os militantes democráticos e socialistas. Não atuou como mero “divulgador: esteve sempre interessado em resgatar os ângulos decisivos do marxismo, aqueles que melhor expressam o vigor e a originalidades das ideias de Marx e que acabaram por ser marginalizados pelo reducionismo “marxista-leninista” entranhado no imaginário dos partidos comunistas e de boa parte da esquerda, no Brasil e no mundo.

Konder desejou, em suma, repor no centro do marxismo a dimensão dialética, naquilo que tem de reconhecimento da irredutibilidade do real ao saber, de questionamento permanente, de recuperação plena do conceito de práxis. Buscou resgatar tudo isso à luz dos temas de hoje, sem deixar de lado episódios menosprezados, autores “malditos” ou polêmicas correntes. Pôs-se a tarefa de convidar seus leitores e ouvintes a despir-se de dogmas e preconceitos, alçar vôo e acompanhá-lo numa viagem ao cerne de debate político-cultural da modernidade.

Leandro possuía ainda outra característica distintiva: não se levou exageradamente a sério o tempo inteiro, como gostava de dizer. Havia nele, em doses fartas, um delicioso senso de humor que suavizava a firmeza da crítica e humanizava a exposição, recheando-as de detalhes e boutades que funcionavam como travas de sustentação da narrativa e sempre revelavam algo mais do personagem ou do assunto em foco. Como se não bastasse, a verve de Konder ajudou-o também a demonstrar que um marxista não é necessariamente um chato. “Importante mesmo – reconheceu certa vez – é ser intelectual marxista e preservar o senso de humor”. Não era gratuita sua admiração pelo Barão de Itararé,o corrosivo Aparício Torelly, o primeiro dos nossos “humoristas da democracia”, ao qual dedicou um saborosíssimo livrinho em 1983.

Todos estes traços estiveram presentes – com peso diferenciado – na extensa bibliografia de Leandro Konder, na qual se integram ensaios sobre grandes pensadores (Lukács, Hegel, Marx, Benjamin), estética, problemas filosóficos e temas políticos, com seguidas incursões pela história brasileira, vista pelo ângulo da cultura, dos intelectuais marxistas e do movimento comunista.

Em 1991, no livro Intelectuais Brasileiros e Marxismo, Konder analisou o encontro de certos intelectuais com o pensamento de Marx e com a prática política nele inspirada. A hipótese era que o marxismo, no Brasil, “antes de ser trabalhado no nível dos conceitos, foi vivido e traduzido em ação por numerosos ativistas políticos, militantes, batalhadores”, regra geral associados às lutas do movimento operário e do PCB, principal difusor das idéias de Marx no Brasil. Uma história do marxismo no Brasil, ponderava Konder, precisaria ir além da apreensão de aspectos exteriores, meramente relacionais; precisaria “examinar a representação da realidade em que tais lutadores se baseavam para agir”. Descobrir-se-ia, assim, o estatuto do marxismo por eles assimilado, sua maior ou menor rigidez doutrinária, sua eventual ausência de molejo dialético e dimensão filosófica. Num certo sentido, foi essa a perspectiva buscada em A Derrota da Dialética (1987), no qual investigou a recepção das ideias de Marx no Brasil até os anos trinta.

Leandro sempre se preocupou em decifrar duas formas típicas de pensamento: a mais “espontânea” e a mais elaborada, o pensamento instrumentalizado para a prática política e o pensamento dedicado a construções teóricas mais ambiciosas, que procuram “ultrapassar os limites das intuições e percepções empíricas que, com freqüência, atendem às necessidades imediatas dos abnegados militantes”. Nunca se propôs a abordar o tema da influência do marxismo na cultura brasileira em geral, o que tornaria ampla demais a relação dos personagens a serem considerados.

Dialogou com intelectuais de distinta trajetória e formação (Astrojildo Pereira, Mario de Andrade, Carlos Drummond de Andrade, Otto Maria Carpeaux, Nelson Werneck Sodré, Antonio Candido, Sérgio Paulo Rouanet, Roberto Schwarz, José Guilherme Merquior, entre outros), que, cada um a seu modo, entraram em contato com o marxismo e com ele dialogaram. Alguns “aderiram entusiasticamente aos princípios do marxismo; outros lhe reconheceram aspectos estimulantes e trataram de assimilá-los; outros, ainda, prestaram-lhe a homenagem de discutir com ele, recusando-o de maneira global, mas freqüentando-o como interlocutor incômodo porém útil, ao qual se volta sempre para o exercício da discórdia”.

Konder nos ajudou, assim, a entender como e porque o marxismo, no Brasil, ainda que sem conseguir se completar como matriz permanente de grandes criações, funcionou como importante pólo de atração e referência da intelectualidade, a ela fornecendo estímulo para uma melhor consideração da questão social e parâmetros para a superação das tendências individualistas e corporativas quase sempre inevitáveis na vida cultural.

Leandro também foi decisivo para que muitas pessoas compreendessem que há muita coisa envelhecida e superada em Marx e o marxismo encontra-se em crise profunda, mas Marx ainda não é carta fora do baralho e em certos aspectos pulsa com vitalidade. Seu primoroso livro O futuro da filosofia da práxis. O pensamento de Marx no século XXI, publicado em 1992, é revelador de um modo de pensar. Está lá, com todas as letras, o princípio que norteou sua atuação:

“O pensamento que provém de Marx e que, mal ou bem, atravessou o século XX combatendo, não tem nenhuma chance de sobreviver refugiado em universidades ou em institutos científicos; e também não tem nenhuma possibilidade de resistir à autodissolução se renunciar ao rigor teórico, realizar um sacrificium intellectus, abandonar as exigências da reflexão e tornar-se instrumento de alguma seita.”

Marx foi “um pensador do século XIX”. Comparados com os nossos, seus horizontes eram limitados. Havia nele traços fortes de “eurocentrismo”, a questão da democracia e de seu valor universal não merecia maior atenção, estavam ausentes ou rebaixados, entre outros, os temas relativos à dignidade da pessoa humana, à autonomização dos indivíduos, ao pluripartidarismo e à participação das massas na vida pública e no controle do Estado. Além do mais, a perspectiva de Marx foi literalmente saqueada pela prática partidária comunista ao longo do século XX, ficando reduzida em sua complexidade, engessada e atrofiada em diversos pontos. Ao menos por isso, os textos de Marx não podem ser convertidos em doutrina fechada, uma espécie de cataplasma universal pronto para ser “aplicado” nas feridas abertas pelo capitalismo. Em Marx, enfatizava Konder, “não existe nenhum anabolizante para os atletas do socialismo revolucionário atravessarem em tempo recorde a tempestade da crise atual”. Há, isso sim, um convite à crítica permanente e à revisão.

Além do mais, não havia e não há porque santificar Marx e vê-lo como que pairando acima de sua própria época e de seus limites. “O fato de ter sido um desmistificador genial dos fenômenos típicos de uma esfera decisiva da atividade alienada (a esfera da produção e da apropriação) – escreveu Leandro – não assegurava a Marx uma consciência isenta de ‘alienação’ na esfera da vida familiar e da moral privada”.

Konder jamais se fechou para as diversas correntes da filosofia e do pensamento. Foi o marxista que todos deveriam tentar ser: afável, não sectário, modesto, nada professoral, sempre disposto a ouvir e a se reformular. O “seu” Marx estava aliviado das cristalizações enrijecidas pelo tempo e a manipulação intensiva; era um pensador carregado de força sugestiva, capaz de iluminar muitas das perplexidades com que nos deparamos na sociedade atual: a degradação do trabalho, o caráter dilacerado da comunidade humana, a mercantilização galopante da vida social, o esvaziamento dos valores, a perda de potência das grandes utopias e da ideia de socialismo.

Em um de seus últimos livros (Em torno de Marx, de 2010), Leandro fez questão de valorizar o Marx filósofo, cuja contribuição à construção do conhecimento na cultura do Ocidente não teria sido plenamente aproveitada. Reiterou o convite à reflexão crítica e autocrítica, como se estivesse a repisar o terreno do qual jamais se afastou:

“Os cientistas erram. Não só eles: todos nós erramos. E é errando e corrigindo o erro que se aprende. Na esperança de diminuir seus erros, os homens aprendem a pensar mais criticamente e, por extensão, mais autocriticamente. O exercício do diálogo abre espaço para conhecimentos novos e ajuda a evitar que se percam conhecimentos desmistificadores”.

A morte de Leandro Konder retirou na cultura brasileira um de seus personagens mais ativos, gentis e generosos. Um grande intelectual, um marxista que jamais se fechou em dogmatismos, um democrata. Seu trabalho ajudou a formar muitas gerações de marxistas não sectários, democráticos e pluralistas.

Fomos muito amigos. Nos últimos anos não o encontrei mais, e me lamento muito por isso. Carregarei esta culpa daqui para frente. Tentei algumas vezes, não consegui. Tudo ficou difícil.

Em 1988, Leo revisou com esmero uma tradução do Manifesto do Partido Comunista, de Marx e Engels, que eu havia preparado para a Editora Vozes, cotejando-a rigorosamente com o original alemão. Fez o trabalho como amigo, interessado exclusivamente no valor da edição. Tive de convencê-lo a compartilhar comigo a autoria da tradução. Em 2004, redigiu a quarta capa de meu livro Um Estado para a sociedade civil. Foi um acontecimento para mim.

Jamais o esquecerei, por isto, por ter sido ele quem foi, pelas coisas que fizemos juntos, por sua importância na minha formação e por sempre ter sido um exemplo a seguir.

Todas as lágrimas, lembranças e homenagens a ele serão poucas.

Marco Aurélio Nogueira, cientista político e professor de teoria política na Unesp

Raimundo Santos - Leandro Konder: um anunciador da "questão comunista"

Desde que Enrico Berlinguer a anunciou em 1973, mediante suas reflexões sobre o fim do governo Allende, a “questão comunista” passou a percorrer a Europa e outros lugares. Ela significava um conjunto de problemas de valor universal que a fórmula berlingueriana resumia na existência de uma esquerda como partido de governo nas condições do capitalismo consolidado e do Estado democrático de direito. Uma esquerda com princípios renovados, após ter incorporado plenamente os temas das liberdades, da alternância no poder, da tolerância entre maiorias e minorias no Estado e da conquista e estabilização da democracia política como condição para a melhora e o aperfeiçoamento da sociedade.

Um dos intelectuais comunistas mais expostos, Leandro Konder estará presente à hora da “saída à superfície” que o PCB iniciará ainda no tempo da ditadura. Vivíamos o fim dos duros anos da primeira metade dos 70, crispação e crise do brejnevismo soviético. No debate internacional, os primeiros tempos do eurocomunismo; aqui começava a distensão, um tempo de reanimação após a vitória emedebista de 1974. A partir da experiência de parte do seu Comitê Central que vai para o exterior após a repressão e o desaparecimento de quadros dirigentes importantes, o PCB iniciava, com uma série de resoluções aprovadas a partir de 1976, a chamada elaboração do exílio, cujo ponto alto é a Resolução Política do Comitê Central de novembro de 1978, publicada no jornal Voz Operária juntamente com o artigo “A questão democrática”, de Josimar Teixeira (bem próximo da discussão italiana), e com um outro texto sobre o patrimônio de política de frente democrática, este último assinado por Jaime dos Santos. Identificado com este patrimônio, Leandro Konder (1980b, p.123) chama esse movimento do Comitê Central de “retomada da reflexão sobre a questão democrática”.

De volta ao país, a maioria do Comitê Central que substitui Prestes no comando do PCB procurava evitar o isolamento e fazer política, como fazia sempre que a situação melhorava, tecendo “contatos” na cena pública que se estendiam até a “grande imprensa”, multiplicando as entrevistas, alguns intelectuais seus escrevendo em revistas e periódicos, editando textos de vocação publicística etc. Chama a atenção que o mesmo Leandro Konder, Ivan Ribeiro, Luiz Sérgio Henriques e outros apareçam – levados pelo primeiro – como articulistas do semanário paulista Jornal da República durante todo o ano de 1979. O evento-texto “maior”, sem dúvida, será o ensaio “A democracia como valor universal”, publicado, não por acaso ao lado do artigo de Lúcio Lombardo Radice, “Um socialismo a reinventar”, na (revivida) revista Encontros com a Civilização Brasileira (n.9, março 1979). Nele, Carlos Nelson Coutinho expunha os fundamentos da concepção de uma estratégia de “sociedade socialista fundada na democracia política” (são as últimas palavras do texto), na contracorrente da cultura política da esquerda brasileira, mas convergindo com a “questão comunista” que começava a chegar pelo discurso de alguns membros do Comitê Central do PCB que, vez por outra, a grande imprensa divulgava. Aliás, é nesse número de Encontros com a Civilização Brasileira que Ênio Silveira reage ao espantalho do “conveniente fantasma do comunismo” com o qual setores do regime procuravam retomar o “espírito de 64”.

Examinando a publicística do grupo de jovens intelectuais conhecidos como a “renovação dos anos 80”, quando, no início da década, eclode a crise de Prestes e o PCB acelera os preparativos do seu VII Congresso, é possível observar mais de perto a militância de Leandro Konder “em favor do aprofundamento com novos temas da linha política adotada no 5º e desenvolvida no 6º Congressos do PCB”, a “questão democrática” (Konder, 1980a). São vários os textos pecebistas de “1980”, desde as coletâneas de resoluções e informes congressuais (PCB: vinte anos de política. Documentos – 1958-79, 1980; O PCB em São Paulo. Documentos – 1974-81, 1980; O PCB no quadro atual da política brasileira. Entrevistas concedidas a Pedro del Picchia, 1980), passando pelas incontáveis declarações de dirigentes concedidas à grande imprensa no contexto da controvérsia em torno de Prestes, até a posta em circulação do semanário legal Voz da Unidade, cujos primeiros números traziam muita matéria sobre a história e os antecedentes da nova política, incluída a Tribuna de Debates do VII Congresso que se realizaria, afinal, na passagem do ano de 1982 para 1983.

É desse ano de 1980 os dois opúsculos mais emblemáticos da trajetória de Leandro Konder nesse período de sua vida: A democracia e os comunistas no Brasil, escrito e publicado nos primeiros meses de 1980, e o livro Lukács, publicado ainda naquele ano como volume número um da coleção “Fontes do pensamento político” da editora LP&M, de Porto Alegre. O primeiro reúne os artigos publicados no Jornal da República de 1979, inclui uma versão de um texto preparado em janeiro de 1980 para a revista paulista Temas de Ciências Humanas e traz o argumento que orientara o artigo “PCB, democracia e eurocomunismo”, este publicado na revista gaúcha Oitenta (n.2, verão de 1980). O segundo é uma (longa) reconstituição (“sóbria, eminentemente “factual”) das posições assumidas por Lukács em cada fase de sua vida, de caráter informativo (a polêmica restrita a versões sobre fatos, “renunciando deliberadamente à discussão sobre questões de interpretação”), cumprindo claro papel introdutório do pensamento lukacsiano.1

A democracia e os comunistas no Brasil constitui uma das mais claras colocações do tema da esquerda em relação às características da formação social brasileira, sob a chave das posições do PCB diante da “questão democrática”; uma dimensão, esclarece o próprio Leandro Konder, até então subestimada pela historiografia especializada, mais interessada no tema da “questão nacional”. Mesmo que o autor diga na “Introdução” que o texto fora escrito para “esclarecimento pessoal”, ele revela a sua mobilização na luta pela renovação do PCB. Não por acaso, os artigos do Jornal da República expõem, primeiro, temas gramsciano-lukacsianos (“Uma sociedade civil fraca”, “Via prussiana”, “Uma ideologia dominante profundamente antidemocrática” e “Um elitismo contagioso”). A tematização brasileira da “modernização conservadora”, na chave Lenin/Lukács;2 depois, os breves textos se voltam para a história da formação do PCB (“Os anarquistas”, “Os comunistas entram em cena”, “O doutrinarismo abstrato”, “O golpismo”). Seguem-se os textos sobre o pós-1945, a época do (pequeno) partido influente e os seus tempos de sectarismo durante os anos da guerra fria. Chamam particular atenção os artigos sobre o período compreendido entre a crise do estalinismo e o pré-64 (“Desestalinização”, “O 5º Congresso do PCB”, “Prestes na vanguarda da democratização”), que Leandro Konder considera como o momento alto da formulação da “questão democrática”.3 Embora sempre com muita ambigüidade – pois continuava intermitente a conceituação de democracia como etapa –, a nova política centrada na idéia de frente única pluriclassista permanente e na valorização da democracia política, no geral, foi assumida pelo conjunto do partido, e é com ela que os comunistas brasileiros chegam até 1980 (Konder, 1980b, p.106).

Os artigos referentes ao pós-64 registram os primeiros movimentos para o aprofundamento da “questão democrática” (“O golpe de 64 e o 6º Congresso do PCB”, “O PCB e a ultra-esquerda”, especialmente “A direção do PCB no exílio”) como uma exigência “que se fazia atual” para toda a esquerda em razão da nova realidade da “modernização conservadora” da sociedade, conseqüência da reativação da “via prussiana” após o golpe de 64 (“O fortalecimento recente da sociedade civil” e “O novo proletariado”). O tema “operário” vai aparecer neste último texto registrando tanto a diversificação do “mundo do trabalho” quanto os influxos dessa diversificação na cultura política da esquerda brasileira. Citando Luiz Werneck Vianna, Leandro Konder chama a atenção para a nova “racionalidade” que o “novo proletariado”, educado que era “empiricamente, nas campanhas salariais”, conferia ao seu “ambiente sociopolítico”, mundo este assim distante do heroísmo e do golpismo que haviam marcado, não fazia uma década, boa parte da esquerda; tratava-se de um “novo proletariado” mais propenso à acumulação de forças e distante do sectarismo. Esse conceito de “novo proletariado” – ampliado pela incorporação das camadas médias, especialmente os setores produtores de bens culturais – permitia não só explicar por que ele era, então, um dos principais núcleos reativadores da sociedade civil (cujas demandas já expressavam as novas tendênciais da pluralidade do social), como também mostrar a necessidade de um discurso socialista que acolhesse tanto as questões classista-tradicionais quanto temas novos na esquerda, entre as quais, a da pluralidade dos partidos, a alternância do poder e o respeito aos direitos das minorias (Konder, 1980a, p.134). No final do seu livro (“Situação atual dos comunistas”), Leandro Konder formulava, em poucas palavras, à Engels,4 o programa político geral socialista: “A estratégia correspondente aos interesses do novo proletariado só pode ser aquela que conduza a uma inversão da ‘via prussiana’” (ibidem).

Por fim, no estudo sobre Lukács há algumas passagens descritas por Leandro Konder que não só são eloqüentes do compromissamento do PCB com o tema democrático e da sua diferenciação em relação com a ortodoxia, como também sugerem as possibilidades e os limites da tentativa de se renovar naquela época e nos termos da “questão comunista” proposta por Enrico Berlinguer. Por exemplo, aquela sobre as Teses de Blum – o informe redigido por Lukács em 1929 para o seu partido – no qual o marxista húngaro procura transformar a palavra de ordem de “ditadura democrática do proletariado e dos camponeses”, definida no 6º Congresso da IC para os países de desenvolvimento de “grau médio”, na nova categoria de “ditadura democrática”, uma fórmula, segundo ele, capaz de levar, num país como a Hungria, à “completa realização da democracia burguesa”, com muito proveito “porque a democracia burguesa é o campo de batalha mais propício ao proletariado”. Leandro Konder anota que o destino da tese “social-democrata” – assim logo foi acusada – no PC húngaro vai concluir o deslocamento de Lukács da “esquerda” para a “direita”, à hora que a IC se movia para a esquerda. As “conseqüências” das Teses de Blum: marginalização, autocrítica e exílio na URSS. A leitura dos manuscritos marxianos de 1844 em Moscou lhe confirmará algumas idéias adiantadas em História e consciência de classe; depois, virão a adoção, no 7º Congresso da IC, em 1935, da política das fronts populaires; as suas reservas ante o socialismo real onde vive (embora Lukács nunca tenha se “desapegado” do modelo soviético); também são dessa época a tentativa de teorizar as democracias populares como um novo caminho ao socialismo.

Depois, o início dos anos 50. Esse é o tempo de A destruição da razão – um livro bastante marcado pela guerra fria, diz Leandro Konder –, no qual Lukács combate os grandes pensadores contemporâneos (Schopenhauer, Kierkegaard, Nietzsche, Heidegger, Weber, Simmel, Jaspers e outros). Leandro Konder observa que a virulência da obra iria provocar uma reação que, por sua vez, poria em segundo plano os seus aspectos mais positivos, notadamente a recuperação que nela Lukács faz do conceito leniniano de “via prussiana”, realçando as dimensões superestruturais dos processos de modernização “pelo alto” (Konder, 1980c, p.90).5 Leandro Konder retém esse ponto para mostrar as possibilidades analíticas que a noção de “via prussiana” trazia consigo, principalmente para ajudar “a combater, entre os marxistas, as ilusões otimistas de tipo ‘desenvolvimentista’ (que superestimam os efeitos automáticos do desenvolvimento das forças produtivas) e chama a nossa atenção para a autonomia (relativa, é claro, mas concreta) da esfera da atividade política, enfatizando a importância de uma abordagem adequada, criativa, não ‘reducionista’, dos problemas específicos da política” (ibidem).

A esse período da vida política de Lukács segue-se o XX Congresso do PCUS de 1956, a tentativa de renovação do socialismo húngaro (Lukács participa inclusive do governo Nagy); a invasão da Hungria pelos soviéticos, a prisão e o desterro, a volta ao país “normalizado”, a marginalização política. Espelham essa época a breve reflexão sobre a retomada do tema das democracias populares como uma procura de “um modo novo, gradual, de passagem ao socalismo à base da convicção” (ibidem, p.94) e a sua carta sobre o estalinismno (1962). É uma fase da vida de Lukács na qual, digamos assim, torna-se nítida a própria trajetória do comunismo que ele, em seu elemento, bem representava: um desenvolvimento não-linear do marxismo que avançava, como se dizia, efetuando rupturas (Lenin rompera com Marx e a previsão do socialismo nos países mais desenvolvidos, Kruchev com a visão otimista de Lenin sobre as guerras, e assim por diante). Além desse território, a renovação do marxismo importava diversificar o seu núcleo ontológico, ingressar no campo intelectual do pós-marxismo.

Começava a fase do “último” Lukács – o da Estética e o da Ontologia do ser social, os quais, segundo Leandro Konder, seriam as bases de um “projeto” de renascimento do marxismo e de sua atualização ao novo mundo; perspectiva, como se verá depois, inclusive agora (2002) quando a retomada desse “último” Lukács é valorizado na bibliografia exclusivamente marxista, que se converterá numa barreira ao revisionismo de abandono do marxismo. Alternativa não única e por certo à margem da outra vertente que se reivindica descendente de Gramsci e se assume desenvolvendo o espírito do aggionarmento da tradição e elaboração políticas do PCI.

Mas aí já estamos nos referindo a temas distantes daqueles dois textos de “1980” e a uma época diversa daquela em que Leandro Konder, com a retomada da reflexão democrática no PCB, anunciara o que seria a “questão comunista” no Brasil.

Notas
1 O volume número dois da coleção “Fontes do pensamento político”, publicado em 1981, chamar-se-á Gramsci, também uma coletânea de textos, organizada por Carlos Nelson Coutinho, que assina um estudo introdutório sobre o pensamento político do teórico italiano.
2 Leandro Konder assim registra os precursores do uso entre nós do conceito de “via prussiana”: Carlos Nelson Coutinho, no ensaio sobre Lima Barreto (cf. VV.AA., Realismo & anti-realismo na literatura brasileira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1974); Luiz Werneck Vianna, no livro Liberalismo e sindicato no Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976; Ivan Otero Ribeiro, no artigo “A importância da exploração familiar camponesa na A. Latina”, publicado na revista Temas de Ciências Humanas, n.4; e José Chasin, no livro O integralismo de Plínio Salgado. Forma de regressividade no capitalismo hipertardio, São Paulo: Livraria Editora Ciências Humanas, 1978.
3Sobre os efeitos benéficos dos debates provocados pelo XX Congresso do PCUS no PCB entre 1956-1957, ver Santos (1988).
4 Com essa alusão se quer registrar a possibilidade de que a semelhança da reflexão lukacsiana com a ensaística do “último” Engels sobre o tema do prussia-nismo e a estratégia democrática ao socialismo (como se sabe, expressa na fórmula da “república democrática” como forma específica da ditadura do proletariado em países como a Alemanha) tenha que ver com a valorização da democracia política como “verdadeira revolução no Brasil” que encontramos em alguns articulistas do PCB daqueles primeiros anos 80.
5 À margem, é bom lembrar que essa elaboração de "reconhecimento do terreno nacional", como diria Gramsci, pode ser vista de modo interessante no ensaio lukacsiano "Algumas características del desarrollo histórico de Alemania". In: El asalto a la razón. Barcelona: Grijalbo, 1976.

Referências bibliográficas

KONDER, L. PCB, democracia e eurocomunismo. Oitenta, n.2, verão de 1980a.
______. A democracia e os comunistas no Brasil. São Paulo: Graal, 1980b.
______. Lukács. Porto Alegre: LP&M, 1980c.
PCB. Resolução Política do Comitê Central do PCB. Voz Operária, nov. 1978.
SANTOS, Raimundo. A primeira renovação pecebista. Reflexos do XX Congresso do PCUS no PCB (1956-57). Belo Horizonte: Oficina do Livro, 1988.

Fonte: Este texto foi extraído da coletânea Leandro Konder: a revanche da dialética. (Org. Maria Orlanda Pinassi. São Paulo: Boitempo/Unesp, 2002.

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Raimundo Santos é professor UFRRJ.

Merval Pereira - Fim de linha

- O Globo

O escândalo maiúsculo da Petrobras vai bater diretamente na política, por que essas empreiteiras incriminadas e esses executivos ora presos estavam ligados umbilicalmente a políticos, e foram colocados lá cada um com seu cada qual, isto é, diretores indicados diretamente por partidos políticos como PT, PP e PMDB.

Por isso mesmo, vai mexer com a estrutura da política brasileira, é um marco que se espera final nesse processo político do jeito que está sendo tocado. Chegamos ao fim da linha, não é possível mais. Prejudica a maior estatal brasileira, prejudica o país economicamente e também na sua imagem de Nação civilizada e moderna, e prejudica a política. É inviável continuarmos nesse processo destrutivo.

O esquema é fundamentalmente de financiamento político, montado no Palácio do Planalto a exemplo do mensalão, para financiar a base congressual governista, e vai bater no ex-presidente Lula e na presidente Dilma, que domina a área de Minas e Energia desde quando era Ministra, no primeiro governo petista.

É claro que alguém coordenou esse trabalho, alguém sabia o que estava acontecendo. Muito difícil imaginar que no Palácio do Planalto ninguém soubesse. No processo do mensalão já havia uma grande desconfiança de que era impossível um esquema daquele tipo sem um alto grau de comando.

Caiu em cima do então ministro Chefe do Gabinete Civil José Dirceu como o último da linha de comando, por falta de condições políticas de chegar mais acima na escala de poder, mas desta vez é complicado dizer que Lula e Dilma nada sabiam. O doleiro Alberto Yousseff já disse em depoimento da delação premiada que os dois sabiam, e a situação está incontrolável.

Como Chefe do Gabinete Civil, Dilma presidiu o Conselho de Administração da Petrobras. Em janeiro de 2010, conforme lembrou ontem em editorial intitulado “Lula e Dilma sempre souberam” o jornal Estado de S. Paulo, Lula vetou os dispositivos da lei orçamentária aprovada pelo Congresso que bloqueavam o pagamento de despesas de contratos da Petrobrás consideradas superfaturadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU).

Aliás, desde 2008 o Fiscobras, relatório consolidado do TCU com as auditorias feitas em obras que recebem recursos federais, chamava a atenção para os desmandos na construção da refinaria Abreu e Lima em Pernambuco, um projeto em sociedade com o governo venezuelano com Chavez ainda vivo, e que acabou sendo assumido integralmente pelo governo brasileiro. O custo total orçado inicialmente em pouco mais de R$ 2 bilhões, já atingiu R$ 41 bilhões.

Mais impressionante que a abrangência do escândalo da Petrobras é que os corruptores estão sendo presos. O rombo nas contas públicas é fora do padrão, pode envolver R$ 10 bilhões, mas o que está fora dos padrões mesmo, um ponto fora da curva no bom sentido, é a prisão dos corruptores. E a situação ainda vai piorar para o governo e o esquema petista na corrupção.

Em pouco tempo, a lista de políticos envolvidos, deputados, senadores, governadores e ex-governadores estará sendo divulgada. Um dia republicano, sentenciou um promotor envolvido na operação. Os agentes da Justiça envolvidos na investigação do que está sendo conhecido como petrolão, aliás, estão sofrendo pressões de toda sorte.

Alguns delegados, por exemplo, usaram durante a campanha uma rede fechada do Facebook para externarem posições políticas pessoais de críticas ao governo e apoio ao candidato de oposição Aécio Neves, e isto está sendo tratado como prova de que as investigações têm viés político. O ministro da Justiça mandou até mesmo abrir investigação sobre o caso.

Os Procuradores do Ministério Público que atuam no caso saíram em defesa dos delegados, afirmando em nota que a expressão de pensamento pessoal em ambiente fechado é direito constitucional, e não indica que a investigação tenha sido desvirtuada. O juiz Sérgio Moro, responsável pela investigação, aproveitou o despacho em que aprovou as prisões de ontem para defender a atuação da Polícia Federal e do Ministério Público Federal na condução da investigação.

E também respondeu indiretamente à acusação de que os acusados teriam sido coagidos a assinar os acordos de delação premiada. "A prova mais relevante é a documental. Os depósitos milionários efetuados pelas empreiteiras nas contas controladas por Alberto Youssef constituem prova documental, preexistente às colaborações premiadas, e não estão sujeitas à qualquer manipulação".

Hélio Schwartsman - Uma defesa do estelionato

- Folha de S. Paulo

Como escrevi aqui antes de pleito, por uma combinação de deficiências da democracia com circunstâncias da vida, cidadãos esclarecidos deveríamos torcer para que os candidatos se pusessem a praticar estelionato eleitoral tão logo fossem ungidos nas urnas. É com satisfação, portanto, que constato que Dilma Rousseff vem desmentindo parcialmente sua campanha.

Os juros não tiveram de esperar mais do que três dias para ser elevados, o reajuste da gasolina demorou um pouco mais: 12 dias. Os números ruins para o governo, que vinham sendo providencialmente escondidos, começaram a aparecer.

É improvável, porém, que a presidente despenque subitamente do palanque e comece a tomar as medidas recessivas necessárias para conter a inflação e acertar as contas públicas (se esse ajuste for adiado, a tendência é que fique mais custoso depois). Ela já deu repetidos sinais de que mantém ao menos um pé no mundo maravilhoso do marketing. No mais recente deles, fantasiou que o Brasil encontra-se numa situação fiscal "até um pouco melhor" que a da maioria dos países do G20.

Ao que tudo indica --e faz todo o sentido do ponto de vista da psicologia humana--, Dilma só tomará as decisões mais dolorosas se for compelida a isso. A boa notícia é que as pressões vêm não só do mercado, cujo cartaz não é dos melhores, mas também de outros setores da sociedade, inclusive o PT. Parece que uma ala do partido se deu conta de que a viabilidade eleitoral da legenda em 2018 cresce se a parte difícil do ajuste vier agora, permitindo uma retomada do crescimento no biênio final.

Para reforçar a pressão é importante que o Congresso rejeite a "brecha fiscal" que o governo pede. A negativa, é claro, não resolveria o buraco nas contas públicas, mas melhoraria um tantinho a institucionalidade do país e, de quebra, ainda ajudaria a fazer com que Dilma seja menos Dilma, o que é bom para a economia.

João Bosco Rabello - Distância regulamentar

- O Estado de S. Paulo

Na sequência das críticas de Gilberto Carvalho e Marta Suplicy, à condução da economia e à falta de diálogo do governo, o PT fecha a primeira etapa de pressão sobre a presidente Dilma Roussseff, na forma de cobrança por um ministério qualificado.

À parte o fato de que justamente o PT, com sua estratégia de aparelhamento da máquina pública, responde pela desqualificação técnica da estrutura de governo, o episódio serve para dar mais visibilidade ao conflito crescente entre o partido e a presidente reeleita.

A cobrança, embrulhada em preocupação com a gestão, segue a linha do ex-presidente Lula de impor à presidente os nomes de sua preferência para a equipe econômica, entre os quais virou símbolo o ex-presidente do Banco Central, Henrique Meirelles.

O embate está claro no antagonismo das posições dos ministros e do partido, que só não explicitaram o nome de Meirelles ao pedir uma equipe independente e de competência comprovada, e as declarações de Dilma e de seu ministro da Casa Civil, Aloísio Mercadante, contra a adoção de uma linha ortodoxa na condução da economia.

O governo segue sem admitir que a situação econômica impõe drástico ajuste fiscal e tenta minimizar as medidas recessivas que parecem inevitáveis na avaliação de nove entre 10 economistas. Lula cobra o resgate da gestão que teve em seus dois mandatos que lhe permitiu o avanço social que marcou seu período de governo.

Possivelmente, o ex-presidente raciocina que a junção do cenário de corrupção com uma economia sem rumo e sem sinalização ao mercado, pode ser fatal para a reversão de expectativas políticas. Mas o perfil de Meirelles significaria Dilma abdicar da liderança da economia e assim abrir mão de parte de sua autonomia presidencial.

Não é apenas isso. O conflito reflete o descontentamento com a recusa de Dilma em abrir mão da candidatura à reeleição em favor de seu antecessor e padrinho político, que lhe rendeu a pecha de ingrata até mesmo por parte de Marisa Letícia, esposa do ex-presidente.

Os péssimos resultados do primeiro mandato de Dilma, que explicam a dificuldade em reconstruir as bases para o segundo, reforçam no PT a percepção de que a presidente pretende reduzir o espaço do partido no segundo mandato em busca de resgatar sua imagem, especialmente distanciando-se do ambiente de corrupção na Petrobrás.

Na medida em que as investigações avançam, com novas prisões efetuadas esta manhã, aproxima-se o momento dos parlamentares envolvidos nas falcatruas, dos quais a presidente quer manter distância, assim como fez no “mensalão”, quando resistiu a todas as pressões para manifestar alguma solidariedade a dirigentes presos, como o ex-ministro José Dirceu.

Dilma dá sinais de que não parece disposta a dividir o protagonismo da corrupção na Petrobrás com o partido – e nem com o ex-presidente Lula, que começa a ter a sua versão de desconhecimento do que se passava na estatal gradualmente desconstruída pelos fatos.

Essa determinação da presidente já estava sinalizada na versão que assumiu de que o Conselho da Petrobras foi induzido a erro pela omissão deliberada da diretoria da estatal das informações essenciais ao exame da operação comercial de compra da refinaria de Pasadena, no Texas.

Com essa versão, embora frágil, excluiu-se de responsabilidade sobre a diretoria nomeada por Lula e agora completa o processo afirmando não ser a presidente do PT, mas do país, e prometendo que se juntará ao esforço de esclarecimento da corrupção na empresa, para que não fique “pedra sobre pedra”.

O silêncio de Dilma sobre os nomes que pensa para o novo ministério inclusive na economia, serve também para exibir controle sobre o processo político, deixando entrever a pretensão de um segundo mandato independente do partido e de Lula. Sem a possibilidade de reeleição, seu compromisso agora é com ela mesma.

Parafraseando o ministro José Múcio, ao herdar a relatoria de José Jorge sobre a Petrobras no Tribunal de Contas da União (TCU), o compromisso de Dilma agora é com seu CPF. Múcio usou essa imagem para dizer que não há condições de o partido tentar impor limites às investigações a essa altura dos acontecimentos.

Quem tentar, vai se lambuzar, é a tradução mais grosseira das declarações do ministro e do comportamento sugerido pela presidente Dilma. Melhor, portanto, manter distância para tentar resgatar a imagem da faxineira do início do mandato, com a ressalva de que agora apenas o marketing não produzirá esse milagre.

Aloysio Nunes Ferreira - Congresso não pode ser cúmplice

- Folha de S. Paulo

A presidente Dilma Rousseff quer autorização para descumprir a meta do superavit primário --diferença entre receitas e despesas antes do pagamento de juros-- na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) de 2014.

A LDO já facultou margem de segurança para o caso de o governo não poder alcançar a meta prevista. Autoriza o abatimento de R$ 67 bilhões de investimentos do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) e desonerações, reduzindo a meta de R$ 116 bilhões para R$ 49 bilhões.

Disposta a "fazer o diabo" para ganhar a eleição, a candidata Dilma enfiou o pé na jaca, rompeu os limites e legou à presidente Dilma a herança maldita de um enorme abacaxi. O fato é que o descumprimento da lei tem sérias consequências jurídicas e, para fugir delas, a presidente pede anistia preventiva ao Congresso Nacional.

Além do descumprimento da legislação orçamentária, Dilma ignorou dispositivo da Lei de Responsabilidade Fiscal que determina avaliações bimestrais de receitas e despesas para adequar os gastos à realidade do crescimento econômico e da arrecadação.

Essa irresponsabilidade tem consequências nefastas que vão além da pessoa da presidente e se projetam sobre a saúde financeira do Estado brasileiro, com o deficit de R$ 15,7 bilhões, o maior registrado desde o inicio da série em 1997.

O Congresso não pode descascar o abacaxi por ela. É impossível transformar deficit em superavit, conceder descontos ainda maiores dos montantes da poupança obrigatória.

A presidente não se preocupou em adotar o equilíbrio necessário entre suas escolhas de gastar e investir. Gastou muito e investiu mal durante o seu mandato. A receita cresceu 6,4% em relação aos nove meses de 2013. As despesas cresceram ainda mais, 13,2%.

Se não apresentou antes ao Congresso essa proposta foi porque contou com manobras contábeis para atingir as metas do superavit fiscal. Esgotado o arsenal da contabilidade criativa, quer mudar a lei.

Dilma pede que o Congresso seja coautor do crime fiscal cometido por ela. Leis devem ser respeitadas, e não alteradas por quem não as cumpre. Que belo exemplo daríamos aos gestores municipais e estaduais! Estariam autorizados a fazer o mesmo? E os cidadãos que são obrigados a cumprir as leis sem poder alterá-las?

A meta fiscal virou conta de chegada, e não alvo a ser atingido. Mais uma das contradições entre o que é dito na propaganda oficial e a realidade. O governo não cuidou das contas públicas, agora quer a cumplicidade do Congresso.

Não há como apoiar essa irresponsabilidade, sobretudo quando o governo não diz o que fará para garantir a poupança pública.

O PSDB não aceitará cortes em ações sociais nem aumentos de carga tributária como solução dos gastos excessivos da gestão Dilma. Todas as vezes que foi alertada de que as contas do governo estavam indo ladeira abaixo, desdenhou e disse que eram avaliações de pessimistas.

No terça-feira (11), a ministra Miriam Belchior (Planejamento) afirmou na Câmara que a situação era bastante confortável. Por que, então, Dilma quer que o Congresso assuma uma responsabilidade que é só dela? Chegou a hora de o governo assumir seus erros, assumir a má gestão das contas públicas.

Dar o aval que a presidente requer é pactuar com uma situação na qual o maior prejudicado será o cidadão que, na falta de investimentos, deixará de contar com serviços essenciais que ou não serão prestados, ou serão prestados de forma precária.

Perdoar erros do passado não estimula o acerto futuro. Perdoar a gastança passada não garante investimento em prol da população. Ao contrário, estimula desmandos futuros.

Aloysio Nunes Ferreira, senador pelo PSDB-SP é líder do partido no Senado