segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Levy deve restaurar credibilidade da gestão

• No Tesouro, desavenças com Dilma

Angela Bittencourt e Vanessa Adachi – Valor Econômico

SÃO PAULO - A escolha de Joaquim Levy para comandar a pasta da Fazenda certamente não foi trivial para a presidente Dilma Rousseff. O secretário do Tesouro do governo Lula controlava o cofre do governo com mão de ferro e precisou ser sacado de seu posto por aqueles que pretendiam desengavetar projetos, ampliar investimentos e programas sociais, grupo encabeçado por Dilma, então ministra da Casa Civil. Levy agora é resgatado do setor privado para repetir a receita do início do governo Lula: controlar gastos, colocar a casa em ordem e, com isso, restaurar a credibilidade do governo.

Em sua primeira passagem pelo governo, Levy foi consagrado pelo extraordinário trabalho de reestruturação do perfil da dívida pública, alongando o prazo de vencimento de títulos federais que passaram a ser alvo de atenção de investidores estrangeiros, hoje responsáveis pelo financiamento de quase 20% da trilionária dívida mobiliária brasileira.

A saída do então secretário do Tesouro, em 2006, está intimamente ligada à ampliação da zona de influência de Dilma no segundo mandato do governo Lula. Levy e Dilma encontravam-se em lados opostos da disputa que se instaurou entre monetaristas e desenvolvimentistas no interior do governo. Disputa essa que, como se sabe, foi vencida pelo segundo grupo e traduziu-se na substituição de Antonio Palocci por Guido Mantega na Fazenda.

O estranhamento entre Levy e Dilma não ficou circunscrito a aspectos de política fiscal. Começou ainda quando a presidente era Ministra das Minas e Energia. Mesmo no Tesouro, Levy não se furtou de externar que tinha uma visão muito diferente daquela da ministra para o modelo energético do país.

Antigos colegas de governo e setor privado descrevem Levy como um homem muito correto, de opiniões fortes, duro, obcecado por suas metas e que não se conforma quando as coisas não saem do seu jeito.

O temperamento difícil e o comportamento tido como arrogante por alguns - traços pessoais que afugentam até alguns amigos - são apontados por ex-colegas de governo e de mercado como "vantagens competitivas" neste momento em que o ex-secretário do Tesouro, título que consolidou seu nome no sistema financeiro, ascende ao comando da Fazenda - cargo de maior prestígio no governo, após a Presidência da República.

Levy é tido como um formulador de políticas que, mesmo na iniciativa privada, mantinha o cacoete de sempre avaliar o impacto das decisões de negócios sobre a economia do país.

Segundo ex-colegas, é grande conhecedor dos setores de infraestrutura e transporte e um defensor de que os investimentos nessas áreas sejam financiados via mercado de capitais. A expectativa é de que ele persiga uma forte desalavancagem dos bancos públicos.

Carlos Kawall, economista-chefe do Banco J. Safra, que substituiu Levy no Tesouro Nacional em 2006, contou que o ex-secretário tem "um perfil de executivo duro, correto e determinado". Levy era conhecido por ser "workaholic" e muito dedicado. "Ele chegou a deixar um sofá na sala do Tesouro onde costumava descansar quando ia até tarde no trabalho", relata Kawall.

Formado em Engenharia Naval e doutor em Economia pela Universidade de Chicago, com rica experiência de trabalho no Fundo Monetário Internacional (FMI), praticamente por toda a década de 1990, nos Departamentos do Hemisfério Ocidental, Europeu e de Pesquisa especializada em Mercado de Capitais e União Europeia, Levy assumiu o Tesouro em 2003 - início do governo de Luiz Inácio Lula da Silva e foi um dos homens fortes do presidente até março de 2006, quando deixou o Tesouro e assumiu a vice-presidência de Finanças e Administração do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). No ano seguinte, deixou este cargo para assumir a Secretaria da Fazenda do Estado do Rio no governo de Sérgio Cabral (PMDB).

Quatro anos mais tarde, em 2010, já estava cotado para nova posição no BID, em Washington, quando foi convidado para compor a equipe da Bradesco Asset Management (Bram). Reza a lenda que Levy foi surpreendido por um interlocutor com uma mensagem de Luiz Carlos Trabuco, presidente do Bradesco, em meio a um embarque com destino à capital americana, onde ainda residia a sua família.

A contratação do ex-secretário do Tesouro pelo Bradesco, embora para a equipe da gestora de ativos, agitou o mercado financeiro. Em comunicado dirigido ao mercado, o presidente do Bradesco informou a contratação do ex-secretário, que representava "importante contribuição para a consolidação do projeto de internacionalização da Bram".

Mas Joaquim Levy sempre foi apontado como um brilhante formulador de políticas públicas, algo distante da gestão de carteiras de investidores. Ainda mais em uma instituição privada que é de onde ele partirá para retornar ao setor público, para o qual tem genuína vocação. (Colaboraram Talita Moreira e Silvia Rosa)

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