segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Reeleita, Dilma prega união e reforma política

• Dilma é reeleita no pleito mais disputado da história do país e assume compromisso de dialogar com a oposição

Chico Otavio – O Globo

Com uma diferença de apenas 3,3 pontos percentuais, a presidente Dilma Rouseff (PT) foi reeleita ontem e enfrentará um país rachado em seu segundo mandato. Na mais disputada eleição presidencial da história do país, ela ganhou mais quatro anos de mandado com 51,64% dos votos (54,5 milhões de eleitores) contra 48,36% (51 milhões) dados a Aécio Neves. No primeiro pronunciamento após a vitória, fez um apelo à união e ao entendimento, afirmando não acreditar que o país esteja dividido. A presidente assumiu como primeiro compromisso do segundo mandato o diálogo com a oposição:

- Conclamo brasileiros e brasileiras a nos unir em favor do futuro da pátria, do país e do nosso povo. Não acredito que essas eleições tenham dividido o país ao meio. Entendo, sim, que mobilizaram ideias e emoções às vezes contraditórias, mas movidas pela busca de um sentimento comum: um futuro melhor para o país. Em lugar de ampliar divergências e criar um fosso, tenho forte esperança de que a energia mobilizadora tenha preparado um bom terreno para construção de pontes.

Agressividade igual só em 1989
Desde 1989, quando Fernando Collor venceu Lula com uma diferença 4,9 pontos percentuais no segundo turno, o país não via uma eleição tão agressiva, marcada pelo intenso tiroteio verbal entre os dois candidatos. Além dos ataques ostensivos de ambas as partes, a disputa também foi marcada pela guerra subterrânea e apócrifa nas redes sociais. Dilma, agora, quer juntar os cacos:

- O calor da disputa deve ser transformado agora em energia construtiva de um novo momento para o país. Com a força este sentimento mobilizador, é possível encontrar pontos em comum e construir uma boa base de entendimento para fazer o país avançar. Algumas vezes, na história, resultados apertados produziram resultados mais fortes e mais rápidos do que vitórias muito amplas. É essa a nossa esperança.

Foi a terceira vez consecutiva que os brasileiros reelegeram um presidente. E a quarta vitória do PT, que completará 16 anos no poder. Dilma venceu em 15 estados, principalmente no Norte e Nordeste, enquanto Aécio bateu a petista em 12, concentrados no Sul e Centro-Oeste. O Sudeste rachou. São Paulo e Espírito Santo deram vitória ao tucano, enquanto Minas e Rio de Janeiro optaram pela petista. A maior diferença entre os dois foi registrada no Maranhão: 78,75% para Dilma e 21,25% para Aécio.

Um país com baixo crescimento e inflação em alta espera respostas urgentes do futuro governo. Pelas projeções do mercado financeiro, o Brasil só avançará 0,27% este ano e, no ano que vem, as estimativas não ultrapassam 1%. A inflação é outro nó: preços estão subindo no topo estipulado pelo governo. Em setembro, Dilma avisou que o ministro da Fazenda, Guido Mantega, não fica. Outras mudanças são aguardadas. "Governo novo, equipe nova", garantiu a presidente durante a campanha.

Outro desafio urgente será enfrentar a seca histórica nos rios e represas que formam o Sistema Cantareira (SP). Se as chuvas abundantes do verão não vieram, a crise será desastrosa, obrigando o rodízio no abastecimento.

Dilma fez a campanha da desconstrução, misturando o discurso técnico - comparação de números - com a virulência. No primeiro turno, ameaçada por Marina Silva, acusou a adversária do PSB de incoerência ao trocar de partido três vezes e a mudar constantemente de posição. No segundo, a artilharia da presidente voltou-se principalmente para o governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (1994-2001), acusou os tucanos de preconceito com os pobres, e no desempenho de Aécio em Minas no primeiro turno, quando o candidato foi derrotado pelo PT na própria casa.

Leis mais rigorosas contra caixa dois
Aécio tentou empurrá-la para a lona com a munição produzida pelos depoimentos do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa e do doleiro Alberto Youssef, os deladores do esquema de corrupção descoberto pela Operação Lava-a-Jato. Para reduzir os danos, ela prometeu aprovar leis mais rigorosas, como o projeto que pune os agentes públicos que enriquecem sem justificativa e o que transforme em crime a prática de caixa dois.

Para governar, Dilma terá de negociar com um Congresso que terá no senador Aécio Neves a principal referência da oposição. Na Câmara, tomarão assento 28 partidos, a maior parcela constituída de siglas médias e pequenas. PT e PMDB continuam com as maiores bancadas no Congresso Nacional, mas perderam algumas cadeiras. Em pauta, projetos importantes como a reforma política, apontada pela candidata vitoriosa como prioridade.

Aécio disse que telefonou para Dilma, para cumprimentá-la pela vitória.

- E ressaltei à presidente que a maior de suas prioridades deve ser unir o Brasil em torno de um projeto honrado e que dignifique a todos os brasileiros. Mais vivo do que nunca, mais sonhador do que nunca, deixo essa campanha com sentimento de que cumprimos nosso papel - afirmou o tucano.

O resultado de ontem, com a vitória decidida no fio do bigode, é o última de uma sucessão de emoções que o país tem vivido desde de junho do ano passado, quando o Movimento Passe Livre (MPL) convocou um protesto em São Paulo contra o aumento nas tarifas do transporte público municipal que incendiou as ruas do país. Nestes 16 meses, os brasileiros se assustaram com os black blocs, envergonharam-se com a derrota da seleção para a Alemanha por 7 a 1 e se chocaram com a morte de Eduardo Campos em acidente aéreo no dia 13 de agosto.

Confirmado o resultado, Dilma iniciou o discurso da vitória citando o ex-presidente Lula, que estava a seu lado e participou ativamente da campanha petista no segundo turno. Porém, ao contrário de 2010, quando Lula a escolheu para disputar a sucessão e praticamente assumiu o comando da campanha, Dilma desta vez chamou para si o enfrentamento dos adversários. Ela quer provar que o "poste", como era chamada há quatro anos, tem agora luz própria.

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