sexta-feira, 30 de maio de 2014

Opinião do dia: Ronaldo Fenômeno

Na entrevista que eu dei (à agência Reuters), eu sinalizei principalmente as obras de infraestrutura, não exatamente os estádios. Eu quis dizer as obras que ficariam de legado para a população. Os estádios eram a exigência principal da Fifa para fazer a Copa do Mundo. E aí estão, mal ou bem, estarão prontos para a Copa do Mundo. A gente tem estatísticas, isso já é noticiado muito na imprensa, de que 30% do que foi prometido vai ser entregue para a Copa do Mundo, e essa é a minha indignação, a minha vergonha. A maior prejudicada nisso é a população.

Ronaldo Fenômeno, em entrevista, 29 de maio de 2014

Ameaças precipitaram saída de Barbosa do STF

• Pessoas próximas contaram que ameaças e agressões na internet e até em locais públicos o levaram a sair do STF

• Aos 59 anos, Barbosa deixará o STF no final do mês que vem

Carolina Brígido,  Washington Luiz e Maria Lima – O Globo

BRASÍLIA - A decisão do ministro Joaquim Barbosa de antecipar sua saída da presidência do Supremo Tribunal Federal (STF) e também da Corte, prevista para o fim do ano, foi precipitada pelas ameaças que ele vem sofrendo, especialmente por causa de sua atuação à frente do julgamento do mensalão do PT. Aos 59 anos, Barbosa deixará o STF no final do mês que vem. Pessoas próximas ao ministro contaram que as ameaças e as agressões sofridas por Barbosa, pela internet e até em locais públicos, o levaram a decidir sair antes do previsto.

— Não se surpreendam se eu largar o Supremo antes das eleições — avisou Barbosa numa dessas conversas, informando que voltaria a dar aulas e a fazer palestras.

Antes do julgamento do mensalão, o ministro frequentava restaurantes e bares em Brasília e no Rio. E continuou a fazê-lo por algum tempo. Tudo mudou nos últimos meses, especialmente após a prisão de mensaleiros. Com a profusão de ameaças nas redes sociais, e o episódio em que foi abordado por um grupo de militantes do PT, ao deixar um restaurante em Brasília, Barbosa se sentiu forçado a mudar seus hábitos.

— Ele passou a evitar locais públicos por medo em relação à sua segurança. Parou de sair — disse um amigo de Barbosa: — Agora, ele está se sentindo aliviado. Ele estava cansado, quer viver a vida. Estava muito patrulhado, se sentia agredido com palavras, com provocações. Me disse: “Tô precisando viver”.

Ameaças nas redes sociais
Segundo a revista “Veja”, um perfil apócrifo no Facebook dizia que o ministro “morreria de câncer ou com um tiro na cabeça” e que seus algozes seriam “seus senhores do novo engenho, seu capitão do mato”. Outro perfil dizia: “Contra Joaquim Barbosa toda violência é permitida, porque não se trata de um ser humano, mas de um monstro e de uma aberração moral das mais pavorosas. Joaquim Barbosa deve ser morto”. A Polícia Federal investiga a origem das ameaças.

— Esse fator (as ameaças) contribuiu para sua saída antecipada — disse outro interlocutor do ministro.

Barbosa acordou ontem decidido e, de manhã , foi dar a notícia à presidente Dilma Rousseff, que ficou surpresa. Depois, despediu-se oficialmente dos presidentes do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN). Como Ilimar Franco contou em seu blog, Barbosa disse a Henrique Alves que não pretende seguir carreira política.

— Política, de jeito nenhum! — afirmou o presidente do STF.

Descontraído, ainda falou sobre o seu futuro.

— Vou fazer como o Lula, vou dar palestras — disse Barbosa.

Após esses encontros, Barbosa anunciou sua aposentadoria precoce no início da sessão de ontem do Supremo.

— Tenho uma informação de ordem pessoal a trazer: decidi me afastar do STF no final de junho. Afasto-me não apenas da presidência, mas do cargo de ministro. Requererei o meu afastamento do serviço público após quase 41 anos. Tive a felicidade, a satisfação e a alegria de compor esta Corte no que é, talvez, o seu momento mais fecundo, de maior criatividade e de importância no cenário político institucional do nosso país. Sinto-me deveras honrado de ter feito parte deste colegiado e de ter convivido com diversas composições e, evidentemente, com a atual composição do STF. Agradeço a todos, meu muito obrigado — afirmou.

Barbosa ficou popular com o julgamento do mensalão, a ponto de ser bem avaliado nas pesquisas de intenção de voto para a Presidência da República. No entanto, os eleitores não poderão ver seu nome nas urnas em outubro. Além de sua disposição de não concorrer, o prazo de desincompatibilização de juízes com os cargos que ocupam venceu em 4 abril. Quem não fez isso a tempo não pode se candidatar.

— Ele teria que ter se desincompatibilizado até 4 de abril. Parece que o cavalo passou encilhado e ele não colocou o pé no estribo. Não dá mais. Agora, ele está inelegível — explicou o ministro Marco Aurélio Mello.

Amadurecida ao longo dos últimos anos, a ideia de deixar o Supremo começou a tomar forma concreta em janeiro, durante viagem à França e à Inglaterra, onde deu palestras e participou de eventos representando o STF.

— Essa decisão (tomei) naqueles 22 dias que tirei em janeiro, estive na Grã-Bretanha e na França. Aquilo foi decisivo para minha decisão — explicou.

Nos últimos dias, Barbosa procurou ao menos três ministros para contar a novidade — entre eles, Luiz Fux, o integrante do Supremo com quem tem maior proximidade. Os outros não sabiam de nada. Marco Aurélio está no grupo dos surpreendidos.

— Não sabíamos de nada. Pelo menos, eu não tinha conhecimento de que ele deixaria o tribunal. Pega de surpresa o Supremo, pelo menos um dos integrantes, que sou eu — afirmou.

Com a saída do relator do mensalão, o processo será conduzido por outro ministro, a ser sorteado para a função assim que Barbosa deixar a Corte oficialmente. Esse ministro ficará responsável pela execução das penas dos 24 condenados. E tomará decisões referentes ao direito ao trabalho externo de presos no regime semiaberto — benefício que Barbosa negou recentemente a oito condenados, incluindo o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu.

No plenário do STF, Barbosa anuncia sua aposentadoria

• Mais cedo, presidente do Supremo comunicou decisão a Renan Calheiros e Henrique Alves

Carolina Brígido, Luiza Damé e André de Souza – O Globo

Joaquim Barbosa anunciou sua aposentadoria Ailton de Freitas / O Globo
BRASÍLIA - O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Joaquim Barbosa, anunciou no começo da tarde desta quinta-feira a sua aposentadoria. No plenário da Corte, ele disse que deixa os colegas em junho, antes do recesso. Barbosa falou no passado ao comentar sua participação na Corte, e agradeceu aos ministros.

- Tenho uma informação de ordem pessoal a trazer: decidi me afastar no STF no final de junho.

Afasto-me não apenas da presidência, mas do cargo de ministro. Requererei o meu afastamento do serviço público após quase 41 anos. Tive a felicidade, a satisfação e a alegria de compor esta Corte no que é, talvez, o seu momento mais fecundo, de maior criatividade e de importância no cenário político institucional do nosso país. Sinto-me deveras honrado de ter feito parte deste colegiado e de ter convivido com diversas composições – e, evidentemente, com a atual composição do STF. Agradeço a todos, meu muito obrigado.

O ministro Marco Aurélio Mello, o mais antigo presente à sessão plenária desta quinta-feira, falou logo após Barbosa. Ele lamentou que o ministro esteja deixando a Corte antes da aposentadoria compulsória. Mello fez menção à trajetória de Barbosa na Corte e desejou sucesso ao colega.

- Registro o meu sentimento pessoal, mas creio que seja também o sentimento dos colegas. Costumo dizer que a cadeira do Supremo tem uma envergadura maior. Somos 11 integrantes da Suprema Corte nos pronunciando sobre a eficácia da Constituição Federal. Este fato sinaliza uma estabilidade maior na composição do tribunal. Mas devemos reconhecer que a saída espontânea do tribunal é um direito de cada qual, atendidos os requisitos constitucionais e legais. Tem-se um ato no âmbito da manifestação espontânea da vontade – disse Mello.

Sobre o mensalão, Mello destacou que o julgamento relatado por Barbosa ajudou a reafirmar que “a lei é para todos indistintamente”, e que “processo em si não tem capa, tem conteúdo”.

- Vossa excelência chegou ao tribunal em 2003 e esteve a atuar nas turmas, atuando também no colegiado maior, que é o plenário, tendo em conta desígnios insondáveis. Veio a ser relator de uma ação penal importantíssima no que o Supremo, como colegiado, acabou para reafirmar que a lei é para todos indistintamente, e que processo em si não tem capa, tem conteúdo. E que não se agradece este ou aquele ato a partir da ocupação da cadeira no Supremo. Refiro-me à ação penal 470, que foi julgada acima de tudo pelo Supremo como colegiado. Lamento a saída de vossa excelência. Penso que devemos ocupar a cadeira até a undécima hora, mas compreendo, já que estou muito acostumado a viver com a divergência, a decisão tomada a partir do próprio estado de saúde de vossa excelência. Só posso desejar a vossa excelência que seja muito feliz na área que venha escolher para a atuação.

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, elogiou Barbosa, mas disse que a decisão é “incorreta”. Ele lembrou o período em que o presidente do STF esteve no Ministério Público

- Fica aqui um protesto pela saída prematura e o agradecimento do Ministério Público brasileiro pelo comportamento de vossa excelência como membro Ministério Público e ministro desta Corte. Ao ver do Ministério Público, é uma incorreta decisão de se ausentar de maneira antes do tempo deste honroso cargo. Sinta-se com o dever absoluta e totalmente cumprido. Que o senhor tenha sucesso no seu caminho.

Ele lembrou que ambos assumiram o cargo em outubro de 1984.

- Todos cabeludos, sem cabelo branco e sem barriga. Jovens, idealistas. Jamais sonhei estar aqui ocupando o cargo de procurador-geral da República e dividindo a responsabilidade com vossa excelência, como presidente desta Corte.

Mais cedo, Barbosa passou pelo Senado e pela Câmara dos Deputados para anunciar sua aposentadoria aos presidentes das duas casas. Barbosa comunicou ao senador Renan Calheiros (PMDB-AL) que deixará o tribunal. Depois, ele conversou com o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Aves (PMDB-RN). Segundo Alves, Barbosa disse que agora “vai se dedicar à vida privada”. Há meses ele vinha deixando claro sua intenção de se aposentar até o fim deste ano.

- Ele (Joaquim) disse que vai deixar o STF. Nos comunicou que a visita era para se despedir.

Sentimos muito porque é uma das melhores personalidades do país. Estamos muito tristes - disse Renan Calheiros.
No percurso entre o Senado e o gabinete do presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), Joaquim evitou confirmar, mas indiretamente já havia deixado claro se aposentaria mesmo.

- Aguardem. Direi no momento oportuno. Não confirmo nada - disse Joaquim.

Antes de ir para o Senado, Barbosa se encontrou com a presidente Dilma Rousseff, no Palácio do Planalto. Foi Barbosa quem pediu a audiência, que durou cerca de 15 minutos. Segundo o Planalto, participaram do encontro somente Barbosa e Dilma. O ministro pediu que a presidente mantivesse reserva sobre o teor da conversa.

Barbosa repassaria a presidência do STF no fim do ano para o ministro Ricardo Lewandowski, com que quem ele não tem bom relacionamento desde o início do processo do mensalão, quando ambos ficaram em campos opostos.

Henrique Alves confirma decisão de Barbosa
O presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), também falou sobre sua conversa com Barbosa.

- Ele (Joaquim) veio de forma gentil e respeitosa nos comunicar que vai se aposentar agora, antes do recesso (em julho). Ele disse que já vinha amadurecendo essa questão há tempos e que tomou essa decisão há dois meses - disse Henrique Eduardo Alves, que continuou:

- Foi um mandato importante (de Joaquim no STF), polêmico, mas com uma conduta muito responsável. Desejei-lhe boa sorte na nova vida que vai iniciar. Ele disse que sai com a consciência de dever cumprido e que vai se dedicar à vida privada. Disse também que ficará entre Rio e Brasília.

E que vai assistir à Copa do Mundo - completou Alves.

Barbosa não pode mais ser candidato este ano
Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello e Gilmar Mendes disseram nesta quinta-feira que Joaquim Barbosa não pode mais se candidatar nas eleições deste ano. Para isso, teria que ter deixado o cargo com pelo menos seis meses de antecedência, ou seja, até o começo de abril.

- Ele teria que ter se desincompatibilizado (do cargo de ministro do STF) até 4 de abril. Parece que o cavalo passou encilhado e ele não colocou o pé no estribo. Não dá mais. Agora, ele está inelegível - explicou Marco Aurélio.

O ministro criticou a decisão de Barbosa de deixar o cargo. Por outro lado, minimizou o caso, lembrando das fortes dores de coluna do colega. Marco Aurélio disse que vai deixar o cargo só quando não o deixarem mais, ou seja, quando completar 70 anos, idade da aposentadoria compulsória.

- Ele tem um problema seríssimo de coluna. Eu como integrante do Supremo não concebo que se vire as costas a uma cadeira no Supremo. Eu, por exemplo só vou sair na undécima hora, com cartão vermelho, "vai pra casa". Agora, ele tem um problema de saúde muito sério. E talvez por isso esteja deixando. Meu Deus do céu, ele é um homem de quantos anos? - questionou Marco Aurélio.

Informado de que Barbosa fará 60 anos em outubro, o ministro disse:

- Teria praticamente 11 anos (ainda de Supremo).

Barbosa confirma em plenário sua aposentadoria do Supremo

• Em uma fala rápida e objetiva, o presidente do Supremo disse que deve se afastar no final de junho

Nivaldo Souza - Agência Estado

BRASÍLIA - O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Joaquim Barbosa, confirmou em plenário na tarde desta quinta-feira, 29, que deixará a Corte máxima da Justiça no País. No discurso, ele informou que o afastamento das funções será no final de junho por uma decisão pessoal.

A fala foi curta e objetiva. Barbosa lembrou o julgamento do mensalão como seu maior feito no Supremo. "Tive a felicidade, a satisfação e alegria de passar a compor essa Corte no que talvez seja seu momento mais fecundo de maior importância no cenário político institucional do nosso País", afirmou.

Barbosa também se disse "deveras honrado" por ter feito parte do colegiado do STF.

O anúncio foi comentado pelo ministro Marco Aurélio Mello, que desejou "boa sorte" a Barbosa nas próximas empreitadas. Segundo Mello, Barbosa deixa o posto devido a problemas de saúde - o ministro sofre de uma doença na coluna -, mas o presidente do Supremo não comentou a motivação para deixar o cargo.

"Como mais antigo da sessão, registro sentimento a princípio pessoal, mas que creio ser também dos demais colegas. A cadeira do Supremo tem uma envergadura maior", disse Mello. "Vossa excelência foi relator de uma ação penal importantíssima do que o Supremo, como colegiado, veio a afirmar que a lei é lei para todos e que processo em si não tem capa, processo tem conteúdo", recordou.

Mello lamentou a saída do colega de Corte, afirmando que ocupar uma cadeira no Supremo é uma honra para a vida toda. "Lamento a saída mas compreendo a decisão tomada, até mesmo a partir do estado de saúde de vossa excelência".

A aposentadoria de Barbosa foi anunciada ainda durante na manhã desta quinta pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). Na quarta, o presidente do Supremo já teria dado sinais de sua decisão ao redistribuir o processo do mensalão.

Para Aécio, ministro Joaquim Barbosa ‘faz bem à Justiça’

• Pré-candidato do PSDB à Presidência diz que país ‘aprendeu a respeitar’ o presidente do STF

Sérgio Roxo - O Globo

APARECIDA (SP). O pré-candidato do PSDB à Presidência da República, senador Aécio Neves (MG), avalia que o Supremo Tribunal Federal (STF) perde com a decisão do ministro Joaquim Barbosa de renunciar.

— Acho que é um homem que o Brasil aprendeu a respeitar. Pode se gostar ou não dele, mas é um homem íntegro, honrado e que faz muito bem à Justiça brasileira— disse Aécio nesta quinta-feira, em Aparecida (SP), onde visitou o presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Dom Raymundo Damasceno.

Depois de uma conversa de cerca 20 minutos com Dom Raymundo, o senador afirmou que o objetivo do encontro era construir uma agenda de temas convergentes entre a sua candidatura e a Igreja Católica, como a defesa da reforma política. O presidente da CNBB disse que a iniciativa da visita partiu do tucano.

Aécio disse não acreditar que temas caros à Igreja, como o aborto, voltem a dominar a campanha eleitoral deste ano, assim como aconteceu na disputa de 2010.

— A contribuição que a Igreja Católica possa dar, assim com outros igrejas, deve ser recebida com muita humildade por todos os candidatos_ disse o senador.

De acordo com o presidenciável, a posição da sua campanha em relação ao aborto não entrou na pauta da conversa com Dom Raymundo:

— Não vou falar sobre isso aqui hoje.

Aécio disse ainda que, se convidado, visitará também igrejas evangélicas durante a campanha. Após a conversa com Dom Raymundo, o pré-candidato foi até a a Basílica de Aparecida. No local, se ajoelhou diante da imagem da Padroeira, cumprimentou fieis e posou para fotos.

Campos diz que todos os partidos gostariam de ter Barbosa

• Para Aécio, Supremo perde com a saída do presidente

Renato Onofre - O Globo

SÃO PAULO - O pré-candidato à Presidência, Eduardo Campos (PSB), afirmou que “todos os partidos do Brasil que prezam a justiça e democracia” gostariam de ter o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Joaquim Barbosa, em seus quadros. O anúncio da aposentadoria do ministro reacendeu a esperança de Campos de tê-lo filiado ao PSB. Em fevereiro deste ano, o ex-governador de Pernambuco chegou a declarar que Barbosa “seria imbatível” na disputa do governo do Rio de Janeiro.

- Acho que o ministro Joaquim Barbosa teve um desempenho no judiciário brasileiro que tem o respeito do país. Enquanto ele está ministro da Suprema Corte do Brasil não cabeira um convite para que ele se filia-se a um partido político porque é incompatível, e tenho a certeza que todos os partidos do Brasil que prezam a justiça, que prezam a democracia gostariam de ter nas suas fileiras um brasileiro que tem a história de vida, (com) a biografia do ministro Joaquim Barbosa - afirmou Campos.

Em encontro com lideranças políticas em Franca (SP), Eduardo Campos deixou claro que no momento oportuno “amigos em comum” farão uma aproximação:

- Essa é uma decisão que ele não anunciou ainda o desejo de filiar a nenhum partido político. Eu desejo a ele sorte na nova etapa de sua vida, agora como cidadão e professor de direito que ele o é. E no caso dele pensar em se filiar algum partido com certeza teremos amigos em comum que irão aproximar ele do nosso partido - disse o presidenciável.

O pré-candidato do PSDB à Presidência da República, senador Aécio Neves (MG), avaliou que o Supremo Tribunal Federal (STF) perde com a decisão do ministro Joaquim Barbosa de se aposentar.

— Acho que é um homem que o Brasil aprendeu a respeitar. Pode se gostar ou não dele, mas é um homem íntegro, honrado e que faz muito bem à Justiça brasileira— disse Aécio nesta quinta-feira, em Aparecida (SP), onde visitou o presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Dom Raymundo Damasceno.

No ano passado, após o julgamento do Mensalão, Barbosa também foi lembrado para o embate eleitoral pela vice-presidência e também para a Presidência da República. Contudo, por imposição da lei eleitoral, ele não poderá concorrer a nenhum cargo público nesta eleição. O prazo para magistrados se desligarem do cargo para disputar as urnas é de seis meses antes do pleito. Neste ano, esse limite venceu no dia 5 de abril.

O ministro que passou pela corte sem levar desaforo para casa

• Joaquim Barbosa, que chegou a trabalhar como faxineiro, fez doutorado em Paris; já travou embates acirrados com colegas no Supremo, mas amigos garantem que ele surpreende pelo seu bom humor

Chico Otávio e Carolina Brigido - O Globo

RIO — Joaquim Barbosa debutava no Supremo Tribunal Federal (STF) e sua coluna não incomodava tanto quando o ministro se despediu dos gramados representando, pela última vez, o time da Procuradoria Regional da República do Rio de Janeiro, na pelada do encontro anual dos membros do Ministério Público Federal. O time, outrora invencível pela categoria do ministro, estava cheio de novatos. Não era o mesmo. Joaquim passou o jogo reclamando com outro veterano, Flávio Paixão, a quem responsabilizava pela escalação. As queixas foram tantas que Paixão explodiu, respondendo asperamente.

Poucos se lembram do resultado do jogo, mas Paixão entrou para o folclore do MP como o procurador que desafiou o STF. Atualmente, atacar publicamente Barbosa, mesmo em jogos de futebol que acabam em abraços, pode custar ao detrator a fama de vilão. O relator do mensalão, que completará 60 anos em outubro, virou uma espécie de herói vingador, comparado nas redes sociais a Batman e Super-Homem. É nessa condição que o ex-menino pobre de Paracatu de Minas chegou ao mais alto degrau da carreira: a presidência do STF. Hoje, com o anúncio da aposentadoria aos presidentes do senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e da Câmara dos Deputados, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), Barbosa marca o fim de um ciclo no Supremo. Ele disse que vai se dedicar à vida privada.

Para conhecer mais sobre o relator do mensalão é preciso recuar no tempo. Foi na passagem pelo Ministério Público, onde atuou por 19 anos, que Joaquim consolidou o seu pensamento jurídico, conviveu socialmente, cantou Milton Nascimento, tocou piano nas rodas de colegas e enfrentou dissabores.

Três colegas do ex-procurador garantem que Joaquim não é essa figura indignada, brigona, que fica em pé ao defender votos para tapear as dores na coluna. Entre amigos, é capaz de brincar consigo mesmo e reagir com humor até em momentos delicados, como ao ser confundido com um manobrista enquanto aguardava, de terno, a chegada dos colegas para uma comemoração de fim de ano numa casa noturna do Rio.

— Para nossa surpresa, ele reagiu com bom humor. Agradeceu por estar recebendo um carro de presente, mas disse que o dele era melhor — disse um dos amigos.

A indicação de Barbosa para o STF, à época, surgiu do desejo de Luiz Inácio Lula da Silva colocar um negro na Corte. O então ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, começou a procurar alguém. Na época, Barbosa vivia nos Estados Unidos e veio ao Brasil de férias. Coincidentemente, encontrou Frei Betto, que conhecera em organizações não governamentais, no aeroporto. Frei Betto levou o nome a Lula, e Barbosa recebeu um e-mail com o convite para uma conversa com Thomaz Bastos. Voltou ao Brasil imediatamente e ficou.

Embora não goste de associar a nomeação de Lula à cor da pele, preferindo explicá-la pela consistência de sua obra, Joaquim construiu uma carreira marcada pela defesa da ação afirmativa, incluindo a política de cotas, para reduzir desigualdades sociais. Para colegas de MP, é um "juiz consequencialista", estilo que busca adequar as decisões às exigências da sociedade, e pode compensar o isolamento na Corte com o calor das ruas.

Na Corte, uma de suas caraterísticas é a falta de jogo de cintura. A expectativa é que a gestão de Joaquim seja um exercício solitário do poder, mas ministros, até supostos adversários, disseram que o apoiarão porque, acima de tudo, está a instituição. Ricardo Lewandowski, vice, foi alçado à condição de desafeto no julgamento do mensalão.

Nem sempre foi assim. Em 2009, Joaquim disse que Gilmar Mendes estava "destruindo a credibilidade da Justiça brasileira". A Corte quis divulgar nota de repúdio à fala de Barbosa. Lewandowski se recusou a assinar, obrigando os colegas a recuarem. No dia seguinte, Lewandowski e Ayres Britto levaram Joaquim para almoçar em Brasília a fim de animá-lo.

Joaquim é um sujeito família. Costuma ouvir os conselhos da mãe, Benedita. Evangélica, ela inclui o filho famoso em suas orações — prática da qual ele não é adepto. Benedita tem 72 anos e mora em Brasília, assim como os sete irmãos e os sobrinhos do ministro. O pai, Joaquim, morreu há quatro anos. Mesmo não sendo religioso, o filho Joaquim usa um escapulário para se proteger.

Seus amigos estão concentrados no Rio. Na capital fluminense mora o filho, Felipe, jornalista de 28 anos. O ministro costuma passar fins de semana na cidade, em seu apartamento no Leblon. Tinha uma companheira, mas o relacionamento terminou pouco antes do início do julgamento do mensalão. Nos últimos anos, sofre com dores crônicas nos quadris, que o impedem de ficar numa mesma posição por muito tempo; por isso, está sempre trocando de cadeira no plenário. Faz sessões de fisioterapia e massagem, além de tomar remédios fortes.

Conhecido em casa por Joca, Joaquim é o primeiro de oito filhos de uma família pobre. O pai era pedreiro; a mãe, faxineira. Quando tinha 10 anos, o pai vendeu a casa e comprou um caminhão. Deu certo, e a renda da família melhorou.

Nos anos 70, Joaquim se mudou para a casa de uma tia no Gama, cidade do Distrito Federal perto de Brasília. Estudava em colégio público. Trabalhou como faxineiro e tipógrafo na gráfica do Senado.

Foi aprovado no vestibular de Direito da Universidade de Brasília (UnB). Na mesma turma, estudava Gilmar Mendes. Formado, chefiou a Consultoria Jurídica do Ministério da Saúde e advogou para o Serpro. Foi oficial de chancelaria do Itamaraty e serviu na Finlândia. Chegou a ser aprovado em concurso para diplomata, mas acabou rejeitado na entrevista. Por fim, passou no concurso do Ministério Público Federal, onde trabalhou por 19 anos.

No Ministério Público, tirou licença para fazer mestrado e doutorado em Direito Público pela Universidade de Paris-II. É especialista em Direito e Estado pela UnB e professor licenciado da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Foi acadêmico visitante em três universidades dos Estados Unidos: Columbia, Nova York e Califórnia. É fluente em inglês, francês e alemão, e costuma fazer citações em outros idiomas de forma corriqueira.

Quando tomou posse no STF, em 2003, fez alguns amigos. O primeiro foi Ayres Britto, que chegou ao tribunal no mesmo ano. Foram instalados em apartamentos no mesmo prédio, em Brasília. Três anos depois, com a chegada de Lewandowski e de Cármen Lúcia à Corte, o quarteto ficou completo: saíam para conversar e riam. Barbosa mantém contato apenas com Ayres Britto, que presidiu a Corte até se aposentar, em novembro de 2012. Por isso, a amizade não seria de grande valia nos dois anos em que Barbosa comanda o Supremo.

Uma das primeiras discussões que Barbosa protagonizou no tribunal foi em 2004, com Marco Aurélio Mello, que autorizara por liminar uma mulher a abortar um feto anencéfalo. Joaquim disse que a decisão era polêmica para ser tomada sozinho. Marco Aurélio, irritado, disse que, se estivesse na Idade Média, resolveria o caso num duelo. Outra briga foi com Cezar Peluso, aposentado em 2012, que sugeriu que o colega era inseguro. Em resposta, Barbosa disse em entrevista que o colega era "desleal", "caipira" e "tirano". Atualmente, o ministro mais próximo de Joaquim é Luiz Fux, que o acompanhou em uma consulta médica no Rio. Mas não são íntimos.

A fama de Joaquim não é das melhores entre os advogados, que não costumam ser recebidos por ele em audiências. Para o ministro, o certo é receber, conjuntamente, as partes do processo.

Nas ruas, a popularidade de Joaquim cresceu a cada novo condenado. Ao votar o mensalão, foi saudado como herói no Rio. Virou máscara de carnaval. O menino de Paracatu que se tornou o primeiro negro a presidir o STF vai ter que buscar equilíbrio entre a simpatia das ruas e o rigor da Corte. O escapulário vai ter trabalho.

PT critica atuação ‘passional’; PSDB lamenta decisão

• Para Vital do Rêgo, do PMDB, presidente do STF tem espaço em qualquer partido político

Isabel Braga e Cristiane Jungblut - O Globo

-BRASÍLIA- O anúncio da aposentadoria de Joaquim Barbosa não poupou o presidente do STF de críticas de líderes do PT no Congresso. O líder do PT na Câmara, Vicentinho (SP), afirmou que Barbosa usou o cargo para destilar seu ódio. O líder do PT no Senado, Humberto Costa (PE), acusou o ministro de agir com rigor excessivo em relação ao PT e de forma passional. Para a oposição, porém, alguns “moradores da Papuda” — uma referência aos condenados no mensalão — estão comemorando a aposentadoria precoce do ministro.

— Sugeri ao Lula que indicasse um negro ou uma negra para o Supremo. Não indiquei o Joaquim. Mesmo tendo sido o Joaquim, a indicação em si não foi em vão. Ele tem competência. A única coisa que questiono é ele ter agido com uma postura carregada de ódio, com politização, intolerância. Poderia ter usado o espaço para ajudar a combater a discriminação contra os negros. Não foi feliz em usar isso para destilar o ódio — disse Vicentinho.

“Comemoração na Papuda"
Humberto Costa foi no mesmo tom. — Sempre respeitei as posições tomadas por Joaquim Barbosa. Com o PT, no entanto, penso que ele agiu com um rigor que não teve em relação a outros partidos em fatos importantes na política brasileira, como o mensalão mineiro do PSDB, o mensalão do DEM e o escândalo do metrô de São Paulo. Essa forma passional com que, às vezes, exercia suas posições no Judiciário, levou-
o, como presidente do STF, a afrontar jurisprudências pacificadas e a própria tradição jurídica da Suprema Corte brasileira — disse o petista.

O vice-líder do PSDB no Senado, Álvaro Dias (PR), lamentou a aposentadoria precoce e aproveitou para dar uma estocada nos petistas condenados
no mensalão.

— Demorou muito para a população brasileira ver na cadeia alguns líderes nacionais . Soube hoje que alguns dos moradores da Papuda comemoram a aposentadoria de Joaquim Barbosa. Mas não é o caso do Brasil — disse Álvaro Dias.

O presidente da Comissão de Constituição e Justiça do Senado, Vital do Rêgo (PMDB PB), disse que os partidos, como o PMDB, sempre estarão de portas abertas para Barbosa.

— A decisão dele me surpreendeu. É um magistrado que honra a magistratura nacional. Desejo sucesso em sua nova vida. Todo homem honrado tem espaço em qualquer partido político, inclusive no PMDB. Mas ele nunca procurou o PMDB — disse Vital do Rêgo.

Joaquim Barbosa: ‘Faltou visão clara dos interesses nacionais’

• Dois dias antes de anunciar sua saída, o presidente do STF recebeu o Globo a Mais para uma conversa sobre futebol e a Copa

• Para ele, o governo brasileiro falhou em sua relação com a Fifa ao não estabelecer prioridades e fazer exigências

Aydano Motta – O Globo

RIO - Barbosa e negro como o goleiro da Copa de 1950, o presidente do Supremo Tribunal Federal tenta jogar o futebol na desimportância de uma das opções de lazer do seu cotidiano. Às vésperas da Copa do Mundo, a grande paixão nacional ganha o tempero do desencanto no olhar do ex-craque amador (com o autoidentificado pendor da velocidade) Joaquim Barbosa. Dois dias antes de anunciar sua aposentadoria, o titular do maior posto do Judiciário brasileiro mudou de assunto, para falar ao Globo a Mais de Copa e futebol.

Nossa relação com o esporte motivou um lamento, de que o país não invista mais na formação de craques em áreas mais nobres, como a ciência ou a tecnologia. Mas, paradoxalmente, o Mundial vai ser recebido com entusiasmo por ele, que verá Cristiano Ronaldo in loco, graças ao ingresso — comprado, registre-se — para Gana x Portugal, dia 26 de junho.

O ar sério, que os fatos da quinta-feira transformaram em indício da decisão de sair, pontilhou a entrevista de exatos 27 minutos, sobre os sacolejos pré-Copa, a relação dos brasileiros com o esporte e as reminiscências do ex-jogador de times da Gráfica do Senado e da Procuradoria da República. Joaquim, o atacante, gostava de cair pela esquerda, como Neymar, e chutava com os dois pés; Barbosa, o magistrado que virou astro pop, entrou de carrinho na relação que o Brasil se permitiu ter com a Fifa. A entidade dona da bola também apanhou, pela falta de transparência em seus negócios.

Na terça-feira do encontro, Brasília fervia com a manifestação que acabou em confronto de índios com a polícia, nas cercanias do Estádio Mané Garrincha, onde a seleção fará sua partida na Copa. Foi uma tarde de sorrisos escassos no imenso gabinete, diante da vista da Praça dos Três Poderes e do Palácio do Planalto. No eterno duelo com as torturantes dores na coluna, Joaquim Barbosa pediu que a entrevista fosse perto de sua mesa de trabalho. Ele pôde, assim, recostar-se no divã que lhe garante um pouco mais de conforto.

Na metade da conversa, o divã perdeu a parada, e o presidente do STF ficou de pé, debruçado na cadeira de sua mesa, posição semelhante à adotada no plenário. Numa troca de olhares com o chefe de gabinete Silvio Albuquerque, a agenda de autoridade se impôs, encerrando a entrevista — acabara de chegar o novo presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Francisco Falcão, para um encontro protocolar. Ninguém sabia, mas seria um dos últimos de Joaquim Barbosa no cargo que o fez famoso Brasil afora.

A realização da Copa do Mundo é boa ou ruim para o Brasil?
Da maneira como ela se apresenta hoje, parece que vai ser bem ruim para a imagem do país, diante de tudo que está sendo noticiado. As pessoas responsáveis não se prepararam como deveriam para um evento desse porte.

A exposição intensa desses problemas, tanto aqui como no exterior, pode levar à formação de uma nova consciência, de cobrança por progressos tão necessários em nossa sociedade?
Pode levar a um nível mais elevado de exigência a autoridades e responsáveis. Porque veja bem, a Copa não é alvo de responsabilidade só dos governos. Há um número bem grande de pessoas encarregadas do evento fora do governo, e elas são corresponsáveis pela desorganização.

Qual sua expectativa em relação ao legado da Copa?
Ainda tenho esperança que vá ser uma grande festa, apesar de tudo que vem sendo relatado. Como festa, acredito que vá cumprir seu papel. Agora, em termos de organização, temos de aguardar...
A questão central dos protestos está nos gastos com o evento, que deveriam ser direcionados a demandas mais urgentes, como saúde e educação.

O grande problema nosso, como organização social, é não saber escolher prioridades. Investe-se muito em benefício de poucos. Joga-se o foco numa coisa e deixa-se outras ao deus-dará. E isso se repete agora na Copa do Mundo.

O senhor vai assistir a algum jogo no estádio?
Comprei ingresso para Gana x Portugal, aqui em Brasília. Mas verei o resto pela televisão, vou ver não só o Brasil, mas outras seleções, de uma maneira bem global. Vou acompanhar a imprensa estrangeira, para saber como estão as seleções e o que vai ser dito do torneio em si. Mas sou otimista — será uma festa boa. Viajei recentemente por alguns países e soube por nossos diplomatas que a procura para vir aqui está muito grande.

Qual é sua opinião sobre a Fifa?
Não é boa. É um órgão sem transparência. Acompanho pela imprensa estrangeira, sobretudo a europeia, e o que leio não é bom.

A Fifa teve uma atitude bem mais branda com França e Alemanha em relação ao comportamento demonstrado com África do Sul e Brasil. Isso mostra um perfil eurocêntrico dos seus dirigentes?
Não. Faltou um governo com a visão clara dos interesses nacionais, do orgulho e da honra do país. Só isso. Governo que tem consciência clara sobre as prioridades e o papel do país no contexto mundial sabe fazer as exigências corretas. Não se pode encarar a Copa como um favor, tem de haver uma contrapartida. Nós temos interesse em receber a Copa, mas tem de botar na balança os interesses dos dois lados.

O senhor é Barbosa e é negro, como o goleiro da Copa de 1950. Aquela derrota tem importância como formadora desse nosso amor pelo futebol?
Não. Acredito que aquilo serviu de lição para os brasileiros perderem a inocência. Naquele momento, nosso futebol estava num processo de evolução e não tomava certas cautelas. O mesmo que a gente vê mais recentemente com os times africanos. Perdemos aquela Copa por falta de maturidade. O Brasil tinha todas as vantagens ao seu lado e não soube se precaver para utilizá-las.

Quando aquela derrota fez 50 anos, Barbosa disse que era o único brasileiro condenado a uma pena perpétua, que não existe na nossa lei, pelo gol do Gigghia, o da vitória uruguaia. Ele foi vítima de uma injustiça?
Li essa declaração. Foi injusto, mas está superado hoje. Temos inúmeros goleiros negros, aceitos e valorizados pelos clubes. Tivemos um goleiro negro titular da seleção em Copa do Mundo (Dida). Assim como o Brasil de hoje não se compara com o país daquela época. As diferenças brutais na visão sobre as coisas se explicam por isso.

Elio Gaspari, colunista do GLOBO, escreveu, certa vez, que há países “onde as figuras históricas mais lembradas são um general (Bonaparte), um presidente (Washington) ou um tirano (Mao). O Brasil tem Pelé. São 180 milhões de pessoas incapazes de pensar que exista um Brasil sem ele.” Devemos nos orgulhar dessa nossa característica?

Acho que é uma simplificação. O Brasil é um país ainda em transformação. Eu não tenho 60 anos e conheci um país extremamente atrasado, rural, retrógrado, que não tem absolutamente nada a ver com o Brasil de hoje. E com certeza meus netos, daqui a 30 anos, vão conhecer um país muito mais moderno, dinâmico, em que o futebol será apenas um esporte a mais, ainda que adorado por todos.

A nossa relação com o futebol, intensa a ponto de fazer um jornal querer entrevistar o presidente do Supremo Tribunal Federal sobre o assunto, é uma virtude ou um defeito?
Acho que se dá um valor excessivo ao futebol no Brasil, embora eu mesmo acompanhe... Há coisas muito mais importantes, que deveríamos cuidar com muito mais seriedade. Deveríamos nos preocupar com nossas criações industriais e intelectuais, com as realizações por parte de brasileiros. Por que um país deste tamanho, com esta diversidade, até hoje não produziu escritores, criadores universais? Tem a ver com uma visão meio provinciana, que o Brasil precisa superar. Somos um país muito importante, economicamente temos um peso muito grande. O futebol tem de ser visto por nós como aquilo que ele é: um esporte. Não deve ser algo tão dramático.

O senhor, em algum momento, teve o sonho tão brasileiro de ser jogador?
Não, nunca. Achava que não dava futuro, sempre achei. Os jogadores daquela época não ganhavam dinheiro como os de hoje. Os craques daquela época, quando não são pobres, vivem em situação muito modesta.

Qual era sua posição?
Jogava na frente, caindo pela esquerda. O que hoje chamam de segundo atacante, mas sempre pela esquerda. Era muito rápido.

A posição do Neymar...
Isso. Mas com muita velocidade. Sou destro para o futebol, mas chutava com as duas, porque aprendi cedo, batendo bola na parede de casa.

Qual é, como torcedor, sua relação com o futebol?
Nos últimos 20 anos minha relação se transformou profundamente. Quando era muito jovem, não só gostava muito de jogar, como também de acompanhar, era torcedor fanático. Não ia muito a estádios, porque fui criado em Brasília. Nunca fez parte da cultura daqui. Mas acompanhava pelo rádio e depois pela TV até os anos 1980, quando passei por uma mudança radical.

Qual foi essa mudança?
Quando o Brasil perdeu a copa de 1986, constatei que estava perdendo muito tempo com aquilo, me irritando muito. Tinha outras prioridades, e cortei. Fiquei sete anos sem dar bola para o futebol. Boa parte desse tempo coincidiu com minha ida para a Europa, para fazer mestrado e doutorado. Naquela época, via um jogo ou outro, mas não me informava do que acontecia, nem lá nem aqui. Não sabia de nada.

Por que a decepção?
Pelas duas seleções, de 1982 e 1986. Dois grandes times e o melhor treinador que já vi. Os times do Telê Santana eram muito bonitos. O jogo era muito redondo.

E ele era uma pessoa muito preocupada com a ética em campo. Isso também era importante para o senhor?
Muito! Lembro do Telê, num programa de televisão, dar um sabão num jogador no ar. “O senhor é muito violento, precisa mudar seu estilo em campo!” (risos). Isso era importante, mas o que me chamava atenção era o estilo de jogar dos times dele.

Quando se deu a volta?
Fui voltando paulatinamente, ali por 1993, mas com uma relação diferente, de lazer. Tinha muito prazer de ver um bom jogo, reunido com os amigos, não necessariamente do meu time.

O Brasil vai ganhar a Copa?
Espero que sim, mas tenho lá minhas dúvidas.

E será importante para o país?
Não. Será apenas uma vitória esportiva. Claro que uma derrota me deixará triste, mas uma hora depois estarei fazendo outra coisa (risos).

Aécio e CNBB: reforma política é prioridade para o Brasil

• Temas da conversa: reforma política, ética e participação dos jovens na vida pública.

- Agências de noticias

APARECIDA (SP) - Em visita a Aparecida (SP), nesta quinta-feira (29), o presidente nacional do PSDB e pré-candidato a presidente da República, senador Aécio Neves (MG), se reuniu com o presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Dom Raymundo Damasceno. Amigos desde que Aécio era governador de Minas Gerais, eles conversaram sobre reforma política, ética e participação dos jovens na vida pública.

“Vim fazer uma visita ao Dom Damasceno, porque há hoje uma preocupação muito grande da CNBB também com a agenda política. Há uma convergência muito grande de sentimento entre aquilo que propõe a CNBB para a reforma política com aquilo que nós achamos necessário. É uma visita pessoal a um amigo de longa data”, afirmou Aécio Neves, em entrevista coletiva à imprensa na residência oficial do arcebispo.

Papa Francisco
Ao falar com os jornalistas, Aécio lembrou mensagem recente do Papa Francisco a favor da participação da sociedade na vida pública.

“Recentemente o Papa Francisco fez um convocação aos cristãos que participem da vida política, não apenas votando, mas, sempre que possível, também sendo votados. Ele falava da política como um instrumento de servir e de atender a demanda da sociedade”, lembrou Aécio.

O presidente nacional do PSDB chegou à cidade no início da tarde, acompanhado do líder do PSDB na Câmara, Antonio Imbassahy (BA), e dos deputados federais César Colnago (ES) e Luiz Carlos Hauly (PR). Após o encontro, eles visitaram o Santuário Nacional de Aparecida, onde fica a imagem de Nossa Senhora, Padroeira do Brasil.

Aécio Neves afirmou que o encontro com Dom Damasceno é mais uma ação de diálogo do PSDB com os brasileiros na construção de um projeto alternativo para o país. Para o tucano, é importante ouvir todas as representações da sociedade.

“A contribuição da Igreja Católica, assim como de outras igrejas, devem ser recebidas com muita humildade por todos os candidatos. O que eu vim dizer é que estaremos prontos para essa discussão. Quero fazer essa discussão com aqueles segmentos da sociedade que têm contribuição a aferecer”, ressaltou Aécio Neves.

Aécio também avaliou como positivo a iniciativa da Igreja Católica em estimular a participação da sociedade na política. “A disposição da Igreja Católica, assim como de outras igrejas, mas falo hoje especificamente da Igreja Católica, de participar do debate e apresentar propostas em relação à participação popular é algo extremamente saudável”, afirmou o presidente do PSDB.

Dom Damasceno
Após a visita, o presidente da CNBB, Dom Raymundo Damasceno, afirmou que a Igreja Católica tem interesse em debater o tema da reforma política com todos os pré-candidatos a presidente. “A CNBB espera que os candidatos se comprometam com a reforma política. Esperamos que ela seja discutida e levada adiante no Congresso Nacional. É uma das reformas fundamentais para que outras possam ocorrer. E ele [Aécio] se comprometeu em colocar a reforma política como prioridade caso ele venha vencer as eleições”, disse Dom Damasceno.

Entrevista de Aécio em Aparecida (SP)

• Encontro com Dom Damasceno; eleições 2014; temas da igreja, Joaquim Barbosa

- Agências de noticias

Sobre o encontro com presidente da CNBB.
Vim fazer uma visita a Dom Damasceno, presidente da CNBB, mineiro, porque há hoje uma preocupação muito grande da CNBB também com a agenda política. E há uma convergência muito grande de sentimentos entre aquilo que se propõe a CNBB, que tem discutido inclusive a proposta de reforma política, com aquilo que nós achamos necessário. Recentemente, o Papa Francisco fez uma exortação, quase que uma convocação, aos cristãos que participem da vida política, que participem não apenas votando, mas, sempre que possível, até mesmo buscando ser votados. Ele falava da política como um instrumento de servir, como uma forma de atender às demandas da sociedade. Extremamente sublime, esse foi o termo usado pelo Papa Francisco.

E, em um momento em que estamos dialogando com o Brasil, queria, antes que a própria campanha efetivamente começasse, vir aqui dizer da nossa disposição de estarmos conversando, construindo uma agenda sobre temas que sejam convergentes, aquilo que pensa a Igreja Católica e aquilo que pretendemos construir no Brasil. Falamos um pouco da necessidade de engatarmos a ética na vida pública e ampliarmos a participação dos jovens.

Esses foram os temas centrais. Uma visita pessoal, um amigo de longa data, e, obviamente, em um futuro próximo, terei a oportunidade de institucionalmente também conversar com a CNBB, como provavelmente outros candidatos farão. Mas vim também pedir as bênçãos dele. Vou ao Santuário também daqui a pouco, antes de ir embora.

Sobre a possibilidade de temas religiosos se destacarem durante a campanha eleitoral de 2014.
Não acredito que essas serão as questões centrais. Eu sou católico e vim aqui para cumprimentar o presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, mas não acho que essas serão nesse ano as questões centrais a serem tratadas, pelo menos entre os candidatos à Presidência da República. Mas a contribuição que a Igreja Católica possa dar, assim como outras igrejas, deve ser recebida com muita humildade por todos os candidatos. O que tenho a dizer é que estaremos prontos para essa discussão, para esse debate, e quero fazer esse debate com todos aqueles segmentos do pensamento da sociedade brasileira que tenham contribuições a oferecer.

Sobre debate do aborto na campanha presidencial e proposta CNBB para participação política.
Não é um assunto aqui para hoje. Teremos, obviamente, que falar sobre cada um desses temas, mas acho que existe a disposição da Igreja Católica, como de outras igrejas, e estou falando hoje especificamente da Igreja Católica, de participar do debate, de apresentar propostas em relação à participação popular e até estimulando a participação na política. Eu vejo isso como algo extremamente saudável.

Vim aqui fazer uma visita ao presidente da CNBB, dizendo que a participação da CNBB nessas eleições é importante, como a participação de outras igrejas, e a proposta que eles apresentam, que é a reforma política e de estímulo a participação do cidadão, sobretudo dos mais jovens, na vida pública, é algo que vai absolutamente na direção daquilo que temos trabalhado. As questões centrais de estimular a participação e fortalecer os partidos políticos estão próximas daquilo que pensamos. Como disse o próprio Dom Damasceno, não são propostas acabadas. Na verdade é quase que um estímulo a que esse debate ocorra. E é natural que essas propostas tomem forma ao longo da campanha. Mas o sentido fundamental de estimular a participação popular, garantir uma sintonia maior entre o representado e os seus representantes, pregar e exercitar o Ficha Limpa, são questões que nos são convergentes.

Sobre financiamento público de campanhas.
O financiamento público é uma das questões que nos vamos discutir, mas ele passa pela modificação do atual sistema de voto hoje proporcional. O financiamento público deve vir casado pelo menos com o voto distrital misto, que é a proposta que defendemos.

Esse anúncio de aposentadoria do ministro Joaquim Barbosa. O STF perde?
Acho que sim. É um homem que o Brasil aprendeu a respeitar. Pode-se gostar ou não dele, mas é um homem íntegro, honrado e que faz muito bem à justiça brasileira. Eu não tenho informação oficial dele. Ouvi essa notícia hoje, agora há pouco. Mas certamente é alguém que fez muito bem à justiça brasileira no período que lá esteve. Espero que ainda possa fazer por algum tempo.

O sr. pretende conversar com igrejas evangélicas também?
Eu sou católico, mas, obviamente, sempre tive um diálogo com todas as denominações. Obviamente, se convidado, terei a oportunidade de ir lá debater o Brasil sem qualquer dificuldade.

O sr. foi convidado para vir falar com Dom Damasceno?
Eu fui convidado por inúmeros bispos amigos para estar com Dom Damasceno e por ele próprio. Liguei para ele para ver se tinha condições de vir aqui essa semana. Tenho uma relação com a Igreja Católica que vem das minhas origens mais remotas. Eu sou afilhado de Dom Lucas Moreira Neto, que foi um dos mais importantes cardeais da igreja católica brasileira.

Campos é recebido com faixas e bandeiras em Franca (SP

João Alberto Pedrini e Edson Silva – Folha de S. Paulo

FRANCA (SP) - O ex-governador de Pernambuco e pré-candidato do PSB à Presidência da República, Eduardo Campos, foi recebido com faixas e bandeiras típicas de campanha eleitoral na manhã desta quinta-feira (29) em Franca (400 km de São Paulo).

Uma das faixas trazia com destaque a inscrição "presidente Eduardo Campos. De Norte a Sul e no país inteiro, viva o Partido Socialista Brasileiro". Não havia referência ao cargo de presidente do partido, ocupado por Campos.

Segundo o advogado Gustavo Bugalho, especialista em direito administrativo e público, o ato pode configurar antecipação de campanha e o político ser acusado de cometer uma irregularidade eleitoral.

"Não se pode levar a ideia de que a pessoa é candidata a um cargo público antes do período correto. Isso é um tipo de conduta que, se representada aos órgãos competentes, pode resultar em multa eleitoral em caso de condenação", disse Bugalho.

Segundo o TSE (Tribunal Superior Eleitoral), candidatos, partidos e coligações só podem fazer propaganda eleitoral a partir de 6 de julho. A data, prevista na legislação e calendário eleitoral, acontece um dia após o término do prazo de pedido de registro de candidatos na Justiça Eleitoral.

O presidente do PSB de Franca, Cézar Vilela, negou irregularidade. Ele disse que o ato não se tratou de campanha eleitoral, mas de uma manifestação de apoio ao presidente nacional do partido, Eduardo Campos.

"É um clima festivo. Nos reunimos segunda-feira para [26] discutir o que poderíamos fazer para recebê-lo e os militantes decidiram demonstrar esse apoio", afirmou.

Recepção
Campos foi recebido no aeroporto da cidade em clima de eleição por cerca de cem pessoas. A recepção foi feita pelo prefeito de Franca, Alexandre Ferreira (PSDB), pelo deputado federal Marco Aurélio Ubiali (PSB) e dirigentes do partido e políticos da região.

Com faixas e bandeiras, cerca de 50 pessoas entoaram gritos de apoio a Campos assim que ele entrou no saguão do aeroporto.

Cinco pessoas ouvidas pela Folha no aeroporto disseram que receberam ou receberiam dinheiro para segurar as faixas, tremular as bandeiras e gritar apoio a Campos. "Temos que tirar um dinheirinho extra, né?", disse uma das contratadas, que pediu anonimato.

Uma outra mulher, segurando uma faixa, contou que estava com a filha e mais três netas. Ela afirmou que sempre trabalha para o deputado federal Ubiali e que na semana passada recebeu R$ 40 por um dia para entregar panfletos.

Disse ainda que, normalmente, em campanha o valor pago por dia de trabalho é de R$ 50.

Um jovem que carregava uma bandeira do PSB, questionado pela reportagem sobre quem desembarcaria no aeroporto no momento, afirmou não saber de quem se tratava.

Vilela negou que as pessoas tenham recebido dinheiro para carregar as faixas e as bandeiras. "Eles vão ganhar o almoço", disse.

As pessoas ouvidas pela Folha disseram que receberiam dinheiro pelo trabalho, mas não disseram quem as pagaria.

'Presidente do Partido'
Campos negou que haja ilegalidade na manifestação das pessoas que carregavam as bandeiras e faixas. "É a bandeira do partido que eu presido. E a democracia prevê a liberdade de expressão", disse.

Sobre a inscrição "presidente Eduardo Campos", o ex-governador disse que a faixa foi escrita porque ele é presidente do partido.

Questionado se a manifestação poderia caracterizar campanha eleitoral antecipada, negou. "De forma nenhuma."

"Se os filiados do partido, os militantes do partido, não puderem receber, em plena democracia, o presidente do partido com a bandeira do partido, então nós não temos uma democracia", afirmou.

Ele disse também que não existe ilegalidade porque não há faixas pedindo votos nem dizeres que fazem referência à eleição.

Programa de Aécio terá eixo social

Marcos de Moura e Souza - Valor Econômico

BELO HORIZONTE - O plano de governo que senador e pré-candidato à Presidência Aécio Neves (PSDB-MG) pretende apresentar daqui a um mês dará ênfase a questões sociais. É uma área que o PT, da presidente Dilma Rousseff, sempre usou como uma de suas principais marcas.

Aécio reuniu colaboradores que estão discutindo cerca de 35 temas para o plano. São acadêmicos e especialistas que estão divididos em oito grupos. A coordenação dos trabalhos está a cargo do ex-governador de Minas Gerais, Antonio Anastasia (PSDB).

"O senador Aécio Neves me deu uma recomendação muito firme, a coluna vertebral é a preocupação com as pessoas, com as políticas sociais", disse Anastasia ao Valor Pro, serviço de informações em tempo real do Valor.

Sob acusações do PT de que haverá uma reversão nas políticas sociais se o PSDB voltar ao poder, Aécio avançou no Congresso projeto sobre o Bolsa Família e também já disse ser favorável à atual regra de reajuste do salário mínimo, que agrada à base sindical. Uma das mensagens que os tucanos pretendem levar ao eleitor - e que aparecerá no plano - é que Aécio tem a mesma sensibilidade e compromisso sociais atribuídos ao PT.

Anastasia explica a estratégia dizendo que quando governador de Minas (2003 a 2010), Aécio adotou uma série de programas sociais exitosos. Programas que, segundo ele, "são muito positivos e que demonstram que não é do PT o monopólio das questões sociais".

A campanha de Aécio ainda busca burilar iniciativas de outros governos estaduais do PSDB, das que estão em vigor hoje e também as que foram adotadas no governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), disse Anastasia.

Aécio Neves cercou-se de vários ex-integrantes do governo FHC. Entre eles, Armínio Fraga (ex-presidente do Banco Central), José Roberto Mendonça de Barros (ex-secretário de Política Econômica), além de Edmar Bacha (um dos construtores do Plano Real). Os ex-ministros Barjas Negri (Saúde), José Carlos Carvalho (Meio Ambiente), Xico Graziano (chefe do gabinete de FHC), Rubens Barbosa (Relações Exteriores), também trabalham pela candidatura de Aécio.

A equipe é constituída também por economistas e acadêmicos de uma geração mais nova, entre os quais Mansueto Almeida (Ipea) e Samuel Pessôa (FGV), Cláudio Beato Filho (UFMG), André Medici (ex-BID). É uma receita que Aécio adotou nas disputas em Minas.

Anastasia não vê no plano de Aécio um resgate direto de políticas do governo FHC. "Naturalmente, as políticas que foram do governo FHC são positivas", disse. "A maioria delas foi incorporada pelo PT, o grosso da política econômica, a política que deu origem ao Bolsa Família. Então há continuidade."

Perguntado se o plano deve mencionar a necessidade de uma nova fase de privatizações, uma das marcas da gestão FHC, Anastasia diz que aquele modelo ficou para trás. Nas últimas eleições presidenciais, o PSDB evitou uma defesa clara das privatizações - sempre criticadas pelo PT. "A privatização foi um movimento daquele momento", disse, acrescentando que a melhoria da infraestrutura exige investimentos gigantescos que os tesouros federal, estaduais e municipais não suportam.

"Por isso a importância de melhorar as agências reguladoras, para que haja também a participação do setor privado nessa nova visão de desenvolvimento de infraestrutura. O quadro de hoje não é o da década de 90. Os anos se passaram e agora temos esses novos instrumentos", diz.

Anastasia, que era vice de Aécio, foi eleito e no mês passado deixou o cargo para disputar o Senado. Ele aparece como favorito. Entre lideranças do PSDB mineiro, é visto como futuro ministro-chefe da Casa Civil de Aécio - uma 'aberração' na definição de Anastasia.

O plano de governo de Aécio está sendo construído com base em 30 temas. Segundo o ex-governador, esses assuntos são divididos em oito grupos, onde se prepara diagnósticos para as áreas de educação, saúde, segurança, saneamento, recursos hídricos, participação cidadã e transparência, combate à pobreza, questões relativas à sustentabilidade e ao meio ambiente, turismo, transporte, econômico, social, relações internacionais, defesa nacional, práticas eficientes de gestão, previdência entre outras. O coordenador dos trabalhos diz que não revela nomes dos que ainda não foram mencionados por Aécio.

O ex-jogador Ronaldo que já manifestou apoio à candidatura do tucano talvez venha a contribuir com o plano: "É uma personalidade do esporte, do futebol, e certamente poderá ser ouvido."

Os colaboradores que integram esses grupos estão concentrados em Minas, Rio e São Paulo, embora haja participantes de outros Estados. No documento não deve haver menção a metas específicas de inflação, câmbio, carga tributária, superávit primário, tampouco onde Aécio pretende fazer cortes de gastos caso eleito, diz Anastasia.

"O que vamos ter no plano são a concepção, os princípios e os programas e, vencida a eleição, vamos objetivar no caso concreto", disse. Durante a campanha, Aécio vai apresentar projetos específicos.

Aécio já falou em reduzir o número de ministérios (hoje são 39) à metade, mirar um superávit primário de 3% (a meta deste ano é 1,9%). Armínio já defendeu a inflação ao centro da meta, 4,5%, para depois reduzi-la.

Anastasia diz que foi formado também um grupo com ex-integrantes do governo FHC que estão se dedicando à política industrial. Recentemente, representantes dos fabricantes de máquinas e equipamentos criticaram declarações de Aécio e Armínio ao Valor no qual ambos apontaram exageros e erros nos programas federais de subsídios a setores da economia.

Mas o objetivo, insiste ele, é que o plano não seja uma leitura restrita a economistas, acadêmicos e empresários. "O plano de governo vai se centrar nas questões relativas à preocupação imediata das pessoas. Saúde, segurança, educação, combate à pobreza, temas que dizem com mais direção às pessoas", disse Anastasia.

A inflação - que vinha numa toada de aceleração - estará entre esses temas mais sensíveis. "A manutenção do valor da moeda é um princípio que estará lá aplaudido. A questão do custo de vida é tema de preocupação imediata que afeta as pessoas em seu dia a dia e deve ser discutido, mas ainda não está formatado."

Anastasia, no entanto, não vê a inflação como o tema que vai aquecer o debate eleitoral este ano. O debate, para ele, será afunilado na segurança pública.

Essa é uma área sobre a qual Aécio já se pôs num campo distinto do de Dilma e do pré-candidato do PSB, Eduardo Campos: a maioridade penal. Ele apoia um projeto do senador por São Paulo Aloysio Nunes Ferreira (PSDB) que dá a possibilidade de o juiz condenar jovens a partir dos 16 anos que cometem crimes graves a penas tão longas quanto a de maiores de idade.

"Não vou antecipar nada porque ainda estamos redigindo. Mas o núcleo duro na questão é o combate à impunidade. A impunidade é a raiz. A polícia se desestimula, a sociedade se revolta. E aí começa a justiça com as próprias mãos", diz.

O grupo de Aécio defende mudança de legislação. "Há de haver uma reforma legislativa", diz Anastasia. Para mudar o quê? "Tornar o processo mais objetivo. Há muita discussão sobre o papel do inquérito. Temos grandes nomes que podem contribuir."

Um potencial alvo das mudanças é uma lei federal de 2011 que, nas palavras do político mineiro, deu certa fragilidade às instituições policiais. Refere-se à Lei 12.403: "Trata do processo penal que não prende as pessoas em determinadas circunstâncias e facilita um pouco a impunidade."

Anastasia recusa a ideia de que Aécio será um candidato para agradar setores conservadores. "Em primeiro lugar, a preocupação que ele me dirigiu e eu tenho repetido isso a todos é a preocupação com as pessoas, principalmente com os mais desfavorecidos".

Decreto do governo federal cria conselhos populares sobre grandes temas

• Jurista diz que obrigar órgãos a ter estruturas para ouvir sociedade engessa governo e é um exagero

• Em geral, esses conselhos populares não são populares, porque são nomeados pelos governantes

Cristiane Jungblut – O Globo

BRASÍLIA - Num ano eleitoral, a presidente Dilma Rousseff editou decreto que obriga os órgãos do governo a promover consultas populares sobre grandes temas, antes de definir a política a ser adotada e anunciada pelo governo. O decreto 8243/2014 cria a Política Nacional de Participação Social (PNPS) e diz que o objetivo é “consolidar a participação social como método de governo”. A decisão provocou polêmica e foi recebida com críticas por juristas e parlamentares.

Na prática, a proposta obriga órgãos da administração direta e indireta a criar estruturas a título de participação social, como “conselho de políticas públicas” e “comissão de políticas públicas”. Até mesmo as agências reguladoras terão que cumprir as novas regras. De acordo com o texto, os órgãos serão obrigados a considerar esses colegiados durante “a formulação, a execução, o monitoramento e a avaliação de seus programas e políticas públicas”. Na prática, ministérios e demais órgãos serão obrigados a criar conselhos, realizar conferências ou mesmo promover mesas de diálogo. Esse tipo de mecanismo pode engessar ainda mais o governo. Os órgãos terão que promover relatórios anuais para mostrar que estão cumprindo a determinação e prestar contas.

A decisão da presidente Dilma de tentar criar um modelo de participação social via decreto foi vista como um exagero, passando por cima inclusive da Constituição. Para o jurista Carlos Velloso, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, há risco de enfraquecimento do Poder Legislativo como fórum de representação da sociedade e de discussão de grandes temas, além do engessamento das decisões do governo. Um tema polêmico pode demorar devido à exigência de se ouvir diversos representantes da sociedade, por exemplo.

— Isso é um exagero. E utilizar decreto é exagero demais. Acredito que essa discussão só poderia ser feita por lei, ou até por meio da Constituição. A Constituição estabelece os casos em que pode haver consulta popular. E isso acaba deixando o Legislativo no corner — disse Velloso.

O deputado Miro Teixeira (PROS-RJ) considera que a medida pode “travar a administração pública”:

— Em geral, esses conselhos populares não são populares, porque são nomeados pelos governantes. Em tempos de dificuldades, é que surgem essas ações (nos governos).

O diretor de Participação Social da Secretaria Geral da Presidência, Pedro Pontual, defende o decreto e rebate críticas de que as normas possam engessar o governo ou mesmo tenham viés esquerdista.

Ele disse que esse tipo de consulta já é utilizada, por meio das conferências. Ele citou as discussões do Plano Brasil Sem Miséria, alegando que elas não “atrasaram” o lançamento do programa:

— A Constituição garante o direito do cidadão de participar. O que o governo quer é que a participação social vire um método de governo. As políticas públicas que passam pelo processo social saem do governo com mais qualidade. Todas as políticas deverão ter alguma interlocução com a sociedade.

Questionado sobre as críticas de que o governo se baseia em práticas do governo do presidente venezuelano Hugo Chávez, ele reagiu:

— Isso não engessa o governo e não tem nada a ver (com política chavista). É a institucionalidade da democracia, é uma relação de soma.

Cabral no Senado e Garotinho com Campos

• Ex-governador confirma que disputará a vaga de senador, enfrentando a concorrência de Romário (PSB). Garotinho elogia Campos, descarta PT e poderá apoiar chapa socialista

Eduardo Miranda, Aurélio Gimenez – Brasil Econômico

Rio - O PMDB fluminense precisou entrar em ação na tarde de ontem para desfazer os boatos de que o ex-governador Sérgio Cabral ficaria de fora das eleições de outubro. Como antecipou o jornal "O Dia", a cúpula do partido se reuniu ontem na casa do ex-governador para confirmar que Cabral é pré-candidato ao Senado. No encontro, estavam o governador do Rio, Luiz Fernando Pezão (PMDB), que é pré-candidato à reeleição; o presidente do PSD, Índio da Costa; e o presidente da Assembleia Legislativa, Paulo Melo (PMDB). Na reunião, também foi confirmado o nome do deputado estadual Felipe Peixoto (PDT) como vice de Pezão. Na quarta-feira, Índio da Costa, líder do PSD, teria dito que o ex-governador desistira de concorrer a um cargo na eleição.

No mesmo dia, o presidente regional do PMDB, Jorge Picciani, afirmou que o partido só apoiaria Cabral ou o senador Francisco Dornelles (PP) para a vaga. Até agora, o deputado Romário (PSBRJ) é o único adversário declarado que o ex-governador enfrentará nas urnas. Ontem, também no Rio, o ex-governador Anthony Garotinho (PR), que aparece na liderança de algumas pesquisas de intenção de voto, se reuniu com jornalistas para uma conversa informal e deu sinais de que o PR fluminense deverá ceder palanque ao presidenciável Eduardo Campos (PSB).

Apesar de afirmar que não quer influenciar os 120 mil filiados do PR estadual, que escolherão nas prévias de 21 e 22 de junho o presidenciável que a legenda deve apoiar, Garotinho fez elogios ao socialista e disse que a candidatura do ex-governador de Pernambuco é viável. "Em 2002, quando fui candidato à Presidência, tinha 4% das intenções de voto antes do horário eleitoral gratuito na TV. Em 40 dias, saltei para 19%. Na reta final do primeiro turno, estava quase empatado com José Serra (PSDB)", disse, apostando na escalada de Campos quando começar a campanha na televisão.

O presidente regional do partido disse, porém, que a aliança nacional do PR em torno da reeleição de Dilma Rousseff deve ser mantida. Garotinho justificou seu afastamento do PT. "Pedi que o PT nacional induzisse os partidos do Rio a apoiar minha candidatura, mas isso não foi feito. Disse a eles que queria reciprocidade no apoio, mas não dá para a Dilma fazer campanha para quatro candidatos do Rio e o Lula só apoiar o Lindbergh (PT)", argumentou.

Roberto Freire: Retratos de uma guerra civil não declarada

- Brasil Econômico

Os dados preliminares da nova versão do Mapa da Violência, estudo anual baseado no Sistema de Informações de Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde, revelam o descalabro da segurança pública. Em 2012, o Brasil registrou nada menos que 56.337 assassinatos, o maior número absoluto da série histórica do levantamento, desde 1980, com aumento de 7,9% em relação a 2011. A taxa de homicídios avançou 7%, alcançando 29 ocorrências para cada 100 mil habitantes. O índice considerado "não epidêmico" pela ONU é de 10 mortes por 100 mil.

Nunca antes neste país, como diz o ex-presidente Lula, tantas pessoas morreram assassinadas. Para se ter uma ideia, o índice de mortes por homicídio na Alemanha é de 0,9 por 100 mil – ou seja, no Brasil se mata 32 vezes mais. Na América Latina e no Caribe, onde vivem 600 milhões de pessoas, o número de assassinatos é de 100 mil ao ano. Com pouco menos de um terço dos habitantes da região, o Brasil responde por quase 60% das vítimas fatais. O desmantelo na segurança pública, cuja responsabilidade maior é de um governo que se mostra incompetente para enfrentar oproblema, se espalha pelo país de forma generalizada.

Apenas cinco unidades da federação reduziram suas taxas de homicídio entre 2011 e 2012 (Pernambuco, Espírito Santo, Rio de Janeiro, Paraíba e Alagoas). No caso alagoano, entretanto, há poucos motivos para celebração: o estado apresenta o maior índice de assassinatos do país (64,6 por 100 mil). Vem justamente de Alagoas a maior prova da inoperância dos governosde Lula e Dilma Rousseff. Desde junho de 2012, o estado é palco de mais uma peça de propaganda política do PT, o programa Brasil Mais Seguro, que já consumiu R$ 200 milhões da União. Em entrevista recente, o ministro da Justiça cometeu o despautério de comparar os índices de violência ali registrados com"números suíços", mas a bravata não foi correspondida pela realidade.

Em 2012, ocorreram 2.186 homicídios em Alagoas, número que subiu para 2.260 em 2013. Entre janeiro emarço deste ano, 601 pessoas já foram mortas. Na outra ponta da tabela, aparecem estados como Santa Catarina (12,8 assassinatos por 100 mil habitantes) e São Paulo (15,1), os mais seguros do país. Apesar de também terem sofrido com um aumento no número de casos entre 2011 e 2012, os paulistas podem comemorar uma queda expressiva de 60% na taxa de homicídios entre 2002 e 2012, enquanto o índice nacional teve alta de 2,1% no mesmo período.

Como se não bastassem os números estarrecedores que desnudam uma guerra civil não declarada no Brasil, a sociedade vem assistindo a uma sucessão desenfreada de episódios de barbárie explícita, como linchamentos, torturas e agressões das mais cruéis. Há uma evidente deterioração social e perda de valores humanitários em meio ao agravamento da situação econômica do país, aos escândalos de corrupção no seio do governo e à falta de qualidade nos serviços públicos, além da sensação de impunidade que dá margem à ideia equivocada de que se deve fazer justiça com as própriasmãos.

Doze anos depois de assumir o governo, o PT tem mais um enorme fracasso para chamar de seu: a violência descontrolada que atravessa o país de norte a sul. Os brasileiros já não suportam mais sair de casa pela manhã sem a certeza de que voltarão ilesos à noite. Nossa guerra civil diária e não declarada tem de acabar.

Roberto Freire é deputado federal por São Paulo e presidente nacional do PPS

Merval Pereira: O anticlímax

- O Globo

A antecipação da aposentadoria do ministro Joaquim Barbosa no Supremo Tribunal Federal (STF), de notícia bombástica, foi transformada em anticlímax por decisão do próprio, o que fala bem dele.

Não caiu na tentação de entrar para a política e anunciou sua saída de cena em momento em que ela não tem a menor importância para o jogo de interesses que está em plena ebulição nos bastidores partidários.

Se houvesse decidido concorrer, e poderia fazê-lo até mesmo à Presidência da República, teria sido mais criticado do que normalmente é, e todo seu trabalho como relator do processo do mensalão estaria colocado sob suspeição.

Se permanecesse no STF até depois da eleição, talvez pudesse ser nomeado por um candidato oposicionista que eventualmente vença para um cargo qualquer, desde ministro até embaixador — dando o troco no Itamaraty que o reprovou, ele está convencido disso, por racismo.

Escolhido por Lula para representar a diversidade racial no Supremo, Joaquim Barbosa recusou-se a atuar como um preposto do presidente que o nomeara, e marcou sua presença no plenário do STF pela independência de posições e pelo desassombro verbal. E entrará para a História do tribunal pela condução polêmica, mas eficiente, do processo do mensalão.

Poliglota, com formação nas melhores universidades dos Estados Unidos e da Europa, lamentava que as pessoas não olhassem seu currículo, mas a cor de sua pele. Ele sempre considerou inaceitável a interpretação que resultasse em penas mais leves nos casos em julgamento do mensalão, pela gravidade que via neles, e teve de enfrentar críticas de advogados, inclusive da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e dos próprios pares, como o ministro Luís Roberto Barroso — que, entrando no julgamento em sua segunda fase, a dos embargos infringentes, acusou o plenário anterior do STF de exacerbar seletivamente as penas no caso de formação de quadrilha para deixar os condenados mais tempo em regime fechado, especialmente José Dirceu.

Já como presidente do Supremo, o ministro Joaquim Barbosa rebelou-se contra essa acusação, dizendo que Barroso fazia um discurso meramente político sob uma capa de tecnicalidade.

Aproveitando que Barroso, ao explicar sua expressão “ponto fora da curva”, disse que ela significava também — além da exacerbação das penas — “o rompimento com uma tradição de leniência e impunidade em relação a certo tipo de criminalidade política e financeira”, Joaquim Barbosa aparteou-o dizendo que na prática, defendendo a prescrição do crime de quadrilha, Barroso estava sendo leniente com os crimes que parecia condenar em seu discurso político.

Barbosa encarnou para o cidadão comum a indignação contra a histórica impunidade das classes dirigentes no Brasil, o herói vingador em busca de Justiça, com a capa preta tradicional que lhe dava a aparência de um Batman tupiniquim.

As críticas de Barbosa ao sistema penal brasileiro, explicitadas em diversas ocasiões em entrevistas ou mesmo em declarações em meio aos julgamentos de que participava, explicam seu empenho em dar penas mais pesadas aos réus.

Em sua opinião, o sistema penal brasileiro, é “risível”. A preocupação com a prescrição de algumas penas, como a de lavagem de dinheiro, era realmente um dos objetivos da aplicação de pena maior por parte do relator Joaquim Barbosa, e ele chegou a admitir isso na discussão com Barroso.

Por isso, também, ele errou a mão ao tratar de certos assuntos, como a permissão para que o ex-todo-poderoso Dirceu trabalhasse fora no regime semiaberto. Embora a legislação diga que somente depois de cumprir 1/6 da pena é que o condenado tem esse direito, a jurisprudência tem superado essa exigência há muitos anos, até mesmo pela impossibilidade de manter em cadeias apropriadas todos os condenados.

Todo o processo do julgamento do mensalão correspondeu a um avanço da cidadania, inclusive os bate-bocas ocorridos no plenário do STF transmitidos ao vivo e a cores pela TV Justiça. Até mesmo o grau de endeusamento a que foi levado o relator do processo, o ministro Barbosa, faz parte desse aperfeiçoamento de nossa democracia, que chegará um dia a não precisar de heróis.

Dora Kramer: Na hora certa

• Barbosa soube ver hora de sair de cena evitando declínio que não raro se segue ao uge

- O Estado de S. Paulo

O ministro Joaquim Barbosa é impetuoso, não mede as palavras, bate de frente quando acha que deve bater e não foram poucas as ocasiões em que perdeu as estribeiras no Supremo Tribunal Federal.

Características mercuriais que aparentemente contrastam com a absoluta serenidade com que ele se manteve senhor da razão diante da popularidade jamais alcançada por um magistrado e dono do próprio tempo de sair de cena; soube ver a hora de fazê-lo antes do declínio que não raro se segue ao auge.

Deixar o Supremo antes da aposentadoria compulsória não é prática incomum. O decano da Corte, Celso de Mello, já anunciou que pretende antecipar a saída prevista para 2015. Nos últimos anos, por motivos diferentes, Nelson Jobim, Ellen Gracie e Eros Grau se aposentaram quando ainda tinham tempo pela frente. Mas não houve comoção nem maiores especulações. Joaquim Barbosa é um caso peculiar.

Depois da atuação como relator no processo do mensalão e da passagem pela presidência do STF, que lhe conferiram notoriedade (nos melhores e nos piores dos sentidos, dependendo do ponto de vista), a volta dele como apenas mais um integrante do colegiado ficaria muito difícil. Nada poderia ser como antes. Pasta de dentes que não volta ao tubo.

De imediato, por dois anos estaria sob a presidência de Ricardo Lewandowski, seu mais ferrenho oponente durante o julgamento em que atuou como ministro revisor e cujos embates com Barbosa chegaram a ultrapassar limites de civilidade. De parte a parte, diga-se. Apenas um estava sempre no papel de algoz e outro ficava na posição de vítima.

Sem a presidência ou a autoridade da relatoria de um processo em que foi na maior parte dele irretorquível - basta ver que foi acompanhado pela maioria em quase todas as suas posições -, Barbosa ficaria bastante vulnerável. Os atritos que criou deixaram sequelas que não podiam ser resolvidas ali, enquanto ele estivesse no comando. Mas, depois, talvez o pusessem no rumo do isolamento, do desprestígio.

Diferentemente do ministro Marco Aurélio Mello, com vocação para a polêmica e prazer acadêmico de divergir, Joaquim Barbosa não é homem de aceitar com facilidade o contraditório. Não perde com o mesmo conforto daquele que, ao contrário, não abre mão do direito de ser voto vencido há mais de 20 anos.

Mais que questões de saúde - existentes nos 11 anos em que o ministro passou na Corte - a decisão, de resto anteriormente já anunciada embora sem data, parece ter sido pautada por um sexto sentido que lhe avisou: a missão está cumprida, chega.

O mesmo que o aconselhou a não cair na tentação de atender ao canto da sereia deste ou daquele partido interessado na sua popularidade para fazer do ministro um "puxador" de votos. Tivesse feito isso, teria passado recibo aos que o acusavam de ter dado condução política ao processo do mensalão.

Ademais, para entrar na política teria antes de abrir mão de boa parte de suas convicções. E, com elas, de sua reputação. Por essas e outras citadas acima, saiu na hora certa.

Mal-entendido. Acho que não me fiz entender, quando fiz reparos no artigo "Origem da espécie" à prática do ex-governador Eduardo Campos de atribuir todos os erros que vê no governo exclusivamente à presidente Dilma Rousseff, salvaguardando as duas gestões de Luiz Inácio da Silva.

Não quis dizer, aliás não disse, conforme interpretaram vários leitores, que o candidato do PSB atua como linha auxiliar do PT, muito menos insinuar que Campos poderia abrir mão da candidatura na hipótese de Lula substituir Dilma.

Para ficar bem entendido: a crítica referia-se ao fato de, por uma questão estratégica, o candidato ignorar o fato de que muitos dos defeitos apontados por ele tiveram origem nos governos de Lula.