domingo, 30 de novembro de 2014

Opinião do dia – Aécio Neves

Na campanha, o PT dizia que aumentar os juros tiraria comida da mesa do trabalhador. Três dias depois da eleição, foi justamente isso o que o governo Dilma fez.

Aécio Neves, 54, senador por Minas Gerais, foi candidato à Presidência da República pelo PSDB na eleição deste ano. Trinta dias, Folha de S. Paulo, 30 de novembro de 2014.

Ação da Lava Jato contra empreiteiras influi na guinada ortodoxa do governo

Vera Rosa - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - A descoberta de um vigoroso esquema de corrupção na Petrobrás pesou na decisão da presidente Dilma Rousseff de trilhar o caminho da ortodoxia na política econômica, segundo ministros ouvidos pelo Estado. Com o crescimento beirando a zero, investimentos em queda e o perigo de rebaixamento da nota do Brasil pelas agências de classificação de risco, a Operação Lava Jato, da Polícia Federal, obrigou Dilma a passar uma borracha no discurso de campanha, ignorar os protestos do PT e mergulhar no pragmatismo.

No Palácio do Planalto, a indicação do economista Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda dividiu auxiliares da presidente, mas acabou definida como "mal necessário" para resgatar a confiança na economia.

Ex-secretário do Tesouro no governo Lula, de perfil conservador, Levy tem a missão de acabar com as "pedaladas fiscais". O temor dos petistas é de que, pela austeridade, ele "jogue fora a criança com a água do banho", cortando programas sociais.

Reunidos em Fortaleza nos últimos dois dias, dirigentes do PT disseram, a portas fechadas, que não vão aceitar a imposição, por parte de Levy, de uma "agenda dos derrotados", numa referência ao "choque de gestão" defendido pelo senador Aécio Neves (MG), então candidato do PSDB. Em público, porém, os petistas combinaram um discurso para avalizar a escolha do novo ministro.
Dilma vai manter sob controle do PT pastas que são caras ao partido, como Saúde e Desenvolvimento Agrário, mas não admitirá que dirigentes petistas "apitem" na economia.

Ao anunciar Levy na Fazenda, Nelson Barbosa no comando do Planejamento e a continuidade de Alexandre Tombini na presidência do Banco Central, Dilma agiu com precisão cirúrgica para pacificar o mercado e se reaproximar de empresários e investidores. Tudo foi feito para reduzir o clima de incerteza, agravado após a Lava Jato.

"Temos que ganhar o jogo na escalação, antes de o time entrar em campo", disse o senador Delcídio Amaral (PT-MS), ex-diretor da Petrobrás. "O governo foi obrigado a emitir sinais antecipados para que todos sintam que a mudança é para valer."

Em recente conversa com senadores do PT, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tentou acalmar os ânimos dos correligionários, que não escondem a insatisfação com o estilo de Dilma, avesso aos rituais da política. "Vocês podem não acreditar, mas ela vai mudar", garantiu.

Diante do fracasso da nova matriz econômica levada a cabo pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, Dilma tem no radar as mudanças na política fiscal, o monitoramento da inflação e as alterações na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), ainda não aprovadas pelo Congresso, que liberam o governo de fazer superávit primário - a poupança para pagamento dos juros da dívida.

Está muito preocupada, no entanto, com os desdobramentos da Lava Jato sobre a política e as concessões em infraestrutura que, se não saírem do papel, derrubam a perspectiva de arrecadação do governo em 2015.

Risco. "Isso certamente atrapalha os investimentos", admitiu o empresário Jorge Gerdau, presidente da Câmara de Políticas de Gestão, Desempenho e Competitividade - órgão vinculado ao Ministério da Casa Civil -, numa alusão às ações da Polícia Federal que escancararam os desvios de recursos na Petrobrás para a distribuição de propinas entre políticos.

Após o escândalo que levou à prisão chefes de grandes empreiteiras, a companhia também precisará "recriar" condições para investir em obras.

"As coisas têm que andar bem. Não se pode ter problemas importantes como estamos tendo, que afetem em menor ou maior escala o Congresso e a economia. O mercado financeiro tem muitas opções no mundo e vai se alocar onde o risco e a rentabilidade se conjugam da melhor forma", argumentou Gerdau, que preside o Conselho de Administração do Grupo Gerdau.

Foco em ajuste fiscal durará dois anos

• Em segundo mandato, Dilma deve cortar gastos e elevar juros para só depois se concentrar em promover crescimento

• Assessores esperam altas maiores de taxa, e, em busca de choque de credibilidade, aperto pode vir ainda este mês

Valdo Cruz – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Depois do fracasso da chamada nova matriz econômica, lançada pelo ministro Guido Mantega, o segundo mandato da presidente Dilma Rousseff vai ser marcado por dois anos de juros mais altos e corte de gastos, seguido por dois anos de foco na maturação de medidas voltadas ao crescimento do país.

A primeira fase da política econômica --caso Dilma dê autonomia à sua nova equipe-- terá como objetivo levar a inflação para o centro da meta, de 4,5%, ao final de 2016, e colocar em ordem as contas públicas gradualmente nos próximos três anos.

Como o ajuste fiscal será gradual, no início do trabalho da nova equipe caberá ao Banco Central de Alexandre Tombini a tarefa maior, o que ele já tem deixado claro.

A sinalização é de um possível aumento da dose de alta da taxa de juros, hoje em 11,25% ao ano, como parte do choque de credibilidade que o novo time formado ainda por Joaquim Levy e Nelson Barbosa, novos ministros da Fazenda e Planejamento, vai aplicar na economia.

Segundo avaliam assessores presidenciais, esse aperto monetário pode vir nesta semana, com o Banco Central elevando os juros em 0,50 ponto percentual, em vez do 0,25 da mais recente reunião do Copom (Comitê de Política Monetária), em outubro.

Dobrar a dose do aumento, segundo assessores, estaria em sintonia com os últimos discursos de Tombini e sua equipe, que têm indicado que o BC vai se manter "especialmente vigilante" para conter os efeitos do dólar em alta e do reajuste de preços administrados, como a conta de luz, sobre a inflação.

Outro caminho, não descartado no cenário de economia estagnada, seria manter o aumento de 0,25 ponto percentual, mas sinalizar que o ciclo de alta tende a ser mais longo do que o previsto diante da pressão inflacionária.

Nas palavras de um assessor presidencial, o segundo mandato de Dilma terá, em sua primeira metade, mais a cara da dupla Levy/Tombini. Na segunda, mais a de Nelson Barbosa. O trio, destaca o auxiliar, vai trabalhar em sintonia porque o sucesso de uma fase depende da outra.

Ele lembra que Levy tem destacado a importância de fazer o país voltar a crescer para melhorar as contas públicas, enquanto Barbosa ressalta que, sem ajuste, o país não retomará a confiança para acelerar o crescimento.

Nova missão
O futuro ministro do Planejamento ganhou a missão de preparar medidas voltadas a retomar o crescimento econômico, que vai seguir baixo nos dois primeiros anos do segundo governo Dilma.

O ritmo fraco da economia em 2015 foi a razão, segundo Levy, para fixar a meta de superavit primário (economia de gastos para pagamento dos juros da dívida pública) em 1,2% do Produto Interno Bruto. Nos dois anos seguintes, ela será de ao menos 2%.

Não é possível acelerar o crescimento no curto prazo, nas palavras da nova equipe, sem pôr em risco a saúde econômica e a continuidade do avanço das políticas sociais.

A missão de Barbosa é, nesta fase de vacas magras, preparar ações para estimular o investimento nacional e estrangeiro no setor produtivo. Daí a decisão de transferir para o Ministério do Planejamento a coordenação dos programas de concessões do governo, incluindo o programa de banda larga.

A avaliação feita pela nova equipe com Dilma é que a saída para a retomada do crescimento passa pelo aumento do investimento do setor privado, já que a capacidade de investir do Estado nos próximos três anos será limitada.

Tucano acusa Janot de tentar blindar governo

• "Veja" diz que procurador tem falado em risco à "governabilidade"; procuradoria nega

- Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - O senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP) acusou neste sábado (29) o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, de tentar blindar o governo. Motivo: uma nota da revista "Veja" desta semana que afirma que Janot vem se reunindo com representantes de empreiteiras envolvidas na Operação Lava Jato.

Segundo a nota, Janot articula para que os executivos admitam a formação de cartel para atuar na Petrobras argumentando que se trata de um crime econômico, mais defensável. Janot, segundo a revista, teria falado em riscos à "governabilidade" e prometido que as firmas não seriam declaradas inidôneas.

Por meio de sua assessoria, o procurador afirmou que as informações publicadas na "Veja" não procedem e que, como já declarou antes, "numa delação premiada tudo é negociável, menos o perdão".

Ferreira afirmou que pedirá explicações ao procurador.

"Isso é um escândalo. O senhor Rodrigo Janot não pode virar o pizzaiolo-geral da República", disse. "As empresas assumem a culpa, livram os políticos, porque não haveria mais a propina; a Petrobras vira vítima e a presidente Dilma, uma justiceira."

O tucano lembra que as denúncias de corrupção cairiam apenas sobre Paulo Roberto Costa, ex-diretor da estatal que já admitiu ao Ministério Público ter recebido propina.

A OAS afirmou neste sábado que representantes seus jamais se reuniram com Rodrigo Janot. Lembra, porém, que eventuais contatos entre acusados e Ministério Público são comuns em um ambiente democrático.

A Folha não conseguiu localizar representantes da Camargo Corrêa, a outra empreiteira citada pela revista.

Chefe de subsidiária da Petrobrás deixa cargo em definitivo

• Licenciado, Machado é suspeito de ter patrimônio incompatível com renda; padrinho, Renan manterá influência na Transpetro

Mônica Ciarelli e Fernanda Nunes - O Estado de S. Paulo

/RIO - Apontado pelo ex-diretor da Petrobrás Paulo Roberto Costa como envolvido em um esquema de corrupção que está sendo investigado pela Operação Lava Jato, Sergio Machado deixará nesta semana em definitivo a presidência da Transpetro, subsidiária de logística e transportes da companhia petrolífera. O cargo, no entanto, deve continuar sob influência do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL).

Machado se licenciou do cargo no dia, logo após a PriceWaterhouseCoopers, que audita o balanço da petroleira, ter se recusado a assinar o documento caso o presidente da Transpetro permanecesse no cargo. Em depoimento ao juiz federal Sérgio Moro, no Paraná, Costa disse que recebeu R$ 500 mil em dinheiro das mãos de Machado, como parte do esquema de pagamento de propina envolvendo a Petrobrás . Até agora, ele é único dirigente do atual comando da estatal e subsidiárias que teve o nome relacionado diretamente ao esquema de propinas.

Anteontem, promotores do Ministério Público do Rio ouviram como testemunha o ex-diretor da Petrobrás, que cumpre pena domiciliar na capital fluminense, em outro inquérito, de 2010, que investiga a “evolução patrimonial incompatível com a renda do presidente da Transpetro”.

Com a saída definitiva do executivo, o comando da Transpetro entrou na cota de negociação da presidente Dilma Rousseff para garantir apoio no Congresso no segundo mandato. Após negociações, o governo decidiu manter o cargo na cota do grupo de Renan, que era padrinho político de Machado.

Como o Estado mostrou no dia 11, empresas contratadas pela Transpetro financiaram a campanha de Renan ao Senado em 2010. A SS Administração e Serviços e a Rio Maguari Serviços e Transporte Rodoviário, que vão construir 20 barcaças destinadas ao transporte de etanol em São Paulo, doaram R$ 400 mil ao PMDB de Alagoas três meses antes de vencerem a concorrência. Renan defendeu a legalidade das doações e a Transpetro, descartando a irregularidades na contratação feita pela subsidiária da Petrobrás.

Em uma ação de improbidade administrativa, o Ministério Público Federal acusa Machado de fraudar licitação, em 2010, para a compra de 20 comboios, no valor de US$ 239 milhões, para transporte de etanol. Em outubro o Ministério Público pediu à Justiça que decretasse seu afastamento e o bloqueio de seus bens.

Coronel. Filho de tradicional família cearense de Crateús, o administrador de empresas e economista Sergio Machado, de 68 anos, tinha fama de coronel entre seus funcionários. Isso porque os executivos de sua equipe eram obrigados a estar disponíveis aos seus chamados a qualquer hora do dia ou da noite.

Quando contrariado, revelou um ex-funcionário, ele gritava: “Isso é um absurdo”, e dava um tapa na mesa.Quem trabalhava no andar da presidência sofria com a longa jornada de trabalho do executivo. Deixar a Transpetro antes do chefe não era bem visto. Machado chegava às 9 horas e saía meia-noite. Mas era comum varar a madrugada trabalhando. Além disso, segundo funcionários, exigia extrema fidelidade da equipe.

Machado não recebia políticos em seu escritório. Mas embarcava religiosamente uma vez por semana para Brasília para costurar articulações com parlamentares. Já representantes do setor naval eram comumente vistos na Transpetro.

Quem conhece Machado diz que ele também gosta de discursar a plateias, como nos tempos de deputado e senador. Um estilo que não agradava à presidente Dilma. Em público, a relação entre os dois era cordial, mas incomodava a tentativa do executivo de se apresentar como “pai” do Programa de Renovação e Expansão da Frota (Promef), projeto de contratação de navios e responsável pela retomada do setor naval.

Tamanho o apreço de Sergio Machado pelo Promef que, da sua sala, acompanhava as obras em tempo real, por uma tela instalada na parede.

Pagamento da dívida consome 23% de tudo o que governo federal gasta

• Previdência custará R$ 402 bilhões em 2014, quase o dobro das despesas com Saúde e Educação juntas

Alexandre Rodrigues – O Globo

RIO - Enquanto o país acompanha debates acalorados no Congresso em torno da proposta de alteração da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) — para liberar a presidente Dilma Rousseff das penalidades por gastar mais do que ela mesma havia previsto —, não é fácil dizer exatamente em que o governo gasta tanto. Para tornar essa resposta mais fácil, a Diretoria de Análise de Políticas Públicas (FGV/DAPP) desenvolveu o Mosaico do Orçamento, uma ferramenta interativa disponível na internet a partir de hoje que permite a qualquer cidadão visualizar onde vai parar o que sai dos bolsos dos brasileiros na forma de impostos. Logo na primeira visualização é possível constatar que, do total de R$ 1,8 trilhão em gastos autorizados no Orçamento da União em 2014, nada menos do que 23,1% vão direto para o pagamento de juros e amortização da dívida pública, entre outros encargos financeiros do governo federal. São R$ 410 bilhões que vão, na sua maioria, para as mãos de credores.

A segunda maior fatia do Orçamento, 22,7%, é consumida pelo Ministério da Previdência. A despesa com aposentadorias, benefícios e pensões este ano é de pouco mais de R$ 402 bilhões. Esse valor é quase o dobro do que gastam, juntos, os ministérios da Educação e da Saúde, que ficam com 5,6% e 6% de todo o Orçamento, respectivamente. Políticas sociais do governo como o Bolsa Família, a cargo do Ministério do Desenvolvimento Social, custam este ano R$ 69 bilhões, apenas 3,9% de todo o Orçamento.

Uma das principais características do Orçamento federal é o alto percentual de gastos obrigatórios, cujo destino é fixado por lei: quase 90%. Nesse quesito também entram os gastos com o funcionalismo público, que consomem 14% de todos os recursos do governo, R$ 241,7 bilhões só este ano — percentual apontado por outra ferramenta criada pela DAPP/FGV para funcionar em paralelo com o Mosaico, a Geologia Orçamentária. Com ela, é possível desmistificar o senso comum de que o gasto com salários é crescente no governo. Desde 2001, essa camada do Orçamento que engloba todos os órgãos públicos federais se mantém praticamente na mesma faixa. Já foi até um pouco maior. Em 2002, último ano do governo de Fernando Henrique Cardoso, o funcionalismo custava R$ 73,5 bilhões, em valores corrigidos pela inflação oficial do período, 15% do Orçamento.

As ferramentas também revelam que a prática política brasileira de vincular gastos a determinados programas beneficiou de forma diferente as despesas com Educação e Saúde entre 2001 e 2014, período em que o Orçamento da União quase dobrou em termos reais. O bolo disponível para as despesas públicas saltou de R$ 918,4 bilhões para R$ 1,8 trilhão em pouco mais de uma década. A fatia do Ministério da Educação no Orçamento cresceu de 3,8% para 5,25%, principalmente na função ensino profissional, com programas como o Pronatec. Já a do Ministério da Saúde manteve-se praticamente a mesma: 6% do Orçamento, que hoje equivalem a pouco mais de R$ 107 bilhões.

Na pesquisa por função, aparece a alta do gasto em Assistência Social, que não tinha um ministério específico no governo FH. Em 2014, o Orçamento tinha R$ 68,7 bilhões para essa função, quase 4% do total, fatia três vezes maior do que a de 2001.

Advogados apostam em ministros do STF para conter juiz

Frederico Vasconcelos – Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Argumentos como os que os advogados têm usado para tentar afastar o juiz Sergio Moro da Operação Lava Jato foram oferecidos antes sem sucesso contra Joaquim Barbosa, relator do mensalão no Supremo Tribunal Federal.

Barbosa foi acusado de parcialidade e pré-julgamento, mas submeteu ao plenário as petições apresentadas pelos advogados e sempre obteve apoio dos colegas, apesar das divergências sobre o caso.

Na Lava Jato, os advogados dizem que Moro age para manter as ações sob sua responsabilidade na primeira instância, evitando que menções a políticos com foro no STF levem o caso para longe.

Mas os processos com políticos envolvidos já estão no Supremo, onde correm sob sigilo por ordem do ministro Teori Zavascki. Se Moro permitisse que os acusados fossem indagados por fatos ligados a políticos, estaria agindo fora de sua competência legal.

Alberto Zacharias Toron, advogado que representa executivos de uma empreiteira acusada de participação no esquema, disse à Folha que as prisões autorizadas por Moro têm a meta de coagir suspeitos a colaborar com a Justiça.

O constrangimento das prisões e o temor de punições rigorosas podem de fato levar os acusados a tomar decisões precipitadas, mas não é possível concluir um acordo de delação premiada sem ter a concordância dos advogados.

Muitos criticam Moro por crerem que teriam melhores condições de defender seus clientes se todos os processos fossem para o STF, e não só os que envolverem políticos.

Ministros da corte têm restrições a Moro, magistrado que, eles dizem, às vezes resiste ou expressa inconformismo ao ser contrariado por decisões de instância superior.

Há menos de dois meses, o ministro do STF Gilmar Mendes mandou à corregedoria do Tribunal Regional Federal da 4ª Região cópia de um processo aberto para apurar se Moro cometera infração disciplinar num caso.

O processo é relacionado ao julgamento, em 2013, de habeas corpus impetrado em 2008 por um doleiro condenado a nove anos de prisão. O doleiro queria afastar Moro do caso, alegando parcialidade.

Em 2010, o relator, Eros Grau, rejeitou a suspeição. Mendes pediu vista e se disse impressionado com vários incidentes do processo e os "repetidos decretos de prisão", mesmo admitindo que todos estavam "fundamentados".

Moro chegara a ordenar o monitoramento dos advogados do caso, permitindo busca de informações sobre viagens de avião. Teori Zavaski entendeu que era para cumprir ordem de prisão. Mendes e Celso de Mello classificaram o fato como "gravíssimo".

Mello chegou a sugerir que o processo todo fosse invalidado, mas nenhum outro ministro concordou. Mendes disse não ver motivo para afastar Moro do caso, mas sugeriu que a reclamação dos advogados fosse enviada ao Conselho Nacional de Justiça e à corregedoria regional do TRF.

O CNJ já havia arquivado acusações do doleiro e dos advogados contra Moro.

Lava Jato apura elo de esquema na Transpetro

• Força-tarefa analisa arquivos de ex-diretor com referências à subsidiária e a Sergio Machado

Fausto Macedo e Ricardo Brandt - O Estado de S. Paulo

CURITIBA - Anotações da agenda do ex-diretor da Petrobrás Paulo Roberto Costa, arquivos dos computadores de sua empresa (Costa Global) e um depoimento prestado à Justiça Federal em agosto indicam que o esquema de corrupção e propina que atuou em contratos bilionários da estatal – como as obras da refinaria Abreu e Lima e do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro – mirou também no setor de construção e locação de navios.

Com base na análise dos registros de contabilidade e de reuniões, temas e projetos feitos por Costa entre 2006 e 2012, os investigadores acreditam que os desvios na área naval não se limitaram à Diretoria de Abastecimento, sob o seu comando, mas avançaram sobre a Transpetro, controlada politicamente pelo PMDB desde 2003.

Em depoimento em 8 de agosto, Costa disse que recebeu do então presidente da Transpetro, Sergio Machado, R$ 500 mil como parte de pagamento de propina referente ao fretamento de navios entre 2009 e 2010, que envolvia a Diretoria de Abastecimento e a Transpetro.

Na agenda e arquivos do ex-diretor – que já firmou um acordo de delação premiada com o Ministério Público Federal – há referências à “construção de navios”, “estaleiros”, “contrato de transporte Transpetro”, nomes de grandes empresas do setor naval e “Sergio Machado”. As anotações foram feitas após Costa deixar a Petrobrás, em 2012. Há também planilhas de recebimento de comissão – de mais de R$ 5 milhões – pelo aluguel de grandes navios, entre 2006 e 2010, quando ele ainda era diretor da estatal.

O material, apreendido em março e analisado até agosto, foi compartilhado pela força-tarefa da Lava Jato com o Ministério Público Estadual do Rio, na semana passada, por determinação do juiz federal Sérgio Moro, que conduz os autos da Lava Jato. Os promotores pediram os documentos para anexar à investigação aberta em 2010 que apura suspeita de enriquecimento ilícito de Machado.

Subsidiárias. As próximas fases da Lava Jato passarão a investigar outras obras da Petrobrás e contratos firmados por suas subsidiárias, como a Transpetro e a BR Distribuidora, e o Petros, o fundo de pensão dos trabalhadores.

A força-tarefa da Lava Jato tem concentrado suas investigações na construção da refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco. A partir de 2015, outras obras da estatal, as demais diretorias (Serviços e Internacional) da Petrobrás e subsidiárias terão as investigações aprofundadas individualmente.

Responsável pelo transporte de combustível produzido pela Petrobrás, a Transpetro só ganhou força a partir de 2004, quando o governo federal lançou o Programa de Modernização e Expansão da Frota (Promef), com investimento de R$ 11 bilhões para construção de 49 navios e 20 comboios hidroviários. Desses, sete entraram em operação.

Conforme as investigações da Lava Jato, um dos genros de Costa, Humberto Sampaio Mesquita, foi o operador do esquema envolvendo navios na Petrobrás em nome do PP. Beto, como é conhecido, controlava pelo menos três contas no exterior e fazia a movimentação da propina na área naval para o sogro. Foi o que apontou o réu confesso do esquema, o doleiro Alberto Youssef, no depoimento que os réus prestaram no dia 8 de agosto à Justiça Federal, em Curitiba. “Tinha quem operava a área de navios, que era o seu de Costa genro.”

A suspeita é de que o esquema tenha funcionado tanto na Diretoria de Abastecimento da petrolífera como na Transpetro. Ao afirmar que recebeu propina das mãos de Machado, Costa foi questionado pelo juiz federal Sérgio Moro, que conduz os processos da Lava Jato, se o esquema que abasteceu partidos e políticos descoberto nas obras da refinaria Abreu e Lima “acontecia também em relação a empresas ligadas a Petrobrás, subsidiárias”. “A Transpetro tem alguns, alguns casos de repasse para políticos, sim”, afirmou o ex-diretor.

Na Câmara, processos só após ação no STF

• Líderes de partidos dizem que tendência inicial será de cautela em relação a possibilidade de cassar mandatos

Isabel Braga e Júnia Gama – O Globo

BRASÍLIA – Os efeitos da Operação Lava-Jato no Congresso devem ser mais lentos que a avalanche que se abateu sobre o mundo empresarial e atingiu executivos das principais empreiteiras do país. A citação de um número expressivo de parlamentares que estariam envolvidos no esquema de corrupção na Petrobras, cerca de 70, - o equivalente a quase um Senado - deixou o Congresso apreensivo, mas a tendência, dizem líderes partidários, será de cautela em relação às cassações de mandato. Primeiro, dizem, é preciso aguardar a denúncia do Ministério Público. E só após a revelação de provas mais contundentes e a aceitação da denúncia pelo Supremo Tribunal Federal (STF) os casos devem avançar no Conselho de Ética.

Líder do maior partido da base e forte candidato à presidir a Câmara nos próximos dois anos, o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) defende que eventuais processos de cassação contra parlamentares citados no esquema só tenham início após o Supremo Tribunal Federal (STF) se manifestar sobre o tema.

- Vai depender do conteúdo da denúncia. O critério é a comprovação. Imagine o sujeito citar o nome, dizer que esteve com a pessoa, que recebeu doação na casa. Cadê a prova? Esse processo terá que ser tratado com normalidade institucional. Não é só a denúncia do Ministério Público, o Supremo tem que admitir o recebimento - afirmou o líder do PMDB na Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ).

Cunha sustenta que vários deputados estão denunciados ou mesmo sendo processados no STF e nem por isso respondem a processo no Conselho de Ética:

- É preciso ter calma, não criar um clima de paralisia do Legislativo. Deixar correr dentro da normalidade. Não é nem sangria desatada, nem passo de tartaruga. Se eles estão levando esse tempo todo para divulgar, o Congresso não precisa resolver em cinco minutos.

Mesmo na oposição, o raciocínio é cauteloso. Embora afirmem que o Congresso pode se antecipar ao STF e dar início a processos de cassação, líderes destacam a necessidade de provas sólidas do envolvimento de senadores e deputados nas irregularidades. Líder de uma das principais legendas que fazem embate ao governo, o deputado Mendonça Filho (DEM-PE) sinaliza que a oposição será cuidadosa.

- Não é porque seja parlamentar ou não, isso diz respeito a qualquer cidadão. Para ser envolvido em indícios nessa operação criminosa, é preciso que se tenha provas ou ao menos indícios muito fortes de atos ilícitos, provas testemunhais e factuais. Estamos falando da honra e da vida de pessoas. Mas claro que todo mundo que tiver envolvimento nesses crimes tem que ser punido no âmbito penal e ético - diz Mendonça Filho.

O líder do DEM diz que caberá ao Congresso avaliar as condições reais de provas do envolvimento desses parlamentares.

- O que o Congresso fará vai depender das provas que forem apresentadas. Não precisa concluir uma ação penal para saber se alguém quebrou decoro ou não, até porque no Congresso tratamos o aspecto ético, e não penal. Apesar da Operação Lava-Jato ter avançado mais que a CPMI da Petrobras, o processo ético pode ser iniciado com os dados coletados pela comissão - aponta Mendonça Filho.

Para o líder do PSDB no Senado, Aloysio Nunes (SP), o processo de cassação no Congresso não depende de uma ação anterior do STF. O senador tucano cita casos como o do ex-deputado Ibsen Pinheiro, que teve seu mandato cassado após a CPI do Orçamento, mas não sofreu condenação judicial.

- Para abrir um processo no Congresso, basta você ter o cheiro, não a prova concreta. A noção de decoro, que é política, não se confunde com a condenação judicial. O julgamento político deve ocorrer diante de evidências de que o parlamentar teve uma conduta que não se espera de um representante do povo. Mas claro que a acusação tem que ser fundada, não pode ser uma coisa fútil. Não se tira um mandato popular sem razões fortes. Mas também não é preciso esperar uma condenação do Supremo, se não, nunca se teria uma cassação. A decisão do Congresso obedece a critérios diferentes do STF - disse Nunes.

"Acordão" para salvar mandatos
A tropa de choque governista trabalha no Congresso para vincular todos os partidos da base e da oposição ao esquema de corrupção na Petrobras e viabilizar, assim, a possibilidade de um "acordão" que preserve a maior parte dos parlamentares citados na investigação. Mas, a oposição já começa a aplicar a vacina para se diferenciar dos parlamentares governistas que tenham se beneficiado do esquema.

Na CPMI da Petrobras, integrantes do PT mandaram recado de que poderia haver uma caça às bruxas caso a oposição insistisse na quebra de sigilo do tesoureiro do PT, João Vaccari Neto. Senadores defenderam que, para abrir o sigilo de Vaccari, seria preciso abrir de todos os tesoureiros dos demais partidos, já que muitas das legendas receberam doações das empreiteiras envolvidas no escândalo.

- É absurdo querer misturar quem se envolveu com pagamento de propina e tráfico de influência com quem apenas recebeu doações legais de empresas. É da regra do jogo receber doações, o que não pode é vincular essas doações a uma ação governamental. Essa confusão só interessa ao PT e ao governo. É a saída que eles constroem para não apurar nada - rebate Mendonça Filho.

Chico Alencar (PSOL-RJ) diz que as investigações já produziram efeito inédito no país, alcançando agentes públicos, diretores executivos da Petrobras e das principais empreiteiras do país, além de operadores da rede de corrupção. Está faltando, lembra ele, o último elo da cadeia, que são os parlamentares e altas autoridades do Executivo. Ele também espera uma reação rápida do Congresso, mas diz que, diante da possibilidade de envolvimento dos principais partidos da Casa, é preciso haver pressão da sociedade.

- Como pega os principais partidos e financiadores,pode gerar o mesmo efeito reflexo. Assim como no plano econômico estão dizendo que as empresas não podem ficar inidôneas, no plano político também podem alegar: se condenar todos, gera um vazio político. Essa é uma Casa política. A reação aqui vai depender muito de como a sociedade irá reagir. Se for com indignação, cobrança, se levar para as ruas, haverá força para cassar. Se a reação for de desencanto, ficar em casa, o resultado será de pouco abalo.

Irmão de ex-ministro diz que ‘entregou envelopes lacrados em muitos lugares’

• Adarico Negromonte afirmou que doleiro Alberto Youssef lhe foi apresentado pelo ex-deputado José Janene (PP)

Fausto Macedo e Ricardo Brandt - O Estado de S. Paulo

CURITIBA - O irmão do ex-ministro Mário Negromonte (Cidades), Adarico Negromonte, disse à Polícia Federal que foi apresentado ao doleiro Alberto Youssef – alvo central da Operação Lava Jato – pelo ex-deputado José Janene (PP/PR) e que ganhava R$ 1.500 por semana para “entregar envelopes lacrados”. Ele afirmou que não sabe o que tinha dentro dos envelopes que o doleiro lhe passava.

Adarico ficou preso uma semana na sede da PF em Curitiba, base da Lava Jato, sob acusação de atuar como ‘mula’ do doleiro para transporte de valores de propinas. Ele foi solto nesta sexta feira, 29, por ordem do juiz Sérgio Moro, que conduz as ações da Lava Jato.

Orientado por suas advogadas, Adarico Negromonte apresentou-se segunda feira, 25. A Justiça Federal havia decretado sua prisão temporária. Na PF, ele declarou que desde o final do ano de 2011 “prestava serviços” para o doleiro, personagem central do esquema de corrupção e propinas na Petrobrás.

A PF vinha monitorando Adarico havia meses, antes mesmo do estouro da Lava Jato, em março de 2014, quando Youssef foi preso com o ex-diretor de Abastecimento da estatal petrolífera, Paulo Roberto Costa.

Adarico Negromonte, de 68 anos, disse que ia ao escritório de Youssef, situado à Avenida São Gabriel, em São Paulo. Ele contou que “após muito insistir” conseguiu o emprego de motorista do doleiro, mas que não sabia da verdadeira atividade de Youssef. “Janene me disse que Youssef era um empresário que prestou serviços para ele. Jamais pensei que Youssef estivesse envolvido nessa falcatrua toda. ”

Janene, que foi réu do processo do mensalão, morreu em 2010. Adarico Negromonte disse que soube das denúncias sobre a Petrobrás “pela imprensa”. Ele relatou que levava a namorada do doleiro, Taiana Camargo, “ao médico e para passear”. Geralmente, disse, quem ligava para ele, a mando de Youssef, era Rafael Ângulo – apontado como ‘laranja’ e ‘carregador de mala’ do doleiro. “Eu levava e buscava pessoas nos aeroportos e hotéis”, contou o irmão do ex-ministro de Cidades (2011/2012) do governo Dilma Rousseff (PT).

Ele afirmou que não sabe os destinatários dos envelopes lacrados. “Não sei ao certo para onde, pois foram muitos lugares.” A PF quis saber se ele levava envelopes para empreiteiras ou a agentes públicos, ele disse que não. Afirmou, ainda, que “nunca esteve na sede da Petrobrás ou outra empresa estatal”. Também declarou que levava apenas os envelopes, nunca “malas ou volumes maiores”.

Revelou que Rafael Ângulo o acompanhava na entrega dos envelopes. “Minha remuneração era R$ 1.500 por semana, sem carteira assinada.Sempre coube a Rafael entregar os envelopes. Nunca desci do carro para fazer (a entrega).”

Ele disse que viajou para “outros Estados” para fazer a entrega dos envelopes. Uma vez viajou para o exterior com Rafael Ângulo, “a passeio”, mas sem envelopes. “Pedimos a revogação da prisão temporária do sr. Adarico e o juiz acabou entendendo nossos argumentos”, declarou a advogada Joyce Roysen, que defende o irmão do ex-ministro.

Em sua decisão, o juiz Sérgio Moro anotou que Negromonte exercia o papel de “subordinado”, por isso não viu necessidade de estender o prazo de prisão do irmão do ex-ministro.

PT ameniza texto sobre expulsão de envolvidos em corrupção

• De última hora, foi retirada determinação de que afastamento seja "imediato"

Simone Iglesias e Thays Lavor* - O Globo

FORTALEZA – O Diretório Nacional do PT aprovou ontem documento no qual afirma que qualquer filiado comprovadamente envolvido em corrupção será expulso. O texto não prevê em que momento isso deve acontecer. A versão original estabelecia que a expulsão seria "imediata", mas essa palavra foi retirada ontem da versão aprovada. "Manifestamos a disposição firme e inabalável de apoiar o combate à corrupção. Qualquer filiado que tiver, de forma comprovada, participado de corrupção, deve ser expulso", diz o documento, aprovado em meio às investigações do escândalo de corrupção na Petrobras.

O documento foi proposto pela Mensagem, uma das mais importantes correntes do PT, e aprovado por consenso pelo diretório, reunido em Fortaleza. Apesar da retirada da previsão de expulsão imediata, o presidente do PT, Rui Falcão, disse que a ideia central permanece. Mas antes das expulsão, todos terão direito a defesa.

- Se há algum envolvimento, quero saber se as denúncias são comprovadas ou não. Todos têm direito a defesa e ao contraditório. Reafirmo que, se alguém estiver envolvido, essas pessoas não ficarão no PT.

No documento, o PT diz "exigir" que as investigações relacionadas à Operação Lava-Jato sejam conduzidas dentro dos marcos legais "e não se prestem a ser instrumentalizadas, de forma fraudulenta, por objetivos partidários". Outro trecho diz:"É inaceitável que a palavra dos delatores, inclusive já condenados outras vezes, seja aceita como verdadeira sem prova documental. A liberdade de expressão não pode ser confundida com o exercício interessado da calúnia e da difamação. Todo acusado, seja de que partido for, deve ter o direito de defesa e ser julgado com o devido processo legal".

Rui Falcão disse ter ido duas vezes ao Supremo Tribunal Federal pedir ao ministro relator da Lava-Jato, Teori Zavascki, acesso aos autos do processo no que se refere ao PT. Segundo Falcão, o ministro ficou de analisar o pedido. O dirigente afirmou que o tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, tem sido vítima de ataques infundados e de forma sistemática.

- Ele (Vaccari) reafirmou publicamente sua inocência, que todos nós já acreditávamos, condenando os ataques infundados que têm sido feitos a ele.

Falcão minimizou as manifestações contra o governo lideradas pelo PSDB, a quem chamou ironicamente de "campeão da luta contra a corrupção".

- (São) pequenos surtos que a gente vê na (Avenida) Paulista. Só uma vez reuniu 10 mil pessoas e se dividiram em grupos, um indo para o quartel do Exército. (*Especial para O GLOBO)

Aécio Neves - Trinta dias

• Hoje está mais claro do que nunca que a presidente concordava com os alertas que fiz na campanha sobre os problemas que o país enfrenta

- Folha de S. Paulo

Completamos um mês do fim das eleições presidenciais. Tudo o que se viu neste período comprova, na prática, o que a oposição denunciou no processo eleitoral: a grave situação em que o país se encontra.

Além dos prejuízos causados pela má gestão e pela corrupção endêmica, o PT prestou, recentemente, mais dois grandes desserviços ao Brasil. Um na campanha, outro nos dias que se seguiram.

O primeiro, na ânsia de vencer a qualquer custo, o de legitimar a mentira e a difamação como armas do embate político. O segundo, o de contribuir para a perda da credibilidade da atividade política ao fazer, sem qualquer constrangimento, nos dias seguintes à eleição, tudo o que afirmou que não faria.

Como a atividade política é instrumento fundamental da vida democrática, sua desmoralização só interessa aos autoritários, para quem o discurso político não é compromisso, mas encenação que desrespeita e agride a cidadania.

Finda a eleição, a candidata eleita, rapidamente, pôs de lado as determinações do marketing e colocou em prática tudo o que acusou a oposição de pretender fazer.

Fez isso sem dar satisfação à opinião pública. Sem dar explicação sequer a seus próprios eleitores. Os mesmos eleitores que observam, atônitos, a presidente implantar as "medidas impopulares", que usou como matéria-prima do terrorismo eleitoral contra seus adversários.

Hoje a realidade demonstra que ela concordava com todos os alertas que fiz sobre os problemas enfrentados pelo país, mas entre o respeito à verdade e aos brasileiros, e a insinceridade ditada pela conveniência do marketing, a presidente escolheu o marketing, o que não contribui para engrandecer a sua vitória.

Na campanha, o PT dizia que aumentar os juros tiraria comida da mesa do trabalhador. Três dias depois da eleição, foi justamente isso o que o governo Dilma fez.

No discurso do PT, se eleita, a oposição iria reajustar a gasolina, governar com banqueiros e patrões. Vencida a eleição, o governo anunciou o aumento dos combustíveis e convidou um banqueiro para a Fazenda. Anunciou ainda dois novos ministros: para cuidar da agricultura e da indústria, a dirigente e o ex-dirigente das confederações patronais.

Mesmo conhecendo a realidade, a candidata teve coragem de dizer que a inflação e as contas públicas estavam sob controle. Agora, deparamos com mais um rombo espetacular e manobras inimagináveis para maquiar as obrigações da Lei de Responsabilidade Fiscal.

Surpresos, os brasileiros assistem àquilo que muitos estão chamando de estelionato eleitoral. Tudo isso explica a indignação de milhares de pessoas que vão às ruas e se mantêm mobilizadas nas redes sociais.

São pessoas que se sentem lesadas, mas esse sentimento não tem relação com o resultado eleitoral em si. Processos eleitorais fortalecem a democracia, qualquer que seja o resultado da eleição. Vencer e perder são faces da mesma moeda. As pessoas estão se sentindo lesadas porque os valores que saíram vencedores na disputa envergonham o país.

Além do grave descalabro econômico e administrativo agora revelado, é assustador o que ocorre com a nossa maior empresa. Nos debates, ofereci várias oportunidades para a candidata oficial pedir desculpas aos brasileiros por ter tirado a Petrobras das páginas econômicas e a levado para o noticiário policial.

A situação, desde então, agravou-se de uma maneira jamais imaginada. A Petrobras hoje é um caso de polícia internacional. Não há mais como se desculpar.

Por outro lado, não deixa de ser simbólico o fato de a presidente ter se negado a participar do anúncio dos novos ministros da área econômica. É possível que ela tenha se sentido constrangida por correr o risco de se encontrar com a candidata Dilma Rousseff.

Os últimos 30 dias são uma amostra da situação real do Brasil e do que vem pela frente. E nos mostram por que não podemos nos dispersar.

Aécio Neves, 54, senador por Minas Gerais, foi candidato à Presidência da República pelo PSDB na eleição deste ano

Fernando Gabeira - Elite branca do B

• É mais fácil enganar as pessoas do que convencê-las de que foram enganadas

- O Globo / Segundo Caderno

Um amigo que veio do exterior estava surpreso com o Brasil. Soube da campanha eleitoral, da luta contra a elite branca, dos filmes mostrando como um banqueiro iria tirar a comida da mesa dos pobres. Ao chegar, encontra a vencedora procurando alguém do mercado, com capacidade para ajustar suas contas, que por sinal bateram um recorde negativo em outubro: R$ 8,13 bilhões negativos nas transações correntes.

Como explicar isso? Respondi que os números falavam por eles próprios. Ou melhor, começaram a falar depois das eleições, porque muitos deles foram, devidamente, engavetados durante a campanha. E as famílias pobres diante da mesa de jantar? A lógica implacável dos números acaba impondo do PT o que mais estigmatizava no adversário: um fazedor de contas, alguém que não espanque a aritmética.

Mais surpreendente ainda é a possível escolha de Kátia Abreu para a Agricultura. O amigo leu no “Guardian” sua primeira entrevista dela. Kátia disse que seu modelo político era Margaret Thatcher. E o repórter concluiu que combaterá os ecologistas como Thatcher combateu os mineiros em greve. Para isso não tenho grandes explicações. Conheci Kátia no Congresso e tanto com ela como com Ronaldo Caiado tive discussões produtivas. Não acredito que veja no meio ambiente um entrave ao progresso, como Dilma, naquele célebre ato falho em Copenhague. Mas as pessoas mudam. Não entendo como se espelhar em Thatcher e querer subir na carreira política sem conhecer melhor a trajetória da mulher que a inspira sua jornada.

Thatcher jamais mudou de partido e dificilmente entraria num governo no auge de um escândalo de proporções mundiais, o maior das democracias ocidentais, segundo o “New York Times”.
Ela pode usar uma bolsa a tiracolo, como Thatcher, mas seu programa é muito distinto dos conservadores ingleses, ainda hoje no poder. Eles têm uma das políticas ambientais mais avançadas do mundo. Talvez em outras entrevistas ela possa se explicar melhor. A impressão que o “Guardian” transmitiu era de que o meio ambiente e os grupos indígenas seriam um obstáculo para o projeto de Kátia: superar os EUA na produção de alimentos. Ela sabe que grande parte dos problemas tem solução negociada, e a própria ciência pode ser uma excelente referência para definirmos o caminho de um crescimento sustentável. Grandes dramas como a crise hídrica envolvem, por exemplo, a agricultura e toda a sociedade brasileira: não há bala de prata nem dama de ferro que dê conta deles.

O tom da reportagem assusta. Mas não deixa de ser irônico, concluí para o amigo que chega: o grande fantasma da campanha de Dilma era a elite branca e agora nos oferecem um diretor de banco e uma discípula de Margaret Thatcher numa versão tropical. Só mergulhando na nossa cultura política para tornar isso ao menos inteligível. O PT tem o hábito de dividir o país; pobres contra ricos, regiões contra regiões.

Mas quando a situação aparece com mais complexidade, precisa de novas subdivisões. Daí a necessidade de uma elite branca do B. A mesma subdivisão já aplicada à direita: uma direita como Ronaldo Caiado e uma direita do B, Paulo Maluf, Jader Barbalho, Newton Cardoso. Ninguém deve, portanto, temer ser considerado de direita ou da elite branca. Há sempre a escolha: elite branca do B ou direita do B. Uma política econômica sensata é o que precisamos, inclusive nesta conjuntura internacional. Seria algo estável no horizonte, porque os céus da política indicam tempestade.

O escândalo do Petrolão deve deixar inúmeras marcas. A própria imagem internacional do Brasil está em jogo. O momento é especial porque entramos num pesadelo de cifras. Todos os protagonistas levando milhões, até as formigas no Espírito Santo custaram R$ 67 milhões à Petrobras. Sessenta e sete milhões para as formigas, 200 para um subgerente, quanto não desapareceu nesse circuito?

Os malabaristas terão trabalho para explicar. Sua tática é sempre sumir no tempo e na multidão, com duas frases típicas: sempre foi assim, todo mundo faz. Houve corrupção na Petrobras em governos anteriores. Mas nada se compara ao uso sistemático da empresa para alimentar partidos políticos. O argumento de que sempre foi assim e todos fazem assim é a maneira de nos ejetar do aqui e agora e mergulhar num espaço mítico. Aliás, esta ideia de que sempre foi assim lembra um pouco da rigidez da morte. É só nela que não existem caminhos de renovação. Enquanto os petistas estiverem escondidos nas dobras do tempo e na multidão de corruptos, será difícil abordá-los.

Creio que é de Mark Twain esta frase: é mais fácil enganar as pessoas do que convencê-las de que foram enganadas. Compreender o Petrolão é uma dura tarefa. Se falharmos, o Brasil vira uma espécie de buraco negro. No espaço, esses buracos são uma singularidade gravitacional: não valem na sua proximidade as leis da física. Aqui embaixo, buracos negros são os países onde não valem as leis do Código Penal.

Merval Pereira - A democracia ameaçada

- O Globo

A democracia representativa em contraposição à democracia direta, com o uso de plebiscitos e consultas populares, este foi um debate importante no seminário da Academia da Latinidade realizado em Omã. De um lado um dos maiores filósofos da atualidade, o italiano Giani Vatimo, defensor de políticos "carismáticos" como Lula, Chavez e Fidel Castro e crítico das democracias "assépticas" que dão, segundo ele, mais valor ao equilíbrio do orçamento e à estabilidade política do que às paixões que podem transformar a sociedade.

Às críticas à democracia representativa, o especialista espanhol em filosofia política Daniel Innerarity, da Universidade do País Basco e professor visitante do Instituto Europeu em Florença, lançou um repto: não teríamos uma democracia aberta e uma política fraca, consequência de uma época em que a despolitização da democracia parece a muitos uma solução?

Como se estivesse respondendo às críticas do filósofo italiano Giani Vatimo de que tratei na coluna de ontem, Innerarity advertiu que a democracia pode ser seriamente ameaçada por procedimentos democráticos que permitem o acesso àqueles que querem destruí-la, mas também por que certos procedimentos claramente democráticos, se mal utilizados, podem prejudicar a qualidade da democracia.

"Há demandas por democracia direta ou plebiscitária", exemplifica ele, ou "a crença na transparência como um princípio universal". Nesses casos, garante Innerarity, o surgimento de governos populistas é apenas um sintoma de uma época cujos fracassos só superaremos se nos engajarmos na defesa da política contra a democracia despolitizada.

Ele constata que a possibilidade de exercer o que Pierre Rosanvallon chamou de "contrademocracia", devido aos avanços tecnológicos, e a não participação em eleições, por exemplo, não significa a falta de interesse desses cidadãos no espaço público. O novo ativismo, é individualista, isolado, orientado para questões de estilo de vida e crescentemente apolítico.

O professor espanhol diz que as pessoas mais indiferentes à política no seu formato tradicional são as mais ativas em arenas alternativas ou extraparlamentares, e acreditam que a não participação em eleições é uma decisão política. "Vivemos em uma sociedade que não quer mais ocupar o poder para realizar certos processos sociais, mas que em vez disso quer evitar abusos de poder. A sociedade contemporânea prefere a transparência no presente a responsabilidades futuras, e exerce a desconfiança da soberania negativa".

Daniel Innerarity diz que a democracia representativa sofre com a ambivalência de cidadãos cujas demandas desarticuladas são frequentemente contraditórias, incoerentes e disfuncionais. "É um tabu falar desse perigo, pois muitos da classe política e dos que escrevem sobre política adoram o povo e não o cobram de nenhuma responsabilidade".

O professor espanhol considera que a democracia representativa é a melhor invenção a que chegamos para conciliar, não sem tensões, o princípio de que o cidadão é o único soberano na democracia, com a complexidade dos negócios políticos.

"Por paradoxal que pareça, não há outro sistema como a democracia indireta e representativa quando se trata de proteger a democracia da imaturidade, incerteza e impaciência do conjunto dos cidadãos", analisa Innerarity que cita as pesquisas de opinião e expectativas exageradas por transparência ou soluções imediatistas como as ameaças modernas à democracia, e classifica como "tragédia contemporânea" o fato de que eleitores e eleitos são continuamente forçados a escolher entre a racionalidade e o populismo, por que "os governos são inábeis para explicar suas decisões e os cidadãos são incapazes de entendê-las".

Innerarity acha que esse drama imobiliza os políticos "que sabem o que teriam que fazer, mas não sabem como se reeleger caso o façam". Uma de suas críticas mais agudas é para a transformação de eleitores em consumidores, o que faz com que a política se misture com o imediatismo de curto prazo. Essa seria a consequência do predomínio das pesquisas de opinião e dos plebiscitos, que fazem com que a política se preocupe apenas com as demandas do momento presente.

Para Daniel Innerarity, seria preciso que os cidadãos, além de criticar, se educassem no engajamento pessoal da política. Talvez assim, diz ele, entenderíamos que estamos em uma situação paradoxal na qual ninguém confia na política, embora existam coisas que somente a política pode resolver.

Ele está falando, claro, sobre a política no sentido mais nobre, e não em politicagem.

Dora Kramer - Outro ponto na curva

- O Estado de S. Paulo

Os ministros da 5.ª Turma do Superior Tribunal de Justiça negaram por unanimidade na quarta-feira o pedido de liberação de um homem acusado de trabalhar para o doleiro Alberto Youssef e aproveitaram a ocasião para se manifestarem abertamente sobre a corrupção que assola do País, tomando como exemplo o caso da Petrobrás.

"Uma das maiores vergonhas da humanidade", nas palavras do ministro Newton Trisotto; "Acho que nenhum país viveu tamanha roubalheira", acompanhou Félix Fischer; "O petróleo não é nosso, é deles, dessa quadrilha", sugeriu o subprocurador da República Brasilino Pereira dos Santos.

Palavras duras, que sustentam a posição do juiz federal Sérgio Moro, cuja atuação no processo decorrente da Operação Lava Jato vem sendo fortemente contestada pela defesa dos acusados. Guardadas as proporções e o momento, assim como ocorreu com o ministro Joaquim Barbosa, acusado de cometer toda sorte de arbitrariedades como relator do processo do mensalão.

A atitude dos ministros do STJ pode ensejar alegações de que estejam antecipando decisões futuras sobre outros recursos apresentados pelos advogados que atuam nesse caso. E não se pode negar que seja isso mesmo. É quase como se estivessem dizendo: "Por aqui não passarão".

Por uma questão bastante objetiva: a bandalheira ultrapassou todas as barreiras do abuso, forçando uma mudança de parâmetros. Os mesmos utilizados pela maioria dos ministros no processo do mensalão e que privilegiaram a realidade, a lógica e a clareza dos fatos em detrimento das tecnicalidades jurídicas. Os navegantes do mar de lama das transações ilícitas à custa do Estado passaram a desafiar abertamente a Justiça, que, se não reage, submete-se aos ditames da ilegalidade.

Estamos vendo agora que o processo do mensalão não foi um ponto fora da curva. Muito menos o Supremo fez o papel de tribunal de exceção: julgou os réus na conformidade do vigor dos fatos apresentados na denúncia da Procuradoria-Geral da República e depois relatados por Joaquim Barbosa.

Exorbitância houve, mas quem cometeu não foram os juízes, e sim os autores dos crimes que, à altura em que foi exposta ao País sua dimensão, foram vistos como "a mais grave agressão aos valores democráticos que se possa conceber", nas palavras do então procurador-geral, Roberto Gurgel, ao manter a denúncia apresentada cinco anos antes pelo antecessor Antonio Fernando de Souza.

Descobria-se ali que, a partir da Casa Civil, no governo montara-se um esquema de ilícitos envolvendo partidos, banqueiros, empresários, políticos e publicitários. A ambição desmedida, a certeza de que a bandeira da ética seria proteção garantida, que a aliança com notórios finórios o faria apenas sócio ideológico do projeto de financiamento de permanência no poder fizeram o PT perder a cerimônia e atuar com zero parcimônia.

Primeiro o partido deparou-se com a fúria de um aliado em quem pretendia passar a rasteira (Roberto Jefferson) e depois com a lisura de juízes que acreditava serem capazes de trocar a tarefa de guardar a Constituição pelo "favor" que supostamente teriam ficado devendo aos autores de suas indicações.

A julgar pelo prosseguimento do esquema da Petrobrás (ou quantos mais houver) mesmo depois de presos os envolvidos no mensalão, a lição não foi bem compreendida.

Virou tostão. Com os escândalos de corrupção girando em torno de bilhões, foi-se o tempo em que aumento de salários de autoridades provocava reações indignadas.

Diante das notícias sobre a Operação Lava Jato e seus desdobramentos, parece até bobagem se preocupar com o aumento de 26% que a Câmara dos Deputados se prepara para aprovar na remuneração de parlamentares, ministros, presidente da República e, consequentemente, funcionalismo público federal, estadual e municipal País afora.

Igor Gielow - Anestesia geral

- Folha de S. Paulo

A clássica coleção de ensaios "Sobre Fotografia", da americana Susan Sontag, discorre entre outras coisas sobre uma certa amortização de sentidos que a repetição "ad nauseam" de imagens chocantes provocaria sobre o público.

Algo muito parecido ao que a publicação de 1977 descreve ocorre no Brasil hoje. Escândalos em sucessão parecem tirar a perspectiva do todo. Cifras bilionárias, como as do caso Petrobras, sugerem nos levar para uma apatia sem fim.

Isso ocorre no jornalismo. "Só roubaram R$ 5 milhões? Não vale destacar muito" é uma frase verossímil numa fictícia conversa entre editor e repórter --como se qualquer um deles fosse, salvo raras exceções, ter acesso a tal quantia algum dia.

Assim, seguindo a cartilha de Sontag, vivemos um "voyeurismo crônico" com a bizarrice reinante. O risco é óbvio: os espertos podem se safar.

Veja o caso dos deputados André Vargas (ex-PT-PR) e Luiz Argôlo (SDD-BA). Eles muito provavelmente se livrarão da cassação de seus mandatos, podendo assim manter seus direitos políticos intactos ao fim do ano legislativo, em dezembro.

Ambos foram envolvidos nos rolos do doleiro Alberto Youssef. Tiveram sua cassação recomendada, após manobras diversas e longa procrastinação que nada teve de inocente, pelo Conselho de Ética da Câmara.

E agora? Por "falta de tempo", os dois têm tudo para passar o Natal em casa como ex-deputados com ficha limpa no Congresso --se assim permanecerão na Justiça, isso só o tempo dirá. O fato de serem peixes aparentemente pequenos no oceano de malfeitos revelado parece os relegar a um conveniente espaço lateral.

Pouco antes de morrer, em 2004, Sontag refletiu sobre as imagens da morte nas guerras após o 11 de Setembro e fez uma retratação parcial de suas visões do "Sobre Fotografia". Talvez ainda esteja em tempo de algum revisionismo permear as reações às roubalheiras e afins por aqui.

João Bosco Rabello - O efeito colateral em 2016

- O Estado de S. Paulo

Se, de um lado, tem potencial para devolver ao País a estabilidade econômica, de outro, o programa de recuperação fiscal anunciado pela nova equipe econômica se constitui em fator de agravamento da perda de densidade eleitoral do PT nas eleições municipais de 2016.

Sua extensão por três anos submete o partido à receita impopular para correção de rumos, consequência da gestão populista amparada na fartura de crédito e consumo, e na ilimitada farra de gastos públicos, revogada pela realidade econômica que impôs à presidente Dilma Rousseff uma guinada ortodoxa, à revelia de suas convicções.

Por instinto de sobrevivência, a presidente busca salvar seu segundo mandato, atenta à sua biografia e à meta de viabilizar o retorno de Lula em 2018. Ambos, Dilma e Lula, aos tapas e beijos, como na canção sertaneja, cuidam de administrar a reação da militância ao que o líder do PT no Senado, Humberto Costa (PE), chama de "apenas uma etapa".

Costa, afinado com o ainda secretário-geral da Presidência, Gilberto Carvalho, age na linha preventiva de amenizar o efeito da desilusão do eleitorado petista já registrada na recente eleição de outubro, em todos os níveis. É quase inútil, mas é o que resta ao partido.

A economia respira por aparelhos e a gestão anunciada de Joaquim Levy e Nelson Barbosa representam seu ingresso na UTI, desmoralizando o discurso de campanha da presidente Dilma Rousseff, mas também indicando a pouca serventia da pergunta mais frequente nas rodas políticas e econômicas - se é para valer a renúncia da presidente ao seu modelo econômico.

A realidade pode revogar convicções ou, em escala menor, simplesmente arquivá-las compulsoriamente, à falta de outra saída.

Dilma se insere em uma dessas duas circunstâncias, mas decifrar qual delas a move torna-se secundário diante da inevitabilidade do receituário e do longo prazo de sua aplicação.

Alinhado ao drama político produzido pelas investigações na Petrobrás, o cenário para o governo representa o fim do projeto de poder do PT, que o levou ao delírio de instalar na estrutura do Estado um sistema de corrupção política de dimensões jamais vistas, capaz de banalizar a prática histórica no País.

À oposição, em um primeiro momento, a nova equipe econômica impõe a dificuldade de contestar escolhas que representam seu público e seu discurso.

Será preciso descolar-se da indignação com a aplicação pelo governo da receita que denunciava como crime contra a população, para adotar comportamento estratégico na missão fiscalizadora que lhe foi delegada pela quase metade do eleitorado de 2014.

Clóvis Rossi - Um começo bem medíocre

• Nova equipe liga o piloto automático em vez de pensar nas ideias novas prometidas na campanha

- Folha de S. Paulo

Não poderia ser mais medíocre o primeiro ato do segundo mandato de Dilma Rousseff.

Primeiro porque ela própria nem se dignou a aparecer na apresentação em sociedade de sua nova equipe econômica.

Se eu não fosse inimigo número um de teorias conspiratórias, até diria que a indicação não foi dela.

Por isso, preferiu ficar em algum gabinete palaciano (ou em alguma masmorra, se me mantivesse na teoria conspiratória) em vez de endossar com a presença o novo duo (o terceiro, Alexandre Tombini, não é novo; continua na função de presidente do Banco Central).

É ridículo. Se a candidata dizia, durante a campanha, que a governo novo correspondem ideias novas, o primeiro ato teria que ser, obrigatoriamente, o enunciado das tais novas ideias, no pressuposto de que elas de fato existam.

Medíocre também foi o anúncio de que a prioridade do novo/velho governo será obter um superavit fiscal. Dou o devido desconto ao fato de que não cabia mesmo a Joaquim Levy/Nelson Barbosa/Tombini anunciar ideias novas que fossem além da economia.

Essa era a tarefa inalienável da presidente.

Ainda assim, há alguém aí que acredita que o Brasil terá todos os seus problemas resolvidos graças à prioridade concedida ao superavit fiscal anunciado?

Levy fez apenas o papel para o qual foi convocado, o de falar aos agentes de mercado, que, de resto, nem sequer foram eleitores de Dilma. Nem pensar em falar aos eleitores da própria presidente e ao público em geral, que não fazem parte do que os argentinos gostam de chamar de "patria financiera".

É a fala de um burocrata, quando a estagnação em que se encontra a pátria --e não apenas na economia, mas também em educação, saúde, mobilidade urbana, segurança pública, infraestrutura e um vasto etc.-- exige um estadista.

O novo governo mostrou-se refém dos detentores dos papéis da dívida pública. São eles que exigem um superavit fiscal que permita continuar tratando a dívida como algo sagrado que não se pode tocar.

Não, caro ortodoxo aí no sofá, não estou pregando o calote, embora ache que, se empresas e indivíduos podem renegociar suas dívidas, por que o governo não pode?

O que estou defendendo é que pelo menos se pense nas tais "ideias novas" do slogan de campanha.

Ideias, como, por exemplo, uma taxação excepcional sobre o patrimônio, cujo resultado seria dedicado a eliminar ou reduzir a dívida pública. É a proposta de Thomas Piketty, a nova estrela da economia mundial, em seu livro "O Capital no Século 21".

Manter o piloto automático (aumentar ou manter o superavit primário para pagar a dívida) é condenar o país à mediocridade por sabe-se lá quanto tempo.

Até a "Economist", a revista que pediu a cabeça de Guido Mantega e saudou, com muitas ressalvas, a escolha da nova equipe econômica, diz que "o crescimento [da economia] cairá a princípio e pode não se recuperar por um ano ou dois".

Você acha que o país está em condições de jogar fora nem que seja apenas um ano?

Carlos Melo - Uma presidente que virou refém das circunstâncias

- O Estado de S. Paulo

Por pontos, Dilma Rousseff venceu a eleição; vitória legítima. Mas a realidade que a cerca a torna refém das circunstâncias. Reduzidas são suas condições de impor pontos de vista e deixar fluir o jorro ideológico que brotou na campanha. Ao contrário da retórica triunfalista dos primeiros dias, a natural potência da reeleição agora escoa num indesmentível desgaste que drena o poder e a capacidade de ação da presidente.

Sem condescendência ou ressentimento, o analista perceberá que são várias e simultâneas as frentes de conflito em que o governo está metido - mais numerosas que os dedos das mãos. Pode-se dizer que Dilma envolveu-se - ou foi envolvida - numa penca de problemas. Vem ao caso discutir, aqui, apenas as aflições mais prementes: o escândalo da Petrobrás e o front da economia.

É nesses dois campos que, no curto prazo, residem os mais elevados riscos. Independentemente da vontade do governo ou de seu partido, não há controle sobre o duto da delação premiada: mais e mais implicados avaliam que o único meio para reduzir suas penas seja colaborar e também abrir o bico, liberando o fluxo de novas denúncias e envolvidos. O rio é caudaloso; quem saberá aonde vai dar?

Diante disso, as alternativas de Dilma se escassearam. O melhor seria fugir para frente: implementar processo de desenvolvimento elevado, garantir empregos e renda. Mas, como fazê-lo sem recursos e com a credibilidade econômica em pane? A crise de credibilidade reduz a confiança do investimento privado, as expectativas de melhora são corroídas. A piora econômica se alimenta do mau momento político, potencializado pela economia em frangalhos. Um ciclo de horrores. Necessário cessar o ciclo, estancar a sangria: dar alguns anéis para não ceder todos.

O front econômico é onde Dilma poderia mais imediatamente fazê-lo: acalmar os impacientes agentes de mercado é mais razoável do que enfrentá-los assim enfraquecida. Sim, implica morder a língua, conceder, capitular; reconhecer que o marketing não passou de bravata. Por isso, e não por paixão, a presidente foi em busca do prestígio de Joaquim Levy. Não foi convicção técnica, mas decisão política. Nem gosto, nem opção. Como o sapo, Dilma não pulou a cerca por boniteza, mas por precisão. Claro, pode-se prever que, mais a frente, os efeitos deletérios do ajuste atingirão aliados. Só então se saberá se Dilma se conformará (ou não) com esta margem do rio.

Cientista político e professor do INSPER

Sergio Fausto - O petrolão não é um fato isolado

- O Estado de S. Paulo

Ante os fatos estarrecedores que surgem na apuração do escândalo da Petrobrás, o governo empenha-se em tentativas disparatadas de ora borrar a singular gravidade do esquema de corrupção descoberto, ora atribuir a si os méritos pelo desenrolar desimpedido dos trabalhos da Polícia e do Ministério Público Federais, como se isso não se devesse à autonomia constitucionalmente assegurada a esses órgãos do Estado brasileiro. Melhor teria feito o governo se não tivesse solenemente ignorado, desde 2009, os alertas do TCU de que havia algo de muito errado acontecendo na maior empresa brasileira.

O disparate chega a tal ponto que dias atrás o ministro da Justiça se aventurou em análise sobre a "cultura brasileira" para "explicar" as causas do petrolão. A culpa seria de todos nós, supostamente tolerantes com a prática diária de atos de corrupção, como se o assalto continuado aos cofres da Petrobrás, perpetrado pela associação criminosa de agentes públicos, atores políticos e um cartel de empresas privadas, fosse fenômeno equivalente ao pagamento de propina ao guarda da esquina para evitar uma multa de trânsito. Por mais reprovável que seja este ato, uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa, muito mais grave aquela, por suas repercussões gerais, do que esta. Trata-se de uma obviedade que não deveria escapar a um homem esclarecido e normalmente sensato como José Eduardo Cardozo. É que mesmo as mais lúcidas cabeças do governo andam confusas nos dias que correm.

O rei está nu. No caso, a nudez decorre da revelação de um padrão de desvio de recursos públicos que é novo não apenas por sua escala, mas também porque é parte integrante de um fenômeno político inédito no Brasil: a formação de um bloco de poder articulado por um partido com máquina política e sindical, que mobiliza os instrumentos de um Estado em expansão desregrada para cooptar setores do empresariado e da sociedade e assim tornar viável seu projeto de hegemonia política duradoura. A captura de empresas estatais, agências reguladoras, bancos públicos e fundos de pensão é uma operação constitutiva desse modelo e de sua perpetuação (não um acidente de percurso). Nele há uma peculiar acoplagem dos interesses políticos dominantes à ideologia de que cabe ao Estado o papel de líder e motor do desenvolvimento. Os ideólogos de boa-fé, imbuídos do propósito de fazer a grandeza do Estado e da Nação, não raro confundidos como uma só e mesma coisa, preparam inadvertidamente o terreno ideológico e operacional, quando têm poder para tanto, em que vicejam esquemas de corrupção nos moldes do petrolão.

Com a bonança econômica dos anos Lula, propiciada em boa parte por condições externas muito favoráveis, com a oposição enfraquecida social e politicamente, o modelo rodou a mil por hora. Havia condições financeiras e políticas para contemplar todos os apetites, os legítimos e os ilegítimos. Como costuma acontecer em momentos de euforia, os operadores do modelo - e, por favor, não confundamos os "de boa-fé" com os "de má-fé" - perderam a noção dos riscos econômicos e/ou criminais em que incorriam. Os "de má-fé" experimentaram até recentemente a sensação de impunidade que só o poder aparentemente irrefreável é capaz de oferecer.

O petrolão não pode ser analisado como um ato isolado. Ele é o sintoma mais grave de uma doença que se instalou nos fundos de pensão, nos quais o PT passou a controlar a representação governamental e dos empregados, quando antes havia equilíbrio de forças; nas agências reguladoras, em que a nomeação por critérios técnicos foi substituída pela ocupação partidária; nos bancos públicos, cujas diretorias se abriram aos partidos, a ponto de o tesoureiro de um deles ter sido recentemente nomeado para uma das vice-presidências da Caixa Econômica Federal - para ficar apenas em algumas referências.

Dizer que já havia corrupção nas relações entre agentes públicos, atores políticos e empresas privadas antes de o PT chegar ao poder é afirmar o óbvio. Nessa matéria nenhum partido é puro, nem aqui nem em nenhuma parte do mundo. Não se trata, portanto, de apontar mocinhos e bandidos, mas de verificar em que medida essas relações vão ganhando forma de organização criminosa e penetrando as estruturas do Estado e do sistema político. No limite, dá-se a constituição de um poder paralelo e oculto que comanda o jogo político e empresarial, sob a carapaça da legalidade formal do Estado democrático. É o que aconteceu na Itália, onde até o venerando Giulio Andreotti, diversas vezes primeiro-ministro, se tornou parte integrante da rede mafiosa desbaratada pela Operação Mãos Limpas, no início dos anos 1990.

É desse risco que o Brasil possivelmente se está livrando com a operação Lava Jato, se ela produzir os efeitos desejados na esfera penal. A corrupção que ganhou forma nos últimos 12 anos não é moralmente mais condenável do que a que a precedeu.

Mas é politicamente mais perigosa, pela imbricação sistemática de partidos,
instituições do Estado e cartéis de empresas de grande porte, num esforço coordenado para desviar recursos públicos com o fim último de perpetuar no poder o mesmo sistema que engendrou ou permitiu a ação criminosa organizada. Não é que exista um gênio do mal por trás de tudo isso. O que temos é uma lógica de poder que, se não for quebrada, produzirá um mostro que possivelmente fugirá ao controle mesmo dos que se imaginavam capazes de controlá-lo.

Claro que reformar o sistema político é imprescindível para reduzir as chances de novos petrolões e fortalecer a democracia. Para isso, no entanto, nada é mais importante agora do que traçar com nitidez a divisória que separa a legalidade democrática da atividade criminosa, punindo exemplarmente os que cruzaram essa fronteira, não importa a cor partidária que tenham ou os interesses que representem.

Superintendente executivo do iFHC, colaborador do Latin american program do Baker Institute of Public Policy da Rice University, é membro do Gacint-USP.

Miriam Leitão - A economia do social

- O Globo

Encontrei Joaquim Levy, certa vez, em 2000, animado com um estudo que concluíra com outros economistas do governo. Cumprindo o que a Constituição manda, ele, mergulhado no Orçamento, separava os números: o que era subsídio para empresários e quanto custava. Explicou-me que assim se poderia ver o que restava para os mais pobres nos subsídios e gastos sociais.

O estudo e a longa conversa me renderam uma coluna, uma crônica, e muita reflexão sobre como os mais ricos se apropriam de nacos do dinheiro público exatamente pela falta de transparência, ou pela confusão de rubricas no Orçamento, pelo descontrole. Por isso, quando ele respondeu, durante a entrevista de última quinta-feira, que não se busca “o equilíbrio pelo equilíbrio”, mas para “garantir o avanço social” e permitir à sociedade “o exercício de escolher prioridades”, é disso que ele está falando.

O medíocre debate brasileiro criou conflitos inexistentes, como se já não houvesse suficiente dilema num país tão complexo. Nunca vou entender a suposta esquerda que pensa que a estabilidade é uma agenda da direita. Seja de que lado do campo político a pessoa pense estar, isso é uma questão de lógica: é melhor a estabilidade do que a inflação; a transparência do que a falta de informação; gastos controlados do que descontrolados. Aumentar a despesa com nossos impostos tem que ter hora, lugar e motivo.

O dado que Levy deu na entrevista de estreia é realmente impressionante: um quarto da dívida mobiliária do Governo Federal é o resultado dos repasses para os bancos públicos, principalmente o BNDES. Quantas vezes escrevi que essa sangria era um absurdo e um retrocesso. Voltava-se ao tempo da conta de movimento, em que o Banco do Brasil não tinha limites de gastos porque o Banco Central fazia repasses sequenciais. Foi o que aconteceu com o BNDES de 2008 a 2014.

Nada vai mudar apenas porque Joaquim Levy está no lugar certo, parece afinado com Nelson Barbosa, e o presidente do Banco Central dá sinais de que, afinal, tem companhia. A presidente Dilma precisa deixá-los trabalhar. É preciso que se complete a equipe econômica e quanto mais homogênea ela for, melhor. Levy precisa indicar a equipe de sua confiança, como fez Antonio Palocci em 2003. O lugar-chave é a Secretaria do Tesouro, que nos últimos anos foi uma lamentável oficina de fantasias contábeis.

Não adiantará também o ministro remar para um lado, e os três bancos públicos remarem para outro. Mesmo com os repasses contidos pelo novo ministro, é preciso que os bancos públicos atuem em sintonia com o Ministério da Fazenda.

Não se pode corrigir o rumo pela metade. O risco do qual temos que nos prevenir é grande demais. Se o país perder o grau de investimento, todo o financiamento ficará mais caro. É espantoso que tenhamos aceitado a regressão na escala das agências de risco. Se o Brasil cair mais um degrau para o nível especulativo, tudo ficará mais difícil, principalmente num mundo em que os Estados Unidos estão mais fortes.

Levy enfrentará resistências diárias. Recentemente, numa entrevista que me concedeu, o ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, disse que a política econômica que estava sendo exercida havia ganhado a eleição. Mas a que foi anunciada por Levy-Barbosa-Tombini é bem diferente da que vinha sendo praticada.

Haverá muito trabalho pela frente e um longo deserto a atravessar. O crescimento não voltará de forma imediata. O ajuste das contas públicas, mesmo sendo gradual, é forte. O Tesouro sairá de um déficit primário em 2014 para um superávit de 1,2% do PIB.

Joaquim Levy foi uma excelente escolha. Sua experiência é inegável. Além da trabalhar nos governos de partidos diferentes, foi funcionário do FMI, BID e trabalhou no Banco Central Europeu na formação da nova moeda. Mas tudo isso o desqualifica diante de muita gente do governo no qual ele estará inserido.

Uma amiga me enviou mensagem perguntando quem impôs essa mudança ao governo? Respondi que era a realidade, a mais incontornável das conselheiras. Que os conselhos da realidade sejam ouvidos pela presidente para que a estabilidade monetária permita que a agenda social do país permaneça.