sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

1964 - Política da resistência democrática (1)

  • VI Congresso do PCB (dezembro de 1967)
(Trechos)

III — A Mudança do Regime Político
A derrubada do governo Goulart trouxe uma modificação profunda na vida política brasileira. Assinala uma derrota das forças democráticas e nacionalistas, e uma vitória das correntes reacionárias e entreguistas. O golpe de estado de 1.° de Abril, resultante da junção de forças políticas, econômicas e sociais numerosas e heterogêneas, deu início a um novo processo político em nosso país. O Brasil se encontra hoje asfixiado por um regime ditatorial, militar, de conteúdo entreguista, antidemocrático e antioperário. Este regime, consagrado na Constituição de 1967, interrompeu o processo democrático que se desenvolvia durante o regime anterior, regido pela Constituição de 1946. Modificou profundamente a forma estatal de poder, com danos incontáveis para os interesses da maioria do povo e do conjunto da nação.

O regime ditatorial suprimiu conquistas democráticas contidas na Constituição de 1946. O poder foi empolgado pelos grupos internos mais reacionários, associados ao imperialismo norte-americano. A burguesia nacional foi relegada a um plano secundário no aparelho de Estado. A pequena burguesia foi afastada da esfera de influência sobre as decisões oficiais. Num clima de terror policial, o proletariado foi submetido a uma política de arrocho salarial e teve anuladas muitas de suas conquistas, como o direito à estabilidade. Aumentou a opressão da massa camponesa. A ditadura interveio nas organizações sindicais, procurando transformá-las em organizações de caráter recreativo e assistencial. A intelectualidade foi submetida a uma política de obscurantismo e terror cultural.

O Estado brasileiro foi colocado a serviço de uma política de alienação da soberania nacional e de repressão às aspirações democráticas e progressistas do povo. O traço essencial dessa política está em que impõe ao país um curso de desenvolvimento que reforça a dependência e a subordinação ao imperialismo norte-americano e defende as posições da reação interna. A capacidade de investimento, ordenação e incentivo que o Estado detém na esfera econômica é acionada no sentido de reforçar a posição dos monopólios norte-americanos e obrigar a integração da economia brasileira no esquema de necessidades e interesses destes monopólios. Os governantes realizam um grande esforço para prejudicar as empresas estatais, e até mesmo entregar algumas delas ao capital imperialista. Acentuaram o aspecto negativo do capitalismo de Estado, usando certas empresas estatais em benefício dos trusts e monopólios.

Sob o pretexto de combater a inflação e racionalizar a produção, o Estado intervém no processo capitalista de concentração e centralização da produção e do capital, aumentando a exploração da classe operária. A intervenção oficial nas relações entre empregados e patrões é levada a níveis inauditos, com o propósito de pressionar para baixo os salários. O poder aquisitivo dos trabalhadores foi reduzido em 15,3% em 1965 e em 15,6% em 1966. A massa de pequenas e médias empresas, onde predomina o capital nacional, é coagida à falência ou à absorção pelos grupos imperialistas, especialmente os norte-americanos. Acentua-se, assim, o processo de desnacionalização da nossa economia. O sistema de exploração latifundiária é garantido pela ação policial e pelo clima de terrorismo prevalecente no interior do país.

A política externa se faz com o sacrifício da soberania e dos interesses nacionais em favor dos imperialistas dos Estados Unidos. O nome do Brasil é vergonhosamente associado à ação de gendarme internacional exercida pelos Estados Unidos, particularmente na América Latina.

Para a realização dessa política interna e externa de desenvolvimento subordinado ao imperialismo norte-americano e aos interesses da reação dentro do país, as liberdades democráticas são suprimidas.

Procura-se aplicar no Brasil, sob inspiração direta dos imperialistas norte-americanos, uma doutrina de poder semifascista, baseado numa camarilha militar. As instituições clássicas da democracia burguesa são extintas, ou mantidas apenas formalmente, ao mesmo tempo que os poderes do Estado se concentram nos órgãos executivos sujeitos à influência dos monopólios imperialistas. As forças militares são dirigidas para esmagar o próprio povo, em função de um novo conceito de segurança nacional, segundo o qual os inimigos potenciais não são mais os estrangeiros que atentam contra a integridade física ou a soberania da nação, mas as próprias forças nacionais que se opõem ao regime autoritário e entreguista.

O processo de instauração da ditadura e a execução de sua política antinacional e antipopular, sob o governo de Castelo Branco, provocou em poucos meses um forte descontentamento no país. Isso se evidenciou no pleito eleitoral direto para a escolha dos governadores de alguns estados da Federação, particularmente Guanabara e Minas Gerais. Aí, pela primeira vez, o povo se manifestou a respeito do quadro político, votando nos candidatos apoiados pela oposição. A situação política se agravou. Setores militares exigiam o não reconhecimento dos resultados do pleito eleitoral e ameaçavam depor o governo Castelo Branco. A crise foi superada com a decretação do Ato Institucional n.° 2, que acentuou os aspectos reacionários do regime e determinou a “eleição indireta” para a presidência da República, a fim de impedir que o pleito presidencial direto, previsto para 1966, possibilitasse a eleição de um candidato comprometido com a oposição. Dessa maneira, os acontecimentos de Outubro de 1965 levaram as forças reacionárias a um compromisso em torno da sucessão presidencial, para enfrentar a crise política e evitar que se aprofundasse a divisão entre militares. O beneficiário desse compromisso reacionário foi o ministro da Guerra.

O aglomerado de forças que se reuniu em tomo do Sr. Costa e Silva, do qual participaram elementos golpistas militares e civis marginalizados pelo governo Castelo Branco, proporcionou uma base política mais ampla ao novo governo ditatorial. Costa e Silva, quando ainda candidato e ao tomar posse, prometeu certas mudanças na política da ditadura. Criticou a política econômico-financeira e a política externa do governo anterior. Tudo isso contribuiu para criar um clima de expectativa de mudanças favoráveis ao povo, o que chegou a influenciar setores da pequena burguesia e mesmo do proletariado, e paralisou praticamente a oposição burguesa. Seu governo, entretanto, se distingue apenas em aspectos secundários do governo Castelo Branco. Refletem-se nele, com maior força, as pressões de setores da burguesia brasileira interessados no desenvolvimento econômico.

O governo Costa e Silva procura consolidar o regime entreguista e reacionário imposto à nação. É defensor intransigente da atual Constituição, que afasta o povo da vida politica, liquida na prática as garantias individuais e anula numerosas conquistas dos trabalhadores. Sua política econômico-financeira não incorpora qualquer compromisso que implique em alteração substancial da política entreguista e antioperária do governo anterior. Deixa intatas as medidas do governo Castelo Branco no sentido de entregar o controle de sectores-chaves e mais rentáveis da economia aos monopólios norte-americanos. Conserva a política de arrocho salarial e mantém em vigor as leis que na prática negam o direito de greve e sujeitam os reajustamentos de salários ao arbítrio do governo.

Mantendo, no essencial, a política do seu antecessor, o governo Costa e Silva, na medida em que procurou atrair e atender setores descontentes da burguesia brasileira, teve de renunciar ao monopolismo da política do governo Castelo Branco. Essa alteração incorporou ao seu governo elementos de vacilação e duplicidade, que tendem a acentuar-se à proporção que se agravam as dificuldades do país.

Abrem-se, assim, possibilidades maiores à ativação do movimento oposicionista e à mobilização do povo na luta pelas reivindicações democráticas e nacionais. Entretanto, o comportamento do governo Costa e Silva comprova que a mera troca de homens na chefia do governo, sem mudar decisivamente a composição de forças no poder e sem afetar a essência do regime entreguista e reacionário, jamais conduzirá à solução dos problemas do país de acordo com os interesses das massas trabalhadoras e da maioria da nação.

A resistência crescente que a ditadura encontra em seu caminho evidencia o descontentamento que ela desperta na grande maioria do povo. Sua ruptura com as lideranças políticas civis mais expressivas, sua incapacidade de submeter os intelectuais e estudantes à sua influência, o fracasso de sua tentativa de manietar o movimento organizado dos trabalhadores, exprimem a contradição inconciliável entre o regime e as aspirações da maioria da nação.

O sentimento popular contrário à ditadura vem encontrando dificuldades para manifestar-se concretamente em ações de vulto contra o regime. A debilidade da luta democrática deve-se, principalmente, à derrota sofrida pelo movimento de massas em 1964, à própria fraqueza, anterior ao golpe de Estado, das correntes progressistas, e ao baixo nível de organização das massas. A prisão, desterro e marginalização sofridos pelas lideranças populares que se afirmaram no período de ascenso democrático, a desarticulação das organizações de massas, a ilegalização e a difusão do terror entre os trabalhadores tiveram como resultado o nítido recuo da participação do povo na luta por suas reivindicações e na vida política. Nesta última, a participação das correntes democráticas ficou limitada nos primeiros anos da ditadura à atividade de uma cúpula oposicionista e à resistência de alguns poucos setores de vanguarda da classe operária e da pequena burguesia. Coube, nesse sentido, um papel destacado à intelectualidade, em particular aos estudantes.

Nos últimos meses, assinala-se uma participação mais ativa da classe operária na luta contra a política salarial do governo, apesar dos enormes obstáculos criados ao desenvolvimento da actividade sindical. Nos principais centros industriais, o movimento sindical une suas forças contra o arrocho salarial, numa luta que tem o apoio de outros setores da população. Os trabalhadores do campo iniciaram a reativação dos seus sindicatos e procuram resistir ao não cumprimento das leis trabalhistas por parte dos fazendeiros. Tais atividades, entretanto, estão longe de assumir as proporções necessárias ao assestamento de golpes profundos no regime ditatorial.

Por tudo isto, o aspecto mais negativo da presente situação política reside na grande debilidade do movimento de massas, particularmente da classe operária. A ele acrescenta-se a dificuldade que encontram para unir-se as diversas correntes contrárias à ditadura. Na superação dessas falhas está o caminho para a modificação radical da situação brasileira.

V — Nossa Tática
Na situação atual, nossa principal tarefa tática consiste em mobilizar, unir e organizar a classe operária e demais forças patrióticas e democráticas para a luta contra o regime ditatorial, pela sua derrota e a conquista das liberdades democráticas. A realização dessa tarefa está estreitamente ligada aos objetivos revolucionários em sua etapa atual e ao desenvolvimento da luta da classe operária pelo socialismo.

O caráter prioritário da defesa das liberdades democráticas decorre da necessidade de que as amplas massas intervenham na vida política e no processo revolucionário. A luta pelas liberdades, desde os direitos de reunião, associação e manifestação, até à liberdade de imprensa e de organização dos partidos políticos liga-se à luta de massas em todos os seus níveis, das reivindicações mais elementares às batalhas decisivas pelo poder. Cada vitória, pequena ou grande, ou mesmo derrota na luta pelas liberdades, incorpora-se à experiência de luta que levará as massas a avançar em seus objetivos, formar e prestigiar suas organizações e seus líderes, intervir decisivamente nas ações políticas que conduzirão à derrota do regime ditatorial.

A classe operária, o campesinato e a pequena burguesia urbana são as forças fundamentais da frente antiditatorial. A aliança destas forças constituirá a base de aglutinação das demais forças antiditatoriais, dará firmeza e conseqüência às ações contra a ditadura, influindo na sua derrota e na evolução ulterior da situação do país. A burguesia nacional participa da frente antiditatorial, embora sua oposição ao regime seja limitada. Outros setores das classes dominantes, cujos interesses são contrariados pela política do governo ditatorial, podem participar de ações contra o regime e ser úteis à ativação e fortalecimento da frente ditatorial.

A classe operária é a principal força motriz da frente ditatorial. A atividade primordial dos comunistas deve dirigir-se no sentido de organizar e desenvolver a unidade de ação da classe operária em defesa de seus interesses econômicos e políticos imediatos e pela derrota da ditadura. É indispensável partir sempre da defesa daqueles interesses que possam levar os trabalhadores a se unir e lutar. A formulação acertada das reivindicações mais sentidas dos trabalhadores, relacionadas com o salário, as condições de vida e trabalho, os direitos de reunião e manifestação, bem como a organização da luta por estas reivindicações e a escolha das formas adequadas para a condução da luta devem ser uma preocupação permanente dos comunistas. A luta contra a política salarial, ao mesmo tempo que atende aos interesses mais sentidos da classe operária e de todos os assalariados, possui grande importância política, pois atinge as bases da política econômico-financeira da ditadura.

É necessário, portanto, concentrar esforços para organizá-la e intensificá-la, de modo a que nela participem amplas massas e se desenvolva a unidade de acção dos trabalhadores em todos os níveis — nas empresas, municípios, Estados e nacionalmente.

A atuação no movimento sindical é o meio principal para a ativação do movimento operário. Os comunistas devem concentrar sua atividade dentro das empresas. Com este propósito, necessitam utilizar todas as possibilidades de organização legais, como as delegacias sindicais, as CIPAS (Comissões Internas de Prevenção contra Acidentes) e outras organizações existentes e que reúnam os trabalhadores. Para estender o movimento sindical a toda a classe operária, é também indispensável o fortalecimento dos sindicatos através da elevação do número de sindicalizados.

Atuando dentro da estrutura sindical vigente, é necessário levar os sindicatos a conquistarem uma estrutura livre da interferência do Estado e dos patrões. Tem particular importância caminhar-se para a constituição de centros coordenadores e unificadores do movimento sindical. Aproveitando todas as possibilidades legais, o movimento sindical não deve restringir-se às limitações impostas pelo regime ditatorial, mas desenvolver-se de modo que as massas conquistem e assegurem seus direitos. Os comunistas devem atuar, também, nas organizações não sindicais dos trabalhadores. Entre estas, destacam-se as cooperativas, as associações de ajuda mútua, os clubes desportivos. A organização sindical dos assalariados agrícolas é de importância decisiva. As organizações e militantes sindicais das cidades devem prestar maior ajuda aos seus irmãos do campo, orientando, estimulando e apoiando a organização e a actividade dos sindicatos rurais nas regiões vizinhas.

A mobilização e a organização das massas camponesas são igualmente indispensáveis ao desenvolvimento da luta contra a ditadura. Este trabalho deve orientar-se no sentido da conquista de medidas que possibilitem reativar o movimento associativo e reivindicatório dos camponeses e levá-los a lutar por seus interesses específicos, pela reforma agrária e a democracia. Entre outras, são estas as reivindicações capazes de mobilizar os camponeses: cumprimento da legislação que assegura determinados direitos, como a limitação da taxa de arrendamento; contra os despejos; abolição dos serviços gratuitos; eliminação do vale e do barracão; instituição obrigatória das carteiras profissionais; contrato de arrendamento a longo prazo contra a transformação de terras de cultivo em pastagens; pela entrega de títulos de propriedade da terra aos posseiros trabalhadores; isenção fiscal para a pequena propriedade de tipo familiar; instalação de escolas nas fazendas; assistência social; preços mínimos compensadores; medidas contra a ação de empresas estrangeiras e de açambarcadores nacionais que espoliam os produtores e os consumidores; crédito fácil e barato e assistência técnica para os pequenos e médios agricultores. Para a mobilização dos camponeses, é necessário intensificar a atividade entre os assalariados agrícolas.

A mobilização para a luta reivindicatória dos sectores assalariados da pequena burguesia urbana tem destacada importância na incorporação dessa camada à frente antiditatorial. Os bancários, empregados do comércio e de escritórios, servidores públicos, profissionais de nível técnico e outras categorias são levados a lutar contra a ditadura, através da defesa de suas reivindicações, especialmente o reajustamento e a elevação do seu salário.

O papel da intelectualidade progressista é de grande relevo no combate à ditadura. Os comunistas devem atuar como elementos de estímulo e unificação da luta dos intelectuais em defesa da cultura nacional, pela liberdade da pesquisa e criação e de manifestação do pensamento.

É grande a capacidade de ação política das mulheres. Sua mobilização muito contribuirá para o reforçamento da luta contra a ditadura. É necessário, com este fim, organizá-las sob diversas formas, para a luta por suas reivindicações próprias, contra as discriminações sociais e jurídicas que as colocam em situação de inferioridade na vida brasileira, pela igualdade de direitos da mulher trabalhadora, pela proteção à maternidade e à infância. Também por meio da luta contra a carestia de vida, pela solidariedade aos presos e perseguidos políticos e suas famílias, elas poderão dar importante contribuição democrática.

A participação da juventude na vida nacional tem significado crescente. Representando mais da metade da população do país e sendo por natureza mais sensíveis aos reclamos do futuro da nação, os jovens comunicam seu calor às lutas do povo. A juventude estudantil tem participado de lutas valorosas contra o regime opressor, embora seus movimentos se ressitam da influência, em sua liderança, de correntes sectárias. É preciso ganhar a maioria dos estudantes para esses combates, baseando-o mais solidamente na defesa das reivindicações peculiares à juventude escolar. É necessário, igualmente, mobilizar e organizar a juventude operária e popular, aglutinando-a em tomo de suas aspirações à instrução, ao trabalho, à recepção, ao desporto, e levando-a, por esse meio, a agregar-se à batalha geral de nosso povo pelo acesso aos bens materiais e culturais criados pela civilização moderna.

A mobilização de amplos setores da população contra o regime ditatorial deve encaminhar-se, igualmente, através da luta das populações urbanas em tomo de reivindicações como o controle dos aluguéis, construção de moradias, urbanização das favelas, solução para os problemas de transportes, ampliação da rede escolar, melhoria dos serviços urbanos e de abastecimento, etc. Nesse sentido, deve-se atuar nas organizações que reúnam os moradores das favelas, dos conjuntos residenciais, de bairro, cidades, etc.

O esforço fundamental para impulsionar o movimento de massas contra a ditadura deve ser acompanhado de um esforço tenaz para unificar a ação de todas as forças e personalidades políticas que resistem ao regime e a ele se opõem. Da frente antiditatorial participam igualmente correntes e personalidades religiosas. Assume importância destacada, neste sentido, o setor progressista da Igreja católica. Na batalha contra o regime ditatorial, nosso principal propósito consiste em contribuir para a aglutinação de um bloco de forças de oposição. Os entendimentos com vários setores da frente antiditatorial devem desenvolver-se a partir da unidade de ação por determinados objetivos concretos.
A elaboração de um programa mínimo que contenha os objetivos comuns constitui um fator decisivo para a formação e o avanço da frente antiditatorial. Para este programa, cuja definição resultará do acordo entre as diversas correntes, propomos os seguintes pontos básicos:

1. Revogação da Constituição de 1967 e de todos os atos ditatoriais que restrinjam ou anulem as liberdades democráticas; restabelecimento dos direitos trabalhistas violados ou revogados pelo regime autoritário; liberdade e autonomia sindicais; libertação dos presos políticos e anistia geral; convocação de uma assembleia constituinte, através de eleições livres, a fim de elaborar-se uma constituição democrática; restabelecimento de eleições diretas para a Presidência da República; livre organização e funcionamento dos partidos políticos, inclusive do Partido Comunista; autonomia dos Estados e das capitais; eleições diretas para todos os cargos eletivos.

2. Revogação de todos os atos da ditadura que lesem os interesses nacionais; adoção de uma política de desenvolvimento independente da economia nacional; defesa da riqueza do país, da indústria nacional, das empresas estatais e da Amazônia.

3. Abolição da política de arrocho salarial; medidas para elevar o nível de vida das massas trabalhadoras das cidades e do campo; medidas parciais de,reforma agrária.

4. Realização de uma política externa de afirmação de soberania nacional, de defesa da autodeterminação dos povos, pelo desenvolvimento de relações econômicas e culturais com todos os países, pela preservação da paz mundial.

As formas concretas que assumirá a unidade das forças democráticas serão ditadas pelo desenvolvimento da luta. Por ser uma reunião de forças heterogêneas, a frente antiditatorial desenvolve-se simultaneamente com a luta entre os seus próprios componentes. Setores sob a liderança da burguesia procurarão imprimir ao combate contra a ditadura um curso que não tenha como centro a mobilização e a organização de amplas camadas da população e lhes seja mais favorável. Os comunistas defenderão sempre, no seio da frente única, a necessidade fundamental de organizar e mobilizar o povo contra a regime ditatorial. Sem prejuízo da sua missão de defesa dos interesses específicos dos trabalhadores e de todos os explorados e oprimidos, os comunistas devem empreender a luta dentro da frente antiditatorial utilizando os meios que possibilitem a unidade de ação das correntes que dela participam.

A batalha antiditatorial exige um cuidado prioritário pela unidade das forças mais avançadas da frente única. Os comunistas obrigam-se, por isso, a dirigir sua atenção permanente para a aproximação com as diversas correntes que se incluem no movimento de esquerda, principalmente os agrupamentos ou personalidades que defendem os interesses do campesinato e da pequena burguesia urbana, bem como aqueles que se propõem a defender os interesses dos trabalhadores e efetivamente se incorporam à causa do nosso povo.

No combate ao regime reacionário e entreguista, os comunistas devem contribuir ativamente para a articulação do movimento nacionalista, a partir de determinados pontos, que provocam a justa revolta dos patriotas, tais como a defesa das empresas estatais, da Amazônia e das riquezas minerais, a denúncia dos acordos lesivos impostos pelo imperialismo, da presença de tropas e missões ianques no território nacional, da compra de terras por agentes imperialistas, etc.

Na mobilização de massas contra a ditadura, devemos desenvolver a luta por medidas parciais da reforma agrária que restrinjam os privilégios do monopólio latifundiário da terra, como sejam: desapropriação de latifúndios improdutivos, ou de exploração anti-econômica, pelo valor declarado para fins fiscais; imposto territorial fortemente progressivo; venda de áreas aos camponeses sem terra a longo prazo e a juros baixos; etc.

A situação existente no Norte e Nordeste dá aos problemas dessas regiões uma importância nacional. Acentuam-se, com a política da ditadura, as condições de exploração e miséria em que vivem as massas trabalhadoras das cidades e do campo, permanentemente submetidas ao terror policial e a violência assassina dos latifundiários e seus capangas. O imperialismo norte-americano desenvolve, sob diversas formas, intensa atividade naquelas regiões, procurando amortecer a revolta e o espírito de luta de seus habitantes, apoderar-se das riquezas locais e preparar condições para ocupar seu território. Os problemas do Norte e do Nordeste exigem, pois, especial atenção dos comunistas, não apenas para mobilizar as massas trabalhadoras dessas regiões e levá-las à luta contra a miséria e a opressão, mas também para desenvolver nacionalmente a solidariedade a essas lutas, denunciar e combater os planos dos imperialistas norte-americanos e a ação de seus agentes.

A doutrinação sistemática, sob a orientação do imperialismo norte-americano, a que estão submetidos há vários anos os militares brasileiros exerce relevante papel na atuação das Forças Armadas, que são o suporte da ditadura. Por outro lado, centenas de militares que se destacavam por suas atividades nacionalistas foram alijados das fileiras e perseguidos. Tudo isso, no entanto, não impedirá que o desenvolvimento da luta das massas se reflita no seio das Forças Armadas, incorporando oficiais, sargentos, cabos, soldados e marinheiros às lutas populares contra o regime ditatorial.

Apesar das medidas tomadas para instituir na prática o partido único, setores e personalidades políticas desenvolvem, no Parlamento e fora dele, a oposição ao regime. Os parlamentares eleitos sob a legenda do MDB [Movimento Democrático Brasileiro] têm tido, com algumas exceções, uma posição vacilante diante das arbitrariedades da ditadura. Apesar disso, o MDB e outros agrupamentos existentes podem tornar-se um fator positivo para a mobilização das forças populares.

Nas lutas em defesa dos interesses e reivindicações das massas contra o regime ditatorial deve-se aproveitar ao máximo os meios de divulgação legais e realizar campanhas políticas e movimentos reivindicativos com base nas possibilidades legais existentes. Ao mesmo tempo, as força: populares não podem limitar-se aos marcos das leis impostas pelo regime e devem combinar as formas legais e ilegais de luta e organização. Os choques com a reação serão inevitáveis. A autodefesa de massas é necessária para enfrentar a violência da repressão policial e constitui importante fator de preparação das massas para formas de luta mais elevadas. À medida que a ação das massas se intensificar, os choques com a reação tenderão a tomar-se mais violentos. Em um país de dimensões continentais como o Brasil, onde é considerável a desigualdade de desenvolvimento, deve-se ter em vista que a luta popular poderá assumir formas diferentes e níveis distintos nas várias regiões. O Partido deve preparar-se e preparar as massas para a combinação das formas elementares e legais de luta com outras de níveis mais elevados, como a luta armada, de acordo com as condições de cada região. O essencial é que as formas de luta decorram das exigências da situação concreta, em cada momento e em cada local, sejam adequadas ao nível de consciência e à capacidade de luta das massas.

Os comunistas lutam pela realização de eleições livres e diretas. A participação nas eleições, mesmo com o sistema eleitoral vigente que impede a manifestação democrática do direito de voto, é um importante meio para unir as correntes que se opõem à ditadura, para desmascarar sua política diante das massas e infligir-lhe derrotas que a debilitem. É necessário, ao participar das eleições, procurar a união das forças contrárias ao regime ditatorial, apoiando candidatos que representem essas forças e mereçam a confiança do povo.

O processo de isolamento e derrota da ditadura é o do desenvolvimento da luta de massas e da unidade de ação das forças democráticas. No seu curso, as palavras de ordem e as formas de luta mudarão à medida que a ação das massas se desenvolver. A oposição e o combate crescentes ao regime ditatorial tomarão ainda mais reduzida sua base social e política, aumentarão sua instabilidade e poderão conduzir à sua desagregação e derrota. As forças democráticas, através da ação, poderão conquistar a legalidade de fato, obrigar a minoria reacionária a recuar, e derrotá-la. Mas a ditadura poderá impor ao povo o caminho da insurreição armada ou guerra civil. A situação exige, portanto, dos comunistas a preparação do Partido e das massas, bem como o entendimento com as diversas correntes da frente antiditatorial para essa eventualidade.

As contradições internas do bloco político que realizou o golpe de Abril enfraquecem o regime ditatorial. Devemos ter em vista que, com o crescimento das ações das massas e o aguçamento dos choques com a reação, tenderão a aprofundar-se os conflitos no campo da ditadura, aumentando a instabilidade do regime. Crises de governo e novos golpes podem ocorrer. Neste caso, só a intervenção das forças populares, levantando suas próprias bandeiras de luta, poderá impedir uma solução reacionária, com a simples substituição de golpistas no poder, e impor uma solução democrática. Diante do avanço do movimento de massas e do processo de impopularização e isolamento da ditadura, setores das classes dominantes poderão buscar uma solução que, excluindo a participação das forças populares, conduza à substituição do govemo reacionário. Neste caso, as massas devem tomar a iniciativa e, sem esperar pelos atos do govemo, reconquistar, na prática, as liberdades democráticas e exigir medidas concretas que assegurem o desenvolvimento democrático da situação.

Vários fatores podem determinar a derrota do regime ditatorial e a formação de um novo govemo. Os comunistas, que orientam sua ação no sentido da conquista de um govemo revolucionário, participarão, no entanto, junto com as demais forças que se opõem ao atual regime, da luta pela constituição de um governo das forças antiditatoriais. A participação das forças fundamentais da frente antiditatorial nesse governo assegurará condições para a efetiva democratização do regime e o pleno desenvolvimento da luta das massas pela emancipação nacional e o progresso do país. A atitude dos comunistas, diante de qualquer outro governo intermediário, dependerá da conjuntura concreta, das posições assumidas, pelo imperialismo e as forças reacionárias internas, do comportamento da frente única e, fundamentalmente, das possibilidades que se abram para a livre mobilização da classe operária e os seus aliados. Participando ou não de tais govemos, os comunistas prosseguirão na luta por seus objetivos programáticos.

Fonte: Edgard Carone – O PCB (1964-1982) V. 3. p. 49. Difel, São Paulo, 1982.

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