terça-feira, 25 de novembro de 2014

José Casado - A propina da propina

- O Globo

Arquejava ao telefone, na manhã daquela segunda-feira 21 de outubro do ano passado, convalescente de uma cirurgia cardíaca.

- Cara, ele acha que foi prejudicado, Cê Tá entendendo? - gritou. - O tanto de dinheiro que nós Demo pra esse cara... E ele tem coragem de Falá que foi prejudicado...

Escutou o murmúrio condescendente do parceiro. E continuou, martirizando o idioma:

- Vê quanto ele Levô . Vê quanto o comparsa dele Levô . Vê quanto o Paulo Roberto Levô (...) E vem Falá Pra mim que Tá prejudicado?

A gravação do telefonema, por mandado judicial, foi apresentada no tribunal em outra segunda-feira, 10 de novembro, duas semanas atrás.

- Era o senhor mesmo? - perguntou o juiz.

- Era - confirmou Alberto Youssef, réu confesso na distribuição de propinas a políticos. O dinheiro tinha origem em contratos superfaturados de empreiteiras com a Petrobras. - A Camargo Corrêa me devia R$ 2 milhões, que o vice-presidente e o presidente Pediu que eu adiantasse a agentes políticos e a Paulo Roberto (Costa, ex-diretor da Petrobras).

A Camargo Corrêa obteve o maior contrato na construção da Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco. O projeto, cotado a R$ 5 bilhões no início, já custa mais de R$ 40 bilhões, depois de centena e meia de aditivos de preço. O superfaturamento chegou a 43% em alguns itens.

Dalton Avancini, presidente da empreiteira, e José Ricardo Auler, do Conselho de Administração, são acusados de subornos e fraudes em contratos com a Petrobras. Pagaram R$ 3 milhões a Paulo Roberto Costa, no ano passado. Era dívida de propina, confessou o ex-diretor da estatal.

O juiz seguiu com Youssef sobre o telefonema:

- De quem que o senhor está falando aí?

- Eu estou falando do Eduardo Leite (vice-presidente da Camargo Corrêa). - Era por conta das vendas de tubo Pra Camargo. Ele também recebia parte do comissionamento. Tanto ele quanto o diretor Paulo Augusto (Santos da Silva, diretor de Óleo e Gás do grupo).

- Recebiam parte? - surpreendeu-se o juiz.

- Do comissionamento da vendas da Sanko.

Sanko Sider vendia tubos à Camargo Corrêa, superfaturados, para ocultar o pagamento de propina (1% de cada contrato da Camargo com a Petrobras). A empreiteira pagava. A Sanko Sider repassava o dinheiro do suborno a Youssef, que distribuía a funcionários e políticos.

- Eles também recebiam um percentual? - insistiu o juiz, incrédulo.

- Também recebiam.

- E quem fazia esse pagamento?

- Eu fazia. Em dinheiro vivo. Paulo Roberto ganhava, Paulo Augusto ganhava, Eduardo Leite ganhava e eu ganhava...

Já foram identificados também depósitos milionários da Sanko Sider nas contas de empresas familiares do vice-presidente (Leite) e do diretor (Silva) da Camargo Corrêa.

Erguido há 76 anos pelo lendário Sebastião Camargo, que exibia na parede de casa as cabeças empalhadas das suas vítimas em caçadas, o grupo terminou 2013 com R$ 26 bilhões em receita líquida e uma inovação dos principais executivos: o "caixa 3" institucionalizado. De um lado do balcão, a cúpula da Camargo Corrêa corrompia funcionários e políticos para garantir contratos. Do outro lado, embolsava parte do suborno. Era a propina da propina.

Nenhum comentário: