segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Tarifa de ônibus tem defasagem de até 16% e vira nova "bomba"

Daniel Rittner - Valor Econômico

BRASÍLIA - O fim da corrida eleitoral traz de volta uma "bomba tarifária" prestes a explodir no colo de prefeitos e governadores. Alvo das manifestações de junho do ano passado, as tarifas de ônibus acumulam defasagem de até 16% em um conjunto de cinco grandes capitais ou regiões metropolitanas - Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Recife, Fortaleza e Goiânia - e precisam de reajustes "salgados" nos próximos meses. Curitiba, que engrossava a lista, anunciou na sexta-feira à noite um aumento de R$ 2,70 para R$ 2,85.

Em todos esses casos, o serviço já foi licitado e há garantia de equilíbrio econômico-financeiro nos contratos. Com isso, as empresas têm direito à cobertura integral de seus custos operacionais, por meio da tarifa cobrada dos usuários ou de subvenções pagas pelo orçamento público.

O que elas alegam é que não tem mais sido possível cobrir os custos nem com uma coisa nem com outra. Governos estaduais e municipais se veem agora diante do seguinte dilema: ou aumentam o valor da passagem, contrariando a voz das ruas, ou colocam mais dinheiro em subsídios, fragilizando as contas públicas.

A alternativa - ignorar o assunto - implica o risco de encarar uma espiral de ações judiciais movidas pelo setor. "É preciso que haja respeito aos contratos", diz o presidente da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), Otávio Cunha. Segundo ele, se não houver resposta à defasagem na remuneração garantida em contrato pela prestação dos serviços, a tendência é uma onda de cobranças no âmbito administrativo e na Justiça.

Um levantamento inédito da NTU aponta onde estão os problemas. Fortaleza é a primeira capital da lista que enfrenta o dilema. A data de aniversário dos contratos é em novembro e o valor da tarifa (R$ 2,20) está com 15% de defasagem. Em Belo Horizonte, onde o reajuste anual está previsto para o mês de dezembro, há 12% de defasagem. Para corrigir essa distorção, a tarifa pode subir dos R$ 2,65 praticados atualmente para quase R$ 3.

O déficit calculado pela associação ainda não leva em conta a alta, na semana passada, nos preços do óleo diesel. Continua servindo, porém, como uma referência do tamanho das distorções. Cunha afirma que os prefeitos e governadores - depende se o serviço é intermunicipal ou atende a uma cidade apenas - não precisam necessariamente optar por reajustes no valor da passagem.

O município de São Paulo, por exemplo, tem compensado integralmente o congelamento da passagem em R$ 3 com subvenções. Com isso, não há defasagem na remuneração das transportadoras. A prefeitura já avisou que não haverá reajuste em 2015.

O caso da região metropolitana de Goiânia demonstra como essa equação pode ser complicada. A passagem, que havia subido de R$ 2,70 para R$ 3 em maio do ano passado, teve que recuar para o patamar original um mês depois por causa das manifestações.

Em 2014, também em maio, houve aumento de 3% e o governador Marconi Perillo (PSDB) assumiu uma série de compromissos para compensar a perda de receita das empresas. Ele acertou o pagamento de 50% das "gratuidades" no sistema de ônibus, que dispararam com a implantação do passe livre para estudantes, em meio aos protestos. O custo para os cofres estaduais era estimado em cerca de R$ 4,5 milhões por mês.

"Até agora, não recebemos um centavo", lamenta o presidente do Sindicato das Empresas de Transporte de Goiás, Edmundo de Carvalho Pinheiro, que atribui a dificuldade ao período eleitoral. O governo não pôde criar novas despesas durante a campanha. "Esperamos resolver isso em breve. Estamos passando por uma situação financeira extremamente grave e o sistema está desequilibrado. Se nada for feito, podemos ter problemas até para o pagamento do 13º salário de motoristas e cobradores", diz.

A NTU calcula que a remuneração das viações que prestam o serviço de transporte em Goiânia e em outros 17 municípios da região metropolitana, onde o sistema é integrado, está defasada em 12,3%. Uma das primeiras vítimas foi o processo de renovação da frota. As empresas haviam se comprometido a comprar 300 ônibus novos em 2014, de um total de 1.370 já em circulação, e suspenderam as encomendas devido aos problemas de caixa.

Pinheiro avalia que o modelo de remuneração do serviço de ônibus, em todo o país, está "fadado ao fracasso" e precisa de uma espécie de pacto. Há cada vez menos passageiros, que querem transporte de qualidade, mas sem custo alto. O número de usuários nas nove maiores regiões metropolitanas caiu 35%, entre 1995 e 2013. De todos os deslocamentos urbanos motorizados, 65% serão em transporte individual em 2030, conforme projeções da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP). Eram 25% em 1980.

O espaço para a redução de impostos e tributos, que permitiu represar tarifas no auge das manifestações, ficou curto. Quase todas as capitais zeraram a cobrança de ISS e da taxa, cuja média nacional é de 4%, para o gerenciamento do sistema de ônibus. É a arrecadação com esse tipo de taxa que financia autarquias responsáveis pelo planejamento e fiscalização do sistema.

Alguns governos estaduais, como o Rio de Janeiro, reduziram a alíquota do ICMS cobrado sobre o óleo diesel. A União tomou duas atitudes: tirou o PIS-Cofins da receita bruta das empresas e promoveu uma desoneração da folha de pagamentos. De acordo com a NTU, essas isenções e descontos propiciaram uma redução de 15% nos custos operacionais, mas esse ganho já foi consumido.

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