quinta-feira, 17 de abril de 2014

Opinião do dia: Roberto Freire

Há um cipoal de contradições. A gestão Lula/Gabrielli diz que foi um grande negócio. A presidente Dilma diz agora que não faria, e Graça Foster afirma que não um bom negócio.

Roberto Freire, presidente nacional do PPS e deputado federal (SP). Panorama político, O Globo, 17 de abril de 2014.

Energia ficará mais cara para 24 milhões de clientes

Aumentos variam de 11% a 29%

Mônica Tavares, Glauce Cavalcanti e Nice de Paula - O Globo

BRASÍLIA e RIO - A conta de luz de cerca de 24 milhões de unidades consumidoras de nove distribuidoras do Sul, Sudeste, Nordeste e Centro-Oeste ficará mais cara a partir deste mês. Os aumentos variam de 11,16% a 28,99% para residências e foram fortemente influenciados pelo alto custo da compra de energia, devido ao uso das térmicas e aos preços do mercado de curto prazo.

Para as indústrias, a conta sairá ainda mais salgada. A gaúcha Uhenpal (Usina Hidrelétrica Nova Palma Ltda.), por exemplo, foi autorizada pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) a elevar a tarifa da indústria em 35,7% a partir de 19 de abril. A conta dos consumidores residenciais ficará 22% maior. A empresa fornece energia para 15 mil unidades consumidoras de sete cidades do estado.

O custo da energia comprada pelas distribuidoras aumentou substancialmente em razão de três fatores: o uso das usinas térmicas (mais caras), que começou no ano passado, para compensar a escassez de água nos reservatórios das hidrelétricas, a falta de contratos de longo prazo — que forçou as empresas a buscar energia no mercado livre — e assinatura de novos contratos de longo prazo já com preços mais altos.

No Nordeste, os aumentos das quatro distribuidoras — Coelba (BA), Coelce (CE), Energisa (SE) e Cosern (RN) — começam a vigorar no próximo dia 22. Elas fornecem energia para cerca de 10 milhões de consumidores. A tarifa de energia cobrada pela Coelba (BA) subirá 15% para as residências, enquanto para a indústria a alta será de 16,04%. A Coelba, que tem um faturamento anual de R$ 4,2 bilhões, solicitou um aumento a agência de 18,12%.

Com a escalada dos preços da energia, a indústria passou a pagar a 10ª tarifa mais cara, num ranking de 28 países elaborado pela Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan). O custo do MWh no país já chega a R$ 301,66. A Índia tem a energia mais cara da lista, a R$ 630,92. Mas o custo no Brasil supera em larga escala o da China (R$ 201,48) e da Rússia (R$ 150,35).

Os reajustes em série de distribuidoras — anunciados a partir do dia 8 de abril — recaem principalmente sobre indústrias eletrointensivas, como siderúrgicas e de alumínio, mas terão impacto também no comportamento dos preços. O economista Eduardo Velho, da INVX Global Partners, estima que os reajustes devem representar ao menos 0,28 ponto percentual na inflação deste ano.
Segundo Velho, ainda há incerteza quanto à intensidade do uso de energia térmica, mais cara, o que pode repercutir nas tarifas. O impacto a mais sobre os índices de preços ocorre no momento em que as projeções do mercado estão muito próximas do teto da meta de inflação do ano, de 6,5%.

— Na indústria de alumínio, a energia representa 42% do custo de produção. Mas o impacto desse aumento de tarifa vai depender do segmento em que cada indústria atua. Se a empresa está num mercado muito competitivo, terá que segurar o repasse de custos. Para fazer isso, pode precisar realizar cortes em outras áreas — destaca Tatiana Lauria, especialista em competitividade de indústria e investimentos do Sistema Firjan.

Estímulo ao consumo
Embora seja difícil mensurar o reflexo do aumento do custo médio da tarifa elétrica para a indústria, o insumo está entre os gastos mais relevantes para o setor, diz Marco Polo de Mello Lopes, presidente do Instituto Aço Brasil.

— O custo da energia já é um fator restritivo à competitividade. É evidente que, com o aumento, o efeito será de piora. A redução da tarifa, anunciada ano passado, não beneficiou a indústria do aço. As usinas atuam no mercado livre, onde a queda foi pequena —diz Lopes.

O problema, segundo a especialista da Firjan é estrutural, refletindo a política energética do país, a despeito dos investimentos em projetos de usinas hidrelétricas.

— Mudar o foco de hidrelétricas com reservatórios para as usinas a fio d’água, por exemplo, exige maior uso de térmicas. É uma escolha para reduzir impacto ambiental. Mas tudo tem um preço. E o governo precisa deixar isso claro, explicitando como vamos usar a energia gerada e a que preço — diz.

Para Cláudio Frischtak, presidente da Inter. B Consultoria Internacional de Negócios, a indústria e o consumidor residencial foram levados a investir num padrão de consumo de quando o país vivia outra situação.

Segundo ele, o cenário de energia abundante baseado no modelo hídrico não condiz mais com a realidade porque o custo da distribuição é elevado. Além disso, exigências ambientais e sociais em áreas próximas a novas hidrelétricas, substituição de reservatórios por usinas a fio d’água e aumento nos prazos das obras encareceram a expansão do sistema.

Além da mudança de cenário, Frischtak ressalta que a entrada de milhões de brasileiros no mercado consumidor nos últimos anos foi acompanhada da compra de um grande número de eletrodomésticos, como televisores, geladeiras, aparelhos de ar-condicionado que fizeram o consumo crescer sem um avanço equivalente no crescimento da energia.

— O governo errou feio e essa barbeiragem está custando bilhões de reais. Só estão autorizando os reajustes agora, porque as contas públicas chegaram ao limite. Um grande equívoco foi a presidente ir para a televisão dizer: vamos baixar o custo da energia para todo mundo. Foi o mesmo que falar “consumam”. As pessoas responderam e passaram a gastar energia a rodo. E para piorar, foi um ano de verão muito quente, o que aumenta o consumo de energia e acelera a evaporação da água — diz o economista.

Rio tem a 4ª energia mais cara
Estimativas da Inter. B mostram que se, em janeiro, quando o governo percebeu que haveria problemas com os reservatórios, tivesse sido feito uma campanha para a população reduzir consumo de energia em 10%, a crise atual teria proporções bem menores.

Afonso Henriques Moreira Santos, ex-diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), também chama atenção para o fato de o governo federal não ter investido em campanha pelo uso racional de energia no país. Para ele, a redução da tarifa de energia como estratégia para elevar a competitividade da indústria resultou em crise no setor elétrico.

— Foi um grande erro em política energética. Só há avanço em competitividade com expansão da produtividade industrial. Vantagens competitivas artificiais não garantem aumento de produção. Teria sido preciso pedir ganho de eficiência, investimento em automação. Países altamente produtivos, como Japão e Chile, importam gás natural liquefeito, que é muito caro. E são muito competitivos — argumenta ele.

O custo de energia no Rio de Janeiro e em São Paulo, segundo a Firjan, também fez os dois polos industriais avançarem no ranking dos estados onde a energia é mais cara. A lista tem Mato Grosso em primeiro lugar, com preço do MWh em R$ 424,27. O Rio passou da 6ª para a 4ª colocação, após reajuste da Ampla, totalizando R$ 368,94/MWh. Já São Paulo, avançou três posições, ficando em 15º lugar, com tarifa de R$ 285,34/MWh.

Cerveró rebate Dilma e presidente da Petrobras

Correio Braziliense

Apontado como o responsável pelo "parecer falho" que fundamentou a decisão da presidente Dilma Rousseff na compra da Refinaria de Pasadena, no Texas, em 2006, quando ela presidia o Conselho de Administração da Petrobras, o ex-diretor da Área Internacional da estatal Nestor Cerveró minimizou ontem a importância das cláusulas put option e marlim, omitidas no resumo. Em cinco horas de depoimento na Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara dos Deputados, Cerveró tentou clarear as sombras acerca da aquisição que causou prejuízos à empresa brasileira.

"As cláusulas não têm representatividade no negócio, não eram importantes do ponto de vista negocial e da valorização do negócio", enfatizou Cerveró, logo na primeira resposta aos deputados. O ex-diretor considerou comuns no mercado econômico a put option e a marlim (cláusulas que obrigam uma das partes a comprar a outra em caso de desacordo entre sócios) e reforçou que estão presentes na maioria dos contratos da estatal. Em seguida, Cerveró confirmou que os dois itens não constavam no resumo executivo de uma página e meia enviado ao Conselho de Administração da Petrobras, em 2006.

O depoimento do ex-diretor — que segue a mesma linha das explicações prestadas pelo ex-presidente da Petrobras José Sergio Gabrielli na Casa — contradiz o posicionamento da presidente Dilma Rousseff. Ao jornal Estado de S.Paulo, Dilma reconheceu ter se baseado em "resumo técnico e juridicamente falho, pois omitia qualquer referência às cláusulas marlim e put option que integravam o contrato e que, se conhecidas, seguramente não seriam aprovadas pelo conselho", disse, em março, por meio de nota.

Cerveró rebateu a declaração e disse que encaminhou ao conselho toda a "documentação necessária" para embasar a compra da refinaria. Nessa documentação, estariam incluídas as duas cláusulas contratuais. Ele disse não se lembrar, porém, se ela chegou a tomar conhecimento dos pontos. "É praxe que toda documentação seja encaminhada ao conselho, mas isso cabe à diretoria, não a mim." Dez dias depois da resposta de Dilma, Cerveró foi demitido da direção da BR Distribuidora.

"De forma nenhuma (eu enganei Dilma). Apresentei um trabalho desenvolvido ao longo de mais de um ano para essa refinaria. Não houve nenhuma intenção de enganar ninguém. Não há nenhum sentido de enganar a ninguém. A posição (sobre a compra) não é só minha, é da diretoria, e o conselho aprovou esse projeto. Não existem decisões individuais nem na diretoria nem no conselho. Foi tudo baseado em uma série de consultorias e trabalhos técnicos ao longo de mais de um ano", disse Cerveró no depoimento.

As explicações na Câmara não foram suficientes para arrefecer os ânimos dos deputados da oposição por instalar uma comissão parlamentar de inquérito (CPI) que investigue as contradições dessa compra. Insatisfeita, a oposição pressionou por uma "verdade", considerando os desencontros entre os depoimentos de Cerveró e da presidente da Petrobras, Graças Foster, ouvida na terça-feira, na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado. Graça Foster alegou que a compra foi um "mau negócio".

"Faria de novo"
Mas Cerveró rebateu que "o faria de novo caso estivesse nas mesmas condições". "Não posso aceitar que o projeto foi malfadado, porque ele não foi completado. A rentabilidade desse projeto só se daria no momento em que ele se concluísse. Estamos fazendo uma análise posterior e uma série de eventos que modificam completamente o cenário", disse. "Se as condições se repetissem, eu faria (o negócio) de novo".

Para o líder do DEM na Câmara, deputado Mendonça Filho (PE), as contradições reforçam a necessidade de apurar o caso Pasadena. "As verdades são contraditórias. Há uma versão dada pela presidente Dilma e outra pelo ex-diretor Cerveró. Uma das duas tem de ser verdade, um dos dois tem de estar mentindo", disse. Ontem, os deputados também decidiram fazer um requerimento para convocar o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, para prestar esclarecimentos na comissão.

Justificativas
Veja as principais respostas de Nestor Cerveró sobre a compra da Refinaria de Pasadena

Dilma
» "Não posso desmentir (a presidente Dilma Rousseff). Não é questão de desmentir ou confirmar a presidente Dilma. O conjunto dos documentos estavam lá. Hoje, eu tenho informação de um projeto que não foi realizado, mas, naquele momento, eu não tinha todas essas condições. Se as condições se repetissem, eu faria (o negócio) de novo"

Conselho de Administração
» "Encaminhamos a documentação necessária para o conselho aprovar, e o conselho aprovou. Estamos falando de um resumo executivo de uma página e meia. O contrato em si tem 700 páginas. O projeto aprovado pela diretoria, quando demandado, é encaminhado normalmente para o conselho"

Cláusulas polêmicas
» "Ficou demonstrado que as cláusulas (put option e marlim) não são lesivas à companhia. A posição (da compra) não é só minha. Não existem decisões individuais, nem na diretoria nem no conselho. Foi tudo baseado em uma séria de consultorias ao longo mais de um ano"

Rentabilidade
» "Não posso aceitar que o projeto foi malfadado, porque ele não foi completado. A rentabilidade desse projeto só se daria no momento em que ele se concluísse. Estamos fazendo uma análise posterior e uma série de eventos que modificam completamente o cenário"

BR Distribuidora
» "Não fui rebaixado, fui substituído. Isso é comum na Petrobras. A BR é a segunda empresa em faturamento deste país. Fui diretor financeiro durante seis anos. Tive a satisfação de ver a BR dobrar (faturamento). Este ano, a BR atingiu lucro de US$ 1 bilhão. Por que me sentiria desprestigiado ocupando a diretoria da BR?"

NYT destaca escândalos
Reportagem publicada na edição de ontem do jornal norte-americano The New York Times diz que a Petrobras, que chegou a representar o acelerado desenvolvimento do Brasil, hoje é símbolo de "estagnação", refletindo as "fraquezas da economia" brasileira. O NYT afirma que a estatal perde credibilidade e tem a imagem "afetada por escândalos", como a compra da Refinaria de Pasadena e a prisão do ex-diretor Paulo Roberto Costa.

"Há uma versão dada pela presidente Dilma e outra pelo ex-diretor Cerveró. Um dos dois tem de estar mentindo"
Mendonça Filho, líder do DEM na Câmara

Nestor Cerveró diminui importância de cláusulas e defende compra de Pasadena

Ex-diretor da Petrobrás, apontado por Dilma Rousseff como responsável por relatório 'falho' que embasou operação, afirmou ainda que não enganou a presidente

Ricardo Brito e Daiene Cardoso - Agência Estado

Em um depoimento de quase cinco horas na Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara dos Deputados nesta quarta-feira, 16, o ex-diretor da Petrobrás Nestor Cerveró diminuiu a importância das cláusulas contratuais da operação, considerada por ele um "bom negócio", e afirmou não ter enganado a presidente Dilma Rousseff, que presidia o Conselho de Administração da Petrobrás na época.

Em março, a presidente afirmou ao Estado que tomou a decisão da compra por conta de um relatório "falho" de Cerveró. Para o ex-diretor as cláusulas Put Option (de saída) e Marlim (de rentabilidade do sócio) não têm "essa representatividade no negócio". "Não é importante do ponto de vista negocial, do ponto de vista da valorização do negócio, nem uma cláusula nem outra", destacou. Cerveró, contudo, não soube informar porque as cláusulas não foram apresentadas ao Conselho de Administração da Estatal, ou mesmo quando o relatório da compra foi encaminhado aos conselheiros.

Segundo ele, era equivocada a afirmação feita pelo seu próprio advogado de que o colegiado recebeu o documento com 15 dias de antecedência. "Se foi encaminhado e o Conselho de Administração tomou conhecimento, a responsabilidade não é minha porque não era responsabilidade de cada diretor fazer o encaminhamento", afirmou. A presidente disse que não aprovaria a operação se soubesse de todas as informações. O ex-diretor, contudo, afirmou que foi um "bom negócio".

Cerveró negou ainda que tinha intenção de enganar Dilma e ressaltou que o processo de compra foi avaliado ao longo de um ano e foi acompanhado pela direção da Petrobrás."Não houve nenhuma intenção de enganar ninguém. Quer dizer, mão há nenhum sentido de se enganar ninguém", afirmou.

O ex-diretor fez questão de deixar "bem claro" de que tal posição em favor da compra da refinaria não era individual, mas da diretoria. "Não existem decisões individuais", afirmou, ao destacar que tanto a diretoria que compunha, a da área internacional, e a do conselho de administração estavam de acordo com a operação.

Preço. Nestor Cerveró também aproveitou seu depoimento para reafirmar que o custo da metade da refinaria de Pasadena, no Texas (EUA), foi de cerca de US$ 360 milhões. Segundo ele, o valor é "muito distante" do que foi divulgado pelo mercado.

"Foi um bom negócio, sem dúvida", afirmou. Cerveró disse que a cláusula de saída (put option) é comum em qualquer sociedade e que ninguém faz uma sociedade para sair dela. "Vocês podem perguntar no mercado. É uma cláusula normal", destacou.

Segundo o ex-diretor, a cláusula Marlim tinha como objetivo impor o processamento de 70% do petróleo. Cerveró disse que a cláusula era uma defesa para a Astra. Ele afirmou que essa cláusula é estabelecida a partir da seguinte premissa: é colocada uma diferença mínima, porque o petróleo leve é muito mais caro que o pesado. Por isso, destacou, havia essa remuneração extra de 6,9%. "É uma proteção negociada. Esta cláusula é inócua e não significava nenhum risco para a Petrobrás. Não era nenhuma garantia de rentabilidade do sócio, mas uma proteção", afirmou.

Cerveró diz não ter enganado Dilma em compra de Pasadena

Ex-diretor da Petrobrás afirmou ainda que cláusulas que obrigaram estatal a comprar metade de refinaria da empresa belga Astra Oil não são tão importantes 'do ponto de vista negocial'

Ricardo Brito e Daiene Cardoso - Agência Estado

O ex-diretor da Petrobrás Nestor Cerveró afirmou em depoimento à Câmara dos deputados nesta quarta-feira, 16, que não enganou a presidente Dilma Rousseff, então presidente do Conselho de Administração da estatal, na compra de parte da refinaria de Pasadena, no Texas (EUA). "De forma nenhuma", respondeu ele ao deputado Vanderlei Macris (PSDB-SP), durante a audiência pública.

Segundo o ex-diretor, todo o processo de compra foi desenvolvido ao longo de um ano. "Não houve nenhuma intenção de enganar ninguém. Quer dizer, mão há nenhum sentido de se enganar ninguém", afirmou.

Cerveró fez questão de deixar "bem claro" de que tal posição em favor da compra da refinaria não era individual, mas da diretoria. "Não existem decisões individuais", afirmou, ao destacar que tanto a diretoria que compunha, a da área internacional, e a do conselho de administração estavam de acordo com a operação.

O ex-diretor considera que as cláusulas Put Option (de saída) e Marlim (de rentabilidade do sócio) não têm, na avaliação feita, "essa representatividade no negócio". "Não é importante do ponto de vista negocial, do ponto de vista da valorização do negócio, nem uma cláusula nem outra", destacou.

Cerveró, contudo, ainda não disse se omitiu tais cláusulas do resumo executivo que embasou a compra da refinaria de Pasadena. Conforme revelou o Estado, Dilma admitiu não ter tido acesso às cláusulas antes de a estatal efetuar a compra de metade da refinaria. Dilma era presidente do Conselho de Administração da Petrobras à época da operação. A presidente disse que não aprovaria a operação se soubesse de todas as informações.

Pouco antes, o ex-diretor afirmou que a operação foi um "bom negócio", contradizendo o que disse, n terça-feira, 15, a atual presidente da Petrobras, Maria das Graças Foster.

Cerveró diz não lembrar se conselheiros perguntaram sobre cláusulas

Em depoimento na Câmara, ex-diretor da Petrobrás ter feito uma apresentação na reunião do Conselho Administrativo sobre os principais aspectos da refinaria

Ricardo Brito e Daiene Cardoso - Agência Estado

BRASÍLIA - Durante depoimento na Comissão Parlamentar de Fiscalização e Controle da Câmara dos Deputados, o ex-diretor da Área Internacional da Petrobrás Nestor Cerveró afirmou na tarde desta quarta-feira, 16, não se lembrar se os integrantes do Conselho de Administração da estatal o questionaram sobre as cláusulas "put option" (de saída) e "marlim" (de rentabilidade do sócio) na reunião em que se decidiu pela compra de metade da Refinaria de Pasadena, no Texas (Estados Unidos). Segundo Cerveró, toda a diretoria participa como "convidada" das reuniões do conselho.

Em março, Estado revelou em março que a presidente Dilma Rousseff, na época presidente do conselho, admitiu não ter tido acesso, no resumo que recebeu pela diretoria sob responsabilidade de Cerveró, às duas cláusulas que embasaram a compra da metade da refinaria. Dilma disse que não aprovaria a operação se soubesse de todas as informações.

Cerveró disse ter feito uma apresentação na reunião do conselho sobre os principais aspectos da refinaria. Ele disse que não se recorda de quais perguntas ouviu no encontro, mas destacou que esse é um procedimento normal.

O ex-diretor afirmou que a Diretoria de Abastecimento, na época ocupada pelo diretor Paulo Roberto Costa, participou da operação da compra de Pasadena. Segundo Cerveró, para justificar a participação da outra diretoria, a área que ele dirigia não tem técnicos de todos os setores. Cerveró destacou que a principal atividade da diretoria que comandava era a exploração e a produção de petróleo.

"Paulo Roberto (…) participou, assim como toda a diretoria", declarou. Costa foi preso na Operação Lava Jato, da Policia Federal (PF). A ação apura, entre outras irregularidades, suspeitas de lavagem de dinheiro e supostas fraudes em contratos da Petrobrás. Há suspeita de desvio de dinheiro em proveito de políticos.

Ao contrário de Graça Foster, Cerveró afirma que compra de Pasadena não foi um mau negócio

Ex-diretor da área internacional da Petrobras também cita presença de Lula em negociações

Chico de Gois e Júnia Gama - O Globo

BRASÍLIA - Em depoimento nesta quarta-feira na Câmara do Deputados, em Brasília, sobre a compra da refinaria de Pasadena, no Texas (EUA), o ex-diretor da área internacional da Petrobras Nestor Cerveró contradisse a presidente da estatal, Maria da Graça Foster. Na terça-feira, ela afirmou no Senado que a empresa fez um mau negócio. Segundo Cerveró, a aquisição por US$ 1,2 bilhão, em 2006, “estava perfeitamente enquadrada dentro do planejamento estratégico da Petrobras”.

- Não posso aceitar que seja utilizada, em repetidas vezes, essa expressão que foi uma malfadada operação. Essa operação não foi malfadada ou desastrosa. O projeto não foi completado como estava previsto e foi aprovado pela diretoria e pelo próprio conselho de administração. A rentabilidade se daria, quando se concluísse o projeto para o qual foi aprovado - afirmou, acrescentando. - Quando Gabirelli (presidente da Petrobras na época do negócio) diz que foi um bom projeto, foi um bom projeto na época. Estamos fazendo análise depois de uma série de eventos que modificaram o cenário.

Cerveró, embora não tenha citado o nome de Dilma, disse que é comum o conselho administrativo da Petrobras aprovar projetos baseados em resumos.

- Estamos falando de um resumo executivo de uma página e meia, o que é normal, com os pontos necessários. Não posso afirmar pelos outros. Os documentos são enviados para a diretoria e, uma vez aprovados, são encaminhados ao conselho. Projetos aprovados pela diretoria, quando demandam aprovação do conselho, são encaminhados normalmente para o conselho.

Nestor Cerveró ressaltou também que, em setembro de 2007, o ex-presidente da Petrobras Sérgio Gabrielli levou o ex-presidente Lula para conversar com o CEO da Astra Oil durante uma visita à Escandinávia. Na ocasião, ficou definido que a Petrobras deveria comprar os 50% da refinaria ou vendê-la. Depois, Cerveró negou que Lula tenha participado da reunião e disse apenas que os diretores da estatal acompanharam Lula na viagem.

- Em setembro de 2007, aproveitando uma viagem do ex-presidente Lula à Escandinávia, a diretoria da Petrobras acompanhou o presidente, e convidamos o principal CEO da Astra para uma reunião. Nos reunimos em Copenhagen, onde ficou definido que a Astra não seguiria adiante e que negociaríamos os 50% - disse o ex-diretor.

Ao negar que tenha enganado a presidente Dilma Rousseff na compra de Pasadena, Cerveró afirmou que todas as decisões da estatal são tomadas de forma colegiada.

- A posição não é só minha, mas da diretoria que aprovou a compra. Não existem decisões individuais, nem na diretoria, nem no conselho. Foi tudo baseado em uma série de consultorias por mais de um ano - disse Cerveró.

O ex-diretor da Petrobras reafirmou que as cláusulas put option e marlim não teriam importância. Ontem, no Senado, Graça Foster sustentou fala de Dilma Rousseff de que o resumo executivo que recomendou a compra de Pasadena não apresentava as cláusulas.

- Essas cláusulas não têm representatividade no negócio. Não era importante do ponto de vista negocial nem uma cláusula nem outra - disse Cerveró.

'Não fui rebaixado', diz Ceveró sobre transferência
Nestor Cerveró também contestou versão apresentada ontem por Graça Foster de que teria sido rebaixado quando foi deslocado da diretoria internacional da Petrobras para a diretoria financeira da BR Distribuidora, há cerca de seis anos. Cerveró ressaltou ter recebido elogios na ata da reunião que definiu a mudança e disse que manteve uma posição de destaque, com um nível salarial similar.

- Não me senti rebaixado. Não fui rebaixado, fui substituído, que é um processo normal na Petrobras. Não existe emprego de diretor, é uma questão de conveniência, o conselho é quem decide. Não houve nenhuma punição, no relatório quando da minha saída consta uma série de elogios ao meu desempenho na área internacional - disse Cerveró.

- Eu fui ocupar uma posição de destaque, o salário é praticamente igual de diretor da Petrobras. A BR é a maior distribuidora de combustível do país, é a segunda maior empresa do país. Por que eu me sentiria desprestigiado ocupando a diretoria executiva de uma empresa de sucesso? Não estou desmentindo a Graça Foster, o diretor da Petrobras tem um nível hierárquico e salarial um pouco maior, mas não concordo com essa questão do rebaixado - pontuou.

Apresentação técnica
Cerveró optou, no início do depoimento na Câmara, em fazer uma apresentação técnica, observando que o plano de expansão da Petrobras no exterior, para refino, estava previsto no Plano Estratégico da empresa desde 2000.

- A compra da refinaria Pasadena estava perfeitamente enquadrada dentro do planejamento estratégico da Petrobras - afirmou.

Nestor Cerveró, mostrando dados técnicos em um power point, defendeu a compra da refinaria americana e disse que o negócio se deu também por uma questão estratégica, de acesso ao mercado americano.

- Pasadena tem sido muito questionada. As refinarias dos EUA todas são antigas. A mais nova é de 1976. A de Pasadena tinha licença e tinha terreno adquirido e espaço para ampliação. E estava na capital americana do petróleo, que é Houston. É uma refinaria estrategicamente muito bem colocada.

A Astra já estava no mercado americano há bastante temo. Compramos uma posição no mercado americano - disse, completando:

- A Astra tinha contratos de acesso aos principais oleodutos que dão escoamento desse refinado. O preço dos derivados na costa leste é muito melhor do que no restante dos EUA. Essa é a valorização da comercializadora. Havia vantagem competitiva. Isso é o que compõe o negócio. Não é apenas a refinaria. É também a posição estratégica.

No final de sua apresentação, de mais de uma hora, Cerveró voltou a citar o ex-presidente Lula. Ele disse que a internacionalização da petroleira tinha no ex-presidente um entusiasta. Embora a afirmação não tenha sido direcionada especificamente a Pasadena, o ex-diretor da área internacional quis deixar claro que havia uma determinação de Lula para que a Petrobras se expandisse no mercado internacional.

- Seguindo orientação do presidente Lula, que era entusiasta e ainda é - disse.

O ex-diretor foi responsabilizado por Graça Foster de ser o responsável pela elaboração de um laudo que teria levado o conselho de administração da empresa incorrer em erro na compra da usina de Pasadena, no Texas.

O presidente da Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara, deputado Hugo Motta, informou aos membros da comissão que a assessoria da Petrobras, em informe nesta manhã, não confirmou a presença da presidente da Petrobras para prestar esclarecimento aos deputados na próxima quarta-feira, como havia sido combinado anteriormente.

Hugo Motta afirmou que, como presidente da comissão, vai aguardar até a próxima terça-feira à noite para que ela confirme ou não se irá comparecer. Caso não compareça, a comissão irá votar a convocação do ministro de Minas e Energia, Edison Lobão.

Ao apontar o dedo para Cerveró, em seu depoimento ontem no Senado, Graça teve como objetivo poupar de embaraços a presidente Dilma Rousseff, que presidia o conselho na época em que a transação foi feita.

- A compra da refinaria não foi um bom negócio - sentenciou Graça Foster ontem aos senadores.

Divergência entre Graça e Cerveró faz oposição reforçar pedido de CPI

Petista afirma que ex-diretor da Petrobras deu todas as informações necessárias e não desmentiu Dilma

Washington Luiz - O Globo

BRASÍLIA - As contradições nos depoimentos do ex-diretor da área internacional da Petrobras Nestor Cerveró e da presidente da estatal, Graça Foster, reforçaram, para a oposição, a necessidade de se instaurar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investigue a compra da refinaria Pasadena, no Texas. Ao dizer que a aquisição não foi um mau negócio e que todo o Conselho Administrativo tinha conhecimento do negócio, Cerveró agradou aliados do governo, mas não conseguiu impedir os ataques da oposição.

Após ouvir o ex-diretor na Comissão de Fiscalização e Controle, o líder do DEM na Câmara, Mendonça Filho (PE), afirmou que os desencontros de informações prejudicaram os esclarecimentos sobre a compra da refinaria:

— Reforça a necessidade de uma CPI. As versões são contraditórias, conflitantes. Há um jogo de empurra-empurra, cada um tira a sua responsabilidade e fica essa manipulação. Só essa audiência não será suficiente.

 A presidente Dilma diz que não foi informada. Cerveró garante que passou todos os documentos para o Conselho Administrativo. Quem está mentido? Não vai ser essa audiência pública que vai responder tudo — defendeu Mendonça.

O deputado Fernando Ferro (PT-PE) disse que as explicações foram satisfatórias e enfraqueceram o argumento da oposição:

— A oposição queria que ele desmentisse a presidente Dilma e não conseguiu. Estão querendo comparar uma compra feita há oito anos com uma feita hoje. É como querer comprar uma radiola sendo que atualmente já existem pendrives. Estou certo de que o Cerveró forneceu todas as informações que eram precisas, se elas chegaram até a presidente Dilma, é outra história. Outra investigação — argumentou.

Durante a sabatina, os deputados Domingos Sávio (PSDB-RJ) e Edson Santos (PT-RJ) se desentenderam. Para o petista, a oposição queria "constranger" o ex-diretor da Petrobras. Sávio alegou que Cerveró não respondeu às questões de forma esclarecedora:

— É um teatro. Ele (Cerveró) insistiu em vir aqui para se defender e nós já sabíamos que não ia dar em nada. O que se pode concluir é que não dá para a presidente Dilma sustentar que foi enganada. Está bem claro que todos sabiam de tudo.

Deputados batem boca durante depoimento de Cerveró

‘É bom que você fale, porque amanhã vai ser abandonado pelo PT’, diz deputado ao ex-diretor

Maria Lima, Chico de Gois e Danilo Fariello - O Globo

BRASÍLIA - Numa sessão tensa, com muito bate-boca entre os deputados petistas e da oposição, o ex-diretor da área internacional da Petrobras, Nestor Cerveró, depôs na Comissão de Fiscalização e Controle da Câmara nesta quarta-feira. Ao final, ele também mostrou certa impaciência. Com os ânimos acirrados logo no início da inquirição, presidente da CFC, o novato deputado Hugo Mota (PMDB-PB) avisou: "Não vou deixar isso aqui virar baderna e privar o povo brasileiro de saber o que se passou nesse caso".

Com o cronômetro quebrado, deu a palavra primeiro aos autores da convocação. O deputado delegado Fernando Francischini (SDD-PR) começou a ler um relatório do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU) e trocou o nome do procurador Marinus Marsico para "Marisco". No final de sua fala, se dirigindo a Cerveró, pediu que ele falasse o que sabia.

— É bom que você fale, porque amanhã vai ser abandonado pelo PT — disse Francischini, provocando a ira dos petistas.

— Olha aqui seu delegado, tenha respeito! Vossa Excelência não está numa delegacia não — gritou o deputado Edson Santos (PT-RJ).

Ao começar sua inquirição, outro autor do convite, o deputado Stephan Nercessian (PPS-RJ) disse, com ironia, que vivia entre a fantasia e a realidade, e que, pela exposição convincente feita em defesa do bom negócio de Pasadena, ia contratar Cerveró para gerenciar seus negócios. E elogiou o fato de ter enganado tanta gente poderosa.

— O senhor vai ganhar o Prêmio Nobel, entrar para o Guinness (livro dos recordes). Como que um diretor sozinho conseguiu enganar um universo de tantos gerentes e diretores experientes como os da Petrobras? Existem o gênio do bem e o gênio do mal. Porque só agora descobriram que o senhor é o gênio do mal? Isso é impressionate! — criticou Nercessian.

Os deputados Domingos Savio (PSDB-MG), líder da minoria, Edson Santos, que atuou como o pitbull do PT, também bateram boca. Quando o deputado Lucio Vieira Lima (PMDB-BA) questionou quem foi o padrinho de Cerveró, o deputado Fernando Ferro (PT-PE) cobrou:

— Até porque padrinho por padrinho, o Geddel ocupou a vice-presidência da Caixa — alfinetou o petista, referindo-se ao ex-diretor da Caixa Econômica, Geddel Vieira Lima, irmão de Lúcio.

— O padrinho do Geddel eu sei. Quero saber quem foi o dele — devolveu Lucio.

O líder do DEM na Câmara, Mendonça Filho (PE), chegou a recomendar que Fernando Ferro tomasse um "Lexotan" para relaxar. Ele questionou o colega se ele estaria nervoso, ao que Ferro rebateu afirmando que a oposição não teria conseguido o que queria com a audiência.

Pouco antes do intervalo promovido pelo presidente da comissão, após mais de cinco horas de sessão, Cerveró disse que não estava habituado a tanto tempo de inquerimentos e, quando questionado pelo deputado Domingos Sávio mais uma vez sobre as cláusulas do contrato, rebateu em tom irônico

— Talvez o senhor tenha esquecido, já faz tempo que fiz a apresentação — disse Cerveró.
Insatisfeito com as respostas recebidas, Sávio deixou o plenário afirmando que queria “respostas, e não um teatro”. Durante o intervalo, Cerveró aproximou-se foi cumprimentar no plenário deputados da base aliada, como Ferro e Amauri Teixeira (PT-BA).

Nestor Cerveró: Não enganei Dilma de forma nenhuma

André Borges e Rafael Bitencourt - Valor Econômico

BRASÍLIA - O ex-diretor da área internacional da Petrobras, Nestor Cerveró, afirmou nesta quarta-feira, durante audiência pública na Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara dos Deputados, que a polêmica cláusula de saída (put) que a presidente Dilma Rousseff disse desconhecer em relação à aquisição de Pasadena é “mais do que comum” em contratos da Petrobras.

Cerveró disse que não teve a intenção de enganar a presidente Dilma Rousseff. “De forma nenhuma. Não há nenhum sentido em enganar ninguém”, afirmou. “Não existem decisões individuais, nem na diretoria nem no conselho da Petrobras”.

Cerveró chegou a dizer que tanto a sócia belga Astra quanto a Petrobras tinham direito à cláusula put. Ele só não detalhou, porém, se a Petrobras também teria direito a um ágio de 20% sobre o valor negociado, caso a put tivesse sido exercida pela estatal brasileira.

O ex-diretor da área internacional da Petrobrasafirmou que a cláusula Marlim – que Dilma também disse desconhecer – foi uma defesa da Astra para a transferência do lucro da produção, por conta do volume de petróleo que seria refinado da Petrobras. “A cláusula Marlim nunca foi usada. Ela não significou nenhum risco para a Petrobras”, disse.

Cerveró ainda não esclareceu na audiência pública se as cláusulas foram omitidas do resumo executivo do empreendimento, mas deixou claro que era cláusulas irrelevantes para mudar a posição do conselho da Petrobras em aprovar o negócio.

Roda
Cerveró disse que a companhia não “inventava a roda” ao tomar a decisão de investir em refinaria de petróleo nos Estados Unidos, no início dos anos 2000. “Em 2005, a compra uma refinaria e adaptá-la ao processamento de óleo pesado estava totalmente alinhada à estratégia da Petrobras”, disse o ex-diretor.

Cerveró afirmou que o planejamento estratégico da Petrobras apontava para a expansão de refino no exterior já em 2000 envolvendo o processamento de petróleo pesado produzido no Brasil. A escolha dos EUA veio como forma de aproveitar o potencial do grande mercado consumidor americano.

Ele destacou que as grandes petroleiras internacionais já estão nos EUA e a Petrobras seria apenas mais uma delas. Neste contexto, surgiu a oportunidade de comprar a refinaria de Pasadena, considerada “perfeitamente integrada ao planejamento estratégico” da Petrobras.

Cerveró defendeu na audiência pública que a entrada da estatal nos EUA era um “movimento natural” de mercado. “Sabíamos que o mercado americano é um consumidor voraz de petróleo”, disse o ex-diretor.

Além de estar atento à oportunidade propiciada pelo mercado americano, havia o entendimento de que seria possível aproveitar as facilidades que a Petrobras teria por já contar com a presença na produção no Golfo do México. Com isso, Cerveró considera que a companhia brasileira teria uma atuação “verticalizada”, cuidando das etapas de produção e refino do óleo a ser processado.

Segundo o ex-diretor, o cenário do petróleo brasileiro em 2005 estava apoiado no refino de petróleo pesado, que demanda mais investimento em seu processamento que o óleo leve. A meta era refinar 300 mil barris de petróleo pesado no exterior.

Ao rememorar as etapas de negociações para a compra de Pasadena, Cerveró informou que em 23 de fevereiro de 2005 foi recebida carta da Astra propondo parceria para refino. Já na época não foi oferecida venda completa da refinaria, mas uma “parceria no negócio”.

Havia o acordo de confidencialidade entre Astra e Petrobras, assinado em 27 de março de 2005, segundo o ex-diretor. Com o memorando de entendimento de 4 de maio de 2005, ficou prevista a utilização de 70 mil barris por dia de refino de petróleo pesado brasileiro.

Segundo Cerveró, a diretoria aprovou de forma colegiada a oferta de aquisição de 70% de Pasadena em 18 de agosto de 2005. Naquele mesmo mês a Astra ofereceu a venda de 70% da refinaria por US$ 475 milhões ou 60% por US$ 407 milhões. No mês seguinte teve início o processo de negociação.

Ele lembrou que o negócio foi auditado pelo Citigroup em novembro de 2005. No mês seguinte, a operação foi fechada no valor de US$ 189 milhões pela refinaria e US$ 170 milhões pela comercializadora e seus estoques. Cerveró disse que, em fevereiro de 2006, a diretoria da Petrobras aprovou o negócio por US$ 359 milhões e submeteu sua decisão ao conselho de administração.

Festa
A aquisição de 50% de Pasadena veio em fevereiro em 2006. Segundo Cerveró, houve festa no Texas para comemorar a compra. Na comemoração, o ex-presidente da Petrobras, José Sergio Gabrielli, foi recebido pelo governador do Texas para comemorar fechamento de negócio.

Durante sua apresentação, Cerveró defendeu a compra de Pasadena. Segundo ele, todas as refinarias dos EUA são antigas, sendo a mais nova de 1976. Ele assegurou que Pasadena tinha todas as condições para expansão de refino da companhia brasileira.

Pagamento
Cerveró confirmou a informação dada ontem pela presidente da empresa, Graça Foster, sobre o preço de aquisição da refinaria de Pasadena pela sócia Astra.

Até agora, os números davam conta de que a Astra teria pago US$ 42,5 milhões pela operação da refinaria, que pertencia a Crown. O valor total, no entanto, conforme mostrou Graça e hoje defendeu Cerveró, teria sido de cerca de US$ 360 milhões.

Durante a sua exposição, ele apresentou um histórico sobre as negociações. Disse que em fevereiro de 2006 começaram ao estudos para ampliar a capacidade de refino de Pasadena. Os projetos de ampliação foram concluídos em agosto de 2006.

Cerveró disse que a Petrobras tinha planos de dobrar capacidade de refino, chegando a 200 mil barris por dia. A diretoria da Petrobras aprovou planos de dobrar a capacidade de refino em setembro e um membro da Astra na sociedade aprovou o plano, mas a “alta direção” se recusou a investir no projeto, disse.

Em setembro de 2007, teve início a negociação para compra dos 50% restantes de Pasadena. A Petrobras propôs inicialmente US$ 550 milhões para a Astra, que queria US$ 1 bilhão. Em fevereiro de 2008, a diretoria da Petrobras aprovou proposta de US$ 700 milhões para comprar toda a refinaria mais outros US$ 98 milhões que estavam atrelados a custos da primeira etapa. O conselho administrativo então resolveu não aprovar o aporte total de US$ 798 milhões da segunda etapa, por conta de decisão de refinar no Brasil.

Segundo Cerveró, o custo total da refinaria de Pasadena foi de US$ 555 milhões, envolvendo mais US$ 343 milhões pela trading e custo de garantias bancárias de US$ 156 milhões. O custo total da aquisição de Pasadena atingiu US$ 1,23 bilhão.

Petrobrás é afetada por escândalos e estagnação, afirma NYTimes

Reportagem da publicação norte-americana destaca o momento atual da estatal e diz que problemas refletem fraquezas da economia brasileira

Altamiro Silva Júnior - Agência Estado

NOVA YORK - A Petrobrás, que foi o símbolo da ascensão do Brasil no cenário global nos últimos anos, com as enormes descobertas do pré-sal, agora simboliza algo totalmente diferente e reflete as fraquezas da economia brasileira, destaca o jornal norte-americano The New York Times em reportagem sobre a estatal publicada nesta quarta-feira, 16. "Estrela brasileira, Petrobrás é afetada por escândalos e estagnação", diz o título do texto, capa do caderno de negócios da edição.

A reportagem é assinada pelo correspondente do jornal no Rio, Simon Romero, e pelo repórter, Landon Thomas Jr, e mostra os vários problemas da petroleira. O alto endividamento, a produção estagnada, denúncias de corrupção e recebimento de propinas de funcionários, a prisão do ex-diretor Paulo Roberto Costa, a compra da refinaria em Pasadena, a investigação de um contrato com preços superfaturados com a construtora Odebrecht e o uso da companhia pelo governo para controlar a inflação, evitando com isso aumentar os preços dos combustíveis.

"Puxada por uma das maiores descobertas de petróleo deste século, a Petrobrás subiu para o topo do ranking das maiores produtoras globais de petróleo", desta o NYTimes. "Agora, a Petrobrás aparece como a empresa mais endividada do mundo, dependendo, em parte, de investidores dos EUA, para financiar seu ambicioso plano de investimento."

A reportagem destaca que a Petrobrás vendeu US$ 51 bilhões de bônus nos últimos cinco anos, cerca de um quarto do emitido por empresas brasileiras e um dos maiores níveis entre países emergentes. Com os investidores "sedentos por retorno" e a alta liquidez no mercado internacional, a petroleira não encontrou problemas para colocar seus papéis. Mas a reportagem chama atenção para o fato de que, com a elevação dos juros nos EUA a caminho e as finanças brasileiras em estresse, os investidores podem achar muito arriscado deter estas posições. Entre as gestoras dos EUA que têm papéis da empresa, o Times cita a BlackRock, a Pimco e a Fidelity.

Até agora, diz o jornal, os investidores têm sido "notavelmente pacientes". Os estrangeiros financiam 43% do programa de investimento da empresa, segundo o Times. "Se os problemas da empresa continuarem a aumentar, ela pode encontrar resistência nos mercados internacionais", diz o jornal.

Uma porta-voz da empresa disse à publicação que em 2015 a petroleira terá um "ponto de inflexão" na sua dívida. A geração de receitas deve superar os investimentos, iniciando uma trajetória de redução dos passivos. No lado da produção, o jornal diz que há indícios de que este ano a companhia pode "finalmente" ter sucesso em reverter a queda de produção petróleo e gás, citando que em fevereiro ela cresceu 0,3% ante janeiro, depois de recuar 2,2% em 2013.

O NYTimes diz que a ingerência política na Petrobrás tem sido grande, sobretudo para conter a inflação. "Talvez, o maior desafio da Petrobrás é que ela não é apenas uma empresa de petróleo", destaca o jornal. Mesmo assim, a petroleira brasileira "permanece longe" dos níveis de ingerência e negócios opacos que agora caracterizam a Petróleos de Venezuela.

Aécio diz que depoimento de Graça só reforça necessidade de CPI exclusiva para Petrobras

Presidente da estatal reconheceu que compra da refinaria de Pasadena não foi bom negócio

Anselmo Carvalho Pinto

CUIABÁ - O pré-candidato à presidência da República senador Aécio Neves (PSDB) disse nesta quarta-feira, no interior de Mato Grosso, que a fala da presidente da Petrobras, Graça Foster, no Senado só reforçou na oposição a ideia da necessidade de uma CPI exclusiva para investigar a estatal. Na quarta-feira, Graça Foster reconheceu que a compra da refinaria de Pasadena (Texas) por, segundo ela, US$ 1,25 bilhão de dólares não foi um bom negócio.

- A fala aponta para a necessidade de uma CPI, a partir do momento em que ela admite que a operação foi danosa – disse o senador tucano durante a Parecis SuperAgro, uma feira de agronegócio realizada em Campo Novo dos Parecis (397km de Cuiabá).

- A meu ver, ao final, ela caminhou numa direção que me preocupa. Disse que na gestão dela não há apadrinhamento político. Será que na gestão do antecessor (José Sérgio Gabrielli) havia? – questionou Aécio.

Gabrielli presidia a Petrobras no período em que a refinaria foi adquirida.

O senador ainda criticou o fato de o ex-diretor da área internacional da estatal, Nestor Cerveró, autor do documento que embasava a compra da refinaria, ter sido nomeado diretor da BR Distribuidora.

- A presidente (Dilma Rousseff) admite a responsabilidade de quem deu um parecer falho. E o que acontece? Demite? Não, promove. Ele fica por oito anos como diretor da BR Distribuidora, uma das empresas mais importantes do Brasil. Só saiu quando foi denunciado – afirmou.

E Aécio voltou a insistir na necessidade de uma CPI exclusiva para a Petrobras, ao contrário do desejo do governo, que pretende incluir no mesmo pacote escândalos como o do cartel do metrô em São Paulo.

- Eles querem uma CPI para não investigar nada. Instale a da Petrobras e instale a que quiserem. Eles têm maioria para isso. Eu dou minha assinatura como presidente nacional do PSDB a qualquer investigação que queiram fazer. Mas permitam aos brasileiros saber o que está acontecendo com a Petrobras.

Merval Pereira Versões contraditórias

- O Globo
O governo petista não tem sido feliz nas duas frentes em que luta para se livrar de crises políticas à beira da eleição presidencial. O ainda deputado federal André Vargas, ex-diretor de Comunicação do PT, desistiu de renunciar, mas continua sob pressão partidária para fazê-lo. É provável que acabe capitulando.

E, cada vez que uma nova versão sobre a compra pela Petrobras da refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos, vem a público, fica mais claro que é preciso investigá-la em profundidade.

Ontem, foi o momento do ex-diretor da área internacional da empresa Nestor Cerveró, acusado tanto pela presidente Dilma quanto pela presidente da Petrobras de ser o grande culpado por induzir a erro o conselho da Petrobras.

Para começo de conversa, o fato de ter omitido no resumo técnico a cláusula de saída, que obrigava uma das partes a comprar a outra em caso de litígio, e a Marlim, que garantia um rendimento básico de 6,9% à belga Astra Oil, parece a Dilma, a Graça Foster e aos empresários Jorge Gerdau e Fabio Barbosa, que também faziam parte do conselho, um pecado capital.

Já Cerveró ironizou sutilmente essa preocupação, dizendo que simplesmente não colocou as cláusulas no resumo porque elas são corriqueiras no mundo dos negócios.

Ou ele é um mentiroso que teve objetivo escuso ao omitir as cláusulas, ou todos os demais não entendem nada de negócios e estão utilizando essa desculpa esfarrapada para se livrarem da responsabilidade de terem autorizado um “mau negócio”. Não há alternativa, e somente uma investigação independente do Congresso pode definir as responsabilidades de cada um.

Um comentário lateral de Nestor Cerveró mostra bem o surrealismo da situação. Vários deputados tentaram incentivá-lo a falar o que sabe, alegando que fora traído por seus superiores ao ser demitido recentemente da diretoria financeira da BR Distribuidora — cargo a que fora rebaixado, segundo Graça Foster, devido ao episódio da compra de Pasadena.

Cerveró, muito sério, alegou que a saída do cargo agora não pode ser atribuída à compra da refinaria nos Estados Unidos, mas a uma simples questão administrativa, porque ela acontecera há 8 anos, “e eu não fui demitido na ocasião”.

Raciocínio perfeito, que poderia ser complementado com a informação de que, ao ser transferido da Petrobras para a BR Distribuidora, Nestor Cerveró foi elogiado por escrito por esse mesmo conselho da Petrobras, que não registrou oficialmente a transferência como uma punição ao servidor.

As evidências de que a compra da refinaria de Pasadena foi no mínimo estranha são muitas, a começar pela troca de e-mails entre diretores da companhia Astra Oil mostrando que eles consideravam improvável que a Petrobras oferecesse preço tão alto quanto ofereceu para a compra dos outros 50% da refinaria.

Sobre esses e-mails, que revelam os bastidores da negociação, ninguém consegue explicar nada, e somente uma CPI terá condições de investigar a fundo a motivação da compra, até agora camuflada por comentários técnicos que são opostos, Graça Foster admitindo que foi um mau negócio que parecia bom, e Nestor Cerveró afirmando que foi um bom negócio de qualquer maneira, mesmo a Petrobras tendo admitido já uma perda de US$ 530 milhões.

O “sincericídio” da presidente Dilma, admitindo que não autorizaria a compra se tivesse os dados completos, deu início a essa crise, pois até aquele momento a versão oficial da Petrobras era a de que tinha sido um negócio perfeitamente normal. Hoje, a atual diretoria joga para sua antecessora a culpa, e a presidente da República atual transfere para seu antecessor e mentor a responsabilidade por um “mau negócio” na estatal símbolo do país.

O país precisa saber quem está com a razão.

João Bosco Rabello: Danos políticos são irreversíveis e contínuos

- O Estado de S. Paulo

Somados, os depoimentos do ex-diretor da área internacional da Petrobrás Nestor Cerveró e da presidente da estatal, Graça Foster, mantêm a contradição essencial que permeia a crise gerada pela compra da refinaria de Pasadena.

Graça confirmou a versão presidencial de que a sonegação de cláusulas estratégicas levaram à aprovação pelo Conselho de Administração do que ela considerou "um inquestionável mau negócio". Cerveró prefere chamar de "negócio inconcluso". Mas ambos admitem, cada um a seu modo, que houve prejuízo. Graça, de forma explícita, o quantifica: pouco mais de US$ 500 milhões. Cerveró fala em registro contábil usual.

Cerveró sustenta, porém, que a documentação a respeito da compra da refinaria - mais de 400 páginas - esteve sempre à disposição do Conselho de Administração, assim como o resumo do negócio, sendo este apenas uma opção que o conselho preferiu.

O depoimento de Cerveró é inconsistente em diversos pontos, ao contrário daquele prestado por Foster anteontem, caracterizado pela assertividade das informações, em que pese seu conteúdo devastador para a gestão anterior da empresa.

Cerveró atribui o fracasso do projeto de Pasadena à sua interrupção e, esta interrupção, a mudanças no mercado do petróleo. O que não o absolve nem à diretoria da empresa à época da compra. Afinal, para projetar cenários e riscos é que existem os estudos preliminares que orientam as decisões no ambiente de negócios.

Além de dizer que os documentos sempre estiveram à disposição do conselho, Cerveró minimiza as cláusulas de saída do negócio, e a Marlim, que garantia lucro da sócia mesmo na hipótese de prejuízo da refinaria.

A omissão de ambas ao conselho permanece como fato real, respaldando a versão da presidente Dilma para a sua chancela ao negócio. O que mantém a suspeita de condução política - e desleal -, do projeto pelos seus principais negociadores.

Se o objetivo da CPI proposta pela oposição no Congresso é desvendar esse ponto da questão - a prevalência de uma decisão política sobre a técnica em uma operação comercial que deu prejuízo à Petrobrás -, Foster e Cerveró a legitimam.

A partir daí, o raciocínio é lógico: se foi motivação política é possível que o projeto - e outros ainda não investigados - seja a ponta de um esquema de financiamento político com recursos públicos.

O depoimento de Foster não é importante pela avaliação de seu desempenho pessoal, mas pela clareza com que admitiu que a empresa errou, seu conselho foi induzido a fazer um mau negócio e que a responsabilidade é da diretoria anterior.

A síntese de seu depoimento indica um distanciamento entre Dilma e seu antecessor e padrinho, Lula, que gostaria de outra condução para o caso. A posição da presidente vincula a gestão do antecessor à criticada politização da Petrobrás.

Afinal, Sérgio Gabrielli, ex-presidente da empresa, era indicação de Lula, por ele foi sustentado, e, por efeito sequencial, Paulo Roberto Costa, preso pela Polícia Federal, exercia uma diretoria da Petrobrás.

Nada disso garante, no entanto, que haverá uma CPI, especialmente nos termos exclusivos propostos pela oposição. Apesar disso, o dano político e eleitoral não só é irreversível como contínuo.

O esforço do governo é prejudicado pelo teor da missão que o desafia, a de controlar as informações sobre o episódio e seus desdobramentos na base aliada. Na era da informação, seu controle é impossível.

Marta Watanabe: Inflação, protesto e racionamento nas urnas

- Valor Econômico

A queda na avaliação da presidente Dilma Rousseff, o racionamento, a inflação, os protestos e o ainda baixo conhecimento dos candidatos de oposição afetam as chances de reeleição da presidente Dilma Rousseff. O contrapeso é o tempo maior de TV, o desconhecimento do Plano Real e a descrença da população na capacidade da oposição em debelar a inflação.

A avaliação foi apresentada ontem no seminário da Macrovision pelo diretor do Instituto Análise, Alberto Almeida.

Depois de estudar 104 eleições para governador desde 1994, considerando a avaliação de "ótimo" e "bom" para o candidato na véspera do 1º turno, Almeida disse: "Se me perguntassem hoje diria que, baseado nesse estudo, as chances de Dilma ser reeleita são levemente menores do que perder a eleição." Almeida diz que Dilma atualmente está na faixa dos que podem ganhar ou perder.

Para o consultor político, é possível elevar o nível de aprovação durante a campanha. Almeida diz que o cruzamento de dados mostra alta correlação entre a avaliação do governante e a destinação do voto. Na eleição de Lula, por exemplo, cerca de 90% dos que avaliaram o ex-presidente como "ótimo" declararam voto nele. Entre os que avaliaram como "bom", o índice foi de 81%. Para quem avaliava como regular, foi de 33%.

Segundo Almeida, os níveis de insatisfação com o governo Dilma ainda não estão se refletindo em intenção de voto para os pré-candidatos Aécio Neves (PSDB) e Eduardo Campos (PSB) porque eles não são suficientemente conhecidos. Segundo previsão baseada em pesquisa de dados pretéritos, prossegue Almeida, a conversão da insatisfação para a destinação de votos aos candidatos da oposição já está "contratada": "Quando os candidatos da oposição vão crescer, não sei, isso está contratado, isso irá acontecer"

A lenta deterioração da economia pode comprometer a reeleição, mas há um empecilho para que o pré-candidato do PSDB, Aécio Neves, capture a insatisfação do eleitor: o desconhecimento do Plano Real. Segundo Almeida, 40% do eleitorado tem entre 18 e 35 anos e, portanto, não votava quando a nova moeda estabilizou o país em 1994. Indagados sobre que reação teriam se "Aécio, Serra ou o PSDB forem à TV para dizer que são capazes de reduzir a inflação", 58% disseram que não acreditariam.

A popularidade do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em 2001 caiu 12 pontos percentuais depois que começou o racionamento. "O mesmo pode acontecer com Dilma se houver racionamento? Sim e não", diz. Almeida afirma que no racionamento de 2001 houve punição a consumidores residenciais, que tiveram metas de corte de consumo. "Não gostamos de punição, é uma questão cultural."

No ano passado, lembra, a popularidade de Dilma foi afetada pela inflação de alimentos e pelos protestos. Almeida diz, porém, que as manifestações não afetam necessariamente somente o governo federal, mas todos em cargos executivos. Um fator que favorece Dilma, diz, é o tempo de TV e rádio que deve ultrapassar o dobro do tempo disponível para Aécio e Campos juntos.

Entre Aécio e Campos, o consultor acredita que o ex-governador e senador mineiro tem mais possibilidade de converter em voto a insatisfação em relação à Dilma. "Aécio tem mais potencial de crescimento porque é mais de oposição, o que o torna mais forte no primeiro turno. A linha de largada do Aécio está na frente com maior solidez que a de Eduardo Campos."

Um fator que desfavorece a candidatura de Campos é a rivalidade entre os Estados nordestinos, que pode render votos para ele em Pernambuco, mas não no mesmo nível na Bahia, exemplifica. Para ele, Aécio deve crescer com piora na avaliação de Dilma. "Aécio tem um segmento claro. Eduardo não. Eduardo ficou oito anos no governo Lula e participou do governo Dilma. O candidato mais segmentado sobrevive mais ao ataque do que o não segmentado. E Aécio é mais oposicionista do que Eduardo Campos." Campos, diz ele, tem a seu favor o fator Marina Silva. "Mas as vantagens mais sólidas estão do lado do Aécio."

Tereza Cruvinel: Ensaiando a reação

- Correio Braziliense

Enquanto aliados e adversários se engalfinham no Congresso em torno da CPI da Petrobras, restrita à estatal ou engordada por escândalos na seara do PSDB e do PSB, a presidente Dilma Rousseff ensaia a própria contraofensiva às adversidades e aos ataques que o governo enfrenta. O discurso de ontem, no Conselhão, para uma plateia composta por grandes empresários e luminares do sindicalismo, foi um verdadeiro balanço do governo dela, com as tintas fortes do otimismo, naturalmente. A reação começou depois do encontro que ela teve com ex-presidente Lula, no dia 4, quando foi acertada, e prossegue com uma agenda intensa de viagens nos próximos dias.

Afora os concorrentes e os partidos de oposição, entretanto, Dilma tem no mercado financeiro um adversário tinhoso e mais poderoso. Ontem, foi divulgada nova pesquisa Vox Populi, segundo a qual ela teria hoje 40% de preferência, vencendo no primeiro turno com 14 pontos percentuais a mais do que a soma dos adversários. As bolsas fecharam em alta por conta de boas notícias vindas da China, mas, no início da semana, a retração foi atribuída ao vazamento da pesquisa, alimentando o que já vem sendo chamado de "risco Dilma". Está em curso um movimento semelhante ao esboçado contra a eleição de Lula em 2002. Só falta inventarem o "dilmômetro", similar do "lulômetro" então lançado pelo especulador George Soros. Lula respondeu com a Carta ao Povo Brasileiro.

No encontro do dia 4, o ex-presidente recomendou a Dilma que partisse para a disputa política, enfrentando o debate e defendendo mais energicamente seu próprio governo, que, no dizer dele, "tem números muito bons que precisam ser melhor apresentados". Sugeriu também que ela (e os ministros) adotem um discurso mais vigoroso em defesa da Copa do Mundo no Brasil, mostrando à população a importância do legado e buscando envolvê-la nos preparativos, reverter o ceticismo e criar um clima mais positivo em relação ao evento que se aproxima. Dito e feito, no dia 7, em Belo Horizonte, Dilma referiu-se ao empenho dos adversários em desgastar o governo, avisando que não recuará nem " um milímetro na disputa política, quando ela aparecer". No dia seguinte, Lula fez parte dele, com a entrevista aos blogueiros, mas, se a intenção era dar um basta no "volta, Lula", acabou estimulando seus pregadores ao dizer que a economia poderia estar melhor, e que Dilma terá que dizer claramente o que fará para melhorá-la no segundo mandato. Foi o bastante para que muitos analistas enxergassem um sinal de fricção entre eles.

Na última segunda-feira, 14, enquanto o adversário Eduardo Campos lançava a chapa com Marina Silva em Brasília, com duros ataques ao governo, no Recife, Dilma vestia o macacão da Petrobras para defender a empresa e elevar o tom político. Foi quando disse que não iria "ouvir calada" ataques dos que, "por proveito político, ferem a imagem da empresa".

Ontem, aparentemente satisfeita com o depoimento da presidente da Petrobras ao Senado, embora não tenha sido suficiente para reverter a maré pró-CPI, Dilma fez um verdadeiro balanço de governo no Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, repelindo com ênfase as críticas à condução da economia. Destacou o pacto com a base aliada para rejeitar agendas de alto impacto fiscal, a manutenção da inflação dentro da meta (embora roçando o teto) e a redução da relação dívida/PIB. Voltou a defender a reforma política por meio de consulta popular e a mobilização da sociedade para que ela aconteça e produza a necessária mudança nas práticas políticas. Gastou mais saliva falando dos investimentos em mobilidade, das concessões ao setor privado, do Mais Médicos, das UPAs (unidades de pronto-atendimento em saúde), das creches, dos royalties do petróleo para educação e do Pronatec, que será bandeira de campanha, agradecendo "a importante parceria com o Robson (Andrade, presidente da CNI)". Enalteceu a indústria naval, que vai de vento em popa, contrariando os que diziam que o Brasil não faria nem cascos de navio, e a produção nacional de sondas e plataformas para a Petrobras... Enfim, assuntos para vários programas eleitorais a partir de agosto.

E, no fim, seguindo o conselho de Lula, a defesa da Copa. "Quando a gente vai dar uma festa, limpa a casa, arruma direitinho. E tudo que a gente arrumar na casa fica depois para nós. É a mesma coisa com a Copa", disse, conclamando ao esforço para fazer a Copa das Copas. "Falei demais, mas eu tinha que falar", encerrou Dilma. Voltou a deitar falação, à tarde, na inauguração do Píer Sul do Aeroporto de Brasília, por ela concedido ao setor privado.

Depois da Páscoa, a liça continua. Ela vai a São Paulo na quarta-feira, para aquele evento internacional sobre a governança da internet; a Curitiba e a Cuiabá, para inaugurar a Arena Pantanal; e a Belém, onde verifica obras portuárias e construções navais. Segundo assessores, Dilma avalia que a pancadaria eleitoral está apenas começando, que a refrega será dura, mas diz-se pronta para o embate. Voltando aos conselhos de Lula, o governo dela tem mesmo números e realizações para mostrar, e é isso que fará na agenda pós-Páscoa. Mas há uma animosidade difusa contra ela, que pega até aliados. O desafio é convencer os eleitores — se não figurões, como os que estavam ontem no conselho — de que a continuidade com ela é melhor do que a mudança com um dos concorrentes.

Veta, Dilma!
Em tempo de tanta mobilização popular, os usuários de planos de saúde precisam fazer um coro para que a presidente Dilma vete o vergonhoso artigo 101, incluído pela Câmara na MP 627, que concede perdão milionário de multas sofridas pelas operadoras de planos de saúde por aquilo que todo mundo já experimentou um dia: violação das normas de contrato. Pior ainda é a limitação do poder punitivo da ANS.

Jarbas de Holanda: A viabilidade, ou não, das armas eleitorais contraditórias do lulismo

De um lado, em reuniões para as quais tem convidado lideranças da iniciativa privada, o empenho de Lula para romper o isolamento da presidente/candidata Dilma Rousseff do conjunto do empresariado, por meio de promessas de mudanças na política econômica e na gestão do governo, já antes das eleições de outubro e num segundo mandato. E para, ao mesmo tempo, recompor sua in-fluência pessoal na área, tendo em vista, também, a possibilidade de ter de assumir, contra a vontade, sua própria candidatura. (Mas) De outro lado, um encontro dele com os blogueiros do PT, no qual apontou o controle da mídia como bandeira relevante do partido na disputa presidencial deste ano. Assim tratado pelo ex-presidente no encontro: “Perdemos um tempo precioso e não fizemos o marco regulatório da comunicação nesse país. Temos que retomar com muita força a questão da regulação dos meios de comunicação. O tratamento (da imprensa) à Dilma é de falta de respeito e de compromisso com a verdade”.

Ora, são essencialmente contraditórios a forte chancela dada à demanda da esquerda petista (e dos condenados do processo do Mensalão) para restrições à liberdade de imprensa e o empenho para recompor e adensar apoio empresarial. Ao avaliar as manifestações de Lula nas reuniões com dirigentes de grandes empresas – que incluíram o reconhecimento, explícito, de erros da política econômica – vários analistas previram possível lançamento de uma segunda “Carta aos Brasileiros” (articulada por Antonio Palocci na campanha de Lula de 2002), agora como peça da campanha reeleitoral de Dilma, para rever-são da desconfiança e do distanciamento do mercado em relação ao Palácio do Planalto e a candidatura dela. Já o encontro com o grupo dos blogueiros petistas (cabe lembrar, montado pelo ex-secretário de Comunicação do par-tido, o deputado André Vargas, que deve renunciar ao mandato sob pressão de Lula e do Planalto), este suscitou agudas reações críticas nos meios empresariais. Uma delas objeto de artigo da jornalista Cláudia Safatle, no Valor, do último dia 11, com o título “Registro de um retro-cesso”, do qual se seguem dois trechos: “O que mais impactou empresários que nutrem simpatias pelo ex-presidente Lula e compartilham o coro do “Volta Lula”, na entrevista que ele deu para um grupo de blogueiros, foi a forma dura e insistente com que defendeu o controle da imprensa”. “A perplexidade pôde ser conferida em uma reunião na sede da Fiesp, no dia seguinte à entrevista.

Segundo relato de um dos participantes, ‘a entrevista causou mal-estar’. Até então se imaginava que a discussão sobre instrumentos de controle da mídia fosse somente proposta de um ou dois assessores do ex-presidente. ‘Mas não, é do Lula’, disse o empresário”.

O financiamento da campanha e o radicalismo nos palanques – A quadratura do círculo da combinação por Lula de posturas tão contraditórias, como as que assume agora, foi testada pela primeira vez, com bons dividendos, na disputa reeleitoral de 2006. Sob efeitos do desencadeamento do Mensalão, ele retomou a agressiva retórica classista do PT – pobres contra ricos. Articulada a relações mutuamente proveitosas com crescente número de empresários de grande porte, facilitadas pelas oportunidades de negócios que a expansão da economia ensejava. Expansão apoiada na estabilidade legada pelo governo FHC (e mantida pela equipe do ex-ministro Palocci) e no começo do ciclo de valorização das commodities minerais e agrícolas. A mesma articulação entre retórica radical e apoio de grandes empresários foi aplicada, também com sucesso, em 2010. Na qual, um PIB de 7,5% - propiciado por ampla receita de commodities e pela exacerbação do consumismo -, com uma inflação na casa dos 3%, foram combinados com agressivos discursos estatizantes e populistas da candidata e do seu tutor.

Tudo isso com a disponibilidade de forte financiamento empresarial. Num cenário macro e microeconômico ainda favorável, oposto ao que temos hoje e à frente. De mais um pibinho (que poderá ficar abaixo de 1,5%); de uma inflação que ameaça cruzar o teto da meta (com a dos preços dos alimentos já além de 8%); de um rombo das contas públicas com o populismo tarifário; de déficit crescente nas transações comerciais do país; de explosão dos efeitos do intervencionismo estatal e do aparelhamento partidário na Eletrobras e na Petrobras. Concluo com uma pergunta: Será que neste contexto, tão diverso daquele das disputas presidenciais de 2006 e 2010, o pragmatismo do vale tudo eleitoral do lulismo conseguirá somar o respaldo de amplo financiamento empresarial, que está buscando, à mobilização do PT em torno do controle da mídia e da manipulação dos programas assistencialistas contra os adversários Aécio Neves e Eduardo Campos?

Jarbas de Holanda é jornalista

Roberto Macedo: O 'volta, Lula' noutro cenário econômico

- O Estado de S. Paulo

O "volta, Lula" ganhou espaço com as quedas da presidente Dilma Rousseff nas avaliações de seu governo e porque ele se mantém muito ativo na política. Há também suas declarações ambíguas quanto à candidatura, como as atribuídas a ele há pouco mais de um mês. A primeira: "Se me aborrecerem muito, eu volto". Na segunda, Lula comparou-se a Schumacher: "Não posso fazer igual a ele, que foi sete vezes campeão, mas, na volta, não fez sequer uma pole position".

Não tenho a pretensão de que Lula leia este artigo, que talvez lhe causasse aborrecimentos. Nem por isso vou citar um ou outro filósofo para sofisticar o texto, pois quem tem de filosofar sobre o dilema é o próprio Lula, sem decidir em função de provocações nem de comparações com personalidades que exercem outros ofícios. O dele seria outro, enormemente mais complicado.

O bom senso indica que o relevante seria ponderar a conveniência pessoal e familiar do retorno à disputa eleitoral, que dura uns poucos meses, e as circunstâncias em que exerceria o cargo por mais quatro anos, se eleito.

Meu radar mostra apenas circunstâncias econômicas do "volta, Lula". Elas revelam altíssimo risco de danos às versões predominantes de sua biografia se voltasse ao cargo. Enquanto nele, tais circunstâncias se mostraram muito favoráveis desde a segunda metade do seu primeiro mandato. Seguiram assim por todo o segundo, exceto tropeços em 2008-2009. E se revelaram ainda mais favoráveis em 2010, ajudando-o a eleger sua sucessora.

Mas para o período 2015-2018 o cenário econômico hoje é muito ruim e radicalmente diferente, com o que Lula correria o risco de não apenas adicionar um capítulo ruim a essas versões de sua biografia, mas também o de cobrir de nódoas o desempenho de que se orgulha no período 2003-2010. A razão é que um mau percurso à frente também evidenciaria que seu sucesso anterior se deveu mais a circunstâncias favoráveis do que a talentos ao governar.

Diante da história bem narrada, esta é a questão que se coloca: qual o papel do governante e o das circunstâncias? Se voltar, terá de passar pelo teste de circunstâncias difíceis. Pensando noutro esporte, teria sido ele realmente um bom surfista ou pegou ondas excepcionalmente boas? E como se sairá nas ruins?

Comparando as ondas do passado com as atuais, Lula foi realmente sortudo. Sua prancha, a do país que conduzia, não era uma maravilha, remendada por seu antecessor e carente de investimentos, mas, ainda assim, garantindo um bom equilíbrio no fluir. E ótimas ondas vieram de um desempenho muito bom da economia mundial, no qual a China foi a protagonista mais importante. Com o forte estímulo da demanda externa, a economia respondeu com mais investimentos e produção, com destaque para o agronegócio e a mineração.

Esse impulso se disseminou pela economia, e dentro dela também houve forte expansão do crédito, pela qual Lula atuou ao azeitar canais de concessão, como o do consignado e o dos bancos oficiais. A arrecadação do governo subiu com esses estímulos, e também porque obcecado pela concessão de benesses sociais à plateia, mas sem pensar no futuro, Lula continuou expandindo a carga tributária. Com isso, tanto deu seu show na crista da boa onda como se saiu bem do perigoso túnel que ela formou em 2008 e 2009, na esteira da crise econômica mundial, reaparecendo bem por cima em 2010, quando os estímulos chineses voltaram.

Agora o mar revela ondas muito fracas, pois a crise abalou os países ricos e o crescimento da China arrefeceu com problemas no setor financeiro ligados a excessos creditícios e também porque ela investiu demais, relevando até capacidade ociosa. E, ainda, porque seu governo entendeu que já era hora de jogar mais para a plateia, ampliando o consumo e benefícios sociais.

Aqui, a escassez de investimentos públicos do período Lula agravou-se com Dilma, contribuindo para tornar a prancha nacional desequilibrada de forma ainda mais evidente. O crédito perdeu seu ímpeto anterior, a carga tributária continuou subindo e houve ainda danos por conta de tombos espetaculares, como os do setor elétrico e da Petrobrás.

O que fazer? Pelo menos nos próximos quatro anos não dá para contar com boas ondas do setor externo. Para se sair bem em ondas fracas a prancha e o surfista precisam se tornar mais competitivos. Na falta do estímulo externo, não há outra saída que não a de estimular mais a economia com nossas próprias forças, ampliando a poupança pública e privada do País e investindo os recursos correspondentes em atividades produtivas, tornando o Brasil também mais atraente à poupança externa sob a forma de investimentos diretos.

Falar ou escrever, isso é fácil. Mas olhando as frágeis ondas à frente, a prancha com seus desgastes e danos, o cenário econômico está mais para "Schumacher 2". Mostra inflação elevada, ampliação do desequilíbrio das contas externas, forte desarranjo das contas governamentais, prejudicando a capacidade governamental de investir e a confiança dos agentes econômicos no governo, levando-os a conter seus próprios investimentos. Mais no detalhe, além dos já referidos danos, a ação governamental ao investir permanece emperrada, mesmo quando meritória, como no seu limitado propósito, ainda que hiperatrasado, de privatizar serviços públicos mediante sua concessão ao setor privado.

O Brasil precisa se arrumar para enfrentar essa nova realidade, na qual não há espaço para presidentes acostumados a só dar espetáculos sem uma visão de futuro que convenha à Nação. Assim, se voltar eleito e não mudar radicalmente sua forma de governar, Lula correrá o alto risco de sair vaiado. Se vier e mudar para melhor, teria, então, um sólido lugar na História, onde hoje repousa vulnerável pelas circunstâncias que o favoreceram.

Economista, UFMG, USP e Harvard

Alberto Carlos Almeida: Pedras no caminho de Dilma

- Valor Econômico

Na última coluna chamei a atenção para o fato de que, considerando-se as eleições para governador nas quais havia um candidato à reeleição, a atual avaliação do governo Dilma colocava a candidata no limbo: caso a avaliação melhore um pouco, Dilma se torna favorita; caso piore um pouco, a oposição é que se torna favorita. Limbo significa beira. A avaliação do governo Dilma a deixa próxima de duas beiras: a beira do céu, que é a vitória em outubro, e a beira do inferno, que significa derrota.

Há uma incerteza razoável quanto ao desempenho da economia até as eleições. Ainda que muita gente dedique grande atenção aos possíveis efeitos do noticiário sobre a popularidade do governo, o fator que isoladamente tem maior impacto sobre a disposição do eleitorado em votar (ou não) no governo é o desempenho da economia, mais especificamente a trajetória do poder de compra do eleitorado. O aumento do poder de compra resulta em melhora da aprovação do governo e crescimento da intenção de voto em Dilma.

A eventual redução do poder de compra tem impacto negativo tanto na avaliação quanto no voto no governo. A trajetória de queda de ambas as variáveis de janeiro para cá tem a ver com isso. Não há crise, porém o ritmo de melhora do poder de compra diminuiu, a inflação de alimentos ressurgiu e há uma percepção difusa entre segmentos do eleitorado de que a vida ficou mais difícil.

A grande incógnita diz respeito ao desempenho da economia e seu impacto no poder de compra, às vésperas da eleição. É ruim para o governo que a inflação de alimentos cresça no primeiro semestre; todavia, será pior se isso ocorrer em agosto ou setembro. O aumento da inflação, sem que haja a eventual proteção de um aumento da renda real, reduz o poder de compra. Um fator de risco para qualquer governo na América Latina, e isso está provado por estudos acadêmicos, é a evolução da taxa de juros americana e dos preços das commodities. Juros em alta e commodities em queda podem vir a ter impacto sobre a taxa de câmbio e, consequentemente, sobre a inflação doméstica. Não há crise externa no horizonte, contudo, essa é uma variável que pode influenciar o poder de compra da maior parte do eleitorado e está fora do controle de qualquer governo.

Os fatores de risco para Dilma no terreno da economia, cuja eventual previsibilidade está dentro das habilidades dos pobres mortais, são, portanto, inflação de alimentos próxima à eleição, uma eventual crise externa que tenha impacto sobre o câmbio e uma lenta e imperceptível deterioração mensal da economia cujo efeito cumulativo, ao fim e ao cabo, seja a diminuição da sensação térmica do eleitorado no que tange a seu poder de compra pouco tempo antes do pleito. São esses os fatores que podem ser elencados no momento.

Fora do terreno da economia, mas que pode ter impacto sobre ela, estão a Copa do Mundo e os protestos que ela possa vir a suscitar e o racionamento de energia. Em 2013 a Copa das Confederações foi o sinal que faltava para que a população fosse às ruas para protestar contra os políticos. O humor contrário ao desperdício de recursos, há anos difuso e calado, tomou conta das ruas de maneira repentina e imprevisível.

O futebol foi o grande motivador daquela onda de protestos. Todos sabem que o gasto com a Copa do Mundo, se direcionado para áreas como saúde e educação, não se transformaria em melhoras perceptíveis. Não é essa racionalidade que motiva ou deixa de motivar as pessoas, mas sim o simbolismo de recursos direcionados para estádios quando os serviços públicos são de baixa qualidade. Ainda mais quando esse simbolismo é combinado com a inexistência de argumentos contrários, de um enredo que justifique para a população a vantagem de sediar uma Copa do Mundo.

O ano passado mostrou que aqueles que consideravam que o futebol era o ópio do povo estavam errados. O ópio acalma e a Copa das Confederações levou o povo às ruas. O futebol foi em junho a cocaína do povo, ele excitou e levou a população a protestar contra todos os políticos.

Não se sabe o que acontecerá quando a Copa do Mundo chegar. "Treino é treino, jogo é jogo", já dissera o criador da folha-seca, Didi, batizado de Príncipe Etíope por Nelson Rodrigues. O meio-campo bicampeão de 1958 e 1962 e grande jogador do Fluminense pode ser parafraseado: Copa das Confederações é Copa das Confederações, Copa do Mundo é Copa do Mundo. O fato de a população esperar uma nova onda de protestos, o fato de o governo estar preocupado com essa possibilidade, o fato de manifestantes de outros países estarem dispostos a vir para o Brasil durante a Copa, tudo isso junto não resultará necessariamente em protestos avassaladores durante o torneio. Pode ser que o clima de Copa do Mundo, presente sempre que a Copa é fora do Brasil, venha a contagiar novamente o país e funcione como uma barreira aos protestos. Ninguém sabe se isso acontecerá ou não, mas é uma possibilidade real.

Um acontecimento não econômico, mas que o tangencia, é a possibilidade de racionamento de energia. Trata-se de uma ameaça que paira sobre a popularidade do governo. Com frequência sou chamado a fazer previsões de acontecimentos políticos e sociais e muitas vezes me pergunto se as evidências do que ocorrerá no futuro não estão presentes, com toda a clareza do mundo, bem à minha frente. Penso isso, particularmente, quando vejo o nível da represa de Ibiúna, no condomínio onde tenho casa, agora no fim do verão: nunca esteve tão baixo. A pergunta que fica é evidente: será que aquela evidência tão provinciana, bem debaixo do meu nariz, não está me dizendo que o racionamento é inevitável?

Anedotas à parte, durante o governo Fernando Henrique o racionamento de energia foi responsável por uma queda de aproximadamente 12 pontos percentuais na soma de ótimo e bom do governo. A desvalorização cambial de janeiro de 1999 resultou em uma situação de crise econômica aguda logo no início do segundo mandato de Fernando Henrique. A consequência foi uma queda acentuada na aprovação do governo. A soma de ótimo e bom de Fernando Henrique, que atingiu 44% na véspera da eleição de 1998, despencou para menos de 10% em setembro de 1999. Uma queda de mais de 30 pontos percentuais em um ano. A partir daí a avaliação positiva do governo foi se recuperando até abril de 2001, quando teve início um grande esforço de economia de energia. O nível dos reservatórios estava baixo e sem o racionamento iria faltar energia.

O racionamento mobilizou tanto a indústria quanto os consumidores. Talvez esse tenha sido, do ponto de vista do governo, o grande problema. Os consumidores foram levados a economizar energia por meio do estabelecimento de metas de consumo, e quem ultrapassasse tais metas seria vítima de alguma medida repressiva. O Brasil é um país que rejeita a punição, trata-se de algo cultural. O governo optou por punir aqueles que não economizassem o suficiente, poderia ter dado um prêmio ou algum tipo de incentivo. Reprimir não é nem um pouco popular, muito menos quando se trata de uma população que historicamente se sente injustiçada e explorada pelos políticos.

Alguém já disse que aprender com os próprios erros é obrigação e aprender com os erros dos outros é sabedoria. O atual governo sabe que há várias modalidades de racionamento, e a forma pela qual ele foi realizado em 2001 resultou em uma queda bastante acentuada da aprovação do governo. Assim, é improvável que, em caso de racionamento, o governo Dilma adote métodos parecidos aos utilizados há mais de uma década. Muito dificilmente, portanto, um esforço de economia de energia em 2014 resultará em uma queda de 12 pontos percentuais na aprovação do governo.

Um racionamento cirúrgico e pouco visível, que mobilizasse a indústria que mais intensivamente utiliza energia elétrica, poderia não resultar em uma redução significativa da popularidade presidencial. Não se sabe se essa modalidade de racionamento resultaria em demissões. Em caso afirmativo, não se sabe se essas demissões seriam noticiadas a ponto de aumentar a insegurança no emprego de uma fatia considerável do eleitorado. O que se sabe é que a popularidade de Dilma está no limbo. Isso significa que qualquer redução em sua aprovação, ainda que pequena, pode ser a diferença entre a vitória e a derrota.

Risco de racionamento, possibilidade de protestos durante a Copa do Mundo, incertezas em relação ao desempenho da economia, todos esses ingredientes tornam a eleição de 2014 bem mais equilibrada do que a de 2010.

Alberto Carlos Almeida, sociólogo e professor universitário, é autor de "A Cabeça do Brasileiro" e "O Dedo na Ferida: Menos Imposto. Mais Consumo".