sábado, 29 de novembro de 2014

Zuenir Ventura - O dito pelo não dito

• Os novos ministros vieram, sim, para mudar, não é preciso entender de economia para perceber isso, até porque a promessa é de transparência

- O Globo

Dilma, a presidente, está sentindo os efeitos das contradições e da incontinência verbal de Dilma, a candidata. Mesmo antes de assumir, já sabe que tem de adotar as medidas impopulares que na campanha atribuía ao adversário tucano. E, para quem acusou Marina Silva de querer “entregar aos banqueiros a condução da política econômica”, se fosse eleita, não está sendo fácil justificar junto aos seus a opção pelo diretor de um banco para conduzir a política econômica do seu segundo governo.

De fato, as maiores dificuldades para aceitar a escolha surgiram entre seus aliados, não na oposição, que reagiu com ironia: “Joaquim Levy na Fazenda é como colocar um espião da CIA na KGB (Aécio Neves).” Já os petistas não acharam tanta graça. Pelo menos algumas alas — o PT, como se sabe, tem mais alas do que escola de samba — não se conformaram, assim como intelectuais de esquerda e ativistas sociais, que lançaram um manifesto — quando as indicações ainda eram rumores — denunciando a escolha de Levy (e de Katia Abreu para a Agricultura) como uma “regressão da agenda vitoriosa nas urnas” — um fogo amigo com assinaturas de peso, como as do economista Luiz Gonzaga Belluzzo, do líder do MST, João Pedro Stédile, e do teólogo Leonardo Boff.

Anunciados anteontem, os novos ministros vieram, sim, para mudar, não é preciso entender de economia para perceber isso, até porque a promessa é de transparência. Expressões como “controle rigoroso da inflação”, “aperto das contas públicas”, “corte de despesas” frequentaram o vocabulário dos que estão chegando. Quem resumiu bem o que se pode esperar foi o governador Pezão, colega de secretaria de Levy nos primeiros anos da gestão Sergio Cabral: “A tesoura cantou.” Aliás, o apelido “mãos de tesoura” ele ganhou quando foi secretário do Tesouro do primeiro governo Lula.

O equívoco, porém, é achar que Dilma está errada hoje e não ontem, quando prometia o que sabia não poder dar. Quem deve estar rindo mais uma vez é Marina, que foi ridicularizada quando disse que pretendia “governar com os melhores”. Fingiam desconhecer que ela queria dizer não o óbvio, mas que sua escolha seria por competência, e não por vinculação partidária e ideológica, critérios que a presidente está usando agora.

Por via das dúvidas, como que para tranquilizar os aliados insatisfeitos, Dilma fez discurso também anteontem prometendo: “Vou continuar a priorizar a inclusão social, o emprego, a garantia de direitos, o acesso à educação, a estabilidade política e econômica”, entre outras bondades. Não falou das dificuldades que nos aguardam.

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