quinta-feira, 2 de outubro de 2014

Míriam Leitão: Independência ou não?

- O Globo

Dos 27 países com metas de inflação, só o Brasil não tem Banco Central independente e é o que tem a maior taxa de inflação, diz Márcio Garcia, da PUC-Rio. No Brasil, o BC tem sido autônomo demais, o ideal é que o órgão e a equipe econômica pensem da mesma forma, e inflação em 6,5% está em bom nível. Essa é a avaliação de Fernando Nogueira da Costa, professor da Unicamp.

Conversei com os economistas de escolas e pensamentos diferentes sobre esse tem a. Fernando Nogueira da Costa, que deu aulas para a presidente Dilma, discorda até da autonomia operacional: —Sou contra, porque nós escolhemos um programa de governo e ele não pode ser alterado por pessoas que têm mandatos que vão além do período presidencial. Márcio Garcia defende o BC autônomo, com dirigentes com mandatos: —Nós vivemos uma hiperinflação . Vencê-la exigiu a construção de instituições , como a Lei de Responsabilidade Fiscal. O BC tem autonomia , mas para cumprir um mandato que é dado pela sociedade .

Isso não conflita com programa de governo . Nenhum governo ter á o programa de aumentar a inflação . —O Banco Central independente não é necessário nem suficiente para combater a inflação . E pode atrapalhar . Se ele deixar a taxa de câmbio flexível, livre, há um choque cambial que vira um choque inflacionário . Por isso , é preciso coordenar as políticas . O BC não pode fazer uma política que se contraponha à política de crédito dos bancos públicos, por exemplo — diz Fernando da Costa. Para Márcio Garcia , a autonomia ajudaria porque os agentes saberiam que o Banco Central está comprometido em cumprir a meta, e isso derrubaria os juro s de longo prazo: —A infla ão está no topo da meta desde 2010, o mercado não acredita mais que a meta ser á cumprida.

E o governo que vai entrar em 2015 tem outro desafio: 1,5 ponto percentual de inflação reprimida. A meta é 4,5%, e se não tem que cumprir não é a meta. A autonomia ajudaria a reduzir o esforço de trazer a inflação de volta. —A inflação de 6,5% é um resultado bom. A meta central é 4,5%, mas esta é a maior crise mundial desde 1929. É preciso escolher entre taxa de inflação e taxa de desemprego. Há esse trade off (escolha). Vale a pena sacrificar emprego para baixar um ponto e meio de inflação? Interessa aos trabalhadores ter salario real sob controle se ele não tem o emprego? Neste momento de transição , não é nenhum absurdo ter inflação de 6,5%.

O Brasil vai se tornar exportador de petróleo , estabiliza o câmbio e a inflação baixa — diz o professor da Unicamp . — A concepção de que existe trade off entre inflação e desemprego foi abandonada na década de 70. A concepção atual, apoiada por grande pesquisa teórica e empírica, é que não se pode comprar mais crescimento com inflação mais alta. Tudo o que se consegue é inflação persistentemente alta, o que é extremamente perigoso num país como o nosso — diz o professor da PUC. Fernando acha que o BC foi autônomo demais nos últimos anos: —Em setembro de 2004, subiu a taxa de juro s. E por quê? Porque alguns técnicos que não se submetiam à política econômica chegaram à conclusão que era preciso subir juro s e passaram esse ônus para a sociedade .

Foi uma barbeiragem. Em 2008, estoura a crise mundial, e o único banco central que elevou os juro s foi o do Brasil. Outra barbeiragem. Início do governo Dilma, outra alta, e o crescimento baixou significativamente . —Foi essa postura leniente com a inflação que nos levou à hiperinflação . Estamos longe dela, mas é exatamente isso que não pode acontecer — diz Garcia . Como se vê, pensamentos diametralmente opostos.

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