terça-feira, 30 de dezembro de 2014

João Cabral de Melo Neto – Auto do Frade (2)

• Trechos - Frei Caneca

- O raso Fora-de-Portas
de minha infância menina,
onde o mar era redondo,
verde-azul, e se fundia
com um céu também redondo
de igual luz e geometria
Girando sobre mim mesmo,
girava em redor a vista
pelo imenso meio círculo
de Guararapes a Olinda.
Era um ponto qualquer
na planície sem medida,
em que as coisas recortadas
pareciam mais precisas,
mais lavadas, mais dispostas
segundo clara justiça.
Era tão clara a planície,
tão justas as coisas via
que uma cidade solar
pensei que construiria.
Nunca pensei que tal mundo
com sermões o implantaria.
Sei que traçar no papel
é mais fácil que na vida.
Sei que o mundo jamais é
A página pura e passiva.
O mundo não é uma folha
de papel receptiva:
o mundo tem alma autônoma,
é de uma alma inquieta e explosiva.
Mas o sol me deu a idéia
de um mundo claro algum dia.
Risco neste papel praia,
em sua brancura crítica,
que exige sempre a justeza
em qualquer caligrafia;
que exige que as coisas nele
sejam de linhas precisas;
e que não diferença
entre a justeza e a justiça

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