quarta-feira, 19 de novembro de 2014

João Bosco Rabello - Comando terceirizado

– O Estado de S. Paulo

Devem ser deploradas as manifestações de protesto ao governo reeleito de conteúdo golpista verificadas em passeatas e disseminadas nas redes sociais por grupos que defendem a volta do regime militar. A rigor, se fosse possível, melhor seria ignorá-las.

Infiltradas nos movimentos de oposição, merecem desta o mais veemente repúdio, como tem feito o presidente do PSDB, senador Aécio Neves, sequenciado por lideranças de seu partido e de aliados.É importante, porém, que se atente para dois aspectos que as estimulam.

O primeiro deles, o radicalismo da esquerda autoritária cujo figurino é vestido pelo PT: são polos opostos que se atraem. O segundo, o perigoso vácuo político deixado pelo governo,que mantém a inércia de gestão enquanto prosseguem as avassaladoras informações de corrupção avalizadas pelo Judiciário.

As medidas saneadoras anunciadas pela Petrobras no âmbito interno chegam tarde e soam como uma tentativa de criar clima de reação meramente burocrático sem a necessária força política para reverter as expectativas em relação à empresa.

A condução da narrativa do governo concentrada no ministro da Casa Civil, Aloísio Mercadante, além de manter a linha de negação dos problemas graves que desafiam o segundo mandato presidencial, não produz resultado político.

Tanto na Petrobras, quanto no governo, esses movimentos padecem de um pecado capital: a ausência da presidente da República, a quem cabe liderar pessoalmente as ações que possam convencer a população quanto à sua capacidade de enfrentar a crise.

Esta, é política, acima de tudo. E requer o comando presidencial objetivo. Quanto à Petrobras, por exemplo, já passou da hora de a presidente Dilma intervir para renovar a direção da estatal demonstrando que seu governo avalia com a dimensão correta o momento grave que a empresa atravessa.

Sobretudo ela, que deu legitimidade às primeiras suspeitas sobre desvios na estatal ao atribuir a aprovação da compra da refinaria de Pasadena à omissão de informações sobre a operação por parte da diretoria da época, hoje investigada e com alguns de seus integrantes presos.

Sob o comando de Graça Foster, as reações da Petrobras não passam de um conjunto de medidas de efeito futuro, que podem até se constituir em obstáculo à corrupção interna, mas atropeladas pelos fatos que já estão na esfera do Judiciário.

Não falam do presente, mas do futuro, e não têm força política para produzir o clima pretendido de mudança. Trocando em miúdos, não é recomendável que o foco das atenções nacionais, centrado no cenário de corrupção, seja terceirizado pela presidente da República, especialmente para os protagonistas de uma gestão que levou ao descrédito da estatal.

No plano político, a receita é a mesma. É da presidente o ônus da liderança de um processo difícil que tem na suspeição de algumas dezenas de parlamentares um entrave à fluidez das relações entre Executivo e Legislativo. Na gestão ordinária a delegação é fundamental, mas Dilma não a permite; já a crise é indelegável, mas a presidente parece inverter essa equação.

O governo precisa encontrar sintonia com seu partido, o PT, e com o principal aliado, o PMDB, para a condução da sucessão na presidência da Câmara, cenário em que se consolida com rapidez indesejada pelo Planalto a candidatura do líder peemedebista, Eduardo Cunha (RJ).

Para uma parcela considerável de parlamentares, a candidatura de Cunha alcançou não só o ponto de não retorno, mas também a consistência numérica para torná-la favorita. Para esses analistas dos partidos, ao governo cabe agora decidir com rapidez se comporá com Eduardo Cunha e terá um presidente na Câmara com Eduardo Cunha alguma dose de independência, porém, amistoso, ou se o enfrentará e, derrotando-o, terá um líder do maior aliado na oposição na Câmara.

Nada disso está consolidado, mas é desenho já visível. É provável que o PT lance candidato, assim como a oposição, que pode ter um apenas ou mais. O que é preocupante é a ausência do governo no processo até aqui.

Não há fato novo produzido pelo governo – nem movimento que o exiba como o principal ator em cena. Os fatos novos têm sido as revelações diárias sobre o sistema de corrupção na Petrobras, agora com perspectiva de extensão, numa espécie de metástase, para outras áreas do Executivo, como o setor elétrico e os fundos de pensão.

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