terça-feira, 4 de novembro de 2014

Raymundo Costa - Entre o lulismo e o dilmismo

• Presidente ganhou duas eleições em uma em 2014

- Valor Econômico

O PT marcou reunião do Diretório Nacional para o fim de novembro, em Fortaleza (CE), a fim de fazer o balanço da jornada eleitoral de 2014. Há duas leituras da vitória apertada da presidente Dilma Rousseff, cada qual com um ponto de vista sobre o que deve ser o governo do PT, nos próximos quatro anos. Os dois lados partem de uma constatação básica: o PT vem perdendo base social e nunca correu tanto risco de perder desde que chegou ao Palácio do Planalto, em 2002, quanto nesta eleição.

Há os que acham que a vitória foi apertada por causa dos erros da presidente Dilma Rousseff no governo, de um lado, e os que consideram que o PT somente chegou à vitória pelas virtudes dela. No primeiro grupo estão todos aqueles que orbitam em torno do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e contam com ele para a manutenção do PT no governo para além da segunda década do século 21. O outro defende que este é o segundo mandato de Dilma à luz do que ela se converteu na campanha, e não apenas um governo transitório para a volta de Lula.

O "dilmismo" afirma que a presidente ganhou duas eleições disputando a política. Na primeira abateu Marina Silva (PSB); na segunda, Aécio Neves (PSDB). Os dois com o mesmo discurso que, levado à prática no segundo mandato, implica dobrar as apostas que Dilma fez no primeiro mandato. O reverso da moeda diz que Dilma esticou a corda nos fundamentos e agora precisa arrumar o governo com vistas a conter a inflação e ajustar as contas públicas.

De imediato seria preciso uma trégua com os mercados, com a indicação de um nome para conduzir a economia como o ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles ou o presidente do Bradesco, Luiz Trabuco - o executivo, aliás, recebeu uma sondagem da presidente, mas se mostrou pouco receptivo a trocar a iniciativa privada pelo governo, conforme revelou Ângela Bittencourt, do Valor PRO, o serviço de informações em tempo real do jornal Valor.

Essa é a "fórmula Lula", uma volta a 2003, quando o presidente eleito nomeou Antônio Palloci para o Ministério da Fazenda, Meirelles para a presidência do Banco Central e ilustrou o ministério com nomes representativos da sociedade, entre os quais Roberto Rodrigues (Agricultura), Luiz Fernando Furlan (Desenvolvimento, Indústria e Comércio) e Márcio Thomaz Bastos (Justiça). A versão 2015 dessa fórmula teria um banqueiro na Fazenda, um representante do agronegócio (a senadora Kátia Abreu) na Agricultura e um empresário (Josué Gomes da Silva, do grupo Coteminas), na Indústria e Comércio. Por esse caminho, Dilma compõe com os aliados a fim conseguir maioria estável e tranquilidade no Congresso. Em perspectiva, o novo mandato da presidente Dilma nada mais seria que um governo de transição para a volta do líder máximo em quatro anos, o que exigiria um ajuste forte agora para se chegar a 2018 com um cenário econômico favorável eleitoralmente ao PT.

Existe no PT gente e disposição para sustentar as teses da presidente na disputa eleitoral. Especialmente entre os mais jovens se diz que o "dilmismo" deixou de ser uma marca gerencial da presidente e ganhou corpo como movimento político. Entre voltar a 2003 e avançar para 2015 a escolha parece óbvia. Escolher um banqueiro para a Fazenda não seria apenas um estelionato eleitoral, mas uma traição com aqueles que foram seduzidos pelo discurso eleitoral da presidente e tomaram as ruas das grandes cidades nos últimos dias de campanha, o que há muito tempo não via o PT.

Na Câmara e o no Senado Dilma será capaz de encontrar, num estalar de dedos, gente disposta a enfrentar o PMDB e o modelo de governabilidade ditado pelo partido aos presidentes, desde a redemocratização. Mais ainda se decidir enfrentar a candidatura do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) a presidente da Câmara, na próxima legislatura. A regulação da mídia e o plebiscito também fazem parte do cardápio do "dilmismo", mas são propostas em baixa no PT tradicional, onde se entende que o partido ficou sem condições políticas de comandar a agenda devido à vitória apertada na eleição presidencial. Dilma agrada quando fala em criminalizar a homofobia.

A disputa no PT é visível nas especulações sobre a composição do novo ministério de Dilma. A presidente, por exemplo, quer por perto o governador da Bahia, Jaques Wagner, na Casa Civil ou outro ministério vinculado ao Palácio do Planalto. O PT de São Paulo, sobretudo, fala na indicação de Wagner para a Petrobras, onde o governo, de fato, pretende estabelecer um político capaz de pacificar e regularizar as atividades empresa. Mas para "dilmistas" a sugestão teria o único objetivo de afastar Wagner do núcleo decisório do futuro governo, a ser integrado também por Miguel Rosseto, Giles Azevedo, Aloizio Mercadante e Ricardo Berzoini. Dos cinco, Berzoini é o maior representante da antiga ordem.

O déficit nas contas dos governos começou em maio e atingiu o apogeu em setembro. Não é mera coincidência. Esse é o preço da reeleição. Nas duas esferas de poder. No governo federal, considerando a União e as estatais, o déficit chegou a R$ 25 bilhões em setembro, ante 14,4 em agosto. Em relação aos Estados o número dobrou, no mesmo período, para R$ 4 bilhões. Quando não havia reeleição, os governadores também esbanjavam para eleger o sucessor. Tanto um caso como o outro devem ser examinados detidamente quando e se for discutida o fim da reeleição.

Pode ser preguiça eleitoral ou a habitual falta de jeito dos tucanos para a oposição, mas a primeira palavra do PSDB contrária às manifestações golpistas e favoráveis à volta dos militares foi do governador Geraldo Alckmin, que tem fama de direita católica. O presidente do partido e candidato derrotado na eleição, Aécio Neves, até ontem não havia se pronunciado, assim como José Serra e Tasso Jeireissati, outros dois expoentes do PSDB.

Um comentário:

Anônimo disse...

O texto é bom ante o que se propõe. E essa é, realmente, a visão que se criou mesmo. Espero um dia onde o povo brasileiro consiga perceber a invenção, sabidamente construída e histórica do primeiro, e a marketização do segundo. Até lá estaremos fazendo do voto o que na última década foi idealizado por uma retórica e futebolista: o "voto time".

Marcos Duarte