segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Ricardo Noblat - Desce do palanque, Dilma!

- O Globo

"Você não vai acreditar, não é? Nós tivemos o primeiro escândalo da nossa História investigado"
Dilma Rousseff

Na Austrália, do outro lado do mundo, sob o efeito do fuso horário, talvez, como se ainda estivesse em cima de um palanque, certamente, a presidente Dilma Rousseff concedeu sua primeira entrevista coletiva sobre o arrastão de donos e executivos de empreiteiras que marcou na semana passada mais uma etapa das investigações sobre a roubalheira na Petrobras. Perdeu uma rara oportunidade de ficar calada.

DILMA FOI VÍTIMA da síndrome do terceiro turno, que não acomete apenas a oposição. Disse um monte de bobagens, invenções e falsas verdades para uma plateia de jornalistas que se deu por feliz em anotar o que ouviu. E assim procedeu como se ignorasse que o distinto público conhece cada vez melhor os vícios e espertezas dos seus representantes. Vai ver que ela ignora mesmo.

VAMOS AO QUE DISSE. Teve o atrevimento de afirmar de cara lavada que "pela primeira vez na História do Brasil" um governo investiga a corrupção. E não satisfeita, culpou governos passados pela corrupção que acontece hoje na Petrobras. Stop! O governo dela não investiga coisa alguma. Polícia Federal e Ministério Público investigam. Os dois são órgãos do Estado, não do governo.

CORRUPÇÃO EXISTE em toda parte e o tempo inteiro. Mas enquanto não se descobrir que houve corrupção na Petrobras em governos anteriores aos do PT, vale o que está sendo escancarado pelas investigações: o PT privatizou, sim, a Petrobras. Apropriou-se, sim, dela. Corrompeu-a, sim. E usou-a, sim, para corromper. Depois de Lula, Dilma é a figura mais importante da Era PT.

ADIANTE. Para Dilma, o escândalo cuja paternidade ela atribui a outros governos e cuja decifração reivindica para o seu, "poderá mudar o país para sempre. Em que sentido? No sentido de que vai acabar com a impunidade". Stop! Sinto muito, Dilma, mas o escândalo que poderá mudar o país para sempre, e que acabou com a impunidade, foi o do mensalão. Quer tirar de Lula a primazia?

DIZER QUE "essa questão da Petrobras já tem um certo tempo " e que "nada disso é tão estranho para nós" é uma revelação digna de nota. Primeiro porque o governo dela se comportou como se nada soubesse quando estourou o escândalo. Segundo porque o máximo que ela insinuou a respeito foi que havia demitido Paulo Roberto Costa, ex-diretor da empresa, réu confesso.

ORA, ORA, ORA. "Paulinho ", como Lula o chamava, saiu da Petrobras coberto de elogios pelo Conselho de Administração da empresa, que foi presidido por Dilma até ela se eleger presidente da República. Foi um dos 400 convidados de Dilma para o casamento da filha dela. E ao depor na CPI da Petrobras, contou com a proteção da tropa do governo. Dilma nada fez para que não fosse assim.

ADIANTE, POIS. O escândalo da Petrobras não dará ensejo à revisão dos contratos do governo com as principais empreiteiras do país, avisou Dilma. Muito menos a uma devassa na Petrobras. "Não dá para demonizar todas as empreiteiras. São grandes empresas", observou Dilma. "E se A, B ou C praticaram malfeitos , atos de corrupção, pagarão por isso". Stop!

QUER DIZER: mesmo que reste provado que as nove maiores empreiteiras do país corromperam e se deixaram corromper, os contratos que elas têm com o governo for a da Petrobras não serão revistos. Não parece razoável que empresas envolvidas com corrupção num determinado lugar possam ter se envolvido com corrupção em outros? Por fim: se a Petrobras não pede uma devassa é só porque Dilma prefere que seja assim.

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