terça-feira, 22 de julho de 2014

Opinião do dia: Marco Túlio Cícero

Quando reina a concórdia, nada existe mais forte, nada mais duradouro do que o regime democrático, em que cada um se sacrifica pelo bem geral e pela liberdade comum. Pois bem: a concórdia é fácil quando os cidadãos colimam um fim único: as dissensões nascem da diferença e da rivalidade de interesses; assim o governo aristocrático nunca terá nada estável, e menos ainda a monarquia, que fez Ênio dizer: “Não há sociedade nem fé para o reinado”. Sendo a lei o laço de toda sociedade civil, e proclamando seu principio a comum igualdade, sobre que base assenta uma associação de cidadãos cujos direitos não são os mesmos para todos? Se não se admiti a igualdade da fortuna, se a igualdade da inteligência é um mito, a igualdade dos direitos parece ao menos obrigatória entre os membros de uma mesma república. Que é, pois, o Estado, senão uma sociedade para o direito?

Marco Túlio Cícero, estadista, orador e filósofo romano, nasceu a 13 de janeiro do ano 106 a.C. em Arpino, Itália, e morreu em 7 de dezembro de 43 a.C. em Formia, Itália. Da República, Livro Primeiro, XXXII, p. 148. Nova Cultura, 1988.

PIB cai, abaixo de 1% e governo não prevê melhora até eleição

• Humor piora e deixa abaixo de 1% previsões para o PIB

• Pela primeira vez no ano, pesquisa semanal do BC indica alta de 0,97%

• Indústria em queda, confiança menor de empresários e mercado de trabalho mais fraco explicam revisões

Claudia Rollita, Tiana Freitas – Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Com a inflação acima do teto da meta, a indústria em retração e a confiança de empresários e consumidores despencando, economistas já preveem que o Brasil crescerá menos de 1% neste ano.

É a segunda rodada de redução nas expectativas para o PIB em menos de 60 dias. De 11 consultorias e bancos ouvidos pela Folha, só 2 mantiveram as suas estimativas.

Nas previsões mais otimistas, o país cresce 1,4% neste ano. Nas mais pessimistas, 0,5%. Em 2013, a economia avançou 2,5%, número anunciado pelo governo também para este ano, embora deva ser revisto nesta terça (22).

A piora na expectativa se confirma no Boletim Focus, do Banco Central. Pela oitava semana consecutiva, os analistas cortaram as estimativas para a expansão da economia. Há uma semana, a previsão era de alta de 1,05% Nesta segunda (21), caiu para 0,97%.

O pessimismo foi reforçado após a divulgação de indicadores mais fracos nas últimas semanas. Pelo terceiro mês consecutivo, a produção na indústria caiu em maio --desempenho que deve se repetir no dado de junho. No setor automotivo, a produção recuou 23% no período.

"Com a forte redução da produção industrial e o drástico declínio do setor automotivo, o PIB deve chegar a, no máximo, 0,5%. A construção civil não vai bem, e a queda nos preços agrícolas também preocupa", diz Fabio Silveira, diretor da GO Associados, que derrubou em um ponto percentual a sua projeção.

A perspectiva para este semestre se agravou com a queda na confiança dos empresários --chegou em julho ao pior patamar dos últimos 15 anos. Com o orçamento mais afetado por inflação e juros mais altos, os consumidores também estão mais pessimistas. Resultado: o nível de confiança é o menor desde 2003.

"Com esse clima, nem o segundo semestre será capaz de dar uma reviravolta na economia", afirma Alessandra Ribeiro, da Tendências.

Caio Megale, economista do Itaú Unibanco, tem a mesma avaliação: "Revisamos o PIB do segundo trimestre para baixo. E, com a piora da confiança, até os números do terceiro trimestre já foram revistos, de 0,5% para 0,3%".

O ambiente de pessimismo é tão intenso que já contamina as projeções para 2015. O Bradesco reduziu sua previsão para o PIB do próximo ano de 2% para 1,5%.

A disputa mais acirrada no calendário eleitoral também reforça o clima de incerteza. "A eleição será uma trava para os investimentos", diz Sérgio Vale, da MB Associados.

Para o Santander, são nítidos os efeitos da desaceleração no mercado de trabalho. O Brasil teve o menor saldo de criação de vagas formais para junho desde 1998. "Sem os efeitos sazonais, o Caged já registra demissões", diz Fernanda Consorte, do Santander.

A situação só não é pior porque programas assistenciais e reajustes salariais têm segurado a queda na renda.

Menos pessimistas, Francisco Pessoa, da LCA, e André Perfeito, da Gradual, dizem que a recuperação das exportações, impulsionadas pelo agronegócio, pela mineração e pelo petróleo, deve evitar queda maior do PIB.

Economia mais fraca preocupa campanha do PT

• Desaceleração põe economia de volta no centro da disputa pela Presidência

• Novas previsões sobre crescimento menor neste ano preocupam o governo e comando da campanha de Dilma à reeleição; ao mesmo tempo, servem de combustível para as críticas de Aécio e Campos

Vera rosa, Tânia Monteiro, Débora Bergamasco e João Domingos - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - As novas previsões sobre um crescimento ainda menor neste ano preocupam o governo e, consequentemente, o comando da campanha de Dilma Rousseff à reeleição. Ao mesmo tempo, servem de combustível para as críticas dos oposicionistas Aécio Neves (PSDB) e Eduardo Campos (PSB), que já têm usado o pior desempenho da economia - inclusive em temas caros aos petistas, como o emprego - para fustigar a imagem de gestora de Dilma.

No Palácio do Planalto, a avaliação é de que, passada a Copa do Mundo, a economia vai dominar o debate eleitoral e, por isso, é preciso reforçar o discurso sobre a ampliação do emprego e da renda dos trabalhadores obtida desde o primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva. O PT tenta tachar Aécio e Campos como "aves do mau agouro".

A difícil situação da economia foi o principal assunto da reunião de ontem de Dilma com coordenadores de sua campanha, após uma semana de tensão e brigas entre petistas por mais poder no comitê da reeleição. O sinal amarelo foi aceso porque, pela primeira vez no ano, a projeção para o Produto Interno Bruto (PIB) na pesquisa Focus do Banco Central (com economistas de instituições financeiras) ficou abaixo de 1%, fato que se soma ao aumento dos preços - em junho, o acumulado dos últimos 12 meses da inflação oficial superou o teto da meta (6,5%).

O oitava revisão consecutiva do PIB para baixo, na pesquisa, significa a iminência de uma recessão. O governo teme que o pessimismo em relação à economia atue como um veneno na campanha de Dilma, que promete reagir com vigor para se contrapor à guerra de números a ser puxada pela oposição.

'Antipessimismo'. Em reunião hoje com presidentes de partidos aliados, Dilma e seu conselho político vão discutir formas de se criar vacinas contra o discurso "pessimista" dos adversários. Em declarações públicas, Dilma já tem adotado esse tipo de revide.
"Além da Copa, tivemos outros surtos de pessimismo que não se realizaram, como era o caso da tempestade perfeita prevista para nos atacar neste início de ano, que nos levaria a uma crise cambial e de proporções avassaladoras", disse a presidente na sexta-feira, em Porto Alegre, a uma plateia de empresários.

O discurso será repetido à exaustão na campanha. O marqueteiro João Santana, responsável pela propaganda de Dilma na TV, a partir de 19 de agosto, prepara peças para mostrar que os índices de inflação e a taxa de juros nos últimos anos foram bem menores do que no período do PSDB à frente do Planalto.

Fora isso, a escolha da plenária da Central Única dos Trabalhadores (CUT) para o início de fato da campanha de Dilma, no dia 31, tem o objetivo de mostrar que o governo tem lado. No discurso, a presidente vai exaltar o aumento do emprego e da renda dos trabalhadores.

Emprego. Enquanto Dilma costuma alardear a criação de 11 milhões de postos de trabalho com carteira assinada como prova de que a economia não vai tão mal, Aécio vai usar dados oficiais recentes para desmontar o discurso do pleno emprego.

Na semana passada, o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) divulgou que a geração de novos postos de trabalho em junho foi a pior desde 1998. A equipe econômica da campanha tucana acredita que, em agosto, os dados apontarão novamente para a desaceleração da criação de vagas, e prevê um resultado pífio do PIB para o segundo trimestre.

Com isso, Aécio passará a ser mais crítico à política de geração de emprego - até agora, o questionamento se restringia à qualidade e à baixa remuneração das novas vagas.

A inclusão desse tema ao discurso de Aécio, porém, não é tão simples quanto parece. A estratégia é só explorar o assunto após o risco de desemprego chegar à população, para evitar que o tucano seja o "porta-voz das más notícias". Até lá, os aliados do candidato é que têm a função de martelar o tema.

"Já vínhamos tratando do tema do desemprego em setores mais valorizados, como a indústria. Mas a queda contaminou até os empregos na faixa de dois salários mínimos e está sendo noticiada pelos telejornais. As pessoas começam a ver isso", disse o senador Aloysio Nunes (PSDB-SP), candidato a vice na chapa de Aécio. "Há uma deterioração geral dos empregos."

Fora do trilho. Campos, por sua vez, tem repetido o mote de que "o Brasil parou e saiu dos trilhos do desenvolvimento" mesmo antes de piorarem as previsões para a economia. É uma forma de criticar Dilma sem atacar Lula, de quem foi ministro.

"A sensação é de que o Brasil não só parou, mas corre o risco de andar para trás", disse Campos. "Mesmo se o País crescesse a 2% ao ano, tudo ficaria como está hoje, com alta do analfabetismo, perda de competitividade e queda na produção industrial."

Com mais um socorro a elétricas, conta deve subir 24% em 2015

• Novo empréstimo será de R$ 6,5 bi. Deste total, BNDES entra com R$ 3 bi

Danilo Fariello / Ramona Ordoñez / Martha Beck – O Globo

BRASÍLIA e RIO - O governo federal fechou a concessão de mais um socorro para as distribuidoras de energia, no valor de R$ 6,5 bilhões. O acordo, fechado na semana passada com um consórcio de dez grandes bancos, prevê que o BNDES entrará com R$ 3 bilhões e os demais bancos com R$ 3,5 bilhões, seguindo os moldes do empréstimo anterior, de R$ 11,2 bilhões, realizado em abril por um consórcio de bancos públicos e privados. Segundo fontes do governo, esta será a última operação de ajuda ao setor elétrico em 2014 e 2015.

As condições de financiamento ainda estão sendo fechadas, mas já é certo que o BNDES emprestará os recursos nas mesmas condições dos demais bancos e usará recursos próprios, sem necessidade de aportes do Tesouro. O novo empréstimo deve ser anunciado pelo governo até sexta-feira e liberado às distribuidoras até o fim do mês. Procurado, o BNDES não comentou o assunto.

O novo socorro pesará ainda mais no bolso dos consumidores. Segundo cálculos da Safira Energia, considerando o novo empréstimo e o socorro anterior, de R$ 11,2 bilhões, além do repasse de custos das térmicas de 2013, que foi adiado para 2015, a conta de luz deve ficar de 24% a 25% mais cara em 2015 e também em 2016. Somente este novo empréstimo tem impacto de cerca de 3% na conta de luz.

O governo recorreu ao BNDES diante da impossibilidade de novos aportes por parte do Tesouro e da resistência dos bancos privados em bancar integralmente a necessidade de financiamento das distribuidoras.

A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) prorrogou para o dia 31 deste mês o vencimento de um débito de R$ 1,3 bilhão que as distribuidoras têm junto à CCEE exatamente para dar tempo de negociar uma saída financeira para o setor. A alternativa de mais um aporte direto do Tesouro, na avaliação da equipe econômica, não seria viável em um momento de aperto nas contas públicas.

‘É a solução mais viável’
Para Fábio Cubeiros, gerente de Regulação da Safira Energia, o governo deve confirmar o novo empréstimo às distribuidoras.

— Tudo indica que deve sair esse empréstimo porque é a solução mais viável e porque na época do primeiro já se previa essa possibilidade. Eles devem estar acertando os detalhes — destacou Cubeiros.

Segundo Cubeiros, apesar de as tarifas já registrarem reajuste elevados neste ano, há uma boa parte de custos represados — em razão do ano eleitoral e do possível impacto na inflação — que só será repassada para as tarifas nos próximos dois anos.

A especialista em energia e ex-diretora do BNDES Elena Landau diz que as empresas estão apenas aproveitando a oportunidade que lhes foi dada.

— Está tudo dentro do previsto na legislação. É uma combinação da queda na demanda e no ritmo de atividade com a elevação do preço de energia. Tentativa de controlar o mercado artificialmente nunca dá certo — destacou Elena.

O empréstimo de abril, de R$ 11,2 bilhões, foi bancado por um grupo de dez bancos com taxa de Certificado de Depósito Interbancário (CDI) mais juro de 1,9% ao ano e prazo de quitação até outubro de 2017, mas sem data clara de carência para início dos pagamentos.

A necessidade de recursos para o setor elétrico vem, principalmente, da renovação das concessões de energia em 2012 e foi agravada pelas condições do mercado, em razão das chuvas escassas e da redução do nível dos reservatórios. Estes fatores levaram a uma disparada do preço da energia elétrica no mercado de curto prazo neste ano.

'Mal-estar' no País dá novas chances à oposição, diz FHC

- O Estado de S. Paulo

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) disse ontem, em entrevista ao jornal chileno La Tercera, que a atual situação econômica do Brasil "dá novas e melhores oportunidades para a oposição", referindo-se às eleições de outubro. Ele mencionou como "oportunidades" o aumento da inflação, a piora das contas externas e das contas públicas e perda de confiança dos agentes econômicos no governo. "O povo sente um mal-estar palpável em sua vida cotidiana."

De acordo com FHC, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) beneficiou-se das linhas macroeconômicas criadas na gestão tucana e do alto preço das commodities, alavancadas pela demanda chinesa. Depois da crise de 2008, prosseguiu ele, a economia já não podia mais crescer de forma sustentável puxada pelo consumo. "Dilma tentou estimular a inversão afrouxando a política fiscal, forçando a queda da taxa de juros e concedendo incentivos seletivos a alguns setores", mas a "colheita" dessa nova política 'foi paupérrima".

FHC disse ainda ao jornal chileno que há um "mal-estar difuso" na sociedade brasileira e que é um erro crer que isso se deva apenas aos meios de comunicação ou à "elite branca".

Ele vê uma "insatisfação ampla e crescente" devido à inflação, ao baixo crescimento e à baixa qualidade de educação e saúde. Nos grandes centros urbanos, prosseguiu, "as taxas de criminalidade são elevadas e o transporte público é caro". Assim, ele acredita que, na campanha eleitoral, o candidato tucano Aécio Neves terá tempo suficiente para ser competitivo e levar as eleições ao segundo turno.

Aécio sinaliza mudança na política externa

• Ao presidente da Comissão Europeia, tucano afirma que, se eleito, vai dar prioridade a acordo de comércio com o continente

Pedro Venceslau e Gabriel Manzano - O Estado de S. Paulo

Candidato do PSDB à Presidência, o senador Aécio Neves encontrou-se ontem no Rio de Janeiro com o presidente da Comissão Europeia, o português José Manuel Durão Barroso, e disse que a realização de um acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia será uma das prioridades de um eventual governo tucano.

Na saída da reunião, o tucano afirmou que a política externa brasileira "prioriza o alinhamento ideológico e promove alianças apenas com países vizinhos". O comentário foi feito dias depois de o Brasil ter assinado, em encontro dos Brics em Fortaleza, acordo para criação de um grande banco da aliança, com capital inicial de US$ 50 bilhões.

Apesar das críticas feitas ao atual modelo do Mercosul, que têm sido recorrentes em seus discursos, Aécio evitou defender a proposta de acabar com a união aduaneira entre os países do bloco e transformá-lo em uma área de livre comércio. Essa ideia havia sido defendida pelo tucano em pelo menos duas ocasiões: em entrevista ao jornal argentino La Nación, em junho, e em palestra em Porto Alegre no Fórum da Liberdade, que ocorreu em abril.

Avaliações partidas até de diplomatas ligados a governos tucanos, no entanto, sugerem que essa mudança não seria tão simples. "Para fazer isso (acabar com a união aduaneira entre os países do bloco) seria preciso abolir a tarifa externa comum. Ela foi criada em 2004 no Protocolo de Ouro Preto. Na prática, seria preciso modificar o tratado, o que é muito difícil", afirma Rubens Barbosa, embaixador do Brasil nos EUA entre 1999 e 2004.

Apontado como um dos quadros mais fortes para a diplomacia brasileira caso o PSDB volte ao Planalto, Barbosa explica que o Brasil não pode decretar unilateralmente o fim da tarifa externa comum. "Mesmo aqui no Brasil não é consensual no meio empresarial essa volta para a área de livre comércio ou a ideia de acabar com o Mercosul", diz ele.

Cuidado. Para Reginaldo Nasser, professor de Relações Internacionais da PUC-SP, "é preciso cautela" com "afirmações sobre diplomacia em ano eleitoral", pois muitas pessoas "tendem a transformá-las em disputa ideológica". Nasser vê "mais semelhanças do que diferenças" entre as diplomacias da Era FHC e a que se seguiu, de Lula e Dilma. "O que tenho percebido é que a ideia de o Brasil se afastar da Unasul não está tanto assim no horizonte", afirma o professor.

Nasser menciona, entre outras razões para isso, os interesses de empresas brasileiras - por exemplo, da Odebrecht na Venezuela, onde ela participa de importantes projetos de infraestrutura, ou da indústria automobilística na Argentina. A política externa de grandes países, acrescenta, convive com lobbies. "O governo não funciona, na diplomacia, como algo isolado da sociedade", conclui.

Flexibilização. No trecho que aborda a diplomacia nas diretrizes do programa de governo de Aécio Neves registradas no Tribunal Superior Eleitoral, fala-se em "reestabelecer a primazia da liberalização comercial" para recuperar "os objetivos iniciais do Mercosul e flexibilizar suas regras".

Em nenhum momento, porém, o texto defende claramente a conversão do Mercosul em uma área de livre comércio. "Transformar o Mercosul em área de livre comércio seria, na prática, o mesmo que acabar com o bloco", afirma, a respeito da questão, o professor de Relações Internacionais da PUC-DF Creomar de Souza. Ele lembra que o Mercosul "nasceu nos anos 1990 com a ideia de se criar uma comunidade sul-americana de nações, e não apenas de comércio. Sendo uma área de livre comércio, você limita o elemento político".

Ideias comuns de candidaturas opostas

• Os três principais concorrentes ao Planalto convergem em alguns temas, como a manutenção de programas sociais da gestão petista, a transposição do Rio São Francisco e a postura conservadora sobre o aborto e a liberalização da maconha

João Valadares – Correio Braziliense

Com discursos antagônicos ao longo da campanha eleitoral, os três principais candidatos à Presidência da República convergem, mesmo com visões pontuais diferentes, quando o assunto é manutenção dos principais programas sociais da gestão petista, transposição do Rio São Francisco e temas polêmicos, a exemplo de aborto e drogas. Ao debater o Bolsa Família, que beneficia 13,8 milhões de famílias no Brasil, o senador Aécio Neves (PSDB-MG) e o ex-governador de Pernambuco Eduardo Campos (PSB-PE) se apressam em dizer que vão mantê-los e, se possível, ampliá-los. O mesmo ocorre em relação ao Mais Médicos, mesmo que os dois defendam a necessidade de mudança nas regras de contratação e remuneração.

Em entrevistas recentes, o candidato do PSDB tem reforçado sua posição em relação ao Bolsa Família. "Política e administração pública é você copiar as coisas que dão certo e aprimorá-las. Não tenho o menor constrangimento de mantê-los e aprimorá-los", salienta. O tucano diz que pretende promover alterações para tirar o cunho eleitoreiro do plano. "O Bolsa Família, no nosso governo, vai continuar. O que eu quero é tirá-lo do programa eleitoral. Transformá-lo em programa de Estado", afirma.

Campos diz que é possível ampliar o número de beneficiários e diminuir a fila de quem espera para entrar no programa. Constantemente, gasta parte dos discursos no Nordeste para reforçar que não vai acabar com o Bolsa Família se for eleito. O candidato alega que "há uma campanha terrorista espalhando boatos".

Em relação ao Mais Médicos, lançado por Dilma logo após os protestos que sacudiram o Brasil em junho do ano passado, também há a garantia por parte de Aécio e Eduardo de manter a essência do programa. O tucano afirma, no entanto, que não aceitará regras do governo cubano para o pagamento dos profissionais que participam da iniciativa. "Nós vamos manter o Mais Médicos, vamos fazer com que eles se qualifiquem e estabelecer novas regras para os médicos. Não vamos aceitar as regras do governo cubano", declarou na semana passada durante sabatina realizada por Folha, Uol, SBT e Jovem Pan. Campos tem declarado que é preciso investir na capacitação do médico brasileiro. Afirma que vai, se eleito, fazer uma auditoria nos contratos firmados com os estrangeiros, mas descarta acabar com o programa.

Canais
Outro ponto que une Dilma, Aécio e Eduardo Campos é a Transposição do Rio São Francisco, maior obra hídrica em execução no país e deve beneficiar aproximadamente 12 milhões de pessoas quando os 700km de canais estiverem prontos. A dupla oposicionista ataca a lentidão para a conclusão da intervenção. "O Brasil virou um grande canteiro de obras inacabadas por conta da incapacidade do governo de gerenciamento", ressalta o senador mineiro. Em caminhadas pelos principais estados nordestinos, o pessebista tem criticado a condução da obra. Até setembro do ano passado, o responsável por tocar a transposição era o ex-ministro Fernando Bezerra Coelho, indicado por Campos ao cargo.

De olho nas urnas, os três assumem posturas conservadoras quando o debate gira em torno de descriminalização da maconha e legalização do aborto. Campos, Aécio e Dilma já declararam publicamente ser contra a liberação da maconha. Recentemente, em um programa de televisão, o tucano e o pessebista tiveram opiniões semelhantes. Os dois defenderam que era preciso reforçar a segurança nas fronteiras para impedir a entrada de entorpecentes. Dilma não se posicionou sobre o tema durante sua gestão, no entanto, na campanha presidencial de 2010, alegou que não era possível descriminalizar qualquer droga no Brasil. Em relação ao aborto, os três defendem o que determina a legislação vigente no país. No ano passado, Dilma sancionou a lei que estabelece garantias à mulher vítima de violência sexual, incluindo a oferta da pílula de emergência e de informação sobre seus direitos ao aborto em caso de gravidez.

Pensamento parecido
Confira o que une Dilma, Aécio e Eduardo

Bolsa Família
Os dois principais adversários da presidente Dilma Rousseff defendem a manutenção do programa. Eduardo Campos alega que é preciso ampliar o número de beneficiários e diminuir a fila de quem ainda espera ser atendido pelo programa. O senador Aécio Neves repete que, numa eventual gestão tucana, o Bolsa Família será transformado num programa de Estado e deixará de ser eleitoreiro. Atualmente, são atendidos 13,8 milhões de famílias. O valor médio do benefício é de R$ 152,75.

Mais Médicos
Lançado pela presidente Dilma Rousseff logo após os protestos de rua de junho do ano passado para tentar suprir a carência de profissionais da área nos municípios do interior e nas periferias do Brasil, o programa será mantido se Eduardo Campos ou Aécio Neves forem eleitos. Os dois, no entanto, defendem mudanças nas regras de contratação e pagamento dos médicos estrangeiros.

Transposição do São Francisco
A maior obra hídrica em execução no Brasil, que prevê a construção de 700km de canais para desviar as águas do rio e beneficiar mais de 12 milhões de pessoas, é defendida pelos três candidatos. Aécio e Eduardo, no entanto, criticam a lentidão na entrega da obra, que teve o orçamento aumentado e só deve ser concluída no fim do próximo ano.

Descriminalização da maconha
Os três candidatos já demonstraram ser contra. Aécio e Eduardo declararam em entrevistas recentes que o Brasil precisa ampliar a segurança nas fronteiras para impedir a entrada de entorpecentes. A presidente Dilma Rousseff não se posicionou sobre o tema durante a sua gestão. Em 2010, declarou que o Brasil não tinha condições de legalizar nenhuma droga.

Aborto
Os três principais candidatos não defendem nenhuma alteração na atual legislação brasileira. Em 2010, pressionada por setores evangélicos, a presidente Dilma chegou a escrever uma carta afirmando ser contra o aborto. A atual legislação estabelece garantias para que a mulher seja prontamente atendida na rede pública de saúde nos casos de violência sexual.

Campanha eleitoral negativa nas redes sociais: o que fazer?

• Especialista em Direito Digital diz que resposta à ofensa e aos boatos nem sempre pode ser a melhor alternativa

Eduardo Miranda, Bruno Dutra – Brasil Econômico

Consideradas território importante para propagação do marketing político durante o período eleitoral, especialmente pelos candidatos à Presidência da República, as redes sociais deverão exigir mais trabalho, atenção e mudança de postura por parte dos políticos. Dados do Scup, ferramenta de monitoramento de redes sociais, revelam que há mais ódio do que amor em relação à política, e as menções negativas sobre o tema chegam a 37% dos compartilhamentos, contra 22% positivas. Outro fator importante é que os internautas rejeitam a histórica prática de acusações entre os concorrentes. "Existe uma forte onda, por parte dos candidatos, do uso de uma retórica de acusação ou de defesa no marketing disseminado nas redes sociais. Esse ponto, de maneira geral, tem causado maior repulsa em relação às campanhas", disse o cientista político e especialista em marketing político da USP, Gaudêncio Torquato.

Além das menções negativas pelas quais os eleitores são responsáveis na internet, outro ponto que preocupa são as informações falsas e difamatórias divulgadas pelos adversários. A legislação eleitoral, por sua vez, tenta dar conta da rapidez da informação. Desde o ano passado, uma reforma na Lei 9.504/97 visa a acelerar o direito de resposta de candidatos que se sentem lesados com boatos nas redes sociais. Especialista em Direito Digital e sócia do escritório Assis e Mendes, Gisele Arantes cita como exemplo o presidenciável tucano, Aécio Neves, que já conseguiu remover, judicialmente, notícias consideradas difamatórias. A advogada afirma, no entanto, que do ponto de vista do marketing político, o candidato precisa estar atento ao modo como vai reagir diante de informações negativas que envolvam seu nome. "Os candidatos devem ter uma equipe grande monitorando tudo o que é dito sobre eles.

Responder o comentário negativo de um eleitor na postagem pode ser complicado, porque o ato pode ser tomado como provocação. Se for algo leve, o candidato não deve comprar a briga. Em alguns casos, ele pode entrar em contato com o internauta por mensagem privada, colocando seu ponto de vista sobre o assunto, sem provocar constrangimento público. É algo que as empresas costumam fazer. Num caso de grave ofensa, o candidato pode até mesmo responsabilizar o internauta judicialmente", argumenta Gisele. A advogada de direito digital aborda outro ponto da etiqueta das redes sociais em torno do qual os aspirantes aos cargos elegíveis devem estar atentos. Eleitores que acompanham perfis de candidatos, sobretudo os presidenciáveis, querem, em algum momento, a exclusividade de estar falando com o próprio candidato.

"Os candidatos, hoje, precisam de um tempo para dedicar ao diálogo nas redes sociais. O eleitor da internet quer ser ouvido. Não é mais a era da informação em sentido único, como a televisão. A resposta do próprio candidato ao internauta é muito positiva — "Nossa, estou falando diretamente com a Dilma, ela se preocupou com a questão que eu coloquei". E quando não for assim, é preciso que a assessoria dela se identifique como assessoria", avalia Gisele, acrescentando que os problemas que venham a surgir na internet (boatos, ações judiciais, direito de resposta) não devem extrapolar o espaço virtual, ficando o tempo da propaganda eleitoral na TV reservado à apresentação dos planos de governo. Por isso, para candidatos com tempo menos expressivo de campanha na televisão, as mídias sociais são a bola da vez.

Com apenas 51 segundos de campanha na TV, a presidenciável do Psol, Luciana Genro, vai pautar a campanha na internet pela busca de potenciais jovens eleitores que, segundo ela, não estão mais interessados na mesmice da propaganda gratuita na televisão. "Nossa estratégia para a internet está pautada na intensa interação, o que contribuirá para chegar aos jovens que não são mais público da propaganda tradicional", afirmou. Espaço que vem ganhando força desde a última eleição, as redes sociais tendem a acirrar a discussões ideológicas, provocar novas normas judiciais e regras de boa convivência além, claro, de tratar temas polêmicos poucos afeitos à TV. A legalização das drogas, por exemplo, é um dos tópicos que promete incendiar a nova ágora.

Campos: aumento de verba da saúde não compromete contas públicas

• Candidato do PSB propõe elevar investimento na área para 10% do orçamento

Sérgio Roxo – O Globo

SÃO PAULO - O candidato do PSB à Presidência da República, Eduardo Campos, disse nesta segunda-feira que a sua proposta de elevação para 10% do orçamento do gasto da União com saúde não vai comprometer as contas públicas. Na avaliação do presidenciável, a destinação de R$ 38,7 bilhões a mais de recursos por ano para o setor também não prejudica a política de combate à inflação.

Campos usou parte do seu discurso na inauguração do comitê central de sua campanha em São Paulo para tentar se defender das críticas de que tem feito promessas que elevam o gasto público sem especificar de onde sairão as recursos. Além do aumento do investimento em saúde, o candidato do PSB também se comprometeu, na semana passada, a apoiar, caso eleito, a implantação do passe livre no transporte público para estudantes. Cálculos da campanha indicam que essa última proposta terá um custo anual de R$ 12 bilhões.

- No Brasil, é interessante. Quando se fala de recursos para as coisas que tocam o dia a dia do povo, não tem dinheiro. Lá no passado (no governo Fernando Henrique Cardoso), quando se precisou sanear o sistema financeiro, apareceram R$ 50 bilhões para o Proer (Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional). E, agora, para assistir o setor elétrico brasileiro são R$ 50 bilhões. Para dar subsídios em juros para empresas que a gente nem sabe quem são, foram outros R$ 50 bilhões. Agora falou em colocar R$ 38 bilhões na saúde pública, aí não pode, não dá, não tem dinheiro, tem que explicar - declarou ele.

O presidenciável manteve o compromisso de reduzir a inflação para centro da meta de 4,5% ao ano e disse que as suas propostas que preveem a elevação do gasto público devem ser implantadas no prazo de quatro anos de mandato.

- Vamos fazer primeiro, a estabilização (da economia) com o centro da meta da inflação como uma referência.

Durante a inauguração do comitê nesta segunda-feira, Campos se comprometeu com o Movimento Saúde +10, que reúne entidades em favor da aprovação de uma lei para obrigar o governo federal a gastar 10% da receita corrente bruta com o setor. A área contou com uma verba de R$ 99,8 bilhões no ano passado e seriam necessários R$ 38,7 bilhões para que o patamar fosse atingido. A lei em vigor estabelece apenas que o orçamento do governo federal para a saúde deve ser equivalente à quantia empenhada no ano anterior corrigida pelo percentual de crescimento do PIB. Para municípios, o investimento deve ser de 15% da receita e para estados 12%. Campos destacou que o governo federal reduziu nos últimos anos de 80% para 45% a sua participação no financiamento dos gastos do Sistema Único de Saúde (SUS).

O presidente do Conselho Federal de Medicina, Roberto dÁvila, chegou a discursar no evento. Campos também anunciou a proposta de criar a carreira nacional de médicos, com progressão salarial por tempo de serviço e outros benefícios. A iniciativa é uma reivindicação da entidade e vem sendo apontada como um caminho para convencer os profissionais a trabalharem no interior do país e na periferia das grandes cidades.

O presidenciável disse que conseguirá mais recursos para as suas promessas com o corte no número de ministérios e "do desperdício". Também disse ter "capacidade de gestão" para inverter as prioridades do governo. O presidenciável ainda lembrou de uma outra proposta de suas campanha que deve ter impacto nas contas públicas: a implantação do ensino integral.

- Tudo que estamos falando fazemos conta com responsabilidade - afirmou Campos.

Traições elevam incerteza no Rio

Renata Batista – Valor Econômico

RIO - A existência de quatro candidatos ao governo estadual com chances concretas e a falta de um alinhamento claro com os candidatos à Presidência colocaram os analistas políticos fluminenses em alerta. Eles temem fazer previsões e apostam em uma corrida disputada para chegar ao segundo turno.

Na mesma situação, prefeitos e candidatos a deputados federais e estaduais prolongam a fase de negociação de alianças e fazem seus acordos à revelia do que já foi registrado na Justiça Eleitoral. Já a Procuradoria Regional Eleitoral também se prepara para analisar caso a caso a propaganda eleitoral gratuita.

"Não lembro de uma eleição tão confusa, com esse grau de fragmentação. Precisamos ver para onde caminham as alianças que ainda estão sendo feitas", diz o cientista político César Romero, da PUC-Rio.

São quatro os principais candidatos ao governo do Estado: o governador Luiz Fernando Pezão, em uma aliança com o PMDB e mais 17 partidos; o ex-governador e deputado federal Anthony Garotinho, que uniu PR, PTdoB e Pros; o senador Lindbergh Farias (PT, PV, PCdoB e PSB); e o senador Marcelo Crivella (PRB).

A presidente Dilma Rousseff conseguiu confirmar, na reta final, o alinhamento com os quatro. Tem o PMDB em nível nacional e a promessa de apoio de Pezão no local; o compromisso de Garotinho e Crivella; e Lindbergh, candidato de seu próprio partido. Tudo isso apesar do rompimento dos partidos da base no Rio de Janeiro, das articulações do presidente regional do PMDB, Jorge Picciani, para apoiar o presidenciável do PSDB, senador Aécio Neves (MG), e da aliança entre o PT local e o PSB de Eduardo Campos. "O problema é que o grau de traição também está alto", resume Romero.

Exemplos não faltam. Depois de anunciar apoio a Pezão, mas romper a coligação formal com o PMDB por se opor à coligação que deu a vaga ao Senado para o ex-prefeito Cesar Maia (DEM), o presidente do PDT, Carlos Lupi, interveio no diretório do partido em São João do Meriti e deu posse a um novo diretório. Motivo: o prefeito Sandro Matos, principal liderança local, rompeu com o PDT para apoiar Lindbergh. Lupi não quer o candidato petista, embora apoie Dilma e tenha se lançado ao Senado para dar palanque à presidente, que não tinha um candidato no Estado. Na chapa de Lindbergh, a vaga de senador ficou com Romário, do PSB, legenda que tem o ex-governador Eduardo Campos como candidato à Presidência.

"Sem alinhamento na esfera federal e com essas alianças suprapartidárias, os movimentos no plano municipal são díspares. São 92 municípios, cada um com um interesse", diz Romero, para quem o tradicional rótulo de esquerda e direita também não ajudará a clarear a situação. "O Lindbergh diz que está à esquerda, mas o PMDB de Pezão pode dizer que está com Dilma."

Em outro exemplo de traição, a ala do PMDB que diz estar com Dilma, a do ex-governador Sérgio Cabral, flerta com o grupo que apoia Aécio. Em um panfleto do candidato a deputado estadual Marcelo Queiroz (PP), a chapa completa traz Pezão para governador, Aécio para presidente e Marco Antonio Cabral, o mesmo que esteve no evento do PDT que apoia Dilma, para deputado federal. O espaço de senador - que deveria ser de Cesar Maia - está em branco.

"O diálogo foi deixado às margens do bom senso para entrar em disputas pessoais", disse o candidato do PRB, senador Marcelo Crivella, último a anunciar sua chapa pela dificuldade em formar uma aliança. "Mostramos nossa viabilidade eleitoral, mas o processo político no Rio entrou em convulsão", completa.

Pesquisa realizada pelo Datafolha nos dias 15 e 16 de julho aponta Garotinho e Crivella empatados na liderança da disputa, com 24% das intenções de voto. Pezão e Lindbergh estão empatados tecnicamente na terceira posição, com 14% e 12%, respectivamente, uma vez que a margem de erro do levantamento é de três pontos percentuais para mais ou para menos. Chama atenção ainda a rejeição dos candidatos. A mais alta é de Garotinho, 39%. Crivella tem 16%; Pezão, 19%, e Lindbergh, 17%. Com exceção de Crivella, todos os outros registraram índices de rejeição maior do que a intenção de voto.

"A rejeição é alta, mas não é igual para todos os candidatos. Em alguns casos, tem mais a ver com desconhecimento e pode diminuir, principalmente quando a campanha eleitoral gratuita na TV começar", explica o cientista político da empresa de pesquisa Informa, Fábio Gomes.

Para Crivella, as alianças locais, qualificadas de "bacanal eleitoral" pelo prefeito do Rio, Eduardo Paes (PMDB), foram motivadas pela preocupação com o tempo de TV. Nessa disputa, Pezão - que também tem a máquina, sai na frente, com quase nove minutos. Lindbergh tem cerca de quatro minutos e meio. Garotinho fica com dois minutos e meio e Crivella, com pouco mais de um minuto. "Bacanal é essa disputa por tempo de televisão. Eles acham que isso decide eleição. Mas no segundo turno, o tempo é igual. Os dois candidatos têm dez minutos", diz Crivella.

De acordo com a Justiça Eleitoral e com Ministério Público Eleitoral (MPE), as avaliações serão feitas caso a caso. Para a procuradora e professora da Faculdade de Direito da Fundação Getulio Vargas (FGV) Silvana Batini, o maior problema será definir quem pode aparecer na propaganda eleitoral de quem, já que há candidatos que se declaram aliados e não são coligados, e outros que são coligados, mas não se declaram aliados. "O tipo de confusão que se criou vai ser difícil de disciplinar. Ninguém sabe o que fazer. Nenhuma legislação previu a bagunça que está acontecendo", diz Batini.

De acordo com o MPE-RJ, além da proibição de uso de imagens externas, gravações de inaugurações realizadas por um candidato não poderão ser usadas na campanha de outros sem que haja uma coligação formal. Já a exibição de trechos de discursos, "é possível, mas cada caso precisa ser analisado individualmente", informou o MPE.

Para Silvana, que atuou como procuradora eleitoral em eleições passadas, o legislador deverá seguir dois princípios gerais: preservar a clareza, de forma geral, e a fidelidade partidária nos termos entendidos pelo Supremo Tribunal Federal (STF). "As regras são criadas para preservar a clareza para o eleitor. Provavelmente, será decidido caso a caso, mas é importante que haja preocupação em seguir o princípio de não confundir o eleitor", diz.

Campos mantém promessas controversas

Letícia Casado e Vandson Lima – Valor Econômico

SÃO PAULO - Na busca por um caminho para pautar o debate eleitoral e não ser escanteado pela polarização entre PT e PSDB na disputa presidencial, o grupo responsável pela elaboração das propostas de Eduardo Campos (PSB) - capitaneado pelo ex-deputado Maurício Rands e pela socióloga Neca Setubal, uma das herdeiras do Banco Itaú - pretende lançar, nos primeiros dias de agosto e antes dos adversários, o programa de governo completo do candidato ao Palácio do Planalto.

Estudiosos ligados à Universidade de São Paulo (USP) - Neca não quis dizer quais -, trabalham no texto, que já conta quase 300 páginas e estaria em fase de ajustes finais. Haverá também uma versão on-line do programa e uma espécie de "sumário executivo", com o resumo das propostas.

Para temas mais áridos, serão apresentados estudos em separado, com maior nível de detalhamento. Entre os contemplados, estará, segundo Rands, um documento específico para tratar da reforma tributária, cuja proposta Campos promete enviar ao Congresso já no primeiro ano de mandato, caso eleito em outubro.

Ontem, na inauguração de seu comitê central de campanha, em São Paulo, Campos voltou a dizer que vai implementar, em quatro anos de mandato, a escola em tempo integral e o passe livre para estudantes, caso eleito; defendeu a aplicação de 10% do orçamento da União para a saúde e um plano nacional de carreira para profissionais da área; e defendeu uma política monetária cujo objetivo seja trazer a inflação para o centro da meta de 4,5%, bem como a independência do Banco Central.

"O Orçamento da União tem capacidade para fazer a escola em tempo integral e o passe livre" para estudantes, disse Campos. Ao sanar as contas da União, será possível encontrar recursos para criar o passe livre estudantil e investir no Sistema Único de Saúde, afirmou.

Em seu discurso, Campos voltou a criticar o Mais Médicos, uma das bandeiras da presidente Dilma Rousseff (PT). "Nunca imaginei que era possível fazer uma política pública de saúde criminalizando os médicos ou jogando o povo contra os médicos brasileiros. Vamos fazer uma política pública com os médicos, com todos os profissionais de saúde, formando brasileiros no interior do Brasil para cuidar dos brasileiros; ampliando, nas universidades públicas, a formação, não só na graduação, mas nas especialidades que o Brasil precisa. E em debate com suas entidades, respeitando o que há de organizado, e não impondo à sociedade, como se faz quando os governos não acreditam no diálogo."

Ele evitou dar detalhes sobre as propostas que constarão no seu programa de governo. Questionado sobre como fará a redução no número de ministérios - outra promessa -, Campos se mostrou levemente irritado e disse que as propostas serão reveladas quando o programa for anunciado.

O evento contou com representantes da coligação PSB-Rede-PPS-PHS-PRP-PPL-PSL. Primeiro a discursar, o presidente do Conselho Federal de Medicina, Roberto D'Avila, atacou a política de saúde de Dilma, em especial o Mais Médicos. Também discursaram Marina Silva, o deputado Walter Feldman (PSB-SP), o vereador Laércio Benko (PHS-SP), o presidente do PPL paulista, Miguel Manso, o presidente do PPS, deputado Roberto Freire (SP), e a deputada Luiza Erundina (PSB-SP) - a mais aplaudida.

Campos culpa Dilma por falta de recursos

• Presidenciável diz que desoneração de tributos e juros subsidiados são responsáveis pela crise na educação e na saúde

• Candidato não diz como financiará as promessas de adotar o passe livre e destinar 10% da receita à saúde

Marina Dias - Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - O candidato do PSB à Presidência, Eduardo Campos, afirmou nesta segunda-feira (21) que "práticas equivocadas" do governo Dilma Rousseff são responsáveis pela falta de dinheiro para a saúde e educação pública no país. O ex-governador de Pernambuco disse que é preciso "inverter prioridades" para financiar projetos nessas áreas.

Em inauguração do comitê central de sua campanha, em São Paulo, Campos prometeu, se eleito, destinar 10% da receita bruta da União para a saúde, o que significa mais R$ 40 bilhões no setor.

"Tem dinheiro para fazer. Falta decisão política e mostrar onde estão os recursos."

Segundo o candidato, a desoneração de diversos setores, o subsídio aos juros e a distribuidoras de energia e o custeio da Petrobras são "práticas que levaram o Brasil ao menor crescimento da história". As medidas, no entanto, resultaram por ora na redução da conta de luz e no estímulo a investimentos no país.

Apesar das críticas ao governo, Campos não detalhou como financiará as promessas que fez na última semana. Além do pacote para a saúde, prometeu o passe livre para estudantes, como mostrou a Folha --e que deve custar R$ 12 bilhões--, irá apresentar em agosto proposta de emenda constitucional para a reforma tributária e disse que vai desburocratizar o sistema de repasse de verbas federais a prefeituras.

"Quando se consegue desonerações de R$ 100 bilhões, setor a setor, ninguém pergunta da onde vem o dinheiro [...] Quando o Brasil decide colocar mais de R$ 50 bilhões no setor elétrico, por erros crassos do governo, ninguém pergunta de onde vem o dinheiro [...] Nas nossas escolhas, vamos encontrar os R$ 38,7 bilhões da saúde e os R$ 12 bilhões do passe livre."

Saulo Queiroz: reeleição do PT vai de mal a pior

João Bosco Rabello – O Estado de S. Paulo

Análise do Secretário – Geral do PSD, Saulo Queiroz (MS), para este Blog, com base na mais recente pesquisa Datafolha, sugere que o índice de rejeição à presidente Dilma é o maior entrave à sua reeleição, identifica-o no PT, por causa do mensalão, e avalia que sua derrota eleitoral parece iminente.

Saulo considera que a candidatura governista vai mal em todo o país e com viés de queda. O autor é veterano personagem político, com participações decisivas no processo de redemocratização que elegeu Tancredo Neves, em 84, na Constituinte de 88 e, mais tarde, na aliança que elegeu Fernando Henrique Cardoso. Seu partido, hoje, é aliado a Dilma na eleição nacional. Segue o artigo.

De mal a pior
A última pesquisa Datafolha mostrou a extensão de uma doença que avança pelo País: a rejeição ao PT e a Dilma. Como são duas entidades diferentes, não é fácil saber qual é depositária do percentual mais forte, mas há indícios de que a rejeição ao PT é de controle mais difícil.

Outro aspecto que fica claro é sua susceptibilidade ao contágio, que aumenta com maior velocidade nos grandes conglomerados urbanos, mas avança também, mais lentamente, nas pequenas cidades e até em espaços que pareciam imunes, como o Nordeste, onde a rejeição a Dilma alcançou incríveis 23%.
Para se ter uma ideia do que isso significa vale lembrar que na eleição presidencial passada, em pesquisa Datafolha de 23.07.2010, a rejeição a Dilma em todo o País era de 19%. Nesta última pesquisa já alcança 35%, quase o dobro de igual período em 2010.

Para uma identificação mais precisa do depositário da maior taxa de rejeição, se o PT ou Dilma, é preciso uma rápida caminhada pelo País, começando pelo Sul. O PT tem candidato nos três Estados, mas apenas no Rio Grande do Sul seu candidato está em segundo lugar nas pesquisas.
No Paraná e Santa Catarina estão em terceiro. No Sudeste, o desempenho é pífio em São Paulo com Alexandre Padilha, sofrível no Rio de Janeiro, com Lindhberg Farias ,em quarto lugar, e sem expressão no Espírito Santo.

Apenas em Minas Gerais, com Fernando Pimentel, apresenta um desempenho satisfatório, mas a lógica é que ele não resistirá a máquina de moer carne que o espera, com Aécio Neves crescendo nas pesquisas para Presidente, um candidato ao governo, Pimenta da Veiga, de boa história, e um ao Senado, com a qualidade e aprovação de Antonio Anastasia, o governo do Estado e a maioria de deputados.

No Nordeste seu candidato na Bahia, maior colégio eleitoral da região está muito atrás do candidato do DEM. É segundo no Ceará e apenas no Piauí mantém folgada liderança. Nos demais Estados apoia candidatos de outras legendas, o que significa dizer que nestes quatro anos não consolidou personagens estaduais para concorrer ao cargo de governador, o que demonstra fragilidade partidária.
A pergunta que fica é: que culpa cabe à presidente Dilma por esta fragilidade do PT em seu principal reduto eleitoral que é o Nordeste. Penso que muito pouca. No Norte, afora o Acre onde pode reeleger o governador, não tem presença de destaque nos principais colégios eleitorais, visto que apoia o PMDB no Pará e Amazonas, além de fazer o mesmo em Tocantins.

No Centro Oeste tem candidato a reeleição no Distrito Federal com baixa perspectiva, em Goiás sem nenhuma e no Mato Grosso não tem candidato. Apenas em Mato Grosso do Sul tem perspectivas concretas de vitória porque seu candidato, o senador Delcídio Amaral, está bem a frente nas pesquisas e tem baixa rejeição. A questão é saber até onde ele resistirá ao processo de contaminação, visto que o Estado é vizinho de São Paulo e Paraná, onde é virulenta a rejeição ao PT – a maior em todo o País. Há que se vacinar para controlar o contágio.

Finalmente, é quase chocante que um partido que comanda o País há 12 anos, tenha favoritismo para eleger apenas três governadores, em Estados de pequena densidade eleitoral e dois senadores. Cinco em 54 disputas majoritárias. Quase nada. A pergunta, repetitiva, é se foi Dilma a responsável por uma rejeição que se estendeu por todo o Pais ou se foi o PT o principal responsável pela rejeição de Dilma. Não vale dizer que as duas se encontram.

A verdade é que estes últimos quatro anos de governo da presidente Dilma foram marcados por dificuldades na economia, não só aqui no Brasil, mas em quase todo mundo. Evidente que o governante paga uma conta que nem sempre é sua, como aconteceu nas eleições realizadas na Europa, mas é do jogo da política.

Lula presidente, a economia bombou, ele soube tirar proveito político disso e se tornou quase um ídolo no País. E ainda arrastou seu PT para o bom caminho da vitória nas eleições de 2010. Mas será que as dificuldades de Dilma, a baixa avaliação de seu governo, seria a causa principal para o desgaste do Partido em quase todos os Estados ou será que a causa é mais além?

Com certeza, mais além. No período do governo Dilma o País viveu o episódio que representou o maior massacre pelo qual já passou um partido na história política desse País: o julgamento do mensalão. Meses e meses de intensa cobertura de televisão, rádios e jornais de um julgamento onde o principal réu acabou se tornando o PT.

Engana-se quem acha que isto não teve grande importância. Teve sim e pensar o contrário é um menosprezo à opinião pública. Evidente que foi determinante para criar esse vírus da rejeição ao PT, que se espalha pelo País. A bem da verdade, nem Dilma nem seu governo têm qualquer coisa a ver com o mensalão. Ela, como muitos outros candidatos petistas, é apenas uma vítima.

Quanto à eleição presidencial deste ano o quadro caminha para um desfecho trágico para o PT e sua candidata. Quem estiver olhando para os números atuais das pesquisas e avalia que há um quadro de indefinição comete um erro básico de julgamento.

Há um status totalmente diferente entre os competidores, porque enquanto Dilma é conhecida por 99% dos eleitores, 19 e 36% desconhecem Aécio e Eduardo Campos, respectivamente. Todos os dados das pesquisas atuais mostram apenas a notória rejeição da candidata à reeleição.

Aécio e Campos são fatos para após o início do horário eleitoral. Vale que olhemos um pouco para 2010. Em 23.07, havia um empate entre Dilma e Serra, ambos com 36% de preferência. Em 15.09, com 25 dias de horário eleitoral, Dilma tinha 50% e Serra 27%.

Evidente que, agora, em meados de setembro, quando todos conhecerem melhor Aécio e Campos, os números serão diferentes e, tudo indica, um deles estará a frente de Dilma e, muito à frente, ambos, em uma simulação de segundo turno.

Não é provável, mas não impossível, que nesta data a campanha da presidente esteja com a preocupação voltada para assegurar sua presença no segundo turno. Apenas isso, porque não haverá mais nenhuma perspectiva de vitória.

Merval Pereira: Espírito público

• Serra define bem sua maneira de ver a ação política: “A democracia que convive bem com as iniquidades nos convida ao conservadorismo sem imaginação. Por outro lado, a permanente crispação das demandas, que não cuida de conservar o que se conquistou, conduz ao impasse. De algum modo, é o equilíbrio dessas duas forças que nos faz avançar”

• A UNE tinha papel fundamental nos anos que precederam ao golpe de 1964, e é surpreendente constatar como um estudante de 22 anos chegava ao ponto de discutir com o presidente a nomeação do ministro da Fazenda

• Serra lamenta que hoje exista muito mais intolerância no debate político do que naquela época “embora o conflito político ideológico daquela década fosse muitíssimo mais acentuado do que no Brasil de hoje”

- O Globo

Ao fim de seu livro “50 anos esta noite”, da editora Record, que lança no Rio hoje, o ex-governador de São Paulo, ex-ministro, ex-candidato à Presidência da República duas vezes e atual candidato ao Senado José Serra define bem sua maneira de ver a ação política: “A democracia que convive bem com as iniquidades nos convida ao conservadorismo sem imaginação. Por outro lado, a permanente crispação das demandas, que não cuida de conservar o que se conquistou, conduz ao impasse. De algum modo, é o equilíbrio dessas duas forças que nos faz avançar”.

Trata-se de relato pessoal dos anos pré-ditadura militar, quando teve atuação política no centro dos acontecimentos com apenas 22 anos, como presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), e do duplo exílio, do Brasil para o Chile e de lá, com a derrubada de Allende, novamente exilado em Roma e nos Estados Unidos, onde se formou doutor em economia em Princeton no Institute for Advanced Study.

Anos mais tarde, reler sua tese nunca publicada sobre a política econômica do governo Allende fez surgir “um ser fantasmático, aplicado, intelectualmente veemente, que se esfalfa para entender um trauma histórico e seguir em frente — eu mesmo outrora e agora”.

É interessante aprender como foi forjada a personalidade política de Serra, reconhecidamente um amante dos detalhes (“onde o diabo mora”), um administrador rigoroso e obstinado.

O que mais o incomodou no exílio não foi estar longe de casa, mas a impossibilidade de voltar e a falta de documentos. Por isso, recusou-se a devolver um passaporte brasileiro que recebeu por equívoco do cônsul em Santiago, Octávio Guinle, que acabou sendo punido pelo erro.

A UNE tinha papel fundamental nos anos que precederam ao golpe de 1964, e é surpreendente constatar como um estudante de 22 anos partilhava de conversas com o então presidente João Goulart e outros políticos renomados da época, a ponto de discutir com o presidente a nomeação do ministro da Fazenda, e com o deputado Leonel Brizola, o então governador Miguel Arraes, e outros, as ações políticas, tendo mais noção do que muitos de que a crise política se avizinhava.

Em reunião política nos dias tensos que antecederam ao golpe, Serra ouviu da boca de Jango: “Não vou terminar esse mandato, não. Não chego até o fim”.

A percepção da fragilidade do esquema político e militar do governo esteve sempre presente na atuação daquele estudante, que fez um discurso incendiário no Comício da Central, e depois do golpe acabou no Uruguai ao lado de Brizola, os dois exilados, recebendo oferta para participar da luta armada contra os militares que tomaram o poder, que descartou com piada.

Em todo o seu relato, Serra revela sua obsessão pelos detalhes: “Enquanto andava, morbidamente me perguntava se a bala do fuzil, além de derrubar-me, doeria”, referindo-se à saída do Estádio Nacional do Chile, onde vários presos políticos foram assassinados nos primeiros dias do golpe militar que instalou a ditadura.

Serra não mudou sua visão sobre o que aconteceu no Brasil, continua convencido de que o governo Goulart não preparava um golpe, e que o receio do perigo comunista foi incutido na população pela direita, com a ajuda dos meios de comunicação da época para que o golpe fosse viável.

Acusa a CIA de ter atuado no golpe militar, seja financiando o Instituto Brasileiro de Ação Democrática com suas campanhas anticomunistas; ou grampeando o ministro da Guerra Jair Dantas dentro de seu quarto de hospital, como sua ação desestabilizadora do governo Allende. E lamenta que hoje exista mais intolerância no debate político do que naquela época “embora o conflito político ideológico daquela década fosse muitíssimo mais acentuado do que no Brasil de hoje”.

É um belo documento histórico esse que Serra publica, comprovando o que ele afirma em certo momento: “Em nenhum momento do desterro duvidei do meu propósito e destino. Tudo o que estudei lá fora teve este norte: preparar-me para uma presença exemplar na vida pública brasileira”.

Dora Kramer: De calças curtas

- O Estado de S. Paulo

Justiça seja feita, o governo e boa parte do PT não alimentaram de vento a certeza de que a eleição de 2014 estava ganha.

A despeito das evidências em contrário, até pouco tempo atrás todas as pesquisas eram sustentadas na afirmação de que "se a eleição fosse hoje" a presidente Dilma Rousseff ganharia no primeiro turno.

O principal indício de que se tratava de uma precipitação era o fato de que nem Luiz Inácio da Silva com toda a sua popularidade conseguira vencer no primeiro turno nenhuma das duas eleições.
Outro, os problemas que a presidente já vinha colecionando entre os partidos de sua base de apoio no Congresso, com destaque para o PMDB. Estavam esperando apenas um abalo nos índices de avaliação positiva do governo dela para dar o troco no tratamento que recebiam.

Mais uma indicação: a presença na disputa de dois políticos jovens e experientes. Além disso, havia o desempenho do governo despertando insatisfações por todo o lado.

Por fim, a impossibilidade de se avaliar situações com um mínimo de realismo partindo de premissa falsa. "Se a eleição fosse hoje" já teriam ocorrido outros fatos que à época dessa afirmativa ainda não haviam ocorrido. O horário eleitoral, por exemplo.

Como chegar a uma conclusão sem que todas as informações da realidade estejam postas? Mas o PT e o governo acreditaram na fantasia. E perderam tempo imaginando que a força da inércia seria suficiente para assegurar a vitória.

Afinal de contas, mesmo quando Dilma começou a perder capital a oposição não deu sinais de se apropriar do eleitorado perdido. O movimento foi vagaroso. Até que a última pesquisa do instituto Datafolha mostrou o grau de dificuldade com a simulação do segundo turno.

Nesse ritmo a presidente corre o risco de ver o tucano Aécio Neves ultrapassá-la e, se não se aprumar, daqui a pouco ficar em situação de empate com Eduardo Campos. Sem dúvida é de assustar qualquer campanha. O PT e o governo foram pegos de calças curtas.

Não estavam preparados para uma disputa assim tão acirrada e as brigas entre os grupos de Lula e Dilma falam por si. Isso não significa, porém, que não possam vir a se preparar. Mas por ora batem cabeça e improvisam.

Lula é a arma principal. A dúvida é se ainda tem o potencial de uma bala de prata. Em 2010 elegeu Dilma, que começou mal, mas deslanchou assim que o então presidente entrou em campo.

Há diferenças abissais entre uma situação e outra. Ela era desconhecida e ele, extremamente bem avaliado, seu avalista. Hoje o julgamento negativo é sobre o governo dela e Lula tem pouca margem para pedir ao eleitorado simplesmente que renove a aposta.

Vai precisar arrumar um discurso para que primeiro, os eleitores parem de rejeitar Dilma; segundo, voltem a cair de amores por ela; terceiro, se encham de rancores por seus oponentes.

Cor de lodo. Começou ontem o recesso do Congresso que, por inconstitucional, não é oficial e por isso chamado de "branco". Inapropriadamente, diga-se, pois a cor é associada a asseio e este não é um atributo relacionado ao truque adotado por suas excelências para suspender os trabalhos antes de votar a Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2015, como manda a Constituição.

Daqui até as eleições haverá duas sessões no Senado e quatro na Câmara, num total de 144 horas de trabalho em dois meses e meio. Formalmente continua tudo normal. Foram suspensas apenas as sessões de votações. Na prática, ficam todos em seus Estados cuidando das respectivas eleições.

Seria bom que o eleitor a quem pedirão votos nesse período fique atento a esse assunto, já que continua pagando integralmente salários e verbas extras para deputados e senadores que não se acanham de criar uma situação de legalidade virtual que, na prática, joga o Congresso Nacional na ilegalidade de fato.

Eliane Cantanhêde: Pega ladrão!

- Folha de S. Paulo

Pouca gente notou, mas, durante todo o mês da Copa, não se ouviu falar de furtos, roubos, assaltos, tiros e assassinatos. A rotina de jogos e festas engoliu as notícias sobre violência à qual já estamos todos há muito acostumados.

O que houve? Ou brasileiros e gringos preferiram não dar queixa, ou as polícias engavetaram os números, ou a imprensa estava focada nos gols e nas Fan Fests, ou os ladrões, assaltantes e assassinos brasileiros foram tão patrióticos que selaram um trégua. Ou, quem sabe, eles também entraram de férias para ver os jogos?

Houve um hiato. Antes da Copa, os brasileiros e a imprensa nacional e parte da internacional relatavam casos horrendos, estatísticas cruéis. Cada um de nós tinha listas de casos de violência do dia, da semana, do mês, da amiga, do vizinho, da mãe, do sobrinho --quando não de nós mesmos. Durante a Copa, silêncio geral.

Passado o Mundial e entregue a taça aos alemães, continuou-se não falando, ou falando pouco, em índices de violência nas 12 cidades-sedes durante o evento, como se Rio, Recife, Manaus, São Paulo... fossem ilhas de paz. Não são mesmo.

No próprio balanço do governo Dilma, com mais de 15 ministros, elogiou-se o bem-sucedido esquema de segurança nos estádios e despencou-se uma profusão de números: tantos turistas estrangeiros, tantos torcedores nas arquibancadas, tantos usuários de aeroportos, tantos isso, tantos aquilo. Nada sobre crimes fora das arenas, parte da paisagem no Brasil.

As luzes começam a surgir aos poucos, daqui e dali. Não sei quantos latino-americanos ficaram sem dinheiro e documentos para voltar, mais de 12 mil argentinos foram vítimas de roubo/furto no Rio e, segundo levantamento do site G1, os furtos em trens, metrôs e ônibus aumentaram 379% em São Paulo em relação ao ano passado. Imagine fora deles!

Os gringos se foram, os brasileiros reassumiram o trabalho, o aparato de segurança voltou ao "normal". Que tal estatísticas reais e consolidadas?

Raymundo Costa: PSDB de São Paulo se rende a Aécio

• Tucanos passam por um momento de contida euforia

- Valor Econômico

Depois de disputar e perder dividido as últimas três eleições presidenciais, desde 2002, o PSDB de São Paulo se engajou efetivamente na cruzada do senador mineiro Aécio Neves para despejar o PT do Palácio do Planalto. Pode ser temporário, mas no momento José Serra, Fernando Henrique Cardoso e até o governador Geraldo Alckmin, entre outros tucanos bons de voto na capital, estão juntos com o candidato do partido, algo impensável há pouco mais de um ano. O governador paulista é um potencial candidato em 2018 e tem alianças regionais que colidem com o projeto de Aécio Neves, mas hoje atrapalha menos que semanas atrás, quando vislumbrava uma reeleição bem mais difícil para o Palácio dos Bandeirantes.

Vários fatores contribuíram para a boa convivência de Aécio com o PSDB de São Paulo, o maior e mais influente do país, e com o qual atravessou às turras as eleições presidenciais de 2002, 2006 e 2010. O perfil do candidato, um político formado na melhor escola mineira do diálogo entre adversários, foi decisivo. Mas o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso também teve um papel fundamental para que Aécio chegasse à esta altura da campanha numa zona de conforto partidário, o que não aconteceu com José Serra nem com Geraldo Alckmin, os candidatos que antes dele tentaram desalojar o PT.

Em maio do ano passado, quando já dispunha da maioria para receber a indicação do PSDB à sucessão, Aécio teve uma reunião em São Paulo com o ex-presidente Fernando Henrique e o ex-ministro e hoje vereador em São Paulo Andrea Matarazzo. Na conversa o vereador tucano mostrou para Aécio o modelo das campanhas presidenciais de FHC, assentadas sobre uma estrutura própria nos Estados, especialmente em São Paulo.

Concebido por Sérgio Mota, homem forte do primeiro mandato de FHC, falecido em 1998, a chave do modelo é a separação das campanhas nacional e estadual. A campanha presidencial não atrapalha a do candidato a aliado a governador, por mais diferente que sejam as suas coligações. Matarazzo pode constatar a praticidade do modelo, sobretudo, na campanha da reeleição de FHC, quando o presidente era apoiado, em São Paulo, por Mário Covas e Paulo Maluf, adversários inconciliáveis. E atribui ao apoio de Maluf boa parte dos votos que fizeram FHC levar no primeiro turno a eleição de 1998.

É o modelo atualmente em prática em São Paulo. Cada um faz sua campanha, normalmente, e juntos onde não há nenhum conflito de coligação. A estrutura própria da campanha presidencial rende mais e elimina eventuais atritos. Desde a conversa com FHC e Matarazzo, que virou coordenador da campanha na capital, Aécio circulou muito no interior e fez mais de 15 eventos com o grupo de prefeitos que conheceu na época e que hoje fazem a coordenação regional da campanha. Pegou o jeito e as peculiaridades do lugar, segundo os paulistas.

Além de potencial candidato em 2018, logo um concorrente de Aécio dentro do PSDB, Alckmin tem coligação com partidos com outros candidatos a presidente da República, como é o caso do PSB do ex-governador Eduardo Campos. Entre os integrantes da estrutura de campanha de Aécio entende-se que de nada adianta pressionar o governador: Alckmin até poderia não fazer campanha para Campos, nos municípios onde está associado ao PSB, mas poderia hostilizar o candidato do PSDB. Esse tipo de atrito diminuiu com a existência de uma estrutura própria para cobrir tais situações.

A estrutura de Aécio em São Paulo é integrada por Alberto Goldman, ex-governador, o candidato a vice, senador Aloysio Nunes Ferreira, Matarazzo, que tem a memória do modelo concebido por Sergio Mota, e José Aníbal, adversário figadal de Serra, mas que concordou em ficar na primeira suplência no chapão do PSDB. O simples fato de Geraldo Alckmin "estar junto" já é considerado de grande ajuda para a campanha. Não foi fácil para os tucanos desenhar essa configuração de forças.

Quando José Serra desistiu formalmente de uma nova candidatura presidencial, em dezembro do ano passado, se prontificou a concorrer à Câmara ou ao Senado. Sempre esteve evidente que o ex-governador paulista preferia o Senado, mas estava isolado no partido. Primeiro, Serra pressionou por um acordo para o ex-prefeito Gilberto Kassab ser o vice na chapa de Alckmin à reeleição, pois isso o levaria naturalmente à indicação para a vaga em disputa no Senado.

Alckmin boicotou o acordo com o PSD de Kassab, de todas as formas, e ao fim compôs com o PSB de Eduardo Campos. Serra ficou solto no ar. Durante um tempo Aécio sugeria seu nome para candidato ao Senado, enquanto Alckmin sugeria que Serra fosse o vice de Aécio. Parecia jogo de empurra. Aécio, viu-se mais tarde, estava sinceramente empenhado em ter a seu lado um candidato com "recall" de disputas passadas e que já derrotara o PT em eleições para a prefeitura e o governo do Estado. Nesse momento interveio FHC. O ex-presidente teve uma conversa dura com Alckmin. A união é questão de sobrevivência para o PSDB.

Se Aécio ganhar a eleição de 5 de outubro, é provável que José Aníbal assuma a cadeira no Senado, porque o titular José Serra pode ser chamado para um ministério. Nos bastidores do PSDB fala-se no Ministério das Relações Exteriores. Aécio vende bem a expectativa de que em seu governo, se ganhar a eleição, haverá espaço para todo o PSDB, especialmente o de São Paulo.

Quem participou de todo o processo testemunha que Aécio teve um papel vital nas negociações. A imagem que se faz hoje de Aécio Neves, entre os tucanos de São Paulo, é de um político que "cisca para dentro", ou seja, agrega ao invés de dividir, como ocorreu nas últimas campanhas do PSDB. Nesse aspecto, ajudou muito a identidade com FHC, o ideólogo da reorganização tucana.

Com os bons números observados nas pesquisas, nas quais Aécio já aparece empatado com a presidente Dilma Rousseff em eventual segundo turno, os tucanos atravessam um momento de contida euforia, justamente quando o PT reconhece que passa por um mau bocado em São Paulo.

Luiz Carlos Azedo: A volta à calma

• Os preços de alimentos têm surpreendido positivamente. Comida mais cara é um tormento para qualquer candidato oficial. A outra face da moeda, porém, é o baixo crescimento, que significa queda do emprego

- Correio Braziliense

A semana começa sem muitas emoções à vista, na campanha eleitoral, depois do Datafolha que registrou empate técnico entre a presidente Dilma Rousseff e o candidato tucano Aécio Neves num eventual segundo turno e, também, a possibilidade de uma disputa mais acirrada se o adversário da petista for o socialista Eduardo Campos. Aguarda-se o resultado da pesquisa do Ibope que foi à rua hoje para confirmação do cenário, no qual a grande polêmica é o destino dos indecisos do primeiro turno.

A volta à calma — depois da Copa do Mundo e da rebordosa do fracasso da Seleção Brasileira de futebol — registra ainda o retorno triunfal do ex-zagueiro Dunga ao comando do escrete canarinho. Já que estamos falando de futebol, Dilma encontrou-se ontem com os jogadores do Bom Senso F.C., grupo que defende melhorias no futebol brasileiro, no Palácio do Planalto. Faz um esforço para desvincular sua imagem do fracasso de Felipão e da chamada "família Scolari", e também dos malfeitos dos cartolas do futebol brasileiro. Bola que rola!

O candidato do PSDB, Aécio Neves, ontem voltou às bases históricas de seu avô, cuja imagem de democrata moderado e agregador inspira sua campanha. Foi no Santuário da Serra da Piedade, em Caeté (MG), que Tancredo Neves iniciou a jornada que o levou à Presidência em 1984. A morte de Tancredo frustrou o país e, principalmente os mineiros, que aspiram voltar ao centro do poder.

Eduardo Campos e Marina Silva, candidato a presidente da República do PSB e sua vice, respectivamente, inauguraram o seu comitê central da campanha ontem, na Vila Clementino, Zona Sul de SP. O candidato do PSB, empacado nas pesquisas, adotou uma campanha mais propositiva. O problema de Campos , que apoia a reeleição do governador Geraldo Alckmin (PSDB), é combinar suas alianças regionais com Marina.

Uma de português
Depois do grande encontro do Brics em Fortaleza, na semana passada, no qual foi criado um bilionário banco de investimentos em parceria com a China, a Rússia, a Índia e a África do Sul, o português que preside a Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso, desembarcou por aqui e pôs o dedo na ferida: "A mim, parece absurdo que a União Europeia tenha acordos de livre comércio com praticamente o mundo inteiro e não com o Brasil. O Brasil é o ponto mais importante do Mercosul", disse.

Na avaliação do presidente da Comissão Europeia, "se a União Europeia fechar um acordo com os EUA, abrindo para a carne bovina, por exemplo, que é um assunto importante para a economia brasileira, as importações são limitadas. Se abrirmos para o Canadá, os Estados Unidos e outros, quando formos fechar com o Brasil, pode não haver muito mais o que interessa". O Brasil está a reboque da Argentina no Mercosul.

A propósito, uma notícia boa sobre a economia é a queda da inflação. O relatório Focus publicado pelo Banco Central ontem traz uma previsão de que o IPCA de 2014 teve um recuo de 6,48% para 6,44%. Apesar do patamar arriscado, a expectativa para inflação oficial melhorou porque a evolução dos preços de alimentos tem surpreendido positivamente. Comida mais cara é um tormento para qualquer candidato oficial.

A outra face da moeda, porém, é o baixo crescimento, que significa queda do emprego. Os economistas esperam um PIB abaixo de 1% para este ano. Hoje o IBGE divulgará o IPCA-15 de julho. As previsões já contam com uma redução importante do índice. Na quinta-feira, o BC divulgará a ata da última reunião do Copom, que manteve os juros em 11% ao ano. Muitos analistas acreditam os juros não só não subirão, como podem até cair se o PIB seguir enfraquecendo.

E agora, Mujica?
A advogada Eloisa Samy e o ativista David Paixão pediram asilo ao Uruguai. Procuraram abrigo no Consulado-Geral do Uruguai, no Rio, onde estão desde ontem. Investigados por associação criminosa, Eloisa, Paixão e mais 21 ativistas tiveram a prisão preventiva decretada na sexta-feira pela mão pesada da Justiça carioca. Eloisa se considera perseguida política e teme pela garantia de seus direitos no curso do processo. Em vídeo, a advogada afirmou não conhecer parte das pessoas denunciadas e disse que seu único crime é a "atuação na defesa constitucional do direito de manifestação". Em 2013, ela defendeu manifestantes presos em protestos.

Ives Gandra da Silva Martins: Vocação bolivariana

- O Estado de S. Paulo

A edição do Decreto n.º 8.243/14 pela presidente Dilma Rousseff, instituindo conselhos junto aos diversos ministérios, com funções nitidamente de imposição às políticas governamentais, está na linha do aparelhamento do Estado, que pretende criar uma nova classe dirigente no estilo denunciado por Milovan Djilas em A Nova Classe, quando o fantasma soviético preocupava o mundo ocidental. Esse decreto objetiva tornar o Poder Executivo o verdadeiro e único poder, reduzindo o Congresso Nacional a um organismo acólito.

Tive a oportunidade de ler as Constituições da Venezuela, da Bolívia e do Equador, a pedido da Fundação Alexandre de Gusmão, quando era presidida pelo embaixador Jerônimo Moscardo, que veiculou o texto de todas as Constituições das Américas, com estudos de constitucionalistas de diversos países. Impressionou-me a imensa diferença entre os três textos e o da Constituição brasileira, que, no artigo 2.º, assegura a independência dos Poderes.

É de lembrar que o Poder Executivo, politicamente, não representa o povo por inteiro, mas apenas a sua maioria. E nos casos em que o chefe do Executivo foi eleito em segundo turno, nem a maioria. Por outro lado, o Poder Judiciário é apenas um poder técnico, sendo a Suprema Corte escolhida por uma pessoa só, o presidente da República.

A totalidade da representação popular está no Parlamento, constituído que é por representantes do povo, tanto os favoráveis ao governo como os contrários a seus detentores. Pode não ser o ideal, contudo representa a vontade de toda a sociedade.

Ora, nas três Constituições bolivarianas o Poder Legislativo é amesquinhado, ao ponto de, na Carta venezuelana, poder declinar de sua competência, transferindo-a para o chefe do Executivo. Os plebiscitos e referendos, nessas Constituições, podem ser convocados pelo presidente. No Equador, o presidente pode dissolver o Parlamento, mas se este o destituir, dissolve-se automaticamente. Na Bolívia, a Suprema Corte é eleita pelo povo, cuja manipulação pelo Poder Executivo não é difícil.

É que tais modelos conformam um sistema político de dois Poderes principais e três Poderes secundários, a saber: o Executivo e o povo são os principais; o Judiciário, o Legislativo e o Ministério Público, os secundários. Por conseguinte, como o povo é facilmente manipulado em regimes de Executivo forte, os modelos dos três países têm um único Poder - e a população é facilmente enganada.

Não se pode esquecer que o culto povo alemão foi envolvido por Adolf Hitler, o mesmo tendo acontecido com o povo italiano, por Benito Mussolini, para não falar dos russos nos tempos de Josef Stalin.

Voltando ao referido Decreto 8.243/14, pretende ele substituir a democracia das urnas por outra dirigida pelo Poder Executivo, com seus grupos enquistados em cada ministério. Então, se o Conselho da Comunicação Social, por exemplo, entender que deve haver controle da mídia, o Executivo, prazerosamente, dirá que o fará, pois essa é a "vontade dos representantes da sociedade civil organizada"!

A veiculação do decreto, em momento no qual se torna evidente o clamoroso fracasso da política econômica do governo Dilma, obrigará um futuro presidente da República, se sério e competente, a realizar um forte ajuste de contas. Caso decida extinguir os conselhos, poderá ser acusado de estar "agindo contra o povo"; e se os mantiver, terá dificuldades para governar.

Na eventualidade de ser a presidente reeleita, poderá impor os seus sonhos guerrilheiros, que ficaram claros quando, em atitude de adoração cívica, em recente visita a Fidel Castro, teve estampada a sua fotografia com o sangrento ditador cubano.

É isso o que me preocupa, em face da permanente proteção da atual presidente aos falidos governos boliviano, venezuelano e argentino, assim como a resistência em firmar acordos bilaterais com países desenvolvidos, sobre dar sinais de constante aversão à lucratividade das empresas, seja nas licitações, seja por meio de esdrúxula política tributária, indecente para um país como o Brasil.

Além do mais, o seu governo tornou a Petrobrás e a Eletrobrás instrumentos de combate à inflação pelo caminho equivocado do controle de preços. Tal política sinaliza que dificilmente ela fará os necessários reajustes na esclerosada máquina administrativa.

Com os tais conselhos criados, sempre que o governo tomar uma medida demagógica, poderá dizer que a "sociedade civil organizada" é que a está exigindo...

Por essa razão, é de compreender o discurso ultrapassado, do século 19, de luta contra as elites, apresentado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, preparando o terreno para medidas "a favor do povo" e contra "os geradores de empregos", que, na sua visão, são os ricos. Por isso também Vladimir Putin, que deseja restaurar o Império Soviético, é para a presidente Dilma Rousseff um parceiro melhor do que Barack Obama (EUA), representante, para ela, da "oligarquia econômica".

Como cidadão, respeitando a presidente pelo cargo que ocupa em razão de uma eleição democrática, tenho, todavia, cada vez mais receio de que o eventual risco de perder o poder leve seu grupo a ser dirigido pelos mais radicais, que se utilizarão dos ditos conselhos para, definitivamente, semear a cizânia, na renascida democracia brasileira.

Ives Gandra da Silva Martins é professor emérito das Universidades Mackenzie, Unip, Unifieo, Unifmu, do Ciee/O Estado de S. Paulo, da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército e da Escola Superior de Guerra, é presidente do conselho superior de direito da Fecomércio-SP, fundador e presidente honorário do Centro de Extensão Universitária