domingo, 2 de novembro de 2014

Com o país na cabeça

• Aécio Neves tinha fortes razões para acreditar que venceria, mas reagiu rapidamente à derrota e se prepara para voltar a enfrentar Dilma como o líder da oposição

Bela Megale – Veja

O champanhe da comemoração já estava no gelo. No apartamento de Andrea Neves, irmã de Aécio Neves, em Belo Horizonte, garçons de um bufê contratado serviam uísque e cerveja aos mais de cinquenta convidados que esperavam ansiosos o momento de erguer o brinde da vitória. Estavam lá aliados do candidato tucano, correligionários de todo o país e amigos como o apresentador Luciano Huck. O otimismo dos presentes se devia à enxurrada de boas notícias que chegavam ao apartamento desde as 18 horas daquele dia 26. Boletins de urnas e seções eleitorais mostravam o candidato do PSDB com até 10 pontos de vantagem em relação à petista Dilma Rousseff — e isso com a apuração já na reta final. Em São Paulo, a informação era de que Aécio tinha conseguido alcançar a marca de 64% dos votos. O deputado e aliado Beto Albuquerque (PSB-RS), que foi vice de Marina Silva, ficou tão animado com as informações que recebeu sobre o Rio Grande do Sul que chegou chamando Aécio de presidente.

Pouco antes do anúncio do resultado, às 20 horas, o senador chamou para ficar ao seu lado a mãe, Inês Maria, a filha Gabriela e a mulher, Letícia. O prefeito de Belo Horizonte, Márcio Lacerda, colocou-se a postos para filmar com o celular a mensagem da vitória, que também seria registrada por um cinegrafista profissional. Mas a cena que as câmeras captaram foi a de Gabriela levando as mãos à boca, perplexa com os números que via na TV. Aécio deteve os olhos na tela apenas por uma fração de segundo. "Não dá mais", disse. "Faltam só 5%." Letícia abraçou o marido e uma salva de palmas tomou o apartamento. "Depois disso, foi pior que o 7 a 1 da Copa", resumiu um aliado. "Baixo-astral geral."

Ao menos da parte de Aécio, no entanto, o desânimo durou pouco. Sempre que vai à hoje famosa fazenda em Cláudio, no interior de Minas Gerais, o senador aproveita para se desligar da política. Não fala do assunto, não fica ao telefone e mantém distância da internet. Dedica-se apenas a aproveitar a companhia da família e passear a cavalo, sobretudo à noite. Na semana passada, porém, quebrou a tradição. Retirado na pequena cidade desde terça com a mulher e os filhos gêmeos de 4 meses, Julia e Bernardo, Aécio Neves não largou o celular. Falou sem parar com aliados e assessores próximos, acompanhou todo o noticiário, disparou mensagens convocando líderes do PSDB para uma reunião na quarta-feira com a executiva nacional do partido e gravou um vídeo que, divulgado nas redes sociais, deixou para trás o tom conciliatório do candidato vencido que discursou no domingo. No vídeo, Aécio disse estar "atento e vigilante para que cada compromisso da campanha seja agora cumprido".

Com a reação rápida, o tucano mirou dois objetivos: debelar a frustração de apoiadores e aliados com a derrota e aproveitar a mobilização remanescente da que foi registrada na reta final do segundo turno. Na mesma terça-feira em que Aécio divulgou seu vídeo, o líder do PSDB na Câmara, Antonio Imbassahy, se reuniu com os líderes Mendonça Filho (DEM) e Rubens Bueno (PPS) e o deputado Paulinho da Força (SD), representantes de partidos que apoiaram Aécio no segundo turno. O deputado Beto Albuquerque (PSB), que também integrou a coligação do tucano, não estava presente, mas conversou com o grupo por telefone. Na reunião, os representantes dos partidos combinaram articular uma candidatura conjunta à presidência da Câmara dos Deputados, representando o bloco oposicionista, e unificar estratégias para fazer frente ao governo.

Da parte do PSDB, por enquanto, as prioridades são lançar uma grande campanha de filiação para tentar captar os eleitores que não votaram no PT e coletar assinaturas para não deixar morrer a investigação sobre o escândalo da Petrobras na CPI que corre no Congresso — e com previsão de acabar neste ano. O partido também pretende trabalhar duro para evitar a dispersão do contingente de insatisfeitos que foi às ruas na reta final da campanha. Para isso, fincará o pé nas redes sociais, universo em que a sigla atua ainda timidamente, se comparada ao PT. Fernando Henrique Cardoso é, entre os tucanos, quem defende com maior vigor a necessidade de investir no segmento jovem.

No Senado, o plano do PSDB é fazer com que o seu ex-candidato à Presidência fale "menos no âmbito congressual e mais para a sociedade", de acordo com um deputado que atuou na coordenação da campanha, querendo dizer que ninguém verá o mineiro travando debates verbais da tribuna com adversários menos graduados. Aécio será preservado para assumir o papel reservado a ele: o de líder da oposição. No que depender do senador, e a contar pela sua movimentação nos últimos dias, a arena já não está vazia.

"O Brasil perdeu o medo do PT"

Pelo telefone, a voz de Aécio Neves em nada se parece com a do candidato vencido que, no domingo, ao assumir a derrota, discursou em tom abatido por pouco mais de dois minutos. O timbre mudou – é de novo o de alguém em combate. De sua fazenda em Minas Gerais, o tucano falou a VEJA sobre os erros da campanha, os planos para o futuro e o novo país que ele acredita ter saído destas eleições.

O senhor saiu desta eleição com a maior votação que um candidato do PSDB já teve no segundo turno, o apoio de 51 milhões de brasileiros e o título de "líder natural da oposição". Como pretende usar esse patrimônio?

Pretendo usá-lo para cumprir minha parte no que será a missão do nosso partido a partir de agora: ser a voz e o sentimento de mais de 50 milhões de brasileiros que demonstraram com a contundência do voto que estão cansados da incompetência e dos desvios éticos desse grupo que está no governo. Desvios éticos que na eleição ficaram ainda mais patentes como o modo de ser deles. O uso despudorado da máquina pública e o terrorismo com que o PT intimidou os eleitores são manifestações de uma mesma visão de mundo, a de que eles são donos do país e podem fazer impunemente tudo o que quiserem. Essa violência não tem paralelo na nossa história democrática. Foram cruéis com os eleitores ao mentir descaradamente para eles. Na baixeza para com seus adversários, o PT estabeleceu também um novo e degradante patamar. Primeiro o Eduardo Campos e depois a Marina Silva foram tratados não como adversários políticos com visões diferentes das deles. Foram tratados como inimigos da humanidade, como seres humanos moralmente defeituosos, maus e insensíveis. Uma eleição ganha dessa maneira diminui o Brasil perante o mundo e perante nós mesmos. A torpeza de métodos do PT depois se voltou contra mim com toda a força, o que me fez pensar com mais carinho em Eduardo e Marina, pessoas decentes, figuras públicas com contribuições sociais extraordinárias para o povo brasileiro, destroçadas sem dó pela máquina do PT. Mas essa campanha produziu um avanço importante. Enquanto o PT envenenava o horário eleitoral, surgia nas ruas uma reação espontânea de resistência cívica popular. As pessoas retomaram as ruas, redescobriram a coragem. Finalmente, depois de tantos anos, o Brasil perdeu o medo do PT.

Esse sentimento cívico que o senhor despertou vai durar quanto tempo?

A vitalidade que esta campanha injetou nas pessoas é uma força que não se dissipará facilmente. Ela vai nos manter unidos. Esse Brasil sem medo do PT vai ser percebido logo pelo governo.
A sociedade está muito mais atenta, vigilante e serenamente imune ao discurso raivoso dos petistas. A oposição saiu revigorada desse processo. Estou pronto para assumir meu lugar nela.

Sem trégua nem lua de mel, como disse o senador (e candidato a vice na chapa tucana) Aloysio Nunes?

Os 51 milhões de brasileiros que se puseram na oposição nas eleições esperam que seus representantes no Congresso sejam vigilantes e firmes. Que se oponham ao governo, e não ao país. Seremos firmes porque nossos eleitores reprovaram nas umas os métodos do PT, sua visão de mundo, seus desvios éticos, a forma como compõe o governo e a forma como governa. Não vamos permitir que o governo desvie a atenção dos brasileiros do maior escândalo de corrupção da nossa história, o da Petrobras.

A presidente Dilma declarou na semana passada que pensa em "chamar para conversar" o senhor e Marina Silva. O senhor vai conversar?

Antes de qualquer coisa, temos de aguardar para ver que cara terá esse governo e que caminhos ele escolherá. Depois disso, claro, podemos pensar em conversar sobre propostas que tenham claro e efetivo efeito positivo para o Brasil. Mas ir lá só para tomar um café não faz sentido. Por tudo o que a convivência com ela nesta campanha mostrou, não seria sequer agradável.

Como recebeu a notícia da derrota?

Houve um primeiro momento de perplexidade com o resultado. Porque o clima era de vitória, era de mudança... Mas minha frustração não foi propriamente por ter perdido a eleição, mas por ter chegado muito próximo de poder dar ao Brasil um novo projeto de futuro, mais generoso para com a sociedade, mais qualificado na economia, mais ousado na política externa. Eu me preparei pessoalmente e em termos de equipe para isso. Tomo emprestada a frase da Marina sobre "perder ganhando". Fizemos uma campanha digna, honrada, que fez com que pessoas que não se conheciam se abraçassem nas ruas e voltassem a acreditar que podem ser protagonistas do seu destino, do seu futuro. Isso tudo me deu a certeza de que perdemos ganhando. Já a nossa adversária, pelo nível da campanha que fez, ganhou perdendo. E o Brasil vai perder se ela mantiver no governo o mesmo padrão de aparelhamento, de distribuição de cargos em troca de apoio, de total descaso pela gestão e de política econômica que espanta o investimento produtivo do nosso país.

Danilo de Castro, presidente do PSDB, disse que Minas Gerais "falhou com um grande estadista". O que o fez perder para Dilma em seu estado natal?

Tenho plena consciência das conquistas e dos avanços que o meu governo proporcionou a Minas Gerais, mas, infelizmente, a força destrutiva que o PT direcionou para o meu estado foi
tão intensa que muita gente pode ter tido dúvidas.

Erros estratégicos, seus ou de sua campanha, pesaram?

Não ter me envolvido diretamente com mais frequência em Minas pode ter sido um erro estratégico.

Foi um fator o desempenho de Pimenta da Veiga, candidato do PSDB que perdeu a eleição para governador no primeiro turno?

Não é justo pôr a culpa nele.

Dilma disse que espera "ser uma presidente e uma pessoa melhor". O senhor acredita nisso?

Um bom começo é ser mais verdadeira, mais atenta à sua consciência e menos ao seu marqueteiro e agir acima das conveniências políticas, pondo em primeiro lugar o interesse dos brasileiros.

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