quinta-feira, 20 de março de 2014

Opinião dia: Elio Gaspari

O que há no governo é mais do que má gerência. É uma fé infinita na empulhação, ofendendo a inteligência alheia.”.

Elio Gaspari, jornalista. O comissariado destruidor, O Globo, 19 de março de 2014

Oposição na Câmara diz que explicação de Dilma sobre refinaria é 'escapista'

Para Antonio Imbassahy (PSDB-BA), a presidente quer transferir a responsabilidade para subordinados; segundo ele, é 'vergonhoso' que responsável pelo parecer tenha sido promovido

Ricardo Della Coletta - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - A oposição na Câmara dos Deputados reagiu à informação de que a presidente Dilma Rousseff aprovou, em 2006, a compra de 50% da refinaria de Pasadena pela Petrobrás, em um negócio que acabou custando US$ 1,18 bilhões à estatal e que está sob investigação. Para PSDB e DEM, a justificativa de Dilma, de que só apoiou a medida por ter recebido "informações incompletas" de um parecer "técnica e juridicamente falho", é insuficiente e "escapista".

"Dizer que concordou com um negócio escandaloso como esse, que provocou um prejuízo de US$ 1 bilhão à Petrobrás, porque se baseou em informações incompletas é uma atitude escapista, de quem quer jogar a culpa em subordinados", criticou o líder do PSDB na Câmara, Antonio Imbassahy (BA).

"Acho importante que a sociedade conheça a participação de cada autoridade (no caso), inclusive a da presidente", acrescentou Mendonça Filho (DEM-PE).

Nesta quarta, o Estado mostrou que Dilma, à época ministra da Casa Civil e à frente do Conselho de Administração da Petrobrás, votou favoravelmente à compra da refinaria, localizada no Texas (EUA). A compra inicial de 50% de Pasadena saiu por US$ 360 milhões. Posteriormente, devido a cláusulas contratuais, a Petrobrás teve de adquirir o restante da refinaria, desembolsando um total de US$ 1,18 bilhão.

A aquisição atualmente é investigada pela Polícia Federal, Tribunal de Contas da União e pelo Congresso por suspeitas de superfaturamento e de evasão de divisas.

Para Imbassahy, Dilma prefere "eleger culpados" para não assumir sua responsabilidade no caso. "Um erro dessa magnitude da presidente do Conselho de Administração da Petrobrás é imperdoável. E o vergonhoso é que o responsável pelo tal parecer falho foi premiado: até hoje é diretor da Petrobrás", disse o tucano.

Imbassahy se refere a Nestor Cerveró, que comandava na época da transação a diretoria internacional da Petrobrás, responsável pelo "resumo executivo" sobre o negócio Pasadena. Hoje, ele é diretor financeiro de serviços da BR-Distribuidora.

O líder do DEM, Mendonça Filho, também questionou o atual cargo de Cerveró. "Você não pode promover alguém que contribuiu para dar um prejuízo enorme à Petrobrás para que ele continue encarregado de algo tão relevante: o controle financeiro da empresa", resumiu.

Defesa. Diante das revelações, governistas saíram em defesa da presidente Dilma Rousseff e disseram que ela não pode ser responsabilizada pelo caso. "Cabe à Petrobrás esclarecer e eu não vejo nenhuma chance de se atribuir à presidente Dilma esse tipo de responsabilidade", argumentou o líder do governo na Câmara, deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP).

"Eu já ouvi explicações da presidente (da Petrobrás) Graça Foster dizendo que é próprio do mercado petroleiro aquilo que ocorreu (com Pasadena). Eu nem assino embaixo que isso foi um erro da Petrobrás", concluiu Chinaglia.

Dilma evita a imprensa e não responde sobre compra de refinaria

Estado revelou nesta quarta que a presidente votou a favor da controversa transação que resultou em prejuízo para a Petrobrás

Rafael Moraes Moura - O Estado de S. Paulo

SOBRAL - Em visita a Sobral (CE), onde anunciou ações do governo no âmbito do programa Água para Todos, a presidente Dilma Rousseff evitou a imprensa e não quis responder a questionamentos de repórteres sobre a controversa operação de venda da refinaria de Pasadena, no Texas (EUA), em 2006. Reportagem do Estado revelou nesta quarta-feira, 19, que Dilma votou a favor da transação com base em um resumo feito pelo ex-diretor internacional da Petrobrás, Nestor Cerveró.

Em nota, Dilma justificou que baseou sua decisão em um resumo que ela classifica de "falho" e "omisso". Na ocasião, a presidente era ministra da Casa Civil e presidente do Conselho de Administração da Petrobrás.

A refinaria foi comprada em duas etapas. Há oito anos, já era considerada obsoleta quando o conselho presidido por Dilma avalizou a compra. Mais tarde, após uma disputa judicial, a Petrobrás se viu "obrigada" a comprar a outra metade da refinaria, o que custou ao final US$ 1,2 bilhão.

Questionada pelo Broadcast Político sobre a operação, a presidente ignorou a pergunta do repórter e conversou apenas com populares que se aglomeravam em torno dela após a solenidade em Sobral.

De Sobral, Dilma embarca ainda hoje para Belém (PA), onde retomará uma intensa agenda de viagens. A presidente ainda participará de eventos em Marabá (PA) e Imperatriz (MA) nesta quinta.

Aécio Neves cobra responsabilidade de Dilma por prejuízo de US$ 1 bilhão da Petrobras

O Globo/ O Estado de S. Paulo

O presidente do PSDB, senador Aécio Neves, cobrou, nesta quarta-feira (19/03), em pronunciamento no Senado, a apuração de responsabilidade da presidente Dilma Rousseff nas negociações do contrato da Refinaria de Pasadena que causou prejuízo de 1 bilhão de dólares à Petrobras.

Em seu discurso, Aécio Neves disse que a presidente deve dar transparência aos documentos que levaram a Petrobras ao maior prejuízo financeiro da história da estatal. O senador também anunciou que o PSDB irá propor que a Comissão de Fiscalização e Controle do Senado crie um grupo de trabalho para investigar o caso e acompanhar as apurações que já vêm sendo realizadas pelo Tribunal de Contas da União e Polícia Federal.

A posição favorável da presidente Dilma Rousseff à compra da Refinaria de Pasadena foi revelada hoje pelo jornal O Estado de S.Paulo, que teve acesso à ata de votação do Conselho de Administração da Petrobras, responsável por autorizar a transação e que era presidido à época pela então ministra Dilma Rousseff.

Leia íntegra do discurso:

Perda de Credibilidade
O tema que me traz hoje a esta tribuna é de extrema gravidade. Subo mais uma vez tribuna do Senado Federal para como senador da República, exercer o papel constitucional de fiscalizar as ações do governo federal. Subo também neste momento nessa mesma tribuna como presidente do maior partido de oposição no Brasil para expressar a indignação que não é apenas minha, é da sociedade brasileira, uma indignação crescente com absoluta ausência de resposta que o governo federal insiste em não dar a inúmeras denúncias, a inúmeras questões que vêm sendo tratadas não apenas no Parlamento, mas pela sociedade brasileira, e que tem, infelizmente, levado o Brasil a uma perda crescente credibilidade, a um desajuste gravíssimo na nossa política econômica com repercussões extremamente graves na diminuição dos investimentos, uma ruinosa condução dos investimentos em nossa infraestrutura que por dez anos paralisou o Brasil ou numa ausência de ações concretas que permitam ao Brasil a superação de suas ainda vergonhosas diferenças sociais.

Refinaria de Pasadena
Mas hoje venho a esta tribuna alertado por uma manchete hoje de primeira página de um dos mais importantes jornais do Brasil, O Estado de S.Paulo, que fala da participação direta da senhora presidente da República na mais ruinosa transação, na mais lesiva operação já feita em qualquer tempo, em qualquer empresa brasileira, e quem sabe do mundo, que levou a mais importante empresa brasileira, patrimônio dos brasileiros, a Petrobras, a hoje ter um prejuízo de mais de US$ 1 bilhão apenas naquela transação.

É importante que eu de forma bastante rápida em algumas pinceladas, possa aqui relembrar aquilo que já foi objeto de ações e ações sucessivas do PSDB, seja na Câmara Federal, em especial através de requerimento de informação, aqui mesmo no Senado Federal, em 2012, coube ao senador Alvaro Dias, vice-presidente do partido, ingressar com uma representação junto à Procuradoria-Geral da República e também com pedido ao Tribunal de Contas da União para que fosse instaurada investigação a respeito desta desastrada compra da já famosa e, infelizmente, mal falada refinaria de Pasadena. A partir dessas ações, hoje, esta questão é objeto já de investigações da Polícia Federal, do Tribunal de Contas da União, do Ministério Público, e também do Congresso Nacional.

Aumento de preço de 1.500%
Mas o fato extremamente grave que acho que repõe esta questão na ordem do dia, e que dá a nós senadores da oposição, mas como cidadãos brasileiros, dá a nós hoje, a prerrogativa, a responsabilidade e a autoridade para cobrar do governo federal explicações que não deixem quaisquer dúvidas sobre quais foram as motivações daquele negócio. Lembro, senhor presidente, que ainda, no ano de 2005, foi adquirida pela empresa belga Astra Olium, uma refinaria chamada Pasadena Refinning System por irrisórios US$ 42,5 milhões. No ano seguinte, e vou ser bastante sintético nessa minha retrospectiva, como num passe de mágica, metade desta refinaria foi adquirida pela Petrobras com a votação unânime do Conselho de Administração, presidido pela atual e ilustre presidente da República, por US$ 360 milhões. Estamos nos referindo à metade daquele ativo adquirido por R$ 42 milhões. Portanto, um ativo adquirido em 2005, por R$ 22,5 milhões, metade daquele adquirido pela empresa belga, foram adquiridos pela Petrobras por US$ 360 milhões. Em um ano, senhor presidente e senhores senadores, uma valorização de ‘meros’ 1.500%.

Conselho da Petrobras
Isso por si só, já seria um acinte, objeto de todas as investigações e de punição dos responsáveis. Mas o que ocorreu foi ainda mais grave. No momento da compra de metade desse ativo, assinaram ali os membros do Conselho de Administração, por unanimidade, sem absolutamente, qualquer questionamento, autorização para um contrato, que previa, em havendo desentendimento entre as partes, a recompra da outra metade por valores a serem fixados por ela.

Infelizmente, senhores senadores, o desentendimento veio e, no ano de 2012, a Petrobras foi obrigada a comprar a outra metade já adquirida por US$ 365 milhões num primeiro momento, em 2006, por meros US$ 839 milhões. Vou repetir, a outra metade por US$ 839 milhões. Hoje, essa refinaria absolutamente obsoleta e que traz uma característica extremamente curiosa. Ela não estava preparada para refinar o petróleo brasileiro, considerado pesado para os padrões daquela refinaria, o que por si só desaconselharia qualquer negociação nessa direção.

Hoje há uma proposta para a aquisição desse ativo, se é que podemos falar de ativo. Uma única proposta de US$ 180 milhões. Se a Petrobras aceita vender esse ativo por US$ 180 milhões, estamos falando de um prejuízo para a Petrobras de mais de US$ 1 bilhão.

Alguns fatores trazem esse tema à ordem do dia e que merecem alguns esclarecimentos. O grande responsável pela condução, pela intermediação desse negócio, obviamente dos lados dos belgas, era um senhor chamado Alberto Feilhauber. Um brasileiro que já havia trabalhado por 20 anos na Petrobras, portanto conhecedor profundo dos meandros de como as negociações na Petrobras, naquele momento, se davam. Este senhor foi o grande intermediário para que esse negócio, efetivamente, ocorresse.

Manifestação da Presidência
Mas a questão que faz com que esse assunto se torne ainda mais grave, é que leio hoje, surpreso, uma manifestação da presidência da República, uma lacônica manifestação da presidência da República, como se isso fosse algo corriqueiro, razoável, compreensível. Um prejuízo de mais de US$ 1 bilhão.

Diz a nota da presidência da República. A presidente tomou essa decisão com base “em um parecer técnico e juridicamente falho”. E conclui: “Com base em informações incompletas.” Vejam bem. Uma decisão dessa magnitude, tomada por uma ex-ministra de Minas e Energia. Cantada em verso e prosa como uma grande conhecedora e especialista nesse segmento, de Minas e Energia. Foi enganada por um parecer juridicamente falho e por informações incompletas.

Autoria do parecer
Quem apresentou esse parecer? O então diretor internacional da Petrobras chamado Nestor Cerveró. Muito bem. Temos que acreditar na boa fé da presidente da República.

O que se faz em um caso como este? Instaura-se uma investigação, afasta-se imediatamente o responsável por este parecer técnica e juridicamente falho e por apresentar a então chefe da Casa Civil, presidente do Conselho, um conjunto de informações incompletas que levaram a Petrobras a fazer o pior negócio da sua história, lesando brasileiros, lesando seus acionistas. Procurei saber, onde está o senhor Nestor Cerveró. Certamente, respondendo a algum inquérito. E se, culpa comprovada, cumprindo pena.

Não, o senhor Nestor Cerveró foi elevado à condição de diretor financeiro da BR Distribuidora. Pasmem, senhoras e senhores, é esta a função que ocupa o responsável, segundo a presidente da República, por induzi-la a assinar sem qualquer tipo de questionamento, não obstante seu profundo conhecimento em relação à matéria, um parecer técnico e juridicamente falho, com informações incompletas.

Responsabilidade
É hora de termos uma participação, uma postura diferente daquela que o governo do PT acha que pode ter em relação a ações dessa gravidade, dessa natureza, que é sempre a de terceirizar responsabilidades. Durante quanto tempo ouvimos falar que essa era uma responsabilidade do então presidente da empresa ou de diretores da empresa?

Um simples e básico – primário – conhecimento da lei das sociedades anônimas, que rege a administração da Petrobras, iria dizer à então presidente do Conselho e aos seus colegas, como o ex-ministro Antonio Palocci, o governador Jacques Wagner, ou o próprio presidente Sérgio Gabrielli, que os pareceres técnicos são meramente opinativos na lei que rege o funcionamento das SAs. E a responsabilidade civil e mesmo penal, se comprovado dolo, é do conselheiro que assina aquela determinação, ou que aprova aquele negócio.

Essa resposta dada pela presidente da República não é suficiente. Não permite que os brasileiros possam conhecer quais foram efetivamente as motivações, as profundas motivações que lavaram a uma negociata como essa, com dolo extremamente grave à sociedade brasileira e à sua mais importante empresa.

Petrobras e Eletrobras: US$ 100 bilhões em prejuízos
Hoje mesmo um importante jornalista brasileiro nos lembrava que desde que assumiu a Presidência da República a atual presidente, Dilma Rousseff, o prejuízo, a perda de valor de mercado somadas Petrobras e Eletrobras chega a cerca de US$ 100 bilhões. Essa é a gestão eficiente, á a condução dada por alguém que conhece dos assuntos, que dialoga, que conversa. Infelizmente, esse prejuízo será pelos próximos anos insuperável. Venho hoje a essa tribuna, repito, na condição de presidente nacional do PSDB, cobrar do governo federal explicações, e que cada um que participou desse processo assuma suas responsabilidades.

Investigação
Estou propondo, ao lado do líder Aloysio Nunes, que a Comissão de Fiscalização e Controle dessa Casa possa criar uma comissão no seu âmbito para investigar essas denúncias e acompanhar as investigações que estão sendo já feitas pela Procuradoria-Geral, pelo Tribunal de Contas e pela própria Polícia Federal. Ao extremamente grave, e não há mais condições de permitirmos e aceitarmos passivamente a terceirização de responsabilidade. Os membros do Conselho de Administração têm que explicar à sociedade brasileira, de forma cabal e definitiva, por que uma refinaria obsoleta, que não tinha condições de refinar o petróleo pesado brasileiro, adquirida em 2005 por US$ 42,5 milhões, foi adquirida em 50% de sua participação por US$ 360 milhões e, alguns anos depois, a outra parte por US$ 830 milhões. Não há explicação, não há justificativa que não seja a gestão temerária do patrimônio de todos os brasileiros.

Dilma apoiou compra de refinaria em 2006; agora culpa ‘documentos falhos’

Então chefe da Casa Civil de Lula e presidente do Conselho de Administração da Petrobrás, petista afirma que dados incompletos a fizeram dar aval à operação que custou US$ 1 bilhão

Andreza Matais e Fábio Fabrini - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Documentos até agora inéditos revelam que a presidente Dilma Rousseff votou em 2006 favoravelmente à compra de 50% da polêmica refinaria de Pasadena, no Texas (EUA). A petista era ministra da Casa Civil e comandava o Conselho de Administração da Petrobrás. Ontem, ao justificar a decisão ao Estado, ela disse que só apoiou a medida porque recebeu "informações incompletas" de um parecer "técnica e juridicamente falho". Foi sua primeira manifestação pública sobre o tema.

A aquisição da refinaria é investigada por Polícia Federal, Tribunal de Contas da União, Ministério Público e Congresso por suspeita de superfaturamento e evasão de divisas.

O conselho da Petrobrás autorizou, com apoio de Dilma, a compra de 50% da refinaria por US$ 360 milhões. Posteriormente, por causa de cláusulas do contrato, a estatal foi obrigada a ficar com 100% da unidade, antes compartilhada com uma empresa belga. Acabou desembolsando US$ 1,18 bilhão - cerca R$ 2,76 bilhões.

A presidente diz que o material que embasou sua decisão em 2006 não trazia justamente a cláusula que obrigaria a Petrobrás a ficar com toda a refinaria. Trata-se da cláusula Put Option, que manda uma das partes da sociedade a comprar a outra em caso de desacordo entre os sócios. A Petrobrás se desentendeu sobre investimentos com a belga Astra Oil, sua sócia. Por isso, acabou ficando com toda a refinaria.

Dilma disse ainda, por meio da nota, que também não teve acesso à cláusula Marlim, que garantia à sócia da Petrobrás um lucro de 6,9% ao ano mesmo que as condições de mercado fossem adversas. Essas cláusulas "seguramente não seriam aprovadas pelo conselho" se fossem conhecidas, informou a nota da Presidência.

Ainda segundo a nota oficial, após tomar conhecimento das cláusulas, em 2008, o conselho passou a questionar o grupo Astra Oil para apurar prejuízos e responsabilidades. Mas a Petrobrás perdeu o litígio em 2012 e foi obrigada a cumprir o contrato - o caso foi revelado naquele ano pelo Broadcast, serviço em tempo real da Agência Estado.

Reunião. A ata da reunião do Conselho de Administração da Petrobrás de número 1.268, datada de 3 de fevereiro de 2006, mostra a posição unânime do conselho favorável à compra dos primeiros 50% da refinaria, mesmo já havendo, à época, questionamentos sobre a planta, considerada obsoleta.

Os então ministros Antonio Palocci (Fazenda), atual consultor de empresas, e Jaques Wagner (Relações Institucionais), hoje governador da Bahia pelo PT, integravam o Conselho de Administração da Petrobrás. Eles seguiram Dilma dando voto favorável. A posição deles sobre o negócio também era desconhecida até hoje. Sérgio Gabrielli, presidente da Petrobrás na época, é secretário de Planejamento de Jaques Wagner na Bahia. Ele ainda defende a compra da refinaria nos EUA.

O "resumo executivo" sobre o negócio Pasadena foi elaborado em 2006 pela diretoria internacional da Petrobrás, comandada por Nestor Cerveró, que defendia a compra da refinaria como medida para expandir a capacidade de refino no exterior e melhorar a qualidade dos derivados de petróleo brasileiros. Indicado para o cargo pelo ex-ministro José Dirceu, na época já apeado do governo federal por causa do mensalão, Cerveró é hoje diretor financeiro de serviços da BR-Distribuidora.

Desde 2006 não houve nenhum investimento da estatal na refinaria de Pasadena para expansão da capacidade de refino ou qualquer tipo de adaptação para o aumento da conversão da planta de refino - essencial para adaptar a refinaria ao óleo pesado extraído pela estatal brasileira. A justificativa da Petrobrás para órgãos de controle é que isso se deve a dois motivos: disputa arbitral e judicial em torno do negócio e alteração do plano estratégico da Petrobrás. A empresa reconhece, ainda, uma perda por recuperabilidade de US$ 221 milhões.

Antes de virar chefe da Casa Civil, Dilma havia sido ministra das Minas e Energia. Enquanto atuou como presidente do conselho nenhuma decisão importante foi tomada sem que tivesse sido tratada com ela antes.

Dilma não comentou o fato de ter aprovado a compra por US$ 360 milhões - sendo que, um ano antes, a refinaria havia sido adquirida inteira pela Astra Oil por US$ 42,5 milhões.

Dilma recoloca Petrobras na mira da oposição

André Borges – Valor Econômico

BRASÍLIA - A admissão pelo Palácio do Planalto de que a compra da refinaria de Pasadena pela Petrobras foi forjada com base em um relatório "técnica e juridicamente falho" conseguiu turbinar uma polêmica de alcance explosivo. Para o Tribunal da Contas da União (TCU), que investiga o caso, as declarações do governo sugerem a possibilidade de ter havido fraude na transação. No Congresso, a oposição partiu para o ataque e exigiu explicações da presidente Dilma Rousseff e de diretores da Petrobras. À noite, o líder da minoria, Domingos Sávio (PSDB-MG), começou a recolher assinaturas para um projeto de resolução que institui uma CPI para investigar a compra e venda de ativos da Petrobras no exterior.

Ontem, em reportagem publicada pelo jornal "O Estado de São Paulo", a Presidência da República admitiu, pela primeira vez, que a aquisição de 50% das ações da refinaria de Pasadena, em 2006, foi autorizada por Dilma Rousseff, que à época presidia o Conselho de Administração da Petrobras e era ministra da Casa Civil. Só depois de consumada a transação, no entanto, é que Dilma e demais conselheiros teriam sabido que o "resumo executivo" usado para aprovar a aquisição omitia duas regras vitais da operação: a cláusula "put option", que garantia a possibilidade de sua sócia na refinaria, a empresa belga Astra Oil, vender sua participação em caso de desentendimentos com a Petrobras; e a cláusula "marlim", que garantia aos belgas um lucro anual de 6,9%, seja qual fosse a situação do mercado. "Se conhecidas, seguramente não seriam aprovadas pelo Conselho", declarou o governo, que atribuiu diretamente a responsabilidade pelo elaboração do resumo ao então diretor da área internacional da Petrobras, Nestor Cerveró, que hoje é diretor de finanças da BR Distribuidora.

As declarações surpreenderam o ministro do Tribunal de Contas da União (TCU), José Jorge, relator de um processo que apura a aquisição da refinaria instalada no Texas. Ao Valor, José Jorge disse que as revelações são "extremamente graves" e que é preciso apurar indícios de fraude na transação. "O Palácio colocou um fato novo na investigação. Até agora, o que se pensava era que a auditoria era feita em cima de documentos efetivos, reais, e que se tratava de um negócio mal feito, onde a Petrobras perdeu muito dinheiro. Agora, acrescenta-se a isso o fato de que, aparentemente, pode até ter ocorrido uma fraude", disse o ministro.

Desde 2012, a aquisição de Pasadena é investigada pelo TCU, por conta de sua transação financeira. Em 2005, a refinaria foi comprada pela Astra Oil por US$ 42,5 milhões. No ano seguinte, a Petrobras entrou no negócio ao desembolsar US$ 360 milhões por 50% da refinaria. A partir daí, as sócias mergulharam em conflitos judiciais. Os belgas, então, exerceram a cláusula "put option", para vender a segunda metade do negócio. A Petrobras negou a oferta e a disputa seguiu na Justiça, até que a Câmara Internacional de Arbitragem de Nova York decidiu que a estatal tinha obrigação de aceitar o negócio, o que levou a Petrobras a sacar mais US$ 820,5 milhões pelo controle de 100% da refinaria. Por um custo total de US$ 1,18 bilhão, 25 vezes o preço pago pela Astra Oil, a estatal comprava uma operação que sequer tinha condições de refinar seu óleo, muito pesado para a estrutura da refinaria.

No ano passado, a presidente da Petrobras, Graça Foster, relatou a ministros do TCU que teria recebido propostas de venda da refinaria entre US$ 50 milhões e US$ 200 milhões, mas rejeitou as ofertas.

No Congresso, o senador e pré-candidato à presidência Aécio Neves (PSDB-MG) destacou a "aprovação direta e pessoal" da operação por Dilma e afirmou que o responsável pelo parecer da operação, Nestor Cerveró, então diretor internacional da Petrobras, não foi afastado e nem foi investigado. "Ele foi promovido. Infelizmente, é a forma como o PT trata os cargos públicos", declarou Aécio.

O líder do PPS na Câmara, deputado Rubens Bueno (PR), protocolou nas comissões de Fiscalização e Controle e de Relações Exteriores um pedido para ouvir Nestor Cerveró. "É de se estranhar que a presidente Dilma, chamada de 'gerentona', tenha aprovado essa compra milionária sem ler o contrato. Mais estranho ainda é só agora, oito anos após o episódio, ela ter admitido que foi induzida a erro por um parecer falho".

Um pedido de explicações à presidente também será proposto ao plenário da Câmara pelo deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ). "Nossa avaliação é que devemos apresentar um requerimento urgente à presidente para que ela responda quais foram as decisões que ela tomou após receber essa informação. Se ela não tomou nenhuma decisão sobre o que recebeu da diretoria da Petrobras, ela prevaricou, cometeu um crime", disse.

Na tentativa de defender Dilma das críticas dos oposicionistas, o líder do governo na Câmara, deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP), declarou: "Ela foi de uma honestidade intelectual que muitos não tiveram."

Para o procurador do Ministério Público no TCU, Marinus Marsico, que analisa o caso desde 2012, é hora de apuração de responsabilidades. "Está claro que o negócio foi desastroso. Por isso, é necessário que se investigue a fundo as causas dessa omissão de informações, se houve ou não indução ao erro", disse Marsico ao Valor.

Além do TCU, o caso Pasadena já é investigado pela Polícia Federal e pelo Congresso, por suspeitas de superfaturamento e de evasão de divisas. A auditoria do tribunal deve ser concluída até o fim de abril. "O caso é grave. O que o Palácio afirma é que a diretoria executiva, quando encaminhou as informações ao conselho de administração, não o fez da maneira correta. Portanto, o conselho decidiu aprovar o negócio baseado em uma nota técnica equivocada. Isso traz a situação para uma esfera mais grave, que é a de ter aprovado um negócio desse vulto, com base em um parecer fraudado", comentou o ministro José Jorge.

Ontem, a Comissão de Agricultura da Câmara aprovou um requerimento para que o TCU investigue, também, as condições de aquisição pela Petrobras Biocombustíveis de 50% de duas usinas de biodiesel do grupo BSBios, em Passo Fundo (RS) e em Marialva (PR), em 2019 e 2011.

(Colaboraram Daniel Rittner, Raphael Di Cunto, Fábio Brandt, Cristiano Zaia, Rafael Bitencourt e Tarso Veloso)

Governo cede a Cunha e votação do Marco Civil é adiada para próxima semana

Tática de isolar PMDB das negociações para aprovar projeto falha e, mesmo com nova mudança no texto, plenário não analisa proposta

Ricardo Della Coletta e Eduardo Bresciani - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O governo cedeu ao líder do PMDB, deputado Eduardo Cunha (RJ), e aceitou fazer novas modificações no Marco Civil da Internet, proposta considerada prioritária pelo Palácio do Planalto e que é tida como a "Constituição da web". Devido as discussões, a votação da proposta foi mais uma vez adiada e está prevista para a próxima terça-feira, 25.

Em reunião com líderes da Câmara, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, concordou em ajustar a redação que trata da neutralidade da rede - princípio segundo o qual os provedores não poderão aumentar ou diminuir a velocidade de conexão dos usuários de acordo com o conteúdo, como vídeos ou acesso a e-mails. O relatório elaborado pelo deputado Alessandro Molon (PT-RJ) previa que a regulamentação desse dispositivo se daria por decreto.

Por sugestão de Cunha, será retirada a expressão "decreto" do texto e ficará incluído que a normatização ocorrerá de acordo com o que prevê a Constituição. O efeito prático disso é mínimo, uma vez que a própria Carta Magna prevê que as regulamentações são de exclusiva competência da Presidência da República, para a "fiel execução das leis".

"O que a referência ao decreto faz é concentrar toda a regulamentação administrativa na chefia do Executivo", justificou Cardozo. De acordo com o ministro, isso serve para impedir que outros órgãos reguladores emitam interpretações sobre o tema, criando o que o ministro chamou de "dispersão interpretativa de normas".

O argumento de Cunha pela alteração acertada nesta quarta era de que, do jeito que estava, o Executivo teria maior liberdade para a edição do decreto, podendo abranger temas além dos previstos na lei. De acordo com parlamentares ouvidos pelo Broadcast Político, a solução dá uma saída honrosa a Cunha e deve viabilizar a aprovação do projeto desejado pelo Planalto.
"Estamos tirando o símbolo de uma batalha de Itararé. Se a Constituição garante que tem decreto, ninguém quis atrapalhar o que está na Constituição", resumiu o líder do governo na Casa, deputado Arlindo Chinaglia.

Além do mais, deverá estar previsto no Marco Civil que, antes da edição do decreto que regulamentará a neutralidade, deverão ser ouvidos o Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI) e a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), outra modificação pedida pelo Legislativo.

Datacenters. O governo já tinha recuado nessa terça em outro ponto até então taxado de fundamental: a exigência de que as empresas que atuam na rede armazenem seus dados em território nacional. Esse item era uma resposta da presidente Dilma Rousseff ao escândalo de espionagem de autoridades e cidadãos brasileiros pela agência de inteligência norte-americana, a National Security Agency (NSA).

No lugar, constará na redação que a legislação brasileira se aplicará a todas as empresas que prestam serviços no País, inclusive os provedores estrangeiros.

Executivos rebatem versão de Dilma sobre a Petrobras

Valdo Cruz, Natuza Nery, Andréia Sadi e Samantha Lima – Folha de S. Paulo Online

BRASÍLIA e RIO - A presidente Dilma Rousseff e todos os demais membros do Conselho de Administração da Petrobras tinham à sua disposição o processo completo da proposta de compra da refinaria em Pasadena (EUA), segundo dois executivos da estatal ouvidos pela Folha.

Na documentação integral constavam, segundo os relatos, cláusulas do contrato que a petista diz que, se fossem conhecidas à época, "seguramente não seriam aprovadas pelo conselho" da estatal.

Reportagem do jornal "O Estado de S. Paulo" trouxe ontem a informação de que Dilma, na época presidente do Conselho de Administração da Petrobras, votou a favor da compra de 50% da refinaria em 2006, pelo valor total de US$ 360 milhões.

Em resposta ao jornal, ela justificou que só apoiou a medida porque recebeu "informações incompletas" de um parecer "técnica e juridicamente falho".

O episódio gerou mal-estar na Petrobras, tensão no Executivo e corrida no Congresso para a aprovação de uma CPI em pleno ano eleitoral para investigar o caso.

A compra da refinaria é investigada pelo Tribunal de Contas da União, Ministério Público do Rio e pela Polícia Federal. A principal polêmica é o preço do negócio: o valor que a Petrobras pagou em 2006 à Astra Oil para a compra de 50% da refinaria é oito vezes maior do que a empresa belga havia pago, no ano anterior, pela unidade inteira.

Além disso, a Petrobras ainda teve de gastar mais US$ 820,5 milhões no negócio, pois foi obrigada a comprar os outros 50% da refinaria. Isso porque a estatal e a Astra Oil se desentenderam e entraram em litígio. Havia uma cláusula no contrato, chamada de "Put Option", estabelecendo que, em caso de desacordo entre sócios, um deveria comprar a parte do outro.

Na nota divulgada por Dilma, a presidente afirma que o resumo executivo analisado na reunião do conselho não citava essa e outra cláusula em questão, que, se conhecidas, "seguramente não seriam aprovadas".

Dois executivos da Petrobras ouvidos pela Folha afirmam que o parecer distribuído aos conselheiros não tratava especificamente das duas cláusulas porque se limitava a fazer uma defesa do negócio em si, considerado lucrativo em 2006 pelo governo e pela Petrobras.

Mas o "procedimento normal" de todos os encontros do conselho da estatal, segundo esses integrantes, prevê que, além do resumo executivo, os conselheiros também tenham à disposição o processo completo para análises antes e durante a reunião.

"Ela [a presidente] poderia ter lido todo o processo mas, pelo visto, ficou só no resumo executivo", disse um dos integrantes da estatal, que pediu anonimato.

Além disso, funcionários da estatal afirmam que a existência da cláusula chamada de "Put option" é comum em contratos internacionais.

Responsável pelo resumo executivo que embasou a decisão de 2006 do conselho, Nestor Ceveró, então diretor da área internacional, está sendo pressionado pelo governo a pedir demissão de seu atual cargo de diretor financeiro da BR Distribuidora. Uma possível saída do executivo, seis anos depois do episódio, alimentou a avaliação de que o governo busca um culpado pela compra, hoje tida como um "mau negócio".

O Planalto informou à Folha que a presidente só teve conhecimento das duas cláusulas que elevaram o preço do negócio em 2008. Questionado se ela não requisitou o processo completo, o governo informou simplesmente que "ela não teve acesso".

A Petrobras não quis fazer comentários oficiais sobre o caso. Tanto a atual presidente da Petrobras, Graça Foster, como seu antecessor, José Sérgio Gabrielli, que comandava a estatal na época do negócio, defenderam a operação no Congresso em pelo menos três ocasiões em 2013.

Em maio do ano passado, Foster afirmou que o debate no Conselho de Administração da Petrobras é sempre intenso e a preparação para uma reunião toma "semanas de discussão". Foster não era titular do conselho na época da compra, mas afirmou que participou de algumas reuniões nos últimos 15 anos como "assistente".

Cai o último bastião que se opôs a Campos em 2010

Murillo Camarotto - Valor Econômico

RECIFE - Um dos mais longevos opositores do PSB em Pernambuco, o DEM (ex-PFL) vai anunciar nos próximos dias seu apoio ao secretário de Fazenda, Paulo Câmara (PSB), que vai disputar o governo estadual sob a bênção de Eduardo Campos (PSB). Com a adesão, Campos completa a absorção dos três principais partidos (PMDB, PSDB e DEM) que lhe fizeram oposição desde que assumiu o poder, em janeiro de 2007.

Quando foi eleito pela primeira vez, Campos derrotou nas urnas o então governador Mendonça Filho (DEM), hoje deputado federal e presidente do DEM em Pernambuco. Inimigos fidagais, os dois se aproximaram logo após a campanha eleitoral de 2012, quando Mendonça disputou a Prefeitura do Recife e obteve uma votação pífia (2,2%) em se tratando de um ex-governador.

Àquela altura, Campos já havia reatado com o senador Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE) após 20 anos de rompimento, no que significou a volta do PMDB à chamada Frente Popular, coligação comandada localmente pelo PSB. Pela mesma porta em que entrou o PMDB saiu o PT, hoje principal força de oposição a Campos em Pernambuco.

Diante do novo cenário, Campos costurou no início deste ano a adesão do PSDB, que apesar de pertencer oficialmente à oposição, vinha dividido em relação ao governador. O acordo, firmado com o ex-presidente nacional tucano Sérgio Guerra, morto há duas semanas, colocou o PSDB no governo de Pernambuco e no palanque pessebista para as eleições de outubro.

A aliança entre PSB e DEM, no entanto, deve se restringir à esfera regional. Antes de anunciar a chegada da ex-senadora Marina Silva ao PSB, Campos trabalhava para atrair o DEM para sua candidatura presidencial. A filiação de Marina, porém, jogou terra nas negociações entre Campos e o líder do DEM na Câmara, Ronaldo Caiado.

Sendo assim, a expectativa é de que, nacionalmente, o DEM siga ligado ao PSDB. Em sua última visita ao Recife, no mês passado, o senador tucano Aécio Neves (MG), que também é pré-candidato ao Palácio do Planalto, disse ao Valor que a presença do DEM em seu palanque estava "bem encaminhada".

Outro provável aliado de Aécio, o Solidariedade, presidido nacionalmente pelo deputado federal Paulinho da Força, também deve fechar com o PSB em Pernambuco. O partido é comandado localmente pelo deputado federal Augusto Coutinho, que deixou o DEM justamente para assumir a nova sigla.

Marina alavanca votos do PSB em São Paulo

Cristiane Agostine – Valor Econômico

SÃO PAULO - Em São Paulo, maior colégio eleitoral do país, a presença da ex-senadora Marina Silva (PSB) na chapa presidencial do governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), tende a alavancar o pernambucano na eleição de outubro, segundo pesquisa de intenção de votos feita pelo Instituto Análise. No cenário em que aparece associado ao nome de Marina, Campos ficaria em segundo lugar na disputa, atrás da presidente e candidata à reeleição, Dilma Rousseff. Sem a ex-senadora, o governador aparece atrás do senador e pré-candidato Aécio Neves (PSDB).

O Instituto Análise testou três cenários. No primeiro, sem Campos, Dilma aparece com 36% das intenções de voto; Marina Silva tem 25% e Aécio, 11%. Votos em branco, nulos e eleitores indecisos somam 28%. No segundo cenário, o mais provável das eleições de outubro, Dilma tem 38%, seguida por Aécio, com 17% e Campos com 7%. Indecisos, votos em branco, nulos totalizam 38%.

Já no cenário em que Dilma é citada tendo apoio do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva a petista chega a 39%. Nessa mesma simulação, Campos é associado à ex-senadora Marina e registra 21% das intenções de voto, seu melhor percentual. Aécio ficaria em terceiro lugar nesse cenário, com 12%. Votos em branco, nulos e eleitores indecisos 28%.

Foram entrevistadas 800 pessoas em São Paulo, na última semana de fevereiro e a margem de erro da pesquisa é de quatro pontos percentuais, para mais ou para menos.

Para o diretor do Instituto Análise, Alberto Almeida, a vantagem eleitoral de Campos ao lado de Marina não significa transferência de voto da ex-senadora para o pernambucano. "Mostra que as pessoas votariam porque Marina está lá, na campanha de Campos. O voto é dela", disse Almeida. O diretor do instituto ponderou que esse cenário é específico de São Paulo. "No resto do país os percentuais são diferentes e Eduardo sobe pouco quando é associado a Marina", disse Almeida.

Em 2010, a ex-senadora, então candidata à Presidência pelo PV, obteve em São Paulo percentual de votação semelhante ao que registrou no país. Marina Silva teve 20% dos votos válidos no Estado, enquanto no resultado nacional registrou 19,33%. No país, Dilma teve 46,9% dos votos válidos e em São Paulo, 37%. Já o então candidato pelo PSDB, José Serra, teve no Brasil 32,61% dos votos válidos no primeiro turno e em São Paulo chegou a 40%.

Eduardo Campos usa slogan de Lula para rebater petista

Em resposta a ex-presidente, que o teria comparado a Collor no Paraná, pré-candidato do PSB faz referência ao discurso do ex-presidente e disse que ‘esperança vai vencer o medo’ de novo

O Estado de S. Paulo

SÃO PAULO - O governador de Pernambuco e pré-candidato à Presidência, Eduardo Campos (PSB), respondeu nesta quarta-feira, 19, a uma frase atribuída ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva com o slogan da campanha vitoriosa do petista, em 2002. Até então, o pernambucano vinha evitando críticas a Lula.

A assessoria de Campos enviou uma nota ao blog do jornalista Fernando Rodrigues após um post dizer que Lula havia comparado o pernambucano ao ex-presidente Fernando Collor de Mello. "Toda vez que o País pede mudanças, alguns políticos tentam colocar o medo no coração do povo. Mas, desta vez, como aconteceu em 2002, a esperança vai vencer o medo", dizia o texto enviado.

Na semana passada, Lula teria dito a um grupo de empresários paranaenses que estava preocupado que se repetisse o que aconteceu na eleição presidencial de 1989. A frase foi interpretada como uma comparação entre Campos e Collor, que depois de eleito sofreu um processo de impeachment.

Já a nota enviada pela equipe de Campos faz menção à campanha presidencial de 2002, da qual Lula saiu vitorioso. Na época, a atriz Regina Duarte foi escalada pelo PSDB para ir à TV dizer que tinha medo do que poderia acontecer com o País caso Lula ganhasse as eleições. No primeiro discurso como presidente eleito, Lula disse: "A esperança venceu o medo".

O pré-candidato do PSB, que foi ministro no governo do petista e se elegeu governador com apoio dele, havia reservado as suas críticas até o momento ao governo da presidente Dilma Rousseff. Ele costuma dizer, por exemplo, que decidiu deixar a base aliada do governo e disputar a Presidência para que as conquistas da era Lula não sejam perdidas.

Semelhanças. Segundo o blog de Fernando Rodrigues, Lula teria dito que as pessoas sabem o que pode acontecer quando elegem "um desconhecido, que se apresente muito bem, jovem".

Em 1989, Collor tinha 40 anos, era governador de Alagoas, mas pouco conhecido no País.
Campos também governa um Estado nordestino (Pernambuco) e tem 48 anos. Pesquisas qualitativas internas do PSB já demonstraram que, diante das semelhanças, existem pessoas que ligam o nome de Campos ao de Collor. A expectativa é que essa sensação seja abandonada quando ele se tornar mais conhecido.

O ex-presidente evitou comentar as declarações de Campos. Por meio da assessoria do Instituto Lula, negou ter pronunciado o nome do governador de Pernambuco ou de qualquer outro adversário de Dilma.

Segundo relatos de quatro pessoas que presenciaram o discurso, Lula disse que em 1989 os brasileiros não votaram nele nem no ex-governador do Rio Leonel Brizola por medo dos candidatos de esquerda. Na ocasião, poderiam ter eleito nomes experientes, como o peemedebista Ulysses Guimarães ou o tucano Mário Covas, mas preferiram apostar no desconhecido Collor e "deu no que deu".

Em seguida, Lula disse, sem citar outros pré-candidatos, que Dilma é uma "garantia de estabilidade" para o País diante de um cenário econômico internacional "complicado".

Merval Pereira: Clima de traição

O que esta crise política está demonstrando, mais uma vez, é que o modelo de “presidencialismo de coalizão” que montamos no Brasil é na verdade distorcido por adaptações que acabam transformando-o em um “presidencialismo de cooptação”, como definiu o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso recentemente.

O que começou com a compra de votos em dinheiro, denunciado o esquema do mensalão, que recentemente foi a julgamento e saiu condenado moral e criminalmente, passou a se dar através da entrega de ministérios e cargos em órgãos públicos.

A migração de políticos da oposição para siglas da base, que cresceram à custa desses expedientes, enquanto a oposição míngua, é o resultado dessa distorção.

Hoje temos a menor oposição numérica desde a volta da democracia, apenas três partidos assumem esse papel: PSDB, DEM e PPS, e, pela esquerda, o PSOL. Os demais estão na base governista.

A desestruturação cada vez maior dos partidos políticos e a sempre ampliada base governista formam um agrupamento político sem coesão programática que classifico de uma “maioria defensiva” para evitar convocações de CPIs ou comissões de fiscalização. Como vemos agora, uma rebelião permitiu a convocação de uma comissão para analisar o escândalo da refinaria da Petrobras em Pasadena, nos Estados Unidos.

Mas a maioria governista já recomposta domina a comissão, o que garante a proteção aos responsáveis, entre os quais se encontra a própria presidente Dilma Rousseff, que aprovou a compra. A desculpa de que não tinha as informações completas sobre o negócio coloca em xeque a atuação do Conselho da Petrobras, que ela comandava.

O próprio aumento do número de ministérios colaborou para a redução da importância deles, que se transformaram em grande medida em fontes de negociatas. A utilização de parlamentares nos ministérios, prática exacerbada em nosso “presidencialismo de coalizão", é um desvio de finalidade, como se fôssemos um país parlamentarista, onde os programas de governo são defendidos pelos partidos que ganharam a eleição.

Um parlamentar que vai para o Ministério abre mão de exercer seu mandato como membro de um dos poderes da República geralmente para aceitar papel secundário no outro poder, a maioria das vezes com interesses subalternos, como está se revelando rotineiramente no governo Dilma.

Todos os políticos que se digladiam por vaga na Esplanada dos Ministérios deveriam, em teoria, renunciar aos mandatos, como acontece na maioria dos países democráticos.

O que parece uma vitória dos políticos ou recuos do governo central nada mais é do que resultado de negociações por baixo do pano que inflam ou esvaziam “blocões” à medida que os interesses de grupos são satisfeitos ou não.

E o que está sendo negociado hoje vale muito pouco adiante, pois as decisões formais de apoio a este ou aquele candidato à Presidência podem ser contornadas regionalmente de acordo com interesses locais.

A máquina partidária do PMDB do Rio já está trabalhando para a candidatura de Aécio Neves, mas o governador Sérgio Cabral e seu candidato, Pezão, garantem que apoiam Dilma. Também o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves, monta uma aliança com PSB e PSDB no Rio Grande do Norte, mas diz que apoia Dilma.

É possível que a presidente Dilma venha a ganhar os minutos de propaganda eleitoral deste ou daquele partido, mas perca a máquina partidária no campo de batalha eleitoral.

Da mesma maneira, os candidatos de oposição podem também começar a campanha com o apoio velado de grupos políticos estaduais, mas, se não demonstrarem capacidade de aglutinar a opinião pública, perderão esse apoio em meio à campanha eleitoral.

Começa a se delinear no horizonte uma traição em massa.

Fonte: O Globo

Dora Kramer: Feitiço invertido

Tantas o governo fez com a Petrobrás, tanto usou e abusou politicamente da empresa que acabou criando um passivo que pode se voltar contra seus interesses na campanha pela reeleição da presidente Dilma Rousseff.

Demorou, mas a conta das festividades chegou. A imagem do então presidente Luiz Inácio da Silva de macacão e mãos lambuzadas de petróleo anunciando a autossuficiência do Brasil tendo ao lado a ministra das Minas e Energia, apresentada como responsável pelo êxito que não se realizou, é um contraponto constrangedor ante a realidade atual.

Perda expressiva do valor de mercado, loteamento de cargos, manejo artificial de preços e negócios esquisitos como esse da compra da refinaria no Texas ao custo inicial de US$ 360 milhões para um gasto final de US$ 1,18 bilhão, são alguns dos pontos que o PT - sempre acostumado a usar a Petrobrás para atacar os adversários - será desafiado a explicar.

Não espanta que a presidente Dilma, quando ministra da Casa Civil e presidente do Conselho de Administração da Petrobrás, tenha avalizado a compra da refinaria, conforme revelou o Estado.

Afinal, o negócio só poderia mesmo ter sido realizado com autorização do colegiado que, de acordo com a ata da reunião realizada em 3 de fevereiro de 2006, tomou a decisão por unanimidade.

Espantosa é a justificativa dada por ela ao jornal. A presidente disse que foi induzida ao erro por informações incompletas contidas em pareceres técnicos fornecidos pela diretoria internacional da empresa.

Dois anos depois, segue esclarecendo a assessoria do Palácio do Planalto, as informações completas vieram à tona. Se fossem conhecidas, diz a nota, "seguramente" o negócio não teria sido aprovado pelo conselho.

Tal esclarecimento depõe contra os atributos de competência e austeridade da profissional Dilma Rousseff - ao menos da forma como ela é apresentada em palanques -, além de não fazer jus à indispensável transparência no tocante à administração pública.

Há algum tempo essa transação com a refinaria americana vinha sendo questionada sem que o governo se desse ao trabalho de esclarecer detalhes a respeito da decisão, deixando para fazê-lo apenas depois de divulgado o conteúdo da ata da reunião do conselho, numa explicação, convenhamos, obscura.

Por ela, todo o Conselho de Administração da Petrobrás autorizou a compra de uma refinaria ignorando cláusulas do contrato que implicariam desembolso mais de três vezes maior que o valor original aprovado.

Fica, assim, aberta uma avenida por onde a oposição poderá abrir alas e pedir passagem para usar o tema Petrobrás na campanha eleitoral. O PT não terá direito a reclamar, pois foi o primeiro a incluir o assunto na agenda eleitoral.

Agora, no entanto, a situação se inverte, pois habituado a ter a empresa como instrumento de ataque e vanglória, o partido estará na defensiva tentando evitar prejuízos decorrentes do uso da empresa que tantos benefícios políticos proporcionou.

No limite. Sobre a possibilidade de a presidente Dilma Rousseff ganhar as eleições no primeiro turno há na seara governista duas visões diferentes.

Visto de fora do Planalto, o panorama indica que não há a menor hipótese. Já pela ótica palaciana ainda há boas chances, desde que mantidos os atuais índices de intenções de votos.

Para isso é preciso estreitar ao máximo a margem de erros a serem cometidos e, portanto, uma decisão está tomada: enquanto puder a presidente não irá a debates com os adversários.

A avaliação é a de que no primeiro momento Dilma só teria a perder e os oponentes tudo a ganhar.

Autocombustão. Os arautos do enfrentamento com o Congresso pareciam interessados em "cavar" uma derrota para o governo ao insistir na votação do Marco Civil da Internet na sessão de ontem da Câmara, a despeito dos alertas em contrário do presidente da Casa, Henrique Eduardo Alves.

A ponderação acabou prevalecendo, mas a insistência deu a impressão de que havia gente no Planalto em busca de pretexto para radicalizar.

Ao microfone. Não obstante alguns conselhos de aliados para que deixe o Senado em prol de maior mobilidade eleitoral, o tucano Aécio Neves não pretende abrir mão da tribuna e fica no exercício do mandato até a convenção do PSDB, em junho.

Fonte: O Estado de S. Paulo

Eliane Cantanhêde: A Petrobras de Dilma

O petróleo é nosso, mas a Petrobras só produz problemas para a presidente Dilma Rousseff, ex-ministra da Casa Civil e de Minas e Energia e ex-presidente do Conselho de Administração da mais importante empresa brasileira.

Só não dá para entender por que Dilma, em mais um ato impetuoso, depois de anos de silêncio, resolveu fazer uma nota para os repórteres Andreza Matais e Fábio Fabrini, reconhecendo que votou no Conselho de Administração a favor de um negócio todo enrolado por que se guiou em informações "incompletas" e num parecer "técnica e juridicamente falho".

Com isso, Dilma tenta livrar a própria cara, mas se enrola mais ainda na história mirabolante da compra de uma refinaria em Pasadena, nos EUA, e joga na fogueira a antiga gestão da Petrobras --o presidente José Sérgio Gabrielli e seu diretor internacional, Nestor Cerveró.

A Petrobras simplesmente pagou US$ 360 milhões por 50% dessa refinaria, que fora comprada um ano antes por US$ 42,5 milhões. A conta já não fechava, mas ficou pior quando, por obrigação contratual, a brasileira teve de adquirir 100% do empreendimento, num total de US$ 1,18 bilhão.

Maior orgulho nacional, a Petrobras está sob investigação não só por causa dessa esquisita --e cara-- compra da refinaria em Pasadena, mas também por suspeitas de recebimento de propina por parte de uma empresa holandesa.

Não bastasse, a companhia apresenta resultados assustadores para os brasileiros e constrangedores para a presidente. Segundo o mestre Elio Gaspari, a perda de valor de mercado da Petrobras e da Eletrobras, juntas, já bate em US$ 100 bilhões desde a posse de Dilma, em 2011.

Somando o resultado financeiro e o impacto na credibilidade, temos que há algo de muito errado no reino da minha, tua e nossa Petrobras, como, aliás, em toda a área de energia, justamente a que alavancou a carreira e a imagem da "gerentona" Dilma.

Fonte: Folha de S. Paulo Online

Eugênio Bucci*: Imprensa 'de esquerda'? Imprensa 'de direita'?

O fato (histórico) de os jornais diários terem se firmado, ainda no século 19, como extensão de articulações partidárias que se enfrentavam na esfera pública tornou natural a classificação dos órgãos de imprensa segundo chaves próprias para a designação de correntes ideológicas.

O Estadão, por exemplo, nasceu em 1875 - com o nome de A Província de São Paulo - com o objetivo declarado de promover as causas da abolição da escravatura e da República. Portanto, os adjetivos "abolicionista" e "republicano" davam conta de defini-lo, como se ele fosse um partido.

Com quase todos os jornais do século 19 foi assim: faziam proselitismo aberto, sem o menor embaraço (a reportagem era, naqueles primórdios, um acessório, um recurso a mais a serviço da propaganda das ideias). Por isso, exatamente como as agremiações partidárias, os diários se classificavam tranquilamente como republicanos ou monarquistas, nacionalistas ou internacionalistas, socialistas ou comunistas, conservadores ou liberais (os rótulos variavam - e ainda variam - conforme a cultura política de cada país). Mais recentemente, costumava-se dizer que os órgãos de imprensa são "de direita", "de centro", "de esquerda". Com a maior naturalidade do mundo.

E hoje? Será que essa fórmula ainda funciona para entender a identidade e a vocação dos novos perfis dos órgãos de imprensa? Provavelmente não.

Não que as redações não tenham posições políticas. Elas as têm, mas isso é apenas parte do que representam e do que fazem. Fora isso, o modelo de classificação "esquerda/direita" acabou se relativizando até mesmo para a atividade política. A ordenação que se estende da esquerda para a direita na linha imaginária em que estariam dispostos os ideários disponíveis no debate público é, no mínimo, controversa.

No plano dos costumes, diz-se "de esquerda" quem defende, digamos, o casamento gay, enquanto os opositores dessa bandeira são vistos como gente "de direita". Já no plano econômico, os adeptos do livre mercado (quanto mais sem Estado, melhor) são "de direita"; os entusiastas da estatização costumam ser carimbados como "de esquerda". Num terceiro plano possível, aquele mais puramente político, os "de direita" gostam da gestão autoritária, autocrática; os "de esquerda" seriam mais "assembleístas", devotos de sufrágios, plebiscitos e instâncias participativas em geral.

Mas a vida é mais complicada do que isso. Lembremos que, no Brasil, a mesma ditadura militar que suprimiu eleições, censurou a imprensa e sufocou o Congresso Nacional (era de direitíssima, portanto) estatizou a economia numa escala considerável, em índices quase soviéticos. Por outro lado, regimes ditos "de esquerda", como o de Cuba, perseguiram os homossexuais com disciplina bolchevique, impuseram o regime do partido único e estatizaram totalmente a atividade econômica (hoje há recuos, muitos). Vemos, por aí, que a semântica mais convencional de "esquerda" e "direita" não ajuda muito a entender os propósitos dos agentes políticos.

Tentemos outra abordagem. A matriz de Norberto Bobbio, que pensa esquerda e direita em torno de dois eixos, liberdade e igualdade, talvez esclareça o cenário um pouco mais. Bobbio diz que a esquerda gosta mais da igualdade, em função da qual se disporia a sacrificar a liberdade, e que a direita prefere a liberdade (de iniciativa econômica, principalmente), abrindo mão, se necessário, do princípio da igualdade.

Mesmo assim, a coisa continua problemática. Segundo a matriz de Bobbio, o sujeito de esquerda é aquele que aposta, vejamos, na liberdade de organização sindical e na defesa dos direitos dos trabalhadores. Para ele, a liberdade seria um atalho rumo à igualdade. Acontece que esse mesmo sujeito fecha os olhos para o massacre da liberdade sindical que tem lugar nos regimes autodeclarados "de esquerda", que juram defender a igualdade. Interessante: a mesma persona sindical que é festejada por plateias esquerdistas, no Brasil, é condenada como reacionária e pequeno-burguesa pelas mesmas plateias, em Havana.

Ora, se nem mesmo os agentes políticos podem ser bem explicados pela classificação "direita/esquerda" - principalmente no Brasil, onde as principais forças políticas, como PT, PSDB e PSB, se declaram mais ou menos "de centro-esquerda" -, por que esse modelo de classificação deveria servir para definir a marca essencial de um veículo jornalístico? Talvez o conjunto de convicções de uma empresa jornalística - que pode incluir a defesa de marcos regulatórios para o mercado de radiodifusão, do Estado laico e do mercado capitalista, por exemplo - possa ser suscetível de uma classificação nesses moldes, mas o âmago de uma redação contemporânea, aquilo que a define, vai além disso. Os editoriais de um jornal podem mostrar-se ultraliberais nos costumes (meio "de esquerda") e conservadores na economia ("de direita"), sem problema algum. Isso não quer dizer que esse jornal esteja necessariamente a serviço de ONGs da causa gay ou de partidos direitistas. A imprensa, como objeto teórico, ganhou autonomia e não cabe mais nos escaninhos da política.

Sem dúvida, o jornalismo cobre a política. É seu dever. Mais ainda, é uma atividade essencialmente política, pois lida o tempo todo com o poder e com os direitos da cidadania. Mas um jornal não é (mais) a mesma coisa que um partido (quanto mais partidário, pior é) e sua qualidade não vem (mais) do fato de ele ser visto como "de direita" ou "de esquerda". Vem, antes, da disposição que tem de refletir o pluralismo, da transparência com que expõe sua própria opinião, da sua independência e da capacidade que demonstra de investigar a fundo os assuntos que reporta. Aí está o núcleo da identidade (e da qualidade) de um órgão de imprensa - e esse núcleo não é meramente "de esquerda" ou de "direita", ainda que muitos se tenham acomodado a essa visão reducionista.

*Eugênio Bucci é jornalista e professor da ECA-USP e da ESPM.

Fonte: O Estado de S. Paulo

Raquel Ulhôa: Visões diferentes de um governo

Walter Pinheiro defende resgate da utopia do PT

A recente crise entre governo e aliados aumentou a nostalgia dos tempos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em setores do PMDB e do PT. No Congresso, ouve-se que o PT tem "um problema de cinco letras e uma solução de quatro". Apesar de haver forte torcida, uma troca de Dilma por Lula, na disputa é hoje descartada, mas petistas dizem que, "se houver riscos ao projeto", isso vai acontecer.

Dificuldades de caixa dos Estados, indefinições na formação de alianças e pressões do setor privado (financiador de campanha) pela aprovação de projetos do seu interesse no Congresso têm deixado deputados e senadores com nervos à flor da pele. Aliados pressionam o governo e aumentam as críticas à presidente Dilma Rousseff por uma "falta de diálogo político".

O senador Walter Pinheiro (BA), um dos parlamentares mais experientes da bancada petista - que não vai disputar eleição, embora tenha tentado ser candidato a governador -, diz que alguns problemas são criados ou agravados pelo governo.

A medida provisória que trata da tributação de lucro das empresas no exterior (MP 627), um dos motivos de crise entre PMDB e governo, na sua opinião poderia ter sido melhor discutida com os setores da economia e talvez até editada após a eleição.

"Houve um processo de condução um pouco açodado. Criou-se um problema na política que, se não for resolvido, vai se transformar numa crise maior, na economia."

O enfrentamento em torno da aprovação do marco civil da internet, para ele, deveria ter sido feito no ano passado, para evitar o acirramento de ânimos provocado em ano eleitoral. Outro caso citado pelo senador é o veto ao projeto de lei que estabelece regras para a criação de novos municípios, que, de acordo com líderes, foi aprovado com aval do governo. "Como é que eu votei a favor e agora voto pela derrubada do veto? É chamar para si mais um problema."

O "caldeirão" de insatisfação, principalmente em ano eleitoral, é composto pelo agravamento dos problemas fiscais dos Estados. Pinheiro atribui ao governo federal parcela de responsabilidade pelo não avanço das propostas relativas à mudança do indexador das dívidas de Estados, convalidação dos incentivos fiscais com base na arrecadação do ICMS, criação dos fundos de desenvolvimento regional e de compensação pelas perdas com o fim da guerra fiscal e a mudança de tributação do comércio eletrônico.

"Os governadores estão desesperados, dizendo que seus Estados vão quebrar. O Congresso deu alguns passos e o governo apontou caminhos que a gente poderia seguir. Mas fatores externos fizeram a Fazenda tomar a decisão de pisar no freio. Poderia até pisar, mas deveria ter explicado melhor", disse. Para Pinheiro, cabe à presidente chamar para si o debate sobre o pacto federativo, embora a solução não dependa só do governo federal.

O petista avalia que o governo errou na condução do atendimento às reivindicações das manifestações de junho. "Seria necessário a gente resolver um problema seríssimo [do governo] que é a falta de ausculta. Auscultar não é ouvir. É ver por dentro o que as pessoas querem. E, a partir dessa ausculta, estabelecer um rito permanente de discussão."

Para Pinheiro, o governo tem bons propósitos, toma as medidas corretas, mas não consegue fazer 'a liga' dessas medidas com três setores: a política, a economia e o povo. Chamar bancadas para conversar em meio a crises, para ele é "trocar pneu com o caminhão descendo a ladeira".

Uma das maiores defensoras de Dilma no Senado, a ex-ministra Gleisi Hoffmann (PT-PR) diz que a presidente se reuniu mais com bancadas e líderes do que Lula. Afirma que o Congresso ressentiu-se do estilo de atuar adotado por Dilma, "inerente às mulheres" e mais "institucional".

"A mulher tem um estilo diferente. Ninguém vai chegar para a presidenta e contar uma piadinha ou fazer brincadeira. Nem ela vai contar piadinha. Ela é mais séria, institucional. As pessoas não estão acostumadas com isso."

Para a ex-ministra, as críticas partem, muitas vezes, de quem não teve interesses atendidos. "Enfrentamos isso quando discutimos a concessão. Havia muitas críticas do setor privado, empresarial, de que o governo não ouvia. Na realidade, ouvíamos muito. Mas algumas coisas não podiam ser acatadas."

Segundo ela, o mesmo acontece em relação ao Congresso. Apesar do "pacto pela responsabilidade fiscal", ela diz que muitos diálogos com aliados implicam gastos, que não podem ser feitos.

Entre as críticas rebatidas por Gleisi, estão a do veto de Dilma ao projeto dos municípios e à condução das questões federativas. No primeiro caso, diz que o governo não deu aval para a aprovação. Quanto ao pacto federativo, afirma que o governo fez sua parte. Faltou acordo entre os Estados e o Congresso "perdeu o timing dessa discussão". Para ela, mesmo num segundo mandato de Dilma, o assunto terá dificuldade de avançar.

"Não sou pessimista, mas também não acho que tudo depende da vontade do Executivo, como se a presidente fosse uma fada, que bastasse receber e agradar todo mundo para resolver. Não é assim. Se fosse, outros já teriam resolvido".

Para Pinheiro, nos governos do PT houve avanços, inclusão e melhoria na educação. A vida melhorou dentro de casa, mas, até pelas dificuldades de Estados e municípios, piorou na rua. Falta segurança e os serviços de saúde são ruins. Ele teme os efeitos na eleição.

"A utopia de nossas vidas [do PT] era gestar algo que pudesse levar as pessoas à crença de que estamos trabalhando para melhorar a vida delas. Construímos uma base sólida nesses 12 anos, mas não pode haver frustração. Para resgatar a confiança, é preciso diálogo, interação. É preciso auscultar a população. O que se ouve de um lado não pode sair pelo outro."

Fonte: Valor Econômico

Jarbas de Holanda: A crise energética, a economia e a própria presidente/candidata

O cálculo político de que um aumento das contas de luz teria um rápido e expressivo efeito inflacionário (ademais de evidenciar para o conjunto da população o artificialismo da redução das tarifas anunciado às vésperas das eleições municipais de 2012 e aplicada no início de 2013) levou o Palácio do Planalto a um pacote de medidas na área energética que transfere tal aumento para 2015, depois do pleito presidencial, com várias consequências macro e microeconômicas. Entre elas, maiores despesas fiscais e acentuação dos obstáculos a investimentos na área, com nova queda dos valores dos ativos e das ações das estatais do sistema elétrico (federal e de alguns estados) e mais insegurança dos investidores privados. Tudo isso num contexto de persistência da pressão inflacionária (que, na falta de uma política fiscal séria, impõe a manutenção de altas taxas de juros); da necessidade de elevação da carga tributária, como primeira etapa de um salto dela em 2015; e da perspectiva de um PIB abaixo de 2%. Indicadores negativos que se articulam com a escassez dos re-cursos hidráulicos e com crescentes gastos com in-tenso uso das termoelétricas.

O pacote de medidas para a área energética foi bem avaliado pela colunista do Globo, Miriam Leitão, em artigo intitulado “Curto circuito” (logo no dia seguinte ao anúncio, na última quinta-feira), assim terminado: “A solução foi uma gambiarra. Além dos R$ 9 bilhões já no Orçamento para cobrir a diferença entre preço e custo de energia, o governo vai colocar mais R$ 4 bi. E de onde virá o dinheiro? De “medidas tributárias”, ou seja, impostos. Além disso, a Câmara de Compensação de Energia Elétrica (CCEE) vai tomar um empréstimo para ajudar no socorro às distribuidoras. A CCEE é uma empresa privada que o governo está mobilizando para ajudar a resolver o problema. Só que subsidiar energia com empréstimo é uma insensatez. E os juros sobre esse empréstimo, a quanto levará esse valor? O governo entrou num curto-circuito na área de energia”.

Tais distorções (que misturam intervencionismo estatal e populismo tarifário, retardando e obstruindo a expansão e a modernização de nossa infraestrutura) começaram a configurar-se na parte final do primeiro governo Lula, cresceram no segundo e agravaram-se no atual, envolvendo muitos atores. Mas um ator, ou atriz, teve protagonismo especial no desencadeamento e no avanço delas. Trata-se de quem assumiu em 2003 a direção dos planos energéticos e passou a exercê-la como uma espécie de xerife após a saída da equipe de Antonio Palocci daquele primeiro governo: a ex-ministra de Energia, ex-chefe da Casa Civil e depois presidente, Dilma Rousseff. Que – cabe assinalar – ao chegar à presidência estendeu seu intervencionismo ao setor privado – à Vale do Rio Doce -, forçando os representantes de fundos de pensão e do sistema financeiro (à frente o BNDES) a substituírem o presidente da empresa, ho-je com suas ações em situação semelhante às da Petrobras e da Eletrobras.

Eis, agora, uma questão política relevante: os graves problemas e carências da área energética terão o espaço que lhes cabe no debate da sucessão presidencial à vista? O que até poderia levar a presidente/candidata a uma mudança de avaliação sobre eles, como foi compelida pelo “estado de necessidade” a fazer a respeito de concessões e PPPs para os modais de transporte. Ou, ao contrário, como provavelmente ocorrerá, ela, Lula e o PT se empenharão em desqualificar ou escamotear esse debate, usando os palanques e o enorme tempo de propaganda eleitoral “gratuita” de que disporão para encenar grandes “realizações” a respeito e subordinar o tema à centralidade do apelo classista dos “pobres contra os ricos”, intensamente manipulado pelo ex-presidente em 2010 para eleger a sucessora? E a resposta dependerá também da capacidade dos candidatos de oposição de afirmarem, a partir de agora e sobretudo na fase decisiva da disputa, a importância de questões de fato essenciais, como esta, para a retomada da expansão do país para seu crescimento sustentado e para preservação e reforço do pluralismo democrático.

Jarbas de Holanda é jornalista

Luiz Carlos Azedo: Correndo atrás do rabo

Ao contrário do PT, que tem uma estrutura verticalizada, as decisões eleitorais do PMDB são tomadas em âmbito regional, com exceção da coligação nacional, que deve ser mantida

O Palácio do Planalto ruge, mas não morde o próprio rabo. Enquanto demoniza o líder do PMDB, deputado Eduardo Cunha (RJ), e tenta isolar a bancada dele, o ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, negocia com os demais partidos da base governista um pacote de concessões, que vai da liberação de emendas parlamentares aos cargos no governo e às concessões de rádio. Teria ficado mais barato um acordo com a bancada do PMDB, que ameaça derrotar o governo na votação do Marco Civil da Internet e derrubar o veto que proíbe a criação de municípios. Mais barato ainda ficaria se o governo fizesse uma negociação aberta e ampla com o Congresso, que envolvesse a oposição. Resultado: o governo, ontem, não sentiu segurança para enfrentar uma votação na Câmara dos Deputados.

Por que tanta dificuldade para derrotar um aliado rebelde na Câmara, que foi transformado em desafeto de estimação pela presidente Dilma Rousseff? No jargão da política, isso é brigar pra baixo. Há anos, o Palácio do Planalto tenta anular a influência de Cunha e consegue apenas fortalecê-lo ainda mais perante os pares dele. No caso do Marco Civil da Internet, a briga real é com o poderoso lobby das empresas da área de telecomunicações e da internet, que se opõem ao relatório do deputado Alexandre Molon (PT-RJ). Cunha tem um substitutivo na gaveta, que foi negociado com os partidos de oposição. O líder do PMDB é duro nas negociações de mérito, não fica apenas no toma lá da cá em torno de emendas parlamentares, que é o padrão dos acordos de Dilma com a própria base parlamentar. Na verdade, essa é a razão da irritação da presidente da República com o líder do PMDB. Toda vez que entra na contramão do mercado, Cunha deita e rola, vira porta-voz de setores empresariais envolvidos.

Nas provínciasA outra variável importante do conflito é a dificuldade que petistas e peemedebistas encontram para fechar alianças nas disputas para os governos estaduais. Cunha capturou as insatisfações contra o PT nos estados, e o governo não consegue fechar os acordos regionais. Esses acertos não dependem apenas da presidente Dilma Rousseff e de Mercadante, dependem da política local. O PT tem candidato a governador nas seguintes unidades da Federação: Acre (Tião Viana), Bahia (Rui Costa), Distrito Federal (Agnelo Queiroz), Mato Grosso do Sul (Delcídio Amaral), Minas Gerais (Fernando Pimentel), Paraná (Gleisi Hoffmann), Piauí (Wellington Dias), Rio de Janeiro (Lindbergh Farias), Rio Grande do Sul (Tarso Genro), Rondônia (Padre Ton), Roraima (Ângela Portela) e São Paulo (Alexandre Padilha).

O PMDB quer lançar candidatos a governador em 22 estados: Alagoas (Renan Filho), Amazonas (Eduardo Braga), Bahia (Geddel Vieira Lima), Ceará (Eunício Oliveira), Espírito Santo (Paulo Hartung ou Ricardo Ferraço), Goiás (Júnior da Friboi), Maranhão (Luís Fernando Silva), Mato Grosso (Carlos Bezerra), Mato Grosso do Sul (Nelson Trad Filho), Minas Gerais (Clésio Andrade), Pará (Helder Barbalho), Paraíba (Veneziano do Rêgo), Paraná (Roberto Requião), Piauí (Marcelo Castro), Rio de Janeiro (Luiz Fernando Pezão), Rio Grande do Norte (Fernando Bezerra), Rio Grande do Sul (José Ivo Sartori), Rondônia (Confúcio Moura), Roraima (Romero Jucá ou Rodrigo Jucá), São Paulo (Paulo Skaf), Sergipe (Jackson Barreto) e Tocantins (Kátia Abreu ou Marcelo Miranda).

É possível alterar esse cenário em oito estados, nos quais o PT pode apoiar o PMDB (Alagoas, Santa Catarina, Goiás, Paraíba, Tocantins e Mato Grosso), ou o PMDB apoiar o PT (Minas e no Paraná). Por ora, só chegaram a um acordo no Distrito Federal, onde o PMDB tem a vice do governador Agnelo Queiroz; no Pará, onde o PT apoiará Helder Barbalho; e no Sergipe, onde o PT indicará o vice de Jackson Barreto. O problema do governo nas negociações com a Câmara é que o tempo corre de forma diferenciada para os candidatos majoritários (Senado e governos estaduais) e proporcionais (Câmara e assembleias legislativas), assim como as demandas eleitorais são diferentes. Ao contrário do PT, que tem uma estrutura verticalizada, as decisões eleitorais do PMDB são tomadas em âmbito regional, com exceção da coligação nacional, que deve ser mantida. Ou seja, a maioria do PMDB não pretende romper com a presidente Dilma Rousseff e apoia o vice-presidente Michel Temer. Nas eleições locais, porém, o estrago já está feito e pode até crescer. Vem daí o maior cacife de Eduardo Cunha nas negociações com o Planalto.

Fonte: Correio Braziliense - 19/03/2014

Intelectuais, cultura e democracia

O Cedes – Centro de Estudos Direito e sociedade - divulga a chamada para trabalhos para participar no Grupo de Trabalho Intelectuais, Cultura e Democracia, coordenado por Rubem Barboza Filho (UFJF) e Luiz Werneck Vianna (PUC-Rio), na ANPOCS. O prazo final para envio de propostas é dia 25 de março.

Segue abaixo o conteúdo do GT:

GT19 - Intelectuais, cultura e democracia

Coordenação: Rubem Barboza Filho (UFJF), Luiz Werneck Vianna (PUC-Rio)

O protagonismo assumido pela intelligentsia em diferentes momentos da história ocidental merece uma continuada reflexão.

Ainda que o papel tradicional atribuído aos intelectuais no Ocidente – ou que os intelectuais se atribuíram durante largo tempo – esteja hoje submetido à crítica, a presença relevante de uma intelectualidade ativa continua a ser considerada um elemento fundamental para a existência de uma sociedade democrática e reflexiva. E não só no Ocidente.

Com o intuito de explorar e compreender o território comum entre as temáticas dos intelectuais, da cultura e da democracia, este Seminário Temático se dedicará à discussão de aspectos teóricos e metodológicos relacionados à sociologia dos intelectuais e da cultura, à análise de suas produções artísticas ou acadêmicas, à discussão de seus espaços de sociabilidade e reflexão, bem como à relação que os intelectuais mantêm com a vida pública, com os diferentes públicos da sociedade e com temas relacionados à construção da democracia nos mais variados contextos.

Jornadas de junho – Cedes / Editorial

As “jornadas de junho” (tema central do último Boletim Cedes), que mobilizaram uma enorme energia popular, vêm se desdobrando em múltiplas facetas, que não apenas se revelam de modo mais sensível nas cenas dramáticas das ruas, mas também na produção de novas perspectivas sobre o futuro da democracia brasileira. Vivemos, sem dúvida, um momento que desafia nossa capacidade de formular perguntas e que demanda a articulação de distintos campos de reflexão.

No centro dessa agenda certamente está a questão juvenil, e talvez se possa afirmar que desde os anos de 1980 não se vive no Brasil um gap tão significativo entre as gerações, o que efetivamente coloca novas exigências às instituições sociais, culturais e políticas criadas em 1988.

Esse debate é o tema central deste número do Boletim Cedes, e a maior parte das contribuições que ele traz foi produzida por provocação do Seminário “Educação, juventude e democracia”, realizado pelo Cedes, em novembro de 2013, na PUC-Rio. Além da resenha com a memória desse seminário, o Boletim também reúne contribuições que procuram refletir sobre a relação da juventude com a política, com a polícia e com a escola. Esse material compõe a primeira seção do Boletim.

Na seção sobre “Direito e suas Instituições”, o Boletim traz um artigo sobre o processo de formação do Ministério Público do Trabalho; na seção “Resenhas”, a apresentação e análise de um livro recentemente lançado sobre juventude e cultura cívica; e na seção “Opinião”, uma reflexão sobre os black bloc e sua possível relação com outro fenômeno juvenil, e que tem sido chamado de “nem-nem” (nem estudo, nem trabalho).

Roberto Macedo* : Plano Real, sinfonia inacabada

Para complicar, sua execução foi desafinada pelos governos petistas a partir do segundo mandato de Lula e ainda mais pela presidente Dilma Rousseff. Mas o lançamento desse plano, 20 anos atrás, merece ser comemorado, e muito, pelo importantíssimo legado que deixou, no qual se destaca o controle da inflação, que a trouxe para níveis civilizados.

É preciso comemorar também em julho, pois o Plano Real pode ser visto como um parto de gêmeos. Primeiro nasceu a Unidade Real de Valor (URV), em 1.º de março de 1994. Como papel-moeda, o real, entretanto, só veio à luz no dia 1.º de julho daquele ano. Creio ser a data mais lembrada, pois a URV deixou então de existir e o real é que completará 20 anos em julho. E a moeda é um símbolo nacional, embora não oficialmente reconhecido. O mais notório é a Bandeira. O Hino também se destaca. Mas que símbolo se identificaria mais com o Brasil, o real ou outro dos oficiais, como o Selo Nacional?

A URV sincronizou todos os preços da economia por meio de uma indexação diária tendo-a como base, pois uma das razões que levaram planos anteriores ao fracasso foi o fato de terem vindo com congelamentos de preços que, sem prévio aviso, deixavam alguns preços defasados relativamente à inflação, reajustados havia mais tempo que outros. Com isso logo surgia uma pressão de novos reajustes que prejudicava a estabilidade dos preços congelados. Recorde-se que o Plano Real não congelou preços nem deixou nenhuma dessas pendências judiciais sobre correção monetária de depósitos de poupança em planos anteriores, que até hoje se arrastam no Judiciário.

E com a muitíssimo maior estabilidade de preços houve também enorme benefício social: um forte ganho de poder aquisitivo para os segmentos mais pobres da população. Estes mais propensos a usar e guardar moeda em espécie, cujo valor em bens e serviços se derretia a cada dia. Inclusive porque então era bem menor que hoje a parcela da população com contas bancárias, na época muito utilizadas para investimentos que corrigissem monetária e diariamente, ainda que de forma parcial, o valor do dinheiro depositado. Uma coisa é carregar dinheiro vivo com uma inflação perto de 0,5% ao mês, como hoje - o ideal seria que fosse ainda menor. Outra é enfrentar uma inflação que chegou a cerca de 80% em março de 1990.

No dia 12 deste mês compareci a um seminário organizado em boa hora pelo Instituto Fernando Henrique Cardoso para celebrar os 20 anos do Plano Real. Nele falaram muitos economistas conhecidos como "pais do Real", além de outras pessoas, incluído o próprio FHC, que abriu e fechou o evento. Pelos oradores, pelo retrospecto histórico que fez e pelas reflexões que ensejou sobre o momento atual, foi um dos melhores eventos sobre política econômica de que participei nesta década.

Em termos históricos, ficou claro que o objetivo do Plano Real não se limitava à nova moeda e seus efeitos. Alcançada a maior estabilidade de preços e superadas outras dificuldades, como as do setor externo e da dívida pública decorrentes de crises cambiais, o objetivo era voltar a atenção para a recuperação da economia, de modo a alcançar taxas maiores e sustentáveis de crescimento do produto interno bruto (PIB).

FHC, contudo, deixou o governo sem superar várias dessas dificuldades e ainda teve de ouvir da outrora oposição petista a acusação de ter deixado uma "herança maldita". Aliás, no evento o economista Gustavo Franco, um dos mais legítimos "pais do Real", disse ter conseguido uma coleção de frases de políticos petistas criticando o Plano Real quando lançado, mas que posterior e silenciosamente o abraçaram com entusiasmo.

Ademais, só depois de quase dez anos de governo o PT abraçou também outro bom pedaço dessa "herança", iniciando seu próprio programa de privatização, ainda que enaltecendo ser "apenas" de concessões de serviços públicos. Aprendi cedo na escola que discussões semânticas muitas vezes podem ser resolvidas pelo dicionário, também conhecido como "pai dos burros". O meu diz que essas concessões são também uma forma de privatização.

Hoje é o próprio PT que corre o risco de a História marcar como sua uma autêntica herança maldita, tantos são os desmandos e prejuízos de suas políticas econômicas equivocadas que desafinaram a ainda inconclusa sinfonia do Plano Real. Como as enormes perdas que causou à Petrobrás, à Eletrobrás e ao setor de etanol com sua política bolivário-chaveziana de segurar preços controlando-os administrativamente; o desprezo por um adequado equilíbrio entre gastos correntes e de investimentos, com sério prejuízo destes; um desajuste fiscal que, além de danos às contas governamentais, recorre à chamada "contabilidade criativa", ao mesmo tempo também destrutiva da confiança que os agentes econômicos precisam depositar na gestão financeira governamental e indispensável para assegurar o seu êxito, bem como para ampliar com vigor os investimentos privados no País.

Todos esses problemas estão sendo postergados e até agravados, pois o governo petista só tem olhos para a eleição presidencial deste ano, em que a Presidente será candidata à reeleição. Inegavelmente, é favorita. Mas não é imbatível. Quanto a isso, no citado evento FHC empenhou-se em dar um alento à oposição afirmando não ser verdade que ela não dispõe de uma agenda, pois todos esses problemas e outros mal ou não resolvidos servem como tal. Há um clima de insatisfação que precisa ser compreendido e receber a devida atenção dos oposicionistas. A meu ver, com mensagens e compromissos efetivos para recolocar o País num voo de maior altitude com motores mais fortes alimentados por investimentos bem maiores.

Com esse plano que aniversaria, o Brasil caiu no real. Independentemente de quem vier a ganhar as eleições, depois terá de cair na real. Melhor se caísse antes.

*Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard) e consultor econômico e de ensino superior.

Fonte: O Estado de S. Paulo