sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Míriam Leitão - Primeiros sinais

- O Globo

A primeira declaração do ministro Joaquim Levy mostrou mudança de rumo. Falou em avanços dos últimos "20" anos, em metas fiscais de três anos, em olhar a dívida bruta e mudar a contabilidade do Tesouro. O ministro Nelson Barbosa não surpreendeu. O presidente do BC, Alexandre Tombini, deu sinais de que os juros continuarão subindo, o programa de swap cambial vai continuar.

Levy falou em economês, mas foi claro. A ideia de horizonte de três anos de meta de superávit, sendo não menos que 2% do PIB em 2016 e 2017. Quando disse que tem que ser compatível com a redução da dívida pública, está fazendo mudança importante. O governo dizia que a dívida estava caindo. Falava da líquida porque se descontam os empréstimos ao BNDES. Ele disse que ela precisa cair, está falando da bruta. Para não ter dúvidas, disse que não se pode contar como ativo o que foi transferido ao BNDES.

Outra informação relevante é que vai acabar com truques contábeis. Não foi assim que disse, mas é o que quis dizer quando leu que os dados fiscais serão divulgados de forma "tempestiva" e "transparente". Alertou que o superávit é importante para a taxa de poupança.

Barbosa lembrou que vai assumir o controle dos investimentos públicos, dando sinal de que preservará o espaço de gastos e continuará a política de Miriam Belchior. Quando perguntado sobre o conflito entre ajuste fiscal e despesas sociais repetiu o que Levy disse: não há esse conflito, a estabilidade é a base desses avanços. Levy fugiu da pergunta se terá autonomia. Disse que a resposta virá com o tempo. A dúvida o perseguirá.

O anúncio seguiu um torturante roteiro. A demora e a ausência da presidente mostram falta de noção do que é prioritário na reversão das expectativas. Esse formato para anúncio da equipe nunca havia sido pensado, principalmente o de manter ministros antigos fazendo transição no mesmo governante. Governo novo, ideias novas.

Nenhum dos recém-chegados é novato em funções governamentais. E a experiência conta. Levy tem um histórico de defesa da austeridade fiscal; Barbosa tem emitido sinais ambivalentes. Tombini tem uma coleção de alertas em seus documentos, mas manteve a inflação alta demais. Não foi suficientemente forte no alerta fiscal. Neste ano, que chega ao fim no meio de um desastre das contas públicas, o BC deveria ter sido mais duro do que foi. O BC de Tombini foi pombo, quando devia ter sido falcão. O resultado se mede na inflação no teto da meta. Mas deu sinais de que acredita que terá reforço na política fiscal.

Barbosa já defendeu posições opostas, dependendo da ocasião. Esteve no governo e abraçou a tese da nova matriz macroeconômica. "Novo tripé orienta a política econômica dos últimos anos: crescimento econômico, inclusão social e redução da vulnerabilidade do Brasil a choques internacionais", disse ele em artigo publicado no GLOBO em março de 2010, em que considerou encerrada com êxito a adaptação do Brasil à crise.

Em 2009, foi escalado pelo ministro Mantega para defender a política de ampliação dos gastos. Barbosa foi particularmente contundente ao responder a um relatório de inflação do BC que alertava para os excessos de gastos públicos. Disse o seguinte: "Há uma tentativa de terrorismo fiscal para provocar uma expectativa de elevação dos juros". Acrescentou que "com terroristas não se negocia". Disse que não havia risco inflacionário. Ao sair do governo, deu entrevistas dizendo coisas um pouco diferentes do que dizia quando estava no governo. Ontem, de novo, deu sinais ambíguos.

Tombini pode se fortalecer tendo um interlocutor fiscalista na Fazenda. Barbosa pode ter mudado suas convicções. Mas a equipe que assumirá tem a mesma contradição de antigas, que recria velhas divisões entre quem quer fechar o cofre - atacado por políticos e outros ministros - e o que estimulará o ataque ao ministro mal amado. Isso já aconteceu muito no Brasil.

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