sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Luiz Carlos Mendonça de Barros - O mercado financeiro e a política

• O mercado repete agora o mesmo ceticismo de 2002; mas Meirelles ficou 8 anos e manteve a inflação na meta

- Folha de S. Paulo

Aprendi muitas lições ao longo de meus muitos anos como analista das coisas da economia neste país tão desafiante como é o nosso Brasil.

Esse histórico de experiências fica guardado no meu subconsciente e, quando estimulado por fatos ocorridos no meu dia a dia, explodem diante de mim e me fazem com frequência uma pessoa fora da média de outros "profissionais do mercado". Normalmente isso ocorre quando as coisas da política cruzam com as questões da economia.

Foi o que ocorreu na manhã desta quinta-feira (11), quando comecei a escrever esta coluna. Tinha acabado de ler um e-mail de Andre Muller --economista sênior da Quest Investimentos e mais recentemente meus olhos e ouvidos no mercado de capitais-- com comentários sobre a reação dos investidores à divulgação da ata da reunião do Copom da semana passada.

André escreveu que a ata do Copom aponta uma posição integrada da política econômica no segundo mandato, ao incorporar as mudanças anunciadas na política fiscal e a moderação nos subsídios para o crédito público. Ainda, foi mais transparente, reconhecendo o cenário difícil para inflação e atividade no primeiro semestre.

Apesar disso, os juros futuros subiram e as taxas longas flertaram com as máximas recentes, dados o ceticismo dos investidores e alguma contribuição do mau humor do mercado externo.

Aparentemente, para o Copom, a parcimônia nos aumentos de juros nos próximos meses se justificaria por causa dos compromissos de uma maior austeridade, assumidos formalmente pela nova equipe econômica de Dilma Rousseff.

Com a ajuda da política fiscal e, principalmente, com a rápida deterioração do mercado de trabalho nos últimos meses, estariam estabelecidas as condições estruturais necessárias para a acomodação da inflação ao longo dos próximos dois anos. Nessas condições, um aumento mais agressivo de juros se mostraria desnecessário.

Ora, como a grande maioria dos membros dessa sábia comunidade que é o mercado financeiro não acredita na possibilidade de que os compromissos com uma maior austeridade fiscal sejam para valer, o Copom estaria sendo irresponsável em ancorar sua política de combate à inflação a um mero sonho de uma noite de verão.

Nessas condições, a inflação vai subir ainda mais, o que deve obrigar o BC --quando cair no real-- a subir os juros novamente. E dessa vez sem a palavra parcimônia em seu comentário pós-reunião.

É nesse ponto que meu arquivo de memórias entra nesta coluna. Lembro muito bem quando Lula divulgou --antes mesmo de sua posse-- a Carta ao Povo Brasileiro, documento no qual prometia manter inalterada a política econômica macro de seu antecessor.

O mercado teve então a mesma reação de incredibilidade de agora. Imagine se Henrique Meirelles ficaria mais de seis meses no comando do Banco Central! Ficou oito anos e manteve sempre a inflação perto da meta, com o auxílio, entre outros fatores conjunturais, de uma política fiscal ultraconservadora.

Agora se repete o mesmo ceticismo em relação a uma Carta ao Povo Brasileiro, desta vez em uma versão mais aguada, mas ainda assim uma incrível mudança em relação ao primeiro mandato de Dilma.

Mais uma vez, quando a política entra no cenário econômico, o radar da grande maioria dos analistas e especuladores é tomado por ondas de interferências que levam todos a erros gravíssimos. A mudança na equipe econômica de Dilma reflete com grande grau de certeza a leitura de que não dá para repetir os erros do primeiro mandato.

Além disso --trazendo de volta a sabedoria e os ensinamentos de um grande número de políticos de sucesso no cenário brasileiro--, a presidenta aprendeu que as maldades se fazem nos primeiros dois anos de um mandato, para que as benesses possam ser entregues no ano das eleições.

Eu acredito que a equipe do novo ministro da Fazenda terá condições de fazer um ajuste fiscal razoável entre 2015 e 2016, o que --ao lado do ajuste recessivo já em andamento-- fará com que a posição de hoje do Copom seja vista no futuro com mais humor dos mercados e com maior respeito e correção dos analistas de plantão.

Luiz Carlos Mendonça de Barros, 71, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).

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