domingo, 2 de novembro de 2014

João Bosco Rabello - Fora do tom e da realidade

- O Estado de S. Paulo

Pode ser que de volta das férias pós-eleitorais a presidente Dilma Rousseff corrija o discurso errático da vitória, em que diálogo e união são apelos apenas retóricos.

Mas, por ora, o tom que trai o discurso foi dado pelo líder do PT no Senado, Humberto Costa, ao classificar os críticos dos conselhos populares de "débeis mentais".

O destempero de Costa foi dirigido aos jornalistas que criticaram o decreto de criação dos tais conselhos, mas ao atacá-los estende os impropérios à maioria parlamentar que derrubou a proposta, enviada ao Congresso mesmo o governo ciente de que seria derrotada.

O PT parece desconhecer o tamanho da crise que Dilma herda de Dilma. Na economia, o cenário ocultado na campanha exibe números assustadores: rombo de R$ 20 bilhões nas contas públicas, aumento imediato dos juros, ao que se seguirá o da gasolina, asfixia do setor elétrico, entre tantos reveses de uma longa lista.

No campo político, não disporá da trégua concedida a novos governos. A vitória apertada da reeleição favorece as dissidências formadas na base na campanha, com um PMDB motivado pela redução da bancada do PT a buscar a isonomia no tratamento político com o rival na estrutura de governo.

A oposição também cresce em número e motivação, com PSDB, DEM, PSB e PPS, em diferentes graus de atuação, unidos na disposição de impor ao governo o exercício político ao qual se recusou desde a opção pelo esquema de cooptação dos partidos que compõem sua extensa base de sustentação.

O modelo de cooptação encontra seu esgotamento nas consequências judiciais que gerou, no mensalão e, agora, na Petrobrás. Não acabará da noite para o dia, mas está mais vigiado e inibido pelo medo que as prisões já executadas - e as previsíveis - incutem no ambiente político.

A derrota recente não é o que preocupa o governo. Significativa é a liberação da bancada da Câmara para que seu líder, Eduardo Cunha (RJ), construa sua candidatura à presidência da Casa. É uma resposta imediata ao presidente da legenda, Michel Temer, que defendeu a vez para o PT. A situação de Temer é difícil, pois atua contra o interesse do partido, em nome de uma pouco sedutora tese de unidade da base aliada.

O gesto de Temer atiça, de outro lado, o ânimo já alto da oposição para impedir que o PT chegue à presidência da Casa. O cenário indica que haverá, pelo menos, três candidaturas postas para a sucessão de Henrique Eduardo Alves - a de Cunha, pelo PMDB; de Arlindo Chinaglia ou Marco Maia, pelo PT; e de Júlio Delgado (PSB), ou outro nome, pela oposição.

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