segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

OPINIÃO DO DIA: Fernando Henrique Cardoso

Desde as manifestações de junho passado, que pegaram governo, oposição e sociedade de surpresa, deu para ver que nem tudo ia bem. A insatisfação estava nas ruas, a despeito das melhorias inegáveis do consumo popular e de alguns avanços na área social. É que a própria dinâmica da mobilidade social e da melhoria de vida, e principalmente o aumento da informação, geram novas disposições anímicas. As pessoas têm novas aspirações e veem criticamente o que antes não percebiam. Começam a desejar melhor qualidade, mais acesso aos bens e serviços e menos desigualdade.

O estopim imediato da reação popular foram os gastos da Copa, o custo do transporte, a ineficiência, a carestia e a eventual corrupção nas obras públicas. Ao lado disso, a péssima qualidade do transporte urbano, da Saúde, da Educação, da segurança, tudo de cambulhada. Nada é novo, nem a reação provocada por este mal-estar se orientou, de início, contra um governo específico ou contra um partido. Significou o rechaço de tudo que é autoridade. Na medida em que o governo federal reagiu propondo “pactos”, que não deslancharam, e vestiu a carapuça, a tonalidade política mudou um pouco. Mas o rescaldo dos protestos — e não nos esqueçamos que eles têm causas — foi antes a criação de um vago sentimento mudancista do que um movimento político com consciência sobre o que se quer mudar.

Fernando Henrique Cardoso, “Mudar, com pé no chão e visão de futuro”. O Globo, 2 de fevereiro de 2014.

Após um mês de recesso, Congresso retoma pauta-bomba

Desaposentadoria e criação de municípios estão entre os assuntos a serem discutidos na volta ao trabalho

Cristiane Jungblut e Isabel Braga

BRASÍLIA - Depois de pouco mais de um mês de recesso dos poderes Legislativo e Judiciário, parlamentares e magistrados voltam a trabalhar nesta segunda-feira com uma pauta com alto de poder de pressão sobre o Executivo. Pressão política e financeira. No Congresso, estão para ser votados projetos que preocupam o governo, como a velha proposta do piso salarial dos agentes de Saúde e a derrubada do veto presidencial ao projeto que cria 269 novos municípios. O peso da maioria governista pode pender a favor do Palácio do Planalto ou contra ele, a depender do resultado das mudanças que a presidente Dilma Rousseff ainda está fazendo no primeiro escalão do governo.

No Judiciário, além da conclusão do processo do mensalão petista e o início do julgamento do mensalão mineiro, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) podem decidir, neste semestre, questões com grande impacto econômico, como a chamada desaposentadoria e a correção da poupança durante os planos econômicos dos anos 1980-1990, que tem impacto estimado de mais de R$ 100 bilhões.

O Congresso retoma suas atividades ainda sob os reflexos da reforma ministerial em curso. A definição do espaço de cada partido aliado na Esplanada, o PMDB em especial, é que ditará o humor da maioria governista. O Palácio do Planalto já identificou problemas na pauta de votações. O primeiro teste para ver o tamanho da insatisfação da base aliada com os rumos da reforma ministerial e com o cronograma de pagamento de emendas impositivas será a votação do veto presidencial à lei que permite a criação de 269 novos municípios.

O PMDB diz que é municipalista e que está difícil manter o veto. Terá o apoio do PSB de Eduardo Campos. Dentro da estratégia de reforçar o necessário cuidado com as contas públicas, o governo irá apontar o grande custo para a criação desses municípios.

Primeiro teste em 18 de fevereiro
A sessão do Congresso para votar o veto está marcada para 18 de fevereiro. Este veto faz parte do mapeamento que a Casa Civil realizou no últimos dias a respeito da chamada pauta-bomba, que pode ser desengavetada neste ano eleitoral de 2014. Segundo integrantes do Planalto, antes mesmo de assumir oficialmente a Casa Civil, o ministro Aloizio Mercadante determinou a realização do levantamento.

O governo não quer surpresas e, principalmente, a aprovação de propostas que aumentem as despesas públicas. A presidente Dilma quer reforçar seu compromisso com o ajuste fiscal e o controle de gastos, como fará no texto da mensagem presidencial que será entregue hoje na sessão de abertura do Congresso por Mercadante.

No caso do veto à criação de municípios, a avaliação do Planalto é que sua derrubada geraria problemas para o discurso da responsabilidade fiscal no Brasil. Mas, lembram os técnicos, o impacto direto não seria para a União e, sim, para as finanças municipais. A associação de municípios vive reclamando em Brasília das dificuldades financeiras das prefeituras.

O Congresso volta aos trabalhos com a pauta trancada por cinco projetos com urgência constitucional, começando pelo do Marco Civil da internet, que impede a votação de outros assuntos desde o ano passado. Na última quinta-feira, o governo avisou que não vai retirar a urgência da proposta. O PMDB é contra o texto elaborado pelo PT.

O presidente da Câmara, Henrique Alves (PMDB-RN), trabalhará para votar uma pauta positiva, incluindo nela a reforma política, algo considerado pelos próprios deputados como muito difícil em ano eleitoral. A oposição engrossará o coro das críticas ao trancamento da pauta do Legislativo por projetos do Executivo e MPs.

O movimento da oposição será o de pressionar pelo destrancamento da pauta, que permitirá votar propostas com apelo social, como o projeto de lei complementar que fixa o piso em R$ 900 para agentes comunitários de Saúde e o que acaba com a cobrança da multa de 10% do FGTS nas demissões sem justa causa de funcionários (que o Congresso aprovou, Dilma vetou e o Congresso não conseguiu derrubar). Bancadas de partidos aliados, como a do PSD, defendem o fim da multa.

A novidade vai ser o comportamento do PSB, que prometeu sair da postura de independência para a de oposição, depois de um artigo violento contra Eduardo Campos ser publicado na página do PT nas redes sociais.

— Não vamos fazer o que não faríamos no nosso governo, mas vamos debater as contradições do atual governo. Querem incrementar a Saúde básica, lançam o Mais Médicos, mas não querem pagar R$ 900 para os agentes comunitários? Também somos contra o veto ao projeto de criação dos municípios: o pior dos mundos é não ter regra e esse projeto vetado não permite a farra da criação de municípios — disse o líder do PSB, Beto Albuquerque (RS).

O novo líder do DEM, deputado Mendonça Filho (PE), acrescenta:

— Acredito que conseguiremos avançar nas votações. O presidente Henrique Alves não vai querer o Legislativo paralisado. E a candidatura de Eduardo Campos mexeu, garante novo espaço para a oposição. O PSB, que era base total, agora é, no mínimo, independente. Existe ainda a insatisfação popular latente.

Medidas provisórias dominam pauta
De olho na reforma ministerial, partidos da base aliada, como PP e PROS, adotam postura de cautela. O líder do PP, Eduardo da Fonte (PE), diz que é preciso enfrentar a votação do Marco Civil da Internet e da Mineração, e não pretende apoiar a derrubada do veto do projeto de criação dos municípios.

— Defendo um esforço concentrado da Casa para votar temas importantes para a sociedade. Temos também o projeto das casas de show, na área de segurança pública. O veto do projeto de criação dos municípios não terá influência na vida dos brasileiros. Devemos evitar projetos que prejudiquem as contas públicas. O Congresso tem que fazer a parte dele para garantir a estabilidade econômica — pondera o líder do PP.

Além dos projetos que têm urgência constitucional, as medidas provisórias dominarão a pauta da Câmara neste início dos trabalhos. Entre elas, a MP 627 é a mais complexa: trata de matéria tributária e tem o líder do PMDB na Câmara, deputado Eduardo Cunha (RJ), como relator. Cunha tem dito que só pensa nesta MP e que há mais de 500 emendas apresentadas pelos parlamentares, para alterar o texto original do governo. No Planalto, esta MP é a que mais preocupa, segundo o estudo entregue a Mercadante.

Um interlocutor do Planalto diz que Mercadante quer ter controle da movimentação dos partidos:

— Fizemos uma lista com vários cenários. Há os projetos com urgência constitucional, mas há sempre a pauta negativa do Congresso, com questões corporativas.

Fonte: O Globo

Partidos atualizam cursos de formação

Antigas cartilhas de PT e PSDB são substituídas por aulas a distância com linguagem jovem

Pedro Venceslau e Lilian Venturini

A perspectiva de uma campanha pautada pelas manifestações de junho e marcada por novos protestos está levando os partidos a remodelarem suas estratégias de formação política da militância. Tucanos e petistas estão substituindo as tradicionais cartilhas por cursos a distância, nos quais são usados vídeos em linguagem de videoclipe. Além disso, estão ampliando seu currículo "doutrinário" e promovendo quadros jovens a postos chaves de direção.

No caso do PSDB, o principal foco em 2014 do Instituto Teotônio Vilela, organismo responsável pela formação doutrinária da militância partidária, será a juventude. Além de ampliar sua estrutura, o número de cursos e a grade de eventos em São Paulo, epicentro dos protestos contra o aumento das passagens de ônibus e dos "rolezinhos", o ITV está produzindo uma série de vídeos que serão enviados aos diretórios regionais para que promovam cursos a distância.

O mesmo recurso será usado pelo PT, que aos poucos está substituindo suas cartilhas por filmes produzidos pela Escola Nacional de Formação, órgão vinculado à Fundação Perseu Abramo.

"A formação passou por uma atualização depois dos protestos de junho", conta Carlos Árabe, secretário nacional de formação do PT. Ele comandará em meados de fevereiro um encontro com os 27 secretários estaduais de formação para afinar o discurso e o currículo. Para rebater as previsíveis críticas ao mensalão, o tópico corrupção foi reforçado.

Os seminários e cursos darão ênfase à proposta de acabar com o financiamento privado de campanhas, mas também municiarão o discurso dos militantes com dados e informações que comprovariam supostos erros e excessos no julgamento da Ação Penal 470. Números e cifras sobre as realizações do PT nos últimos dez anos também estarão no currículo.

Os adversários do PSDB serão tratados como "neoliberais", mas ainda não há uma definição de como será o discurso em relação a Eduardo Campos, provável candidato do PSB e até recentemente aliado da presidente Dilma Rousseff. Já o conteúdo programático da cartilha do PSDB usará números para comprovar o oposto. "Mostraremos as mazelas e problemas do modo petista de governar, bem como está sendo feito o aparelhamento do Estado", diz Sérgio Silva, responsável pelo conteúdo e programação do ITV. "Vamos promover nos Estados cursos de capacitação em redes sociais", diz Olyntho Neto, presidente da Juventude do PSDB.

Copa. Eleito no ano passado para comandar a Juventude do PSDB, Neto fará parte da equipe que escreverá as propostas de juventude do programa de governo de Aécio Neves, provável candidato tucano à Presidência. No PSB, a cartilha programática para formar o discurso eleitoral vai pregar bandeiras do Movimento Passe Livre (MPL), grupo precursor das manifestações de junho. Críticas ao governo Dilma também estarão presentes.


"Faremos críticas à forma como os estádios foram construídos. O legado da Copa do Mundo não chegou à população", diz Bruno Da Mata, presidente da Juventude da sigla. Ele faz parte da direção executiva nacional do partido, assim como representantes do movimento LGBT, negros e de mulheres.

Pela Lei dos Partidos Políticos, pelo menos 20% do total recebido com o Fundo Partidário deve obrigatoriamente ser usado para educação política e com a manutenção de institutos de pesquisa e doutrinação. Na minirreforma eleitoral aprovada em dezembro do ano passado, entretanto, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiu que os recursos não gastos pelas fundações poderão ser revertidos para "outras atividades partidárias". O texto não estabelece quais são nem sugere que tenham vínculo com atividades de formação.

As demais legendas dizem manter cursos e atividades regulares para seus militantes. De caráter mais ideológico e fiel à influência do pensamento socialista, o PSOL pretende estender suas atividades ao público comum. "Acreditamos que o partido deva ser também um espaço pedagógico", afirma a segunda secretária-geral do PSOL-SP, Carolina Peters.

Já o Solidariedade e o PROS, formalizados no ano passado, ainda estão em processo de organização das fundações e dos programas de formação. O PROS centrará sua atenção na redução dos impostos, principal bandeira do partido. O Solidariedade prevê cursos sobre política, como importância do voto e dos partidos, além de pautas ligadas a direitos trabalhistas e aposentados, tema da sigla.

"Não queremos discutir se a linha é de esquerda ou de direita. As pessoas querem coisa prática. Um partido de resultados", resume o presidente da legenda, Paulo Pereira da Silva, o Paulinho da Força.

Fonte: O Estado de S. Paulo

Mensaleiros na pauta de Joaquim Barbosa

Joaquim Barbosa reassume o Supremo e deve decretar com rapidez a prisão de João Paulo Cunha. Mas ainda falta definir os regimes domiciliares de José Genoino e Roberto Jefferson e a transferência de Marcos Valério

Diego Abreu, Amanda Almeida

De volta ao comando do Supremo Tribunal Federal (STF) — que funcionava em esquema de plantão desde 19 de dezembro e retoma os trabalhos hoje —, o ministro Joaquim Barbosa deve decretar a prisão do deputado federal João Paulo Cunha (PT-SP) ainda esta semana, ao mesmo tempo que terá de enfrentar o desconforto de companheiros de toga com declarações dadas por ele durante o recesso. O petista publicou ontem carta aberta ao presidente da Corte, em que classifica o julgamento do mensalão como um desprezo a “leis, fatos e provas”. Também ontem, o ex-deputado federal José Genoino (PT-SP), em prisão domiciliar, foi levado ao Instituto de Cardiologia do Distrito Federal, depois de sentir fortes dores no peito.

A troca de farpas entre Barbosa e Cunha começou depois de o presidente da Suprema Corte encerrar o processo em relação ao deputado em 6 de janeiro, na véspera de entrar de férias, mas viajar sem ordenar a prisão. Irritado, Alberto Toron, defensor de Cunha, disse que Barbosa foi dar um “rolezinho” em Paris e deixou de cumprir seu dever. Barbosa rebateu: “Um advogado vir a público fazer grosserias preconceituosas contra um membro do Judiciário que julgou seu cliente é prova de um deficit civilizatório”. Depois, foi a vez de Cunha atacá-lo em entrevista, dizendo que ele não tem humanidade. Barbosa respondeu novamente e defendeu que condenados devem ficar no ostracismo.

Ontem, Cunha voltou a criticar o presidente do STF. Em carta aberta, publicada pelo jornal Folha de S.Paulo, ele disse que o Supremo o condenou sem provas. “Caro ministro (Joaquim Barbosa), o senhor pode muito, mas não tudo. Pode cometer a injustiça de me condenar, mas não pode me amordaçar, pois nem a ditadura militar me calou. O senhor me condenou sem me dirigir uma pergunta”, escreveu.

A situação de Cunha virou também motivo de desconforto entre os próprios ministros do STF, após críticas desferidas por Barbosa a colegas que o substituíram no comando do tribunal ao longo da segunda parte do recesso. Em entrevista na Europa, onde cumpriu agenda oficial em Paris e Londres, Barbosa disse que, ao não decretarem a prisão do deputado, os ministros Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski ampliaram o período de liberdade do petista. Embora não tenha citado nominalmente os colegas, o chefe do Judiciário disse que jamais deixaria de prender o parlamentar, caso estivesse no comando interino da Corte.

Relação ruim
As críticas de Barbosa foram mal recebidas por integrantes do tribunal. Dois ministros ouvidos pelo Correio demonstraram indignação com a forma como o presidente do STF se referiu aos colegas. Na volta aos trabalhos, que acontecerá em sessão solene, marcada para as 10h de hoje, os 11 ministros se encontrarão pela primeira vez desde dezembro.

Sem demonstrar incômodo com a reação de colegas, Joaquim Barbosa se concentrará na Ação Penal 470. A tendência é de que ele envie, ainda hoje, o mandado de prisão de João Paulo, que cumprirá pena inicialmente em regime semiaberto. Cármen Lúcia, que ficou à frente do tribunal por cerca de 10 dias, tomou poucas decisões no período. Ela preferiu não se debruçar sobre pedidos de liminares que chegaram à Corte no recesso. O vice-presidente do STF, Ricardo Lewandowski, por sua vez, proferiu dezenas de decisões, inclusive relativas ao processo do mensalão. Parte delas teriam irritado Joaquim Barbosa.

Em um despacho, Lewandowski acatou pedido do ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, ao reverter ordem da Vara de Execuções Penais do DF, que havia suspendido a possibilidade de qualquer benefício externo a Dirceu devido às investigações sobre o uso de celular pelo mensaleiro. Em outro despacho, o presidente interino do Supremo modificou decisão de Barbosa, ao autorizar que uma advogada deficiente visual possa protocolar petições em papel, e não apenas eletronicamente.

Fonte: Correio Braziliense

Partidos definem troca de líderes

Raphael Di Cunto

BRASÍLIA - Oito partidos já definiram a troca de líderes na Câmara dos Deputados para 2014 e pelo menos outros dois tendem a mudar o comando da bancada a partir de fevereiro, mostra levantamento do Valor nos registros da Casa e com a assessoria das legendas. Na maioria dos casos, as trocas serão oficializadas hoje, com o fim do recesso.
A exceção é o PR, que fez um acordo para que Anthony Garotinho (RJ), pré-candidato ao governo do Rio de Janeiro, fique até o fim do mês, quando será substituído por Bernardo Santana (MG) - parlamentar que responde a processo penal no Supremo Tribunal Federal (STF) por sonegação fiscal e outros crimes tributários por suposta venda de carvão ilegal.

A função é fundamental no Legislativo. Além de orientar as votações em plenário e discursar em nome do partido nas sessões, é ele quem define, junto com o colégio de líderes, a pauta de projetos que serão discutidos. O líder é quem negocia com o governo e também participa de qualquer comissão, mas sem direito a voto.

Entre os que vão trocar o comando estão três das maiores bancadas. O PT será liderado por Vicentinho (SP), ex-presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT). O PSD será comandado por Moreira Mendes (RO), que presidiu a Frente Parlamentar da Agricultura (FPA) em 2012, quando enfrentou o governo no Código Florestal. O PSDB escolheu Antônio Imbassahy (BA), ex-prefeito de Salvador e próximo do ex-governador de São Paulo José Serra (PSDB).

Outros cinco partidos ainda não definiram o novo nome. No PDT, disputam a indicação os deputados Vieira da Cunha (RS), Marcos Rogério (RO) e Félix Mendonça Júnior (BA). O PCdoB discute substituir Manuela D'Ávila (RS), mas não há nome favorito. Já o PSB tende a manter no posto Beto Albuquerque (RS), um dos deputados mais próximos do governador de Pernambuco e candidato do partido à Presidência, Eduardo Campos.

Dez bancadas preferiram manter o atual líder, caso do PMDB, com Eduardo Cunha (RJ), e do PP, com Eduardo da Fonte, que assumiu o posto no fim de 2013, quando a bancada rebelou-se contra a tentativa do então líder, Arthur Lira (AL), de permanecer no cargo por mais um ano. Nesse rol está Jovair Arantes (GO), desde 2007 líder do PTB.

Também deve continuar no posto o líder do governo, Arlindo Chinaglia (PT-SP), que exerce a função desde março de 2012. O petista participou de reunião na quinta-feira com a ministra das Relações Institucionais, Ideli Salvatti, e a presidente Dilma Rousseff não dá sinais de que pretende mexer no posto. Já a liderança da minoria será exercida pelo tucano Domingos Sávio (MG), aliado de Aécio Neves, em substituição a Nilson Leitão (PSDB-MT).

No Senado, a tradição é diferente e as bancadas trocam de líderes a cada dois anos, com exceção do PT, que renova a liderança anualmente. O partido ainda discute o substituto de Wellington Dias (PI).

Fonte: Valor Econômico

Dino busca aliança com Dilma, Aécio e Campos

Fábio Brandt e Raquel Ulhôa

BRASÍLIA - Para derrotar o grupo político da família Sarney no Maranhão, o ex-juiz e ex-deputado federal Flávio Dino (PCdoB) quer ser candidato a governador com o apoio dos três principais pretendentes à Presidência da República: Dilma Rousseff (PT), Aécio Neves (PSDB) e Eduardo Campos (PSB). Para se dedicar integralmente à construção da aliança, Dino deixará nesta ou na próxima semana o cargo que tem no governo federal - é presidente da Embratur, órgão vinculado ao Ministério do Turismo, desde junho de 2011. O pedido de exoneração já foi entregue ao ministro Gastão Vieira, mas Dino continuará no exercício do cargo até que o documento seja assinado.

Dilma já sabe da demissão e da negociação com os adversários, afirmou Flávio Dino em entrevista exclusiva ao Valor. Ele disse que mantém, com os três presidenciáveis, um "namoro firme". E todos eles sabem disso? Sim. "O importante é ter transparência". As provas de que o relacionamento aberto existe, afirmou Dino, são a recepção pública que deu a Eduardo Campos no Maranhão, em 2013, e o plano declarado de tirar fotos com Aécio Neves. Com Dilma, ele esteve pela última vez em novembro, no congresso realizado pelo PCdoB em São Paulo. Foi nessa ocasião que comunicou à presidente que sairia da Embratur.

Para Dino, a contradição da aliança com PT e PSDB não é um problema. "Nós temos que ver a dimensão do desafio. Qual é a dimensão do desafio? É vencer o grupo que está há mais tempo no poder, o segundo político mais longevo da história brasileira, atrás apenas de Dom Pedro II. Tenho que reunir forças com a amplitude necessária para dar conta disso".

Essa longevidade dos rivais também explica boa parte da recente crise de segurança pública enfrentada pelo Maranhão, afirmou Dino. Pelo menos 63 detentos morreram no Complexo Penitenciário de Pedrinhas, em São Luís, desde 2013. "Ficou evidente que as omissões estão diretamente associadas ao desperdício de dinheiro público, ao desvio de dinheiro público, à apropriação, à corrupção". Outro problema que o grupo que está no poder tem, acusou o presidente da Embratur, é a falta de valores como "separação entre o público e o privado e não utilizar os bens públicos para acumular riqueza".

Dino não esconde a frustração com a aliança firmada por seus aliados do PT com seus arquirrivais da família Sarney. Após descrever um cenário em que o grupo da atual governadora é responsável pela destruição do Maranhão, ele concordou que o PT tem colaborado para a situação ser essa. "Existem fronteiras que, ao meu ver, essa aliança [do PT] com o grupo Sarney ultrapassa", afirmou. "O PT, em algum momento, não sei se vai ser nesta eleição, vai ter que rever essa política de alianças, porque ela conduz a absurdos".

É público que o PT tem evitado apoiar a pré-candidatura de Flávio Dino por causa do compromisso que tem com a governadora do Estado, Roseana Sarney (PMDB). Até o momento, tudo indica que ela tentará fazer de seu secretário de Infraestrutura, Luis Fernando Silva (PMDB), o próximo governador. Quando fala sobre esse assunto, Dino diz que o PT "está mais para o lado de lá", mas que a militância petista, os filiados distantes da cúpula partidária, vão ajudá-lo. Dino também minimiza o afastamento dos petistas. Avalia que a situação é diferente de 2010, quando o PT esteve ao lado de Roseana. "A gente acumulou força social e política para caminhar independentemente do PT. Eu desejo e quero o apoio do PT. Mas não é algo que subordine a minha atuação política".

Além dos partidos, Dino disse que também tenta obter apoio da iniciativa privada para seu projeto de ser candidato a governador. Apesar de ser filiado a uma sigla de inspiração comunista - o Partido Comunista do Brasil (PCdoB) -, Flávio Dino considera as parcerias público-privadas essenciais para resolver problemas de setores básicos, desde presídios a saneamento e habitação. "O Estado é insubstituível. A crise de 2008 demonstrou isso. Porém, ele sozinho não dá conta das tarefas fundamentais. Na Embratur o que mais fiz foi parceria com o setor privado. Porque é impossível implementar uma política pública sem o setor privado".

Será a segunda disputa de Dino contra a família Sarney pelo comando do governo do Maranhão. Em 2010, enfrentou nas urnas a governadora Roseana, em uma eleição acirrada. Dino ficou a apenas 4.877 votos de disputar o segundo turno com Roseana, que foi reeleita em primeiro turno com 50,08% dos votos válidos.

Fonte: Valor Econômico

Brasil paga taxa maior para atrair investidor

Prêmio de risco cobrado por investidores que apostam no Brasil supera o de emergentes

Martha Beck

BRASÍLIA - O Brasil já paga o preço da crise de credibilidade junto ao mercado, apesar dos esforços da presidente Dilma Rousseff para mostrar que seu governo está comprometido com o controle da inflação e com o equilíbrio fiscal. Economistas ouvidos pelo GLOBO apontam como sinal da desconfiança crescente o atual patamar do prêmio de risco cobrado pelos investidores que apostam no país. Na semana passada, o Credit Default Swap (CDS) de cinco anos - título considerado um dos termômetros da confiança no país - estava sendo negociado a 210,9 pontos-base, acima dos 157 pontos com que encerrou 2013. Na mesma data, outros países da América Latina que têm perfil comparável ao brasileiro estavam com taxas de CDS bem inferiores. No México, o prêmio de risco era de 111,5 pontos; na Colômbia, 134,4 pontos; no Peru, 144,3 pontos; e no Chile, 82,3 pontos.

O economista-chefe do Banco Votorantim, Roberto Padovani, explica que o prêmio de risco é uma combinação de diversos fatores, entre eles, o crescimento da economia, a inflação e as contas públicas. Por isso, num momento em que esses indicadores apresentam uma piora, os investidores cobram mais caro para apostar no mercado nacional.

Problemas internos em xeque
- No Brasil, o que se vê é uma acomodação do crescimento que torna o país menos atraente. Esse quadro acaba se agravando com problemas como a falta de transparência na área fiscal - afirma Padovani.

As taxas do CDS de cinco anos ainda não colocam o Brasil numa situação como a do fim de 2008, quando começou a crise econômica internacional e elas chegaram perto de 400 pontos. Em 2009, por exemplo, a taxa alcançou 360 pontos base. Mas o país já viveu períodos bem mais favoráveis em relação à confiança dos investidores, como em maio de 2007, por exemplo, quando a taxa do CDS estava em 67 pontos.

Outro sinal da perda de credibilidade está na alta do dólar e na redução dos investimentos estrangeiros diretos em capital, destaca o diretor da corretora de câmbio NGO, Sidnei Nehme. Ele reconhece que o câmbio e o fluxo de recursos estrangeiros que ingressam no país estão sendo fortemente afetados pelas mudanças na política monetária dos Estados Unidos, que vêm provocando uma fuga de capital de economias emergentes, mas acredita que a desconfiança dos investidores acaba sendo maior em relação ao Brasil devido aos problemas domésticos.

- O governo joga a culpa no mercado internacional, mas a verdade é que os problemas internos são mais agudos que os externos - afirma Nehme.
Esta também é a avaliação do economista sênior do BES Investimento, Flávio Serrano:

- O governo quer atribuir seu insucesso a fatores externos. Mas é equivocado dizer isso. A possibilidade de as agências de classificação de risco rebaixarem a nota brasileira é fruto das políticas adotadas no Brasil.

Para o economista Alexandre Schwartsman, ex-diretor do Banco Central e fundador da Schwartsman & Associados, se o governo tivesse mantido uma política fiscal mais sólida e a inflação próxima ao centro da meta, o país estaria melhor agora, num momento em que o mundo olha as economias emergentes com desconfiança. No ano passado, o superávit primário (economia para o pagamento de juros da dívida pública) ficou em 1,9% do Produto Interno Bruto (PIB, soma de bens e serviços produzidos no país), sendo que meta era de 2,3% do PIB. Já a inflação terminou o ano em 5,91%, mais próxima do teto de 6,5%.

- O problema é que agora o cenário pressiona o câmbio, que vai acabar se refletindo numa inflação que já está alta - disse o ex-diretor do BC.
O diretor da NGO destaca que outros emergentes como o México saíram do Fórum Econômico Mundial de Davos melhor avaliados pelo mercado que o Brasil. Dados do Banco Central mostram que, no ano passado, US$ 12,26 bilhões deixaram o Brasil, o que representou a maior retirada de recursos desde 2002. Este ano, o fluxo cambial está positivo em US$ 1 bilhão, mas, segundo Nehme, isso não é uma tendência:

- O cenário para o ano é ruim. Tanto que mesmo com o fluxo positivo de dólares para o Brasil e com os esforços do Banco Central para segurar a moeda americana, o real está se desvalorizando - disse ele, acrescentando:

- Nem sempre o BC encontrará respostas a suas intervenções, pois grande parte da alta é pela piora das perspectivas e não ainda por demanda efetiva no mercado à vista ou futuro, e nestas circunstâncias o preço da moeda americana não sobe com base nos fundamentos, mas como costumamos chamar “no vazio”.

Indicadores favoráveis
Os técnicos do governo, no entanto, discordam dos analistas. Segundo eles, a alta do prêmio de risco está atingindo todas as economias emergentes indistintamente.

- O mercado está reprecificando os ativos por causa das mudanças dos Estados Unidos e também pela acomodação da economia chinesa. Isso tem um efeito negativo para os mercados emergentes, que estão sendo tratados pelos investidores de forma generalizada - afirma um integrante da equipe econômica.

Ele acredita que, num segundo momento, os investidores vão retomar a confiança nos emergentes e aí verão que o Brasil tem indicadores favoráveis. Um deles, segundo o governo, é o fato de o país ter reservas elevadas, de US$ 376 bilhões, e já ter adquirido US$ 6,5 bilhões antecipadamente para honrar dois anos de pagamentos da dívida externa.

- Isso dá tranquilidade aos investidores - explica.

Fonte: O Globo

Aécio Neves: 'Jeitinho'

O governo federal fez uma grave opção política ao abandonar a referência da legitimidade para atuar nas brechas da legalidade, onde vale tu- do o que não é expressamente proibido.

Com isso, veste com nova roupagem aquele velho "jeitinho" do brasileiro que gosta de levar vantagem em tudo, imagem injustamente alardeada sobre a nossa gente que traduz um comportamento baseado na esperteza e nas artimanhas, quase sempre relacionado à burla das regras e das leis.

O "jeitinho" oficial, estimulado pelo governo, ganha contornos mais nítidos nas transgressões éticas cometidas reiteradamente, no dia a dia. Quando, e com base em que, o governo decidiu que não precisa prestar contas do que faz aos brasileiros? A semana passada foi pródiga em exemplos.

A ida a Lisboa não precisaria ter tomado a dimensão que tomou se o governo tivesse se posicionado com transparência e clareza. A afirmação da presidente, "eu pago a minha conta", ao tentar tirar o foco do debate e reduzir uma questão ética ao valor de uma despesa de restaurante, só fez piorar a situação.

Por que, afinal, os brasileiros não podem saber onde está a maior autoridade do país e quanto custam suas viagens?

O episódio fez o país passar pelo constrangimento de ver o seu chanceler ser publicamente desmentido e a sua presidente deixar um hotel pela porta dos fundos, remetendo a imagem do Brasil à de uma republiqueta.

Esse, aliás, seria um momento oportuno para que a presidente explicasse por que, em maio passado, decidiu impor sigilo sobre as informações das suas viagens ao exterior que, agora, só poderão ficar públicas após o término do seu mandato.

E por que todas as restrições impostas para a divulgação das condições do financiamento do BNDES a Cuba? O que há nessa transação que incomoda tanto o PT? Na prática, a falta de transparência gera efeito contrário --alimenta teorias e suposições e acaba fazendo mais mal ao governo do que a verdade faria.

Na mesma linha, a propaganda virou a alma do governo. O exemplo da presidente, ao convocar redes oficiais de rádio e TV, de acordo com a sua conveniência eleitoral, parece ter estimulado o ministro da Saúde a também buscar a sua exposição como candidato às custas da máquina pública. Nos anos anteriores, ele ocupou esse espaço sempre na véspera das campanhas de vacinação para mobilizar a população para o dia seguinte.

Dessa vez, sob o mesmo pretexto, aproveitou seus últimos dias no cargo para anunciar, em janeiro, uma campanha de vacinação que só vai começar em março. O conjunto da obra é acintoso.

Pode ser que um dia chegue a conta por toda essa arrogância. E ela não poderá ser paga com cartão corporativo.

Aécio Neves, senador (MG) e presidente nacional do PSDB

Fonte: Portal PSDB &Folha de S. Paulo

Renato Janine Ribeiro: A inclusão social pela educação

Preparar um jovem para as surpresas da vida

Comentei na semana passada o pacto implícito que resultou na maciça inclusão social pelo consumo, promovida pelo PT, para satisfação geral da nação - das dezenas de milhões que subiram para a classe C, podendo agora comprar todo bem de consumo durável doméstico; dos empresários que lucraram com isso; da sociedade que respirou, porque imaginem só o tamanho da violência num cenário de alto desemprego e de falta de perspectivas de ascensão social para os mais pobres. Mas alertei para os problemas do consumismo, facilitados pela forte marca do prazer em nossa sociedade. E se a inclusão - que precisa passar pela renda e pelo consumo - realmente sustentável se der pela educação?

Qualquer discussão sobre a ascensão social dos pobres terá, como uma das principais respostas, a educação. Ela é muito elogiada. Mas nem sempre a sério. Às vezes é um meio de desviar a atenção de reformas econômicas e sociais que aumentem realmente a renda dos pobres. Como tudo na educação demora tempo, invocá-la pode ser um modo de jogar para escanteio as transferências de renda necessárias para extinguir, não só a miséria, mas também a pobreza. E uma boa educação custa dinheiro.

Mas hoje discutirei o valor da educação, não seu preço ou custo - tema que fica para outra vez. A educação dá poder às pessoas. Vivemos na sociedade mais complexa da História. Vejam: há vinte anos, a USP oferecia menos de cem habilitações (ou "diplomas") diferentes na graduação. Hoje são uns 250. Essa riqueza de cursos é um modo de formar profissionais capazes de entender a diversidade do mundo e de atuar nele. Mas, se é um modo, não é o único. As universidades federais da Bahia e do ABC fizeram experiências audazes na graduação. Apostaram no bacharelado interdisciplinar que, em vez de direcionar para uma profissão específica, busca formar alguém que, no futuro, seja capaz de reposicionar-se, de mudar seus rumos. A ideia - que já defendi em livro - é que o aluno aprenda as várias linguagens do mundo, mais que o conteúdo de cada uma delas. Por exemplo, antropologia e economia veem a sociedade de maneiras distintas. Se os futuros profissionais souberem quando precisam mudar de ferramenta mental, estarão mais aptos a lidar com o imprevisto, a diferença, a surpresa, as mudanças na vida.

Isso, também, porque cada vez menos formados trabalham na profissão que escolheram na faculdade. Engenheiros se tornam gerentes de banco, porque seu principal trunfo nem sempre é saber construir casas ou pontes, mas sim dominar o raciocínio mais prático que existe. Formados em filosofia se espalham pelas profissões, porque sabem mudar de forma de pensamento - de "paradigma", se quiserem - velozmente. Em 2007, o presidente do Conselho Nacional de Educação dizia que um terço dos formados em medicina, um dos cursos mais caros que há, não atuava como médico. Dos diplomados em direito e administração, a grande maioria trabalha em outra área. A meu ver, isso deveria reduzir o stress na escolha do curso universitário: é bem possível que meu filho ou o seu mude de rumo, na faculdade ou depois dela, e isso pode ser um êxito, não uma falha.

Mas há também a educação básica. As avaliações, em especial o IDEB, permitem medir de maneira acurada as escolas do Brasil inteiro. Uma pessoa responsável deve levá-las em conta na hora de escolher a escola do filho. Quem paga a escola diretamente deve cobrar-lhe resultados. Quem a paga pelo imposto, colocando o filho na escola pública, deve exigir dos governantes que tenha qualidade.

Aqui há um alerta a fazer. As avaliações de desempenho das escolas se focam no êxito - ou fracasso - delas na transmissão de conhecimentos. Verificam, por exemplo, se no primeiro ano de escolaridade a criança aprendeu as operações básicas da aritmética, a ler e a escrever. Não medem a qualidade da formação do ser humano. Tenho uma recomendação aos pais. Quando escolhi a escola do meu filho, vi as três melhores do bairro - com base nas avaliações do Ministério da Educação - e depois as visitei. Procurei entender o projeto, a filosofia de cada uma, para além das notas do IDEB. Porque, afinal, numa cidade grande, a diferença entre as cem melhores escolas pode ser pequena. E dificilmente uma avaliação medirá se a escola forma uma pessoa ética e com iniciativa.

São esses os dois pontos principais na formação de uma criança ou adolescente: deve se tornar um ser humano íntegro, e ao mesmo tempo o mais criativo possível. Mas não é tão fácil unir estas duas qualidades. Muita ênfase na iniciativa pode levar a uma formação competitiva demais - com o risco de não respeitar o outro, de atropelá-lo. E não podemos confundir o respeito aos outros com o respeito à autoridade. Nas minhas visitas encontrei um colégio que apresentava, como virtude a valorizar naquele mês, a obediência. Ora, respeito não é obediência. Respeito se dirige a todos e institui um mundo de iguais. Já a obediência geralmente é vertical, é do subordinado em relação ao superior. Uma pessoa criativa e com iniciativa deve ser respeitosa, mas será obediente? Não muito.

Temos assim rumos diferentes para a educação aprimorar as pessoas, dando-lhes instrumentos para crescer na vida - e não apenas pela ascensão social. Na verdade, o mais importante da educação é o que fica dentro da pessoa: sua formação. E esta é uma das vantagens da educação, sobre o consumo, na inclusão social: o que você consome se esvai imediatamente e precisa ser substituído; já a pessoa que você se tornou não se perde. É sua para sempre. O trabalho da educação é mais consistente.

Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo.

Fonte: Valor Econômico

Ricardo Noblat: Segredos de viagens de Dilma

‘Pago o jantar do meu próprio bolso. Posso ir para onde quiser” Dilma Rousseff, em manchete do Globo do último dia 28

No sábado 31 de março de 2012, depois de uma visita à Índia, Dilma Rousseff embarcou de volta sem a imprensa saber que o avião presidencial faria uma escala para reabastecimento no sul da Itália. Não tem autonomia para voar direto de tão longe. Durante cinco horas, por decisão de Dilma, somente as cúpulas do governo, das Forças Armadas e dos órgãos de segurança sabiam onde ela estava, e o que fazia.

Um mês antes, o chefe do cerimonial da presidência da República telefonara para José Viegas, embaixador do Brasil em Roma, pedindo uma sugestão: de volta da Índia, onde o avião deveria abastecer? Viegas respondeu na hora: em Palermo, capital da ilha da Sicília, parte da Itália. Ali existe um dos bens mais preciosos da humanidade – a Capela Palatina, recoberta de mosaicos do século XII.

Viegas foi avisado de que deveria recepcionar Dilma em Palermo no dia 31. Os que cuidam da segurança da presidente haviam inspecionado os locais por onde ela passaria – o centro da cidade, a capela e o restaurante reservado para o jantar da comitiva de 18 pessoas, o quatro estrelas “Tratoria Piccolo Napoli” (telefone: +39 091 320431). Somente o governo da ilha sabia da visita.

“Não quero seguranças ao meu lado”, ordenara Dilma. Que desembarcou em Palermo reclamando da companhia do fotógrafo da presidência. Ao seu lado, Helena Chagas, então ministra da Comunicação Social, nada disse. Ninguém ousaria. Viegas consultou Dilma sobre o jantar. A “tratoria” fica em um bairro popular de Palermo. De varais com roupas estendida entre as casas. O lugar lembra o bairro do Brás, no centro de São Paulo.

Havia outra opção: um cinco estrelas à beira-mar posto de prontidão pelos agentes de segurança brasileiros. “Vamos para o Brás”, respondeu Dilma. O jantar custou cerca de mil dólares. Dilma gosta de pizza. Em um domingo, há mais de ano, faltou pizza no Palácio do Alvorada. Seus assessores entraram em pânico. Foi aberta uma pizzaria para servi-la.

O que ela jantou em Palermo é “segredo de Estado”. Fora os presidentes-generais da ditadura militar de 1964, presidente algum foi tão autoritário quanto Dilma é. Nem mesmo Fernando Collor de Melo, o primeiro a ser eleito pelo voto direto em 1989. Ministros deixaram o governo Dilma por não suportá-lo (atenção: sem desmentidos, prefeito Fernando Haddad). Outros recusaram convites.

O cozinheiro de Palermo foi aplaudido de pé. Certa vez, o encarregado dos bichos que vivem no Palácio da Alvorada foi chamado à presença de Dilma. Jamais esquecerá o que ela lhe disse por que um avestruz bicara um cão. Palermo da Capela Palatina foi a primeira viagem de Dilma mantida em segredo. Salvo em ocasiões especiais, presidentes de países democráticos como o nosso nunca procederam assim.

Na semana passada, de volta da Suíça, sabia-se que Dilma iria à Cuba. O jornal O Estado de S. Paulo descobriu o que fora omitido do público por ordem dela: o avião presidencial faria uma escala em Lisboa. A informação parece irrelevante? De novo: em democracias não é. O distinto público tem o direito de saber onde seu presidente está. Omissão equivale a mentira.

O que você pensa a respeito? Mensagens para a seção de cartas do jornal. Ou para o site do Globo

Fonte: O Globo

Carlos Alberto Di Franco: Menos marketing e mais transparência

Dilma Rousseff não dá um passo sem ouvir o seu marqueteiro. João Santana é, de fato, seu primeiro-ministro. Competente na arte de embalar produtos, Santana vende bem a imagem de sua cliente. Compromisso social, capacidade de gestão e firmeza são, entre outros, os supostos atributos da presidente da República.

Os fatos, no entanto, acabam prevalecendo. É só uma questão de tempo. E os fatos estão gritando na força dos números econômicos, na qualidade objetiva da governança e na adequação entre discurso e vida.

Dilma Rousseff faz questão de frisar seu compromisso de combate à pobreza e sua visão de mundo oposta ao ideário dos representantes das elites que sempre "dominaram este país". O que revela uma vida, contudo, não é o discurso, mas a prática concreta. Espera-se da presidente austeridade de vida e distância das benesses do poder. Não é o que se deduz da sua recente escala sigilosa em Lisboa.

Dilma Rousseff e sua comitiva passaram um fim de semana em Portugal, ocupando um total de 45 quartos de dois dos hotéis mais caros de Lisboa. A viagem estava sendo mantida em sigilo e apenas foi explicada depois que a reportagem do jornal O Estado de S. Paulo a revelou com exclusividade. A suíte que Dilma utilizou no hotel Ritz está tabelada em 8 mil por dia (cerca de R$ 26 mil). Entre Davos e Havana, Dilma e sua delegação decidiram passar o sábado em Lisboa sem informar ao público onde a presidente se encontrava.

Na noite daquele sábado, ao contrário do que o Palácio do Planalto havia informado, Dilma saiu para jantar no elegante restaurante Eleven. O Planalto chegou a dizer ao Estado que ela estava "dormindo". Mas uma foto publicada no jornal português Expresso deixou a comitiva sem explicações. Na foto Dilma está entrando no luxuoso restaurante, acompanhada pelo embaixador do Brasil em Portugal, Mario Vilalva. O restaurante é um dos melhores de Portugal e um dos poucos nesse país classificados com a estrela Michelin.

Oficialmente, a explicação para a parada em Portugal é a de que o avião presidencial não teria autonomia para viajar entre Zurique e Havana. Mas o Planalto não explica nem por que a visita foi mantida em sigilo, nem por que o abastecimento do jato não poderia ter sido feito com a comitiva dentro do avião, o que levaria cerca de uma hora, comenta o jornalista Jamil Chade.

O episódio, revelador, provocou muita irritação. Ótimo. É assim que deve ser. A imprensa existe para fazer o contraponto, para revelar as incoerências, para exercer um papel fiscalizador. E não se invoquem razões de segurança ou respeito à privacidade para justificar o absurdo sigilo. Dilma pode falar o que quiser, mas depois desse episódio terá dificuldade para criticar os desvios da elite.

Cito, amigo leitor, um texto belíssimo e de grande atualidade, A imprensa e o dever da verdade, de Rui Barbosa. Recomendo-o vivamente a todos os que se preocupam com a ética informativa e as relações entre o jornalismo e o poder. Não resisto, caro leitor, à vontade de aguçar a sua curiosidade.

"A imprensa", dizia Rui Barbosa, "é a vista da Nação. Por ela é que a Nação acompanha o que lhe passa ao perto e ao longe, enxerga o que lhe malfazem, devassa o que lhe ocultam e tramam, colhe o que lhe sonegam, ou roubam. (...) O poder não é um antro: é um tablado. A autoridade não é uma capa, mas um farol. A política não é uma maçonaria, e sim uma liça. Queiram, ou não queiram, os que se consagraram à vida pública, até à sua vida particular deram paredes de vidro.

Agrade, ou não agrade, as Constituições que abraçaram o governo da Nação pela Nação têm por suprema esta norma: para a Nação não há segredos; na sua administração não se toleram escaninhos; no procedimento dos seus servidores não cabe mistério; e toda encoberta, sonegação ou reserva, em matéria de seus interesses, importa, nos homens públicos, traição ou deslealdade aos mais altos deveres do funcionário para com o cargo, do cidadão para com o país."

Um abismo separa os ideais de Rui Barbosa dos usos e costumes da vida pública brasileira. Informação jornalística relevante é, frequentemente, considerada um abuso ou um despropósito. Provoca ira e irritação. A informação não é um enfeite. É o núcleo da missão da imprensa e a base da democracia. Homens públicos invocam o direito à privacidade como forma de fugir da investigação da mídia. Entendo que o direito à privacidade não é intocável. Pode cessar quando a ação praticada tem transcendência pública. É o caso dos governantes ou candidatos a cargos públicos. Os aspectos da vida privada que possam afetar o interesse público não devem ser omitidos em nome do direito à privacidade.

Não pode existir uma separação esquizofrênica entre vida privada e vida pública. Há atitudes na vida privada que prenunciam comportamentos na vida pública. O leitor e o eleitor têm o direito de conhecê-las. Se assim não fosse, tudo o que teríamos para ler na imprensa seriam amontoados de declarações emitidas pelas fontes interessadas. E há informações da vida privada e atitudes na vida concreta que revelam inequívoca mistura entre o público e privado.

O marketing vende uma bela embalagem. Nós, jornalistas, somos - ou deveríamos ser - o contraponto às mensagens marqueteiras. Cabe-nos, sem prejulgamentos ou partidarismos, a missão de rasgar a embalagem e desnudar os governantes.

A agenda da presidente da República deve ser de conhecimento público. E a imprensa, corretamente, precisa contornar injustificadas tentativas de sigilo. O segredo não é bom para a sociedade.

Doutor em comunicação pela Universidade de Navarra, É diretor do departamento de comunicação do instituto Internacional de ciências sociais

Fonte: O Estado de S. Paulo

Luiz Carlos Azedo: A lógica do tamanco

Nada disso, porém, motivou essa mudança ministerial: o centro da questão é mobilizar o Estado, nos limites do possível, visando a reeleição da presidente Dilma Rousseff

Houve um tempo em que a política era monopólio dos diplomatas, militares e políticos propriamente ditos. Os partidos davam as cartas nos regimes republicanos ou nas monarquias parlamentaristas de forma quase absoluta; nas ditaduras, os militares. Com a ampliação da democracia, a partir do fortalecimento dos sindicatos e demais agências da sociedade civil, e também com a importância crescente dos meios de comunicação, esse monopólio foi quebrado. Surgiu a política dos cidadãos, cada vez mais poderosa com o advento da internet e o surgimento, no seu rastro, das redes sociais. O cientista político Marco Aurélio Nogueira, que tem um livro bacana intitulado As possibilidades da política (Editora Paz e Terra), além dos políticos e dos cidadãos, destaca que hoje também é importante o papel dos técnicos na política, ou seja da burocracia pública, principalmente a comprometida com o Estado de direito democrático.

Hoje, acabam os recessos do Legislativo e do Judiciário. O governo Dilma Rousseff envia sua mensagem ao Congresso com uma cara menos feminina, mais endurecida: a ministra Gleisi Hoffmann passa o comando da Casa Civil para Aloizio Mercadante, ex-ministro da Educação, cuja missão é subordinar as ações do governo ao projeto da reeleição; a jornalista Helena Chagas, querida e respeitada pela maioria de seus colegas, passa o cargo para o porta-voz Thomas Traumann, que vai adotar o estilo “bateu, levou”. É uma espécie de troca do elegante scarpin pelo tamanco na mão, a luta eleitoral começou.

É a política dos políticos. Estão em jogo não apenas a reeleição da presidente Dilma Rousseff, mas também a eventual volta ao poder do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2018, como ele mesmo anuncia. Se a candidata naufragar entre o carnaval e o fim da Copa do Mundo, Lula vira candidato já. É que há um mar proceloso lá fora, com a crise rondando os países emergentes, a começar pela Argentina, e as turbulências provocadas nos seus mercados da periferia pela recuperação econômica dos Estados Unidos e da Europa e o baixo crescimento da China; há também uma inquietação social aqui dentro, com 50 milhões de jovens querendo agarrar o seu futuro com as próprias mãos, dos quais 10 milhões não trabalham nem estudam por falta de oportunidades; e há, ainda, o desconforto causado pelos péssimos serviços públicos prestados à nova e à velha classe média, muito longe do que deveria ser a contrapartida da elevada carga tributária que nós pagamos.

Técnicos e cidadãos
Nada disso, porém, motivou essa mudança ministerial: o centro da questão é mobilizar o Estado, nos limites do possível, visando a reeleição da presidente Dilma Rousseff e a ampliação do poder do PT, se possível em São Paulo e Minas Gerais, isto é, uma operação de cerco e aniquilamento da oposição. É aí que entra a política dos técnicos, em especial a alta burocracia do país, responsável por zelar pela legitimidade dos meios utilizados na ação política administrativa. Uma parte considerável da alta burocracia, sobretudo a mais estratégica, é ocupada por militantes petistas, que agora pretendem mostrar a que vieram. Mas tudo tem um limite e sempre haverá o testemunho solitário e a teimosia honrada do servidor de carreira empenhado em cumprir o seu dever, que não deixa fazer o que não se deve, como aquele diplomata que foi para a geladeira porque cumpriu seu dever na Bolívia. Talvez não seja tão fácil manipular a máquina federal eleitoralmente.

A troca de comando na Comunicação Social é outro passo para a implementação dessa estratégia, considerando-se que o governo tem para gastar, nos próximos meses, o equivalente à média anual de todos os recursos da sua verba de publicidade. Vem por aí um oba-oba federal, que aliás já começou, para sufocar a oposição, principalmente nas disputas regionais, de maneira a criar um ambiente de já ganhou favorável ao governismo. O Brasil passou por situação muito semelhante na Copa do Mundo de 1970, no México, em que fomos campeões do mundo. Foi o período mais tenebroso do regime militar, mas havia o “milagre econômico” e a propaganda funcionou. O general Garrastazu Médici, presidente da época, era tão popular que ia aos estádios de radinho de pilha no ouvido e era aplaudido ao chegar.

Mas resta a política dos cidadãos, que discutem, se organizam e se mobilizam pelas redes sociais, numa espécie de guerra de movimento “ que se contrapõe à “guerra de posições” na qual se encastelam o governo e a oposição. Pode ser aí que se decida as eleições.

Fonte: Correio Braziliense

Marcus Pestana: Carga tributária e desenvolvimento no Brasil

Daqui a nove meses, o Brasil elegerá seu novo presidente. É sempre um momento de escolha: continuidade ou mudança. Quando afirmamos que o país precisa de mudanças não é por sede de poder ou volúpia oposicionista. A tomada de decisão deve corresponder à compreensão profunda da realidade. Vivemos uma combinação explosiva de inflação alta, mesmo com o represamento de preços administrados, e baixo nível de crescimento e investimento. As reformas estruturais necessárias foram arquivadas pelo governo Dilma. Talvez o exemplo mais claro tenha sido a falta de energia empregada no encaminhamento de uma verdadeira reforma tributária. Nosso regime fiscal tem as piores características: de um lado, é ineficiente, confuso, injusto, regressivo e tem uma carga tributária extremamente alta. De outro lado, a qualidade do gasto é ruim, realidade que salta aos olhos nos injustificáveis 39 ministérios, na baixa produtividade dos recursos e na baixa taxa de investimento público – que encontra sua expressão máxima na precariedade de nossa infraestrutura.

Na literatura econômica, são conhecidas as relações entre tributação, poupança, investimento, consumo, juros, inflação, desenvolvimento e eficiência da economia. Quanto mais alta a carga tributária, menor é a capacidade de investimento do setor privado. Isso se torna mais dramático se a eficiência do setor público é baixa e se os gastos de custeio crescentes inibem a capacidade de investimento. A história piora quando o crescimento é puxado pelo consumo e há crise de confiança agravando a percepção negativa dos investidores.

Em 2013, os brasileiros pagaram R$ 1,13 trilhão em impostos federais. O aumento real, descontada a inflação, foi de 4% em relação a 2012. O Brasil é o segundo colocado em termos de carga tributária entre os 34 países da América Latina e tem uma das mais altas cargas de todo o mundo. Mesmo renunciando, através de desonerações, a R$ 78 bilhões de receitas, a carga tributária brasileira deve bater nos 37% do PIB em 2013. Isso mostra que o efeito macroeconômico das desonerações é nulo no sentido de aumentar o investimento privado e o equívoco do intervencionismo desorganizador que quer administrar a economia a partir do balcão da Receita Federal e do BNDES.

Só um novo governo com coragem, discernimento e capacidade de liderança pode construir um novo regime fiscal que melhore o ambiente. Empreendendo uma profunda reforma fiscal que diminua a carga tributária e torne o sistema tributário mais justo, simples e eficiente. E que mude substancialmente a qualidade do gasto público, diminuindo gastos correntes e aumentando o nível do investimento.

A mudança terá profundas repercussões no ânimo dos investidores, no nível da inflação, na diminuição dos juros e no ritmo do crescimento nacional, gerando emprego e renda.

A chamada “contabilidade criativa” já não consegue mais esconder nossa armadilha fiscal. Mãos à obra, é hora de mudar.

Marcus Pestana, deputado federal e presidente do PSDB de Minas

Fonte: O Tempo (MG)

Paulo Brossard: D’aquém e d’além-mar

Ninguém pode negar que a eleição do líder do PT para chefia da nação teve repercussão até internacional. Em pouco tempo, um partido nascia, conquistava o Planalto e desfrutava a Presidência da República. Anunciava-se uma mudança no estilo de governar, embora nenhuma medida chegasse a ser enunciada. Não estranha que a expectativa entrasse a mermar, pois o partido que se laureara com a posse das chaves do Planalto, do Alvorada e da Granja do Torto, exagerava no estéril personalismo. Enfim, o novo partido não era um partido novo.

Com efeito, o atual governo transcendeu a tudo o que se vira. O autoelogio diário, insistentemente repetido nos meios de comunicação, em particular pela televisão, pouco falta para atribuir a majestade à pessoa da presidente da República. Chega a ser deprimente.

O caso do mensalão, que ainda não foi digerido, começou com um pedido de desculpas, após com a negativa do fato, depois com a defesa dos envolvidos e por fim a maioria deles condenados, pela mais alta Corte de Justiça da nação, ao cabo de processo regular e minucioso. Com pompa e circunstância, foi anunciado que o próprio presidente Luiz Inácio iniciaria uma campanha impugnando a condenação, ao mesmo tempo igual cruzada de cunho nacional seria patrocinada pelo ex-ministro José Dirceu. O anúncio, porém, ficou no anúncio. Ninguém levantou a bandeira projetada e o mensalão ficou insepulto. Era natural, para não dizer inevitável, o desconforto público em que o partido do "Novo Estilo" mergulhou.

Eis senão quando nada menos que o presidente nacional do PT fez declarações segundo as quais, "a sigla está cada vez mais afastada das organizações populares, que serviram de base para a fundação do PT há três décadas". E, na primeira reunião do ano, os novos integrantes da executiva nacional pediram "um programa de modo a corresponder às aspirações, reivindicações, sonhos e expectativas de mudança da população". Como se vê, o comando nacional não diz ao que veio, antes pede a alguém "programa capaz de satisfazer as aspirações da nação". Quem? "Alguém."

Enquanto isso, a senhora presidente emprega todas as suas horas para, remanejando o ministério, e com amplos recursos da Presidência, somar mais um minuto ou um fragmento de minuto para que tenha o domínio da televisão na fase eleitoral. De outro lado, em sua oração de fim de ano, assoalhou ter dominado a inflação e logo no começo de janeiro uma sucessão de fatos revelou o que, aliás, era notório, a inflação não fora sequer mantida no nível anterior; o presidente do Banco Central, não podendo repetir a presidente, recorreu a um circunlóquio ao dizer que a inflação mostrou "resistência ligeiramente acima daquela que se antecipava!". Outrossim, os fatos que estão a ocorrer no dia a dia, com as greves em curso e as anunciadas, retratam o suposto bom sucesso do combate à inflação, também festejado pela senhora presidente em sua oração de fim de ano.

Por derradeiro, o que vem de ocorrer em Portugal é penoso e deixa visíveis os critérios vigentes. Publicamente contestada a versão oficial, o governo se apressa em dizer que dá o assunto como encerrado. Virou segredo de Estado; segundo o governo lusitano, a parada em Lisboa estava confirmada desde o dia 23, enquanto a assessoria local menciona 25, permanecendo em Portugal sábado e domingo em razão de uma "parada técnica". Hospedagem nos hotéis Ritz e Tívoli. Dois aviões, mais de 30 apartamentos. De outra feita, a presidente interrompeu voo para almoçar no Porto. Desta vez, o jantar foi no Eleven, o restaurante mais refinado de Lisboa. Tudo bem, em ordem "republicana", como se diz agora.

*Jurista, ministro aposentado do STF

Fonte: Zero Hora (RS)

Socialismo quente

Na revista Política Democrática - Política e Cultura nº 37 (2013), no artigo de Wilson Figueiredo “Conveniências ociosas”, no meio do mandato da presidente Dilma Rousseff — com todos os esses e efes —, o destaque já era a dúvida sobre a margem imprevisível, assim se pode dizer, das candidaturas siamesas dela e de seu patrono do próximo ano.

Não seria bom sinal de reserva de mercado garantir em 2014 o revezamento da dupla por mais um período: senão a reeleição dela, o terceiro mandato dele. Isso não estava escrito nem precisava. Já se pressentem os temores de que, se ocorrerem imprevistos, as duas candidaturas oficiais ocuparem, por falta de alternativa ou da oposição organizada, todo o espaço político na futura sucessão presidencial.

Dilma, candidata à mão, pode reservar-se e manipular o poder. Ou não pode ser Lula? No poder ou alguém nele tocava-o e Lula usufruía os benefícios políticos à sombra de um mandato alheio. Wilson Figueiredo admite muitas hipóteses e poderia dar mais tempo a Lula se isso fosse necessário e se ele quisesse.

A imprensa diária traz matérias abundantes sobre a presidente do Brasil, e o ex-ministro da Fazenda Antônio Delfim Netto, na Folha de S. Paulo, sob o título “Mercosul”, no 2º parágrafo fala sobre a globalização do sistema produtivo estimulada pela mundialização financeira gestada pela livre movimentação dos capitais e pela facilidade de informação.

No artigo, as nações politicamente independentes são, cada vez mais, peças importantes, mas dispensáveis, na produção global. A falta de uma resposta política eficiente e rápida para os problemas da mundialização seria uma das mais sérias ameaças à democracia.

Na foto divulgada por jornais, Dilma, a presidente, conversa com Fidel Castro, antes de participar de uma cúpula em Havana, para onde ela viajou partindo de Portugal, depois de ir a um restaurante chique de Lisboa, proveniente de Davos, na Suíça. Enquanto isso, em São Paulo, ocorrera um rolezinho, aquele tipo de manifestação muito diferente da resistência de São Paulo contra a ditadura de Getúlio, em 1932.

Fonte: Correio Braziliense

Diário do Poder – Cláudio Humberto

• Governo executou zero em mobilidade urbana

A presidenta Dilma promete “a Copa das Copas”, o ministro Aldo Rebelo (Esporte) vende otimismo, mas a verdade é que o governo não parece preocupado com uma das principais exigências da Fifa: investimentos em mobilidade urbana. A 128 dias da Copa do Mundo, nem um centavo foi liberado para mobilidade urbana nas seis cidades-sede: São Paulo, Salvador, Porto Alegre, Natal, Manaus e Brasília.

• Recurso zero
Em Brasília, foram contratados R$ 43 milhões para ampliação da via DF-047, que dá acesso ao aeroporto. Nenhum recurso foi repassado.

• Vai dar calote?
A DF-047 (Estrada Parque Aeroporto) começou a ser reformada em 2012, com entrega prevista para março de 2014. Até agora, nada.

• Dívida cara
Nas demais cidades-sedes, o governo precisa honrar compromissos: no Rio, por exemplo, foram repassados só metade dos R$1,5 bilhão.

• Transparência
O PSB/Rede inclui a transparência na gestão pública entre diretrizes do programa de governo, que será lançado nesta terça (4), em Brasília.

• Mercadande vira ‘super-ministro’ nesta segunda
Aloizio Mercadante assume nesta segunda-feira (3) a chefia da Casa Civil, talvez a pasta mais influente do governo, e com ela a condição de “super-ministro” do governo Dilma Rousseff. Além da nova casa, que herdará da paranaense Gleisi Hoffmann, onde coordenará as ações de governo, ele acumulará mais dois ministérios: Ciência e Tecnologia, do qual nunca saiu, e Educação (onde continuará dando as cartas).

• Que rei sou eu?
Com fama de soberba e pedantismo, Mercadante deverá exercer seu poder na plenitude, na Casa Civil. Vai se intrometer nos 39 ministérios.

• Negociação
Aécio Neves (PSDB) tenta ampliar as alianças com DEM e PP em Santa Catarina, onde o tucano Paulo Bauer aspira disputar o governo.

• Asas do humor
A piada da semana, em Brasília, dava como certa a nomeação de Ideli Salvatti para cargo na Aviação Civil, por sua paixão por helicópteros.

• Pau de galinheiro
Acusado de aceitar suborno para abrir sindicato, o ex-ministro Carlos Lupi convocou a executiva do PDT para quarta (5). Tenta dar alguma demonstração de força, temendo que Dilma finalmente se livre dele.

• Traição à solta
O PMDB negocia a vice do ministro Fernando Pimentel ao governo de Minas, mas dirigentes admitem, nos bastidores, que o partido não terá outra opção a não ser trair Dilma em favor do tucano Aécio Neves.

• Dinheiro pelo ralo
A União desembolsou meio bilhão de reais (R$ 496 milhões) no pagamento de tarifas de água em órgãos dos três poderes. O Executivo deixa aberta a torneira do desperdício: R$ 472 milhões.

• Insustentável
Fiel escudeiro do governador Sérgio Cabral, o presidente municipal do PMDB do Rio, Leonardo Picciani, avisa: “se o PT mantiver tom crítico ao governo, inviabiliza espaço para Dilma no palanque de Pezão”.

• Semântica
Em geral pontual, a aérea Avianca riscou a palavra “atraso” do seu dicionário. Quando atrasa, seus comissários chamam isso de “vôo tardio”, quando usam o sistema de som do avião para pedir desculpas.

• Bancada do gelo
A deputada Jaqueline Roriz (PMN-DF) e o senador Cristovam Buarque (PDT-DF) têm algo em comum: ambos destinaram generosas fatias de suas emendas ao programa brasileiro na Antártida. Já para Brasília…

• População intimidada
A população do DF sofre intimidação nas ruas, invadidas pelo crime, e nas redes sociais: quem ousa criticar a “operação tartaruga” de PMs é perseguido e insultado, quase sempre sob a covardia do anonimato.

• Providências
A presidente da Comissão de Direitos Humanos do Senado, Ana Rita (PT-ES), convocou reunião para quarta (5) a fim de debater o presídio de Pedrinhas, no Maranhão, e a chacina de presos em dezembro.

• Acelera lá
Na internet, já tem gente encontrando sentido para a sigla do PAC, inventada pelos petistas: Programa de Aceleração em Cuba.

Fonte: Diário do Poder

O que pensa a mídia - editoriais de alguns jornais

http://www2.pps.org.br/2005/index.asp?opcao=editoriais

'A bonança acabou, e o País precisa de um ajuste estrutural'

Para Bacha, mudança nas condições econômicas globais leva à necessidade de um forte ajuste, que ainda está só no discurso

Vinicius Neder

Com o fim da bonança na economia internacional, o Brasil precisa fazer ajustes estruturais para se adaptar a um novo ciclo, marcado por menos disponibilidade de financiamento externo e por entrada menor de recursos com uma redução dos preços das matérias-primas. No entanto, tudo indica que o governo atrasará os ajustes num ano eleitoral, afirma o economista Edmar Lisboa Bacha. "De 2004 a 2011, tivemos uma farra no Brasil", diz o ex-presidente do BNDES e do IBGE e um dos idealizadores do Plano Real. "Agora, essa bonança se reverteu", completa o economista, que é consultor informal do programa de governo do senador Aécio Neves (PSDB-MG). A seguir, os principais trechos da entrevista:

O quão exposto o Brasil está à turbulência provocada pela redução dos estímulos monetários do Fed (Federal Reserve, o banco central americano)?

Edmar Bacha: Há dois fatores que nos afetam. Um é o "tapering" (redução da política monetária expansionista do Fed), que implica atração dos capitais que estavam investidos aqui e em outros países emergentes de volta para os Estados Unidos. É um processo que afeta todos os países emergentes dependentes do capital estrangeiro, como é o nosso caso. Há escassez de financiamento externo, que provoca um desequilíbrio nesses países, na forma de depreciação cambial e de aumento na taxa de juros que os investidores demandam para investir nesses países.

Qual o segundo fator?

Edmar Bacha: A desaceleração da China, que cria uma situação que é a depreciação dos preços das commodities que exportamos. O Brasil se tornou, entre 2004 e 2011, muito dependente tanto da entrada de capital estrangeiro quanto do aumento dos preços das commodities.

As respostas da atual política econômica estão no rumo certo?

Edmar Bacha: O problema é que a confiança é muito importante. E o fator confiança é constituído não apenas de declarações sobre intenções, mas também do desempenho anterior. E a nossa política econômica, nesses anos todos até recentemente, estava caminhando à deriva. Quando se parte de uma situação de muita desconfiança, para gerar confiança, não bastam boas declarações em Davos. É preciso ações efetivas.

Houve alguma mudança recente na política econômica para ela sair da deriva?

Edmar Bacha: Houve, claramente, na política monetária, que vinha muito frouxa. De alguns meses para cá, o Banco Central (BC) começou a apertar o torniquete. Houve uma mudança de rumo muito clara, tardia, mas, enfim, correspondendo às necessidades. A questão fiscal é que ainda deixa muito a desejar e ainda está para ser definida.

A desconfiança ficou muito forte na política fiscal, não?

Edmar Bacha: Com certeza. O superávit primário tinha ganhado certa credibilidade no passado. Ao tentarem manipulá-lo, isso criou uma desconfiança. Além disso, começaram a usar o BNDES para fazer um orçamento paralelo, que gera despesas não computadas no Orçamento. Com essa enorme expansão do BNDES, e também da Caixa Econômica, começa a aparecer uma fragilidade crescente dessas duas instituições. Não cria uma crise financeira, mas cria a expectativa de que haverá no futuro a necessidade de uma recapitalização.

Alguns analistas preveem que, por conta desses fatores, 2015 pode ser um ano de crise, com necessidade de ajustes.

Edmar Bacha: De 2004 a 2011, tivemos uma farra no Brasil. Do aumento do gasto doméstico, 25% foram financiados pela entrada de capital estrangeiro e pelo aumento do preço das commodities que exportamos. Agora, essa bonança se reverteu. Os capitais deixaram de entrar e estão saindo. E os preços das commodities começaram a baixar, em vez de subir. Isso provoca a necessidade de um ajuste estrutural. Mudou a natureza do ambiente econômico, não é uma coisa episódica. Provoca a necessidade de um grande ajuste da demanda interna. É preciso fazer uma contração da demanda interna.

O ajuste é mais penoso se feito mais via juros do que via contenção de gastos do governo?

Edmar Bacha: Quanto mais for de juros, mais o setor privado sofre em relação ao governo. O total do gasto é a soma do gasto privado com o gasto do governo. O aumento do juro fundamentalmente atua sobre a redução do gasto privado, enquanto que o governo tem de controlar as próprias despesas. Em cima disso, você precisa gerar mais exportações e menos importações. Isso implica que a taxa de câmbio tem de depreciar. Na hora que a taxa de câmbio deprecia, o consumo interno também tende a diminuir porque o salário real cai, os preços sobem e cria um problema de inflação.

O governo parece disposto a fazer ajustes?

Edmar Bacha: A governança é muito ruim. O governo está falando que vai mudar, mas discurso só não basta. Eles estão tentando levar na conversa, mas há um problema complicado porque tem as eleições em outubro. Os ajustes necessários são penosos e certamente não são populares. Por isso, há uma crença no mercado de que serão postergados. E o que vai acontecer depois da eleição?

As projeções indicam inflação pressionada em 2014. A campanha eleitoral pode ser marcada pela inflação, um tema que mexe no bolso do povo?

Edmar Bacha: O governo está contando com uma boa safra (de grãos) para manter os preços dos alimentos sob controle. Não há nada no ar (sugerindo) que ele vá ajustar o preço da gasolina de maneira significativa. E o BC está intervindo no mercado cambial fortemente para evitar uma desvalorização adicional. E eles têm bala para isso. É um conjunto de medidas de postergação dos ajustes.

Pode haver uma crise maior em 2015?

Edmar Bacha: Pode ser que a Dilma surpreenda como o (ex-presidente) Lula surpreendeu em 2002, nomeando o (ex-presidente do BC Henrique) Meirelles e o (ex-ministro da Fazenda Antônio) Palocci. Nada do que ela fez até agora indica que ela vá nessa direção. Há também uma possibilidade, eu diria que de 50% a 50%, de que, em vez de Meirelles e Palocci, ela vá para o pessoal do (ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda Luiz Gonzaga) Belluzzo, que está há muito tempo pedindo centralização cambial, que é o que a Venezuela e a Argentina fizeram. Nesse caso, havendo uma situação de crise, que provoca desvalorização, a resposta é: agora, só tem câmbio para quem a gente quiser. Se o Brasil embarcar nessa aventura, a situação pode ficar muito séria mesmo. Como o mercado não sabe, está fazendo apostas.

O Plano Real completa 20 anos neste ano. Quais foram as principais lições que a política econômica brasileira aprendeu com o plano?

Edmar Bacha: Ficou muito clara a necessidade de se estar permanentemente preocupado com reformas, para que o País possa crescer com estabilidade. Quando essas reformas são abandonadas, como foram nos últimos dez anos, você cai nesse quadro que estamos agora, de um país doente, que produz "pibinhos". Apesar dos "pibinhos", a inflação se mantém elevada e há déficit externo. E com desindustrialização! E continua sendo um país caro, em que é difícil fazer negócios. Os investidores vêm aqui para explorar o mercado interno, mas não fazem do Brasil uma plataforma exportadora, não integram as suas operações aqui com as cadeias internacionais de valor. O Brasil é um país isolado do mundo.

Por que o humor dos mercados internacionais com o Brasil parece ter azedado?

Edmar Bacha: Em 2001, quando inventaram os Brics (acrônimo criado no banco Goldman Sachs para Brasil, Rússia, Índia e China), as pessoas manifestaram surpresa. Como o Brasil, tão problemático, estava no grupo dos países que vão dominar o século 21? A resposta era a governança. Tinha um governo que tinha feito a estabilização, estava promovendo reformas, enfrentou uma crise séria em 1998, a partir de 1999 criou o tripé macroeconômico e estabeleceu a Lei de Responsabilidade Fiscal. Agora, entramos nos "5 frágeis" (termo criado no banco Morgan Stanley para identificar os grandes emergentes mais vulneráveis: Brasil, Índia, Turquia, Indonésia e África do Sul). E as pessoas perguntam: como? A resposta é: falta de governança! Há decepção pelo fato de que o País, com problemas estruturais fortes, não está mais fazendo nada para resolvê-los. Em 13 anos, conseguimos sair dos Brics e entrar nos "5 frágeis", por cortesia do governo do PT.

Fonte: O Estado de S. Paulo

"Dilma, cuidado com a inflação"

Entrevista
Luiz Gonzaga Belluzzo, cconomista e Diretor da Facamp

Luiz Gonzaga Belluzzo é um dos expoentes da corrente heterodoxa no Brasil. Diretor e fundador da Facamp, faculdade privada em Campinas, o economista se autodefine como um “keynesiano-marxista bem modesto”, favorável à presença forte do Estado na economia. Em entrevista ao Brasil Econômico, ele voltou a afirmar que o investimento público é coordenador do investimento privado. Admitiu, porém, que o cenário internacional é adverso e exige corte no orçamento da União.

“É uma dor que se sentirá agora, mas pode-se ter uma situação melhor à frente”. Um dos professores de Dilma Rousseff, quando ela cursou o mestrado em Ciências Econômicas na Unicamp, Belluzzo, de tempos em tempos, é convidado para conversas informais coma presidenta sobre os rumos do país. E antecipa que, se for convidado para um novo encontro em Brasília, levará um conselho na ponta da língua: “Dilma tem que tomar cuidado com a inflação. A inflação pode ser mortal. Se acelera e sobe para 8%, 10%, poderá provocar dolo na eleição dela”.

Octávio Costa e Patrycia Monteiro Rizzotto

Como o sr. está vendo a atual fase da economia brasileira?

Apesar de todas as virtudes da economia brasileira, nós deixamos uma peça fora do lugar. Permitimos a valorização cambial, aliás, temos 20 anos de valorização cambial. Parece que é uma coisa banal, porém as pessoas não dão a ela a importância que de fato tem, porque ela desequilibrou um setor importante para a economia brasileira, que é a indústria. O déficit da indústria em 2013 foi assustador, mas ele não nasceu agora. Se for olhar o desempenho do setor importador da indústria nos últimos anos, percebe-se que esse déficit já estava se espalhando em todos os setores e foi bloqueando a diversificação da indústria brasileira. Nós reagimos à crise internacional de maneira correta, buscando estimular o consumo, reabilitando o crédito. Ao longo desse tempo, em paralelo ocorreu uma mudança na fixação do salário-mínimo, uma incorporação de um contingente cada vez maior no programa do Bolsa Família, a criação do crédito consignado, então tudo isso é responsável por uma inflação diferenciada do setor de serviços. Se for observar a composição da inflação, vai se ver que o setor de serviços tem um peso maior do que os produtos manufaturados, mesmo depois das flutuações sazonais dos preços dos alimentos. Houve uma mudança nos preços relativos que acabou se transmitindo para a economia por causa do sistema de indexação que ainda temos.

Mas a inflação é uma ameaça para a economia brasileira?

Hoje é o seguinte, nós temos reservas e vamos ter de administrar esse momento do câmbio. Infelizmente, não dá para corrigir o populismo cambial de outros anos. Temos que ter muito cuidado com a taxa de câmbio. O governo não pode ser benevolente com a inflação. Não vamos nos iludir e acreditar que vamos colocar a inflação para debaixo da meta. Mas temos de seguir minimamente as recomendações da política de metas. Ao mesmo tempo, a meta busca, no fundo, minimizar os custos da inflação em termos de produto, renda e emprego. Isso me parece que seja um conjunto importante no sistema de metas. Temos uma economia que saiu de uma inflação muito alta, de ameaça de hiperinflação, que tem ainda um contingente grande de preços indexados. Alguém faz algum tipo de operação financeira por cinco anos com taxa fixa nominal? Não. Por isso, não se pode permitir que a inflação saia do controle. Se isso acontecer, você reestimula a reindexação dos outros preços. É uma gestão muito delicada. Quem disse que isso é fácil, deve ser internado num hospício.

Como o sr. vê as críticas recorrentes que o governo enfrenta sobre o descontrole dos gastos públicos?

Há uma discussão entre a esquerda e a direita, em que a direita supõe que a esquerda é a favor do desatino fiscal. O governo se debate com um problema: ele tem que escolher qual é a sua prioridade. Numa situação como essa, o governo não pode achar que pode atingir todos os objetivos ao mesmo tempo. Eu acho que, na verdade, não se pode escapar de determinados gastos públicos. Por exemplo, não se pode construir um hospital e não contratar médicos e comprar equipamento. O governo tem que organizar seu orçamento de maneira a maximizar suas vantagens para a sociedade e minimizar suas despesas. Mas esse controle das despesas correntes não é tão banal. Muita gente pensa que essas despesas se resumem aos gastos com salário de pessoal. Não é verdade. Mas é preciso rever, por exemplo, o número de cargos comissionados no poder público. Por que não fazer um melhor uso da estrutura burocrática existente? É preciso controlar os contratos de prestação de serviço. Nesse capitalismo que está aí, é preciso que o Estado mantenha as rédeas do investimento público. Porque o investimento público é coordenador do investimento privado. Agora mesmo os Estados Unidos estão voltando a investir na sua infraestrutura, que está caindo aos pedaços. Para quê? Para gerar horizonte de gastos das empresas privadas. Na época da dívida externa brasileira, nos anos 80, as empresas estatais projetavam demandas futuras, era o que faziam empresas como Telebras, Petrobras — e para Petrobras ainda continua sendo verdade, desde que ela corrija os preços e reduza um pouco a alavancagem. O que aconteceu naquela época? O setor de bens de capital cresceu atrás dessa demanda antecipada pelas estatais. Quando vieram as privatizações, não houve uma substituição por outro modelo, que seria um orçamento de investimento separado do investimento corrente. Estou repetindo aqui o que Keynes dizia em1936: à medida que o capitalismo vai ficando mais centralizado, mais concentrado, que as empresas vão tomando conta dos mercados, o impulso para investir vai arrefecendo. Há essa contradição, os liberais defendem a ideia de pouca intervenção do Estado, mas se o Estado não investe, a iniciativa privada não se mexe.

Em sua opinião, qual deve ser a prioridade da política econômica do governo?

Maximizar o investimento público neste momento e impedir que o crescimento dos gastos correntes fique acima do crescimento da economia. Isso tem várias implicações... Outro dia eu vi um expoente do liberalismo nativo dizer que é preciso encolher o Estado. O que significa isso? Na prática, ele quis dizer que o governo deve se restringir às funções burocráticas. Só que o governo tem médicos, professores... Todo mundo defende melhoria na qualidade dos serviços públicos, em educação, saúde e segurança, e quase sempre essa melhoria passa por investimentos na valorização do profissional, na sua remuneração. Já fui professor de uma instituição pública, hoje estou numa privada, mas digo claramente: a educação tem de ser uma responsabilidade do governo. Educação custa caro. É importante ver o que a Coreia investe no seu ensino público. E essa tem de ser uma das prioridades do governo. Mas o engraçado é que não vemos os economistas defendendo isso. Hoje se fala muito na necessidade de inovação. Se acompanharmos os vetores da inovação tecnológica, vamos observar que eles estão muito além daquilo que a indústria de bens de capital brasileira pode fazer. Não quero generalizar, mas a questão da automação, da impressão 3D, tudo isso tem implicações enormes na produtividade social do trabalho e na nossa posição na economia industrial. Não podemos simplesmente achar que vamos marchar no mesmo horizonte tecnológico que vimos até aqui. O problema da indústria brasileira não é só o câmbio. Em qualquer lugar do mundo, por exemplo, nos EUA, o gasto do governo comas universidades empenhadas na pesquisa tecnológica que chega à indústria é impressionante.

Mas no cenário atual, como mostram as pesquisas da CNI e da FGV, o empresário brasileiro tem se mostrado retraído, com taxa de confiança baixa.

Isso reflete a mudança de humor dos mercados financeiros. Em 2010, a revista “The Economist” publicou uma capa como Cristo Redentor na forma de um foguete, dando a impressão de que o Brasil era formidável. Mais recentemente, publicou uma capa com o Cristo Redentor despencando. A revista inglesa é uma excelente publicação, mas não há verdade nem numa capa, nem na outra. Essa mudança de humor afeta muito a economia brasileira. Não se trata de uma teoria conspiratória. Trata-se de uma observação sociológica. E a sociologia não admite conspiração, admite a formação de certos conjuntos sociais que têm predominância sobre outros e que acabam conformando a opinião geral.

O sr. acha que a presidenta está certa quando diz que há uma “guerra psicológica” contra a política econômica do governo?

Não sei se é uma guerra psicológica. É um fenômeno que se organiza coletivamente, mas não é que há alguém por detrás, manipulando os cordéis. É que a percepção dos mercados vai mudando. As agências de risco — que acertam mais do que o Luís Fabiano está acertando de penalty (o atacante são-paulino vem perdendo repetidos penalties desde o ano passado) — ainda são respeitadas pelo mercado. Porque o mercado ainda não tem outro meio de avaliar o risco. Na verdade, tem como avaliar os riscos através dos derivativos. Mas mesmo assim precisa de alguém que diga que aquele papel de dívida merece ser absorvido por certas instituições, como os fundos de investimento. Atualmente estamos preocupados porque as agências de risco nos colocaram no purgatório. Estamos preocupados porque se elas nos rebaixarem, o Brasil terá problemas. A despeito de elas terem errado muito todas as avaliações antes da crise econômica mundial, as agências ainda têm esse papel.

Como o sr. viu a presença de Dilma Rousseff no Fórum Econômico Mundial, em Davos? Foi positiva?

Ela fez bem de ir. Porque lá estavam os formadores de opinião da área econômica. Estavam todas as figuras do mercado, e a presidenta teve uma série de conversas privadas interessantes, porque o discurso público é uma mera formalidade. Nos próximos anos, esses formadores de opinião ficarão atentos ao desempenho fiscal do país.

‘Se a inflação acelerar, pode causar dolo na eleição de Dilma’

Logo após a viagem da presidenta Dilma, vazou a informação de que o governo estuda um corte no orçamento. Parece uma resposta objetiva às críticas à política fiscal. Um aceno para além do discurso?

Às vezes tenho desavenças com meus colegas com uma visão mais de esquerda, e me posiciono, afirmando que não se brinca com a inflação. O mercado de trabalho exige cuidado porque está veiculado à ideia de que é preciso fazer desemprego. E o atual nível de emprego não é compatível com a política de metas. O Banco Central tem sido muito competente em elevar a dosagem dos juros, mas talvez tenha errado no timing.

Como o sr. avalia a crise da economia mundial? Há sinais de recuperação? Como o Brasil deve se posicionar?

A economia mundial é igual ao cidadão que caiu do 10º andar, se arrebentou todo, e ainda está começando a recuperar uma certa lucidez. Os Estados Unidos este ano devem crescer um pouco mais, por causa da vantagem que eles adquiriram com o gás de xisto. Eles estão conduzindo com mais cuidado a política fiscal, ainda que não seja exatamente aquilo que é necessário para recuperar a economia inteiramente. Não vão abortar abruptamente o Quantitative Easing — eles fizeram esse movimento, mas recuaram porque perceberam que o mar não está para peixe. Já a Europa... A previsão é de que a China continue crescendo a uma média de 7%, que, comparado como crescimento do período áureo de 10% e 12%, aponta para uma queda na taxa de crescimento. É bem diferente afirmar que a China entrou em recessão. Isso vai manter os preços das commodities mais ou menos no nível que estão. O crescimento norte-americano ainda está muito apoiado na inflação de ativos. Acho que a economia mundial vai retomar o crescimento e com mais calmaria. O Brasil está encaminhado por dois vetores: o primeiro deles é esse conjunto de projetos de concessões. Houve um erro no início, em cima de uma discussão estéril sobre a taxa de retorno, mas agora houve um avanço. E também há o pré-sal, que terá impacto na demanda doméstica e também na política de absorção tecnológica, de inovação. Não podemos esquecer que a Petrobras é uma empresa inovadora, e que tem investido muito em pesquisas e exploração em águas profundas.

Com esses investimentos nas concessões e na exploração do pré-sal, é possível que o Brasil atinja uma taxa de crescimento de 2,5% ou 3% este ano?

Acho que sim.

Mesmo assim, a indústria nacional vai continuar sem fôlego?

No mundo em que se tem um competidor temível, que é a China, eu acho que o Brasil tem de atacar a questão da indústria por todos os ângulos, sempre levando em conta a desvalorização do câmbio — que tem de ser muito cuidadosa — porque se ocorre uma desvalorização abrupta, há perdas, e a desvalorização é sempre muito inferior à desvalorização nominal.

A cotação de R$2,40 está muito apreciada?

Para alguns setores ela ainda é apreciada. Nós ficamos 20 anos com câmbio valorizado, com uma inflação média de 5%.

E a questão dos juros? Haverá novos aumentos? Há necessidade?

Enquanto o governo não sinalizar claramente sobre a meta de superávit fiscal consistente, o mercado vai ficar falando. Dado o estado de expectativas e essa inter-relação com os mercados financeiros globais, e a formação desses consensos, pode-se discordar, e defender a criação de um novo Breton Woods, de verdade, para coordenar o desenvolvimento de capitais. Mas como isso não está no horizonte, é necessário ser capaz de apresentar um desempenho fiscal compatível com a moderação dos juros.

O corte no orçamento em estudo pelo governo é inevitável?

O governo tem de rever esse orçamento. É uma dor que se sentirá agora, mas pode-se ter uma situação melhor à frente. Se a economia com uma taxa de juros menor deslancha, mais pra frente tem-se mais facilidade de fazer um superávit livre. Não vou dizer que a situação fiscal é desastrosa, como muita gente diz. Tivemos aquele incidente da contabilidade criativa, mas o que é necessário é mostrar um superávit crível. Não adianta, diante do estado que se encontra a economia brasileira, querer tentar remar contra a maré. Tem de administrar as expectativas. Esse é o problema da economia. A geração de emprego depende fundamentalmente daqueles que têm o controle do crédito e da produção.

Para retomar o crescimento da indústria seria ocaso de controlar o câmbio?

O mais importante seria ter um câmbio pouco volátil e estabilizado, porque cria um horizonte de investimento. Os empresários precisam ter muita clareza sobre isso. O câmbio é um preço crucial, mas como ele deixou de ser fundamentalmente um preço relativo, que regula as importações e exportações, ele se tornou um asset, um ativo financeiro. Quando a economia global move essa massa de capital que não tem muita identificação com nada, ela transforma o câmbio nisso e as economias ficam à mercê desses movimentos.

O sr. tem conversado com a presidenta, e pode ser chamado agora para trocar ideais sobre a economia.Que conselhos pretende dar a Dilma?

Eu acho que ela deveria se concentrar nos vetores de crescimento — que são as concessões e os investimentos da Petrobras— e ser muito cuidadosa coma inflação. Porque a inflação pode ser mortal. Se a inflação acelera e sobe para 8%, 10%, poderá provocar dolo na eleição dela. Muita gente pensava que os ganhos das classes C e D desaceleraram no governo dela. Mas isso não é verdade, eles aceleraram. Discordo da ideia de “nova classe média”, são as classes que ascenderam que tiveram acesso a crédito, a bens duráveis. A ascensão foi de todas as classes e isso fica muito visível no desempenho do setor de serviços. Aumentou o consumo de refeições fora de casa, as pessoas começaram a viajar mais de avião, por causa do crédito e por causa do aumento real do salário-mínimo, e isso funcionou como incentivo ao desenvolvimento, aumentando a pressão sobre a inflação. Como o Brasil ficou caro por causa do câmbio, as pessoas passaram a viajar para o exterior e isso bateu na conta corrente. Por que a inflação foi mais alta no setor de serviços? Primeiro, porque mudou essa estrutura de distribuição de renda e, depois, porque aumentou muito a demanda.

Em relação à política econômica, é verdade que a presidenta Dilma é quem dá a palavra final sobre os rumos da economia do país?

Criou-se uma imagem de que ela é uma pessoa intratável, dura, que não fala com ninguém. Isso não é verdade, é uma tremenda injustiça. A Dilma é uma pessoa educada, civilizada, às vezes dá bronca nos seus subordinados, mas nada de grave. Acho que ela é vítima de um certo machismo, porque, se fosse um homem, seria considerada um presidente firme. Mas como é mulher, há uma percepção diferente.

O sr. figura no “Biographical Dictionary of Dissenting Economists”, entre os100 economistas mais heterodoxos do século 20. Como se sente em fazer parte dessa lista?

Não sei por que me escolheram. Entre os brasileiros estão Celso Furtado, Conceição Tavares e eu. Do título, a coisa que eu mais gosto é o “dissenting” (contrário, dissidente). Quem organizou esse dicionário foram dois professores ingleses, e não sei por que eles me enfiaram na companhia do John Maynard Keynes e Joan Robinson. Não vou dizer que não gostei, mas não me considero nem um pouco à altura deles. Eu sou um keynesiano- marxista bem modesto. Aliás, não há como estudar economia e escapar de Marx e Keynes. Como estudar sociologia e escapar de Max Weber? Esses autores estão infernizando nossa vida o tempo inteiro.

E a presidente Dilma, que foi sua aluna, é também uma keynesiana-marxista? A propósito, Dilma foi boa aluna?

Ela foi aluna do mestrado em Ciências Econômicas da Unicamp. Era, sim, aplicada e séria. O curso que ela fez comigo se chamava “Paradigmas em Economia”, muito teórico, a gente abordava muito Keynes e Marx. Mas não creio que ela seja muito teórica, Dilma é uma mulher bastante pragmática. Em minha opinião, Keynes foi o maior economista do século 20, assim como Franklin Roosevelt foi o maior estadista do século 20.

Fonte: Brasil Econômico